Seishun Buta Yarou – Capítulo 1 – Vol 10 - Anime Center BR

Seishun Buta Yarou – Capítulo 1 – Vol 10

Capítulo 1

Sakuta Azusagawa se perguntou quanto chá oolong seria necessário para justificar os 1.200 ienes que ele pagou pelo serviço de “beba à vontade” por duas horas. Enquanto terminava seu terceiro copo, ele chamou uma garçonete e pediu outro. O resto da mesa começou a fazer pedidos também: cervejas, highballs, lemon sours e oolong-hais.

“Já volto!” disse ela com um sorriso. Depois desapareceu na cozinha.

Enquanto esperavam, Sakuta encheu a boca com o gelo restante. Antes que ele derretesse, a garçonete voltou com uma bandeja cheia de copos e canecas.

“Seu chá oolong”, ela disse, colocando o copo na frente dele.

Havia um canudo no copo, então ele tomou um gole. Tinha o leve amargor do chá oolong, não diferente do que vendiam na mercearia local. Um litro custaria duzentos ienes. O preço de entrada aqui lhe daria doze litros inteiros.

Tentar beber tudo isso em duas horas seria apenas tortura. Ele viveria mais se desistisse da ideia de que valeria a pena.

Enquanto esses pensamentos passavam por sua mente, uma garota perguntou:

“Posso me sentar aqui?”

Ele olhou para cima e a viu em pé do outro lado da mesa baixa. Ela usava um vestido longo amarrado na cintura com um cinto que parecia uma fita. Nos ombros, uma jaqueta militar com as mangas enroladas.

Seu cabelo era um pouco claro, e metade dele estava preso em um coque solto casual, sem parecer desleixada. Mas seu corpo era fino a ponto de parecer frágil. Ela sorria, mas não parecia muito confiante, talvez a pinta em forma de lágrima desse essa impressão.

“Eu preferia que não”, Sakuta admitiu.

“……”

A garota da pinta manteve seu olhar, piscando lentamente, como se nunca tivesse ocorrido a ela que ele pudesse dizer não.

“Por que não?” ela perguntou após três segundos completos.

Ela se sentou à sua frente, alisando a saia para não amassá-la. Claramente, sua tentativa de rejeição não funcionou.

A garota colocou uma bebida pela metade na mesa. O gelo estava derretendo e os lados do copo estavam úmidos. Ela puxou um prato de aperitivo, claramente se acomodando.

“Já posso sentir os olhares furiosos nas minhas costas.”

Ele nem precisava se virar. Ela tinha vindo de outra mesa, deixando para trás uma amiga de cabelo curto, e três homens. Quando ele pediu seu chá, ele os viu com os celulares na mão, trocando informações de contato.

“Começaram a trocar IDs, então eu saí.” Sua mesa era aparentemente um refúgio.

“Você podia simplesmente recusar.”

“Queria eu poder.”

A garota da pinta parecia um pouco perdida, mas essa poderia ser sua expressão padrão, então ele não conseguia dizer se ela realmente estava.

“Tem algum motivo para não poder?”

“… Eu simplesmente não tenho um celular.” Demorou um segundo para ela admitir.

“Você é uma das poucas”, ele disse.

“Ninguém nunca acredita em mim.”

A verdade nem sempre soa verdadeira. Às vezes, soa como uma mentira ruim. Para tornar a verdade convincente, ela teria que explicar por quê, e provavelmente preferia não fazê-lo.

“O que, você teve um dia ruim e o jogou no oceano?”

“As pessoas realmente fazem isso?”

Ele já tinha feito isso, mas como ela riu, Sakuta optou por não compartilhar essa informação.

“Mas como você vive sem um celular?”

“As pessoas morrem sem um?”

“Assim me disseram. A fonte é uma garota de ensino médio que eu conheço.”

“… Uma garota de ensino médio?”

Isso definitivamente tinha uma nota de desprezo. Estudantes universitários não podiam conhecer ninguém mais jovem?

“Uma kouhai da minha antiga escola”, ele tentou explicar, antes que ela tirasse conclusões impróprias.

“Acho que está certo. Saúde.”

A transição entre essas frases foi perdida para ele, mas ela levantou um copo, e ele tocou o dele no dela. Cada um tomou um gole com seus respectivos canudos.

“O que você está bebendo?”

“Chá oolong.”

“Eu também.”

“É mesmo?”

“Quantos copos para justificar essa conta?”

“Alguém fez as contas. Você precisaria de pelo menos doze litros.”

“Ninguém consegue beber tanto.”

“Foi o que eu pensei.”

Uma conversa tão vazia. Eles poderiam estar falando sobre o tempo e seria mais produtivo. Manter esse papo vazio com uma garota cujo nome ele nem sabia parecia deprimente, então Sakuta seguiu o espírito da reunião e se apresentou.

“Sakuta Azusagawa, calouro. Curso Ciências Estatísticas.”

“De onde veio isso?” ela riu, mordendo um edamame. “Estes estão bons!” murmurou, depois tomou um gole de chá.

A forma como ela segurava o copo, como pegava o canudo, até mesmo a maneira como seus lábios envolviam o canudo, cada gesto era estranhamente feminino. Sakuta podia entender por que os rapazes se aproximaram dela. O cara comum dentro dele achava ela bem fofa. E ele entendia por que estavam tão ansiosos para obter seu contato.

Aquela linguagem corporal, além da pinta em forma de lágrima que a fazia parecer sempre um pouco desorientada, estimulava o impulso de proteção. Era como se ela tivesse um feitiço que fazia as pessoas se apaixonarem à primeira vista.

“Você me olhando comer é meio constrangedor,” ela disse, olhando para ele.

Ela não parecia nem um pouco incomodada, no entanto. Já estava no próximo edamame.

“Você sabe do que se trata esta reunião?” Sakuta perguntou, olhando ao redor da sala.

Eles estavam dentro de um izakaya. (izakaya é um tipo de bar japonês que também serve alimentos para acompanhar as bebidas) Especificamente, em uma sala projetada para grandes festas, com pisos de tatame e escavações sob cada mesa. Seis mesas ao todo, cada uma acomodando quatro pessoas.

Uma mesa só com homens. Outra só com mulheres.
E quatro com uma mistura de gêneros, incluindo a que eles estavam ocupando.

Eles alugaram a sala. Os vinte estudantes ali presentes eram todos da mesma faculdade que Sakuta e estavam ocupados rindo, aplaudindo e trocando informações de contato.

Era o último dia de setembro, sexta-feira, dia trinta. O novo semestre havia começado naquela segunda-feira, e todos ali eram da mesma turma, uma disciplina padrão, parte do currículo básico, razão pela qual havia estudantes de várias áreas. Eles ficariam juntos pelo resto do ano, então planejaram uma festa para se conhecerem melhor.

O bar em si ficava perto da Estação Yokohama. Fazia parte de uma rede de bares  e estava localizado em um distrito comercial a poucos minutos da saída oeste. O ingresso, incluindo o serviço de “beba à vontade”, custou 2.700 ienes.

A festa já durava uma hora e meia, e todos que não estavam na mesa de Sakuta estavam razoavelmente animados. As vozes e risadas ficavam cada vez mais altas.

Os organizadores da festa planejavam que todos se apresentassem a tempo, mas todos já haviam esquecido isso e não se importariam se alguém lembrasse. Eles estavam ali para se divertir.

“Miori Mitou, caloura. Curso Gestão Internacional.”

“Obrigado.”

“Naturalmente, eu já te conhecia.”

“Sou meio famoso assim.”

Ou melhor, sua namorada era. Todo mundo no Japão conhecia e amava a famosa atriz Mai Sakurajima. Ela fazia filmes, programas de TV, comerciais. Até trabalhava como modelo. Se isso não fosse suficiente, ela passou a última metade do ano passado em uma novela matinal chamada “Estou de Volta”. Desde que Mai começou a carreira em uma novela matinal, foi realmente um retorno. E a tornou novamente um nome conhecido em todos os lares.

E o relacionamento deles não ficou como um rumor por muito tempo. Logo se tornou algo que todos no campus sabiam como fato.

Mai também era estudante ali, então não havia como esconder. O “naturalmente” de Miori era realmente natural.

Seis meses depois que Sakuta se matriculou, as pessoas pararam de incomodá-lo sobre isso. Na verdade, quase ninguém jamais perguntou diretamente se eles estavam namorando. Ele podia contar quantas vezes isso aconteceu nos dedos das mãos.

Ele imaginava que todos estavam curiosos. Mas também não queriam agir como um bando de fãs histéricos. Desenvolveu-se um clima regular no campus, como se todos estivessem se avisando para não incomodá-lo.

“Deve ser bom namorar alguém bonita. Eu queria!”

“Mai é minha, e você não pode tê-la.”

“Inveja!” Aquele olhar ia além da inveja, beirando o rancor.

“Se você está querendo ficar com alguém, escolha alguém. Parece que você tem opções.”

Ele acenou com a cabeça para a mesa atrás deles. Outra garota havia se juntado e eles estavam alegremente conversando. Mas o volume na sala era tão alto que ele não conseguia entender nada.

Dessa vez, Miori realmente estava olhando para ele com raiva.

“Isso é maldade,” disse ela.

“Por que você estava sentado sozinho, afinal?”

“Não comecei assim.”

“Eu sei. Eu tinha uma vista da outra mesa.”

Sakuta estava sentado com outro cara do seu curso, Takumi Fukuyama. Esse cara havia se mudado para outra mesa há algum tempo, depois de passar a primeira hora repetindo a mesma conversa improdutiva.

“Quero uma namorada!”

“Então vá falar com uma garota.”

“Muito constrangedor.”

“Então eu vou falar com uma.”

“Eu vou junto!”

“Vai na frente.”

“Não consigo!”

Eventualmente, Sakuta foi ao banheiro e voltou para encontrá-lo sentado em uma das mesas das garotas. Um tributo ao poder do álcool. Isso até lhe rendeu algumas informações de contato.

Ele contou isso a Miori, que mordeu um nugget de frango e disse, “Você também poderia ter mudado de mesa.”

Ela não parecia uma garota que comia alimentos tão calóricos com frequência, mas ela realmente estava saboreando aquilo. Havia um olhar de êxtase em seu rosto. Ela engoliu, e seus hashis alcançaram outro nugget. Haviam quatro no prato para começar, a ideia era dividir o prato entre as quatro pessoas na mesa. Como apenas os dois estavam sentados ali, essa ainda era a parte dela. Mas, dado o número total de ocupantes na sala, isso estava privando alguém de frango.

Mas mesmo enquanto ele fazia esses cálculos, Miori pegou um terceiro nugget, claramente reivindicando o prato inteiro.

“Azusagawa, por que você está aqui, afinal?”

“Sinceramente , estou aqui pela comida.” Ele estendeu os hashis e pegou o último nugget antes que ela pudesse.

“As outras mesas têm muitas pessoas, então há menos comida para todos.”

Sakuta não tinha planejado vir, mas Takumi tinha insistido tanto que ele acabou cedendo.

“Todo mundo está faminto,” Miori disse, olhando ao redor. Ela claramente se referia ao desespero que impulsionava suas interações sociais.

“Você é diferente, então?”

A faculdade não era como o ensino médio. Ninguém tinha uma sala de aula designada. Nenhum lugar onde todos se encontrassem diariamente. Nenhum assento designado. Todas as aulas eram realizadas em vários lugares, e as pessoas escolhiam os lugares à medida que chegavam.

A maior mudança era que você não tinha mais “colegas de classe” de verdade. Se você compartilhasse um curso, também compartilharia uma lista de aulas obrigatórias e era mais provável encontrar o mesmo grupo lá. Mas a maior parte do primeiro ano era preenchida com matérias do currículo básico, e menos da metade das aulas que ele estava fazendo eram específicas do curso. Não havia muita pressão para se conectar com os outros ao seu redor, pelo menos, muito menos do que nas salas de aula do ensino médio.

Lá, todos os relacionamentos eram definidos por aquela sala. E Sakuta finalmente estava livre dessa opressão sufocante. Enfim hma liberdade abundante. Mas isso também significava que os novatos na faculdade não tinham um lar natural garantido.

Por isso, as pessoas que por acaso estavam na mesma turma estavam se reunindo voluntariamente, formando comunidades improvisadas e tentando criar seu próprio espaço. Famintos por bons momentos e laços sociais. Ou talvez apenas rezando na esperança de sair dali com um novo namorado ou namorada.

“Eu estou bem faminta também,” Miori disse, terminando o terceiro nugget.

Ela mastigava, olhos na festa ao redor, mas apesar do que disse, ela não parecia estar atrás de nada em particular. Esta era simplesmente uma oportunidade passageira para observá-los se divertindo à distância. Seu olhar não era nem caloroso nem desprezível.

Miori talvez nem se importasse se estava faminta ou não. Ele não achava que ela sequer pretendia que suas palavras tivessem muito significado. Era como se estivessem apenas preenchendo o espaço.

“Uh, faltam apenas cinco minutos,” disse o cara que organizou isso, usando as mãos como megafone. “Vamos começar a encerrar. A festa depois será no karaokê, então, por favor, venham.”

Apenas metade da multidão o ouviu.

“Vai ter uma festa depois. Azusagawa, você vai?”

“Não. Tenho trabalho depois disso.”

“Tão tarde? Você trabalha à noite?”

Não era tarde o suficiente para ser chamado de noite. Eram apenas seis horas. A festa começou quando o Izakaya abriu, às quatro, bem cedo para uma bebedeira.

“Dou aulas particulares em um cursinho hoje.”

“Hoje?”

“Também trabalho como garçom em um restaurante.” Sakuta terminou seu chá. As últimas gotas espirraram contra o canudo.

“Ensinando no ensino fundamental?” Miori perguntou.

“Primeiro ano do ensino médio,” ele respondeu, pegando sua mochila.

“Ensinando truques para as garotas do ensino médio. Malicioso.”

“Estou ensinando truques de matemática, e tenho alunos homens também.”

No momento, ele estava ensinando apenas dois alunos,um garoto e uma garota. Como os alunos escolhiam seus professores, seu número de alunos aumentaria apenas se alguém o escolhesse. A quantidade de alunos e as aulas ministradas afetavam diretamente quanto ele ganhava, então ele certamente gostaria de ter mais, mas isso claramente exigiria paciência.

A festa ainda estava animada, mas ele saiu discretamente, calçando os sapatos primeiro. Pelo canto do olho, viu Miori amarrando os cadarços dos tênis.

“Sem festa depois?”

“Não suporto karaokê.”

Ela fez aquela expressão de novo, mas dessa vez parecia genuína. Talvez não fosse. Ele não a conhecia bem o suficiente para ter certeza.

“Vamos sair antes que alguém nos veja,” Miori disse, olhando para trás no corredor.

“Será um incômodo se alguém tentar nos arrastar,” acrescentou, piscando para ele. Então ela o conduziu para fora do bar.

Do lado de fora, foram atingidos por uma onda de umidade. Setembro estava acabando, mas atualmente os verões simplesmente não queriam ir embora.

Por ser uma sexta-feira, havia grandes multidões saindo da estação em direção ao distrito comercial. Provavelmente indo para encontros, mixers e festas.

Indo contra a maré, Sakuta e Miori atravessaram a ponte sobre o rio Katabira e seguiram pela margem para evitar as multidões. Miori não era uma caminhante rápida e às vezes precisava correr para alcançá-lo, mas ela nunca reclamou que ele estava andando rápido demais.

Sakuta diminuiu um pouco o ritmo, olhando por cima do ombro para ela.

“Você meio que deixou sua amiga para trás.”

“Manami?”

“Não sei o nome dela.”

“Tudo bem. Se eu ficasse mais tempo, ela ficaria irritada.” Miori o alcançou e suspirou.

“Ah… não quer que os garotos de quem sua amiga gosta venham atrás de você, certo?”

Ela provavelmente não esperava que ele entendesse, e, a julgar pela resposta vaga, ela nunca pretendia explicar mais. Isso explicava seu sorriso um tanto constrangido.

“Muito perspicaz,” ela conseguiu dizer. Havia uma surpresa genuína em seu olhar.

“Conheci uma garota do ensino médio em circunstâncias semelhantes.”

Ela havia sido convidada por um crush de uma amiga, e isso não tinha terminado bem.

“Você conhece muitas garotas do ensino médio.” Miori deu um passo para longe dele, seu tom ficou cauteloso de repente.

“Não se preocupe, é a mesma.” E ela estaria na faculdade em mais seis meses.

“Vamos dizer que eu acredito em você.”

“Juro pela honra dos escoteiros.”

“Apegando-se ao JR, Azusagawa?”

A conversa mudou sem esclarecer muito. Se ele insistisse, provavelmente só cavaria um buraco mais fundo, então ele deixou a mudança repentina passar sem comentários.

“Linha Tokaido para Fujisawa. E você?”

“Para Ofuna.”

Ela parecia satisfeita consigo mesma, provavelmente porque era uma estação mais próxima. E mais perto da estação de Yokohama significava mais perto da linha Keikyu que eles pegavam para a faculdade. A escola deles ficava na estação Kanazawa-hakkei.

“Você cresceu lá?” ele perguntou, quase certo de que ela não tinha. Miori não parecia o tipo de Ofuna. Era uma universidade administrada pela cidade, então a maioria dos alunos vinha de Yokohama ou pelo menos desta província. Aqueles que vinham de fora tinham um ar diferente de alguma forma.

“Não, me mudei para lá sozinha depois de entrar.”

“Então você poderia ter escolhido um lugar mais próximo.”

“É perto de Kamakura.”

Sakuta obviamente queria dizer mais perto da faculdade, mas a resposta que ele recebeu era certamente distinta. Para ser justo, Kamakura era agradável. Ele tinha levado Mai lá algumas vezes.

“Você é de Fujisawa?”

“Parece que sou.”

Ele estava morando lá há três anos, então não se sentia mais como um estranho. O subúrbio de Yokohama onde ele realmente cresceu pareceria muito mais estranho. Ele não voltava lá desde a formatura do ensino fundamental.

Eles chegaram à avenida principal e ficaram presos no primeiro semáforo.

“Oh, certo,” Miori disse, tirando uma pequena caixa de plástico de sua bolsa. Ela chacoalhou a caixa, que estava cheia de pequenas balas de menta. Apenas pelo som, era possível perceber isso.

Ela colocou três de uma vez na boca e entregou a caixa inteira a Sakuta.

“Meu hálito está tão ruim assim?”

“Havia alho naquele empanado de frango. E você vai ensinar em breve, certo?”

“Sim, claro, obrigado.” Sakuta colocou três balas na boca. Sua boca ficou gelada. O frio chegou às suas narinas.

“Não estou dizendo isso como um agradecimento…”

“Hmm?” ela perguntou, olhando de lado para ele.

“Tome cuidado com os caras a quem você faz isso.”

“Por quê?”

“Quero dizer, parece que você não quer que eles fiquem em cima de você.”

“Então estamos seguros. Só tem você aqui.”

“Estou sendo alvo?”

“Estou relaxada. Quero dizer, você nunca vai se apaixonar por mim. Você tem a namorada mais fofa do Japão.”

“Do mundo, mas de resto, verdade.”

Isso fez Miori rir alto. “Você diria isso,” ela disse com um risinho.

O sinal ainda não tinha mudado.

“……”

“……”

Enquanto a conversa deles diminuía, ambos se viram olhando para a mesma coisa. Do outro lado da rua, uma mulher em um terno estava distribuindo lenços de bolso. Aparentemente estava nos seus vinte e poucos anos. Ela havia tirado o paletó, mas devia estar lá fora há um tempo, porque sua camisa estava encharcada de suor. Suas franjas estavam grudadas na testa. Essa mulher provavelmente era uma nova contratada, juntando-se a alguma empresa no início daquele ano.

Ela estava distribuindo lenços com dedicação firme, mas ninguém estava pegando nenhum.

Todos continuavam passando direto por ela.

“Azusagawa, você já trabalhou em um emprego assim?”

“Não, nunca.”

“Ninguém pega os lenços.”

“Não mesmo.”

“Talvez apenas nós dois possamos vê-la.” Miori largou essa bomba sem mudar o tom de voz.

“De jeito nenhum.”

“O quê, você nunca ouviu falar da Síndrome da Adolescência?”

“……”

Quando foi a última vez que ele ouviu essa frase? Tempo suficiente para que ele não reagisse imediatamente.

“As pessoas não podem te ver, você pode ver o futuro, existem dois de você, todo tipo de sintoma.”

“Huh.”

“Você não ouviu histórias sobre isso na escola?” O sinal ficou verde.

“Histórias, hhhmm, sim, eu ouvi sim.” Sakuta começou a andar primeiro, e Miori ficou um passo atrás.

“Mas são só histórias.” Do outro lado da rua, ele pegou um pacote de lenços da mulher.

“Obrigado,” ela disse.

Os lenços vinham com um anúncio de condomínios recém-construídos. Sakuta não achava que ele parecia alguém que poderia comprar um. Talvez essa moça estivesse com uma visão tão focada nos lenços que havia esquecido o que estava realmente anunciando.

Enquanto esses pensamentos passavam pela sua cabeça, outro homem passou e pegou um lenço. Ele estava nos seus cinquenta anos, definitivamente mais o público-alvo dela. Agora, bastante gente estava pegando os lenços.

“Parece que não somos só nós.”

“Quem diria,” Miori lamentou.

“E essa moça nem está na faixa etária da síndrome.” Ela claramente estava nos seus vinte e poucos anos.

“A adolescência tem um limite rígido?”

“Eu não saberia.”

Provavelmente variava de pessoa para pessoa. Não havia definições claras. Não era como se todo mundo automaticamente se tornasse adulto no momento em que completasse vinte anos.

“Você ainda é um adolescente, Azusagawa?”

“Eu prefiro pensar que já passei dessa fase.”

“Você está na faculdade agora.”

“E você está livre disso?”

“Acho… que isso ainda me afeta.”

“Alguma razão em particular?”

“Quero dizer, ainda não arrumei um namorado.”

“Ah, entendi.”

“Uau, você está me lançando aquele olhar de ‘já sou comprometida’.”

Miori lançou-lhe um olhar gélido. Então, pegou o pacote de lenços de sua mão e começou a caminhar na direção da entrada do subsolo.

“As portas estão do outro lado.”

Ela estava se dirigindo às escadas para o shopping subterrâneo da Estação de Yokohama.

“Tenho que fazer compras primeiro. Até mais.”

Ela acenou para ele e desapareceu escada abaixo sem olhar para trás.

“Hmm.”

Ele não sabia o que pensar de Miori Mitou. Ela era amigável e expressiva, mas parecia haver uma barreira entre eles, que ela não ultrapassava. Provavelmente ela se separou dele ali para evitar que acabassem pegando o mesmo trem. Talvez ele estivesse pensando demais, mas ela parecia ser o tipo de pessoa que tentaria evitar isso.

Ela pegou os lenços (que eram úteis) e deixou com ele o anúncio de um condomínio (que não era), então ele o guardou na mochila e seguiu para dentro da estação propriamente dita.

Ao passar pelos portões da JR, ele se pegou pensando em quanto tempo havia se passado desde a última vez que ouviu alguém mencionar a Síndrome da Adolescência.

Na Estação de Yokohama, ele pegou a Linha Tokaido. O trem estava cheio de empresários e estudantes, todos indo para casa. Mas, como era sexta-feira e as pessoas tinham coisas para fazer, estava menos cheio do que o habitual.

Sakuta conseguiu se posicionar encostado na porta entre os vagões e pegou o livro didático com o qual estava dando aulas de reforço. Ele abriu na página 25 e começou a revisar a função quadrática de exemplo, preparando-se para ensinar o material.

Enquanto fazia isso, o trem seguia em frente, passando pelo distrito de compras ao redor da Estação de Yokohama e entrando nas áreas residenciais além. À medida que uma estação se aproximava, os prédios ficavam mais altos, e uma vez passada a estação, eles davam lugar a bairros tranquilos. Assim, a paisagem ia e vinha.

Quando ele começou a fazer esse trajeto, sentia falta do mar, do céu e do horizonte, mas, depois de seis meses, aprendeu a aproveitar esse tempo. Geralmente, ele o usava assim, preparando suas aulas.

Mas hoje ele não conseguia se concentrar. Ele sabia exatamente o porquê. As palavras de Miori Mitou após a festa.

“Você nunca ouviu falar da Síndrome da Adolescência?”

Quando foi a última vez que ouviu alguém dizer isso? Certamente não desde que começou a faculdade. E antes disso… bem, ele passou o terceiro ano do ensino médio com o nariz enfiado em um livro, preparando-se para os exames de admissão, e não ouviu muito sobre nada.

Isso significava que já havia pelo menos um ano e meio. Perceber que os outros não podiam mais te perceber. Viver uma projeção do futuro. Dividir-se em duas versões de si mesmo. Trocar de corpo com outra pessoa. A dor em seu coração se manifestando fisicamente e afetando seu corpo. Viajar para o futuro. Fugir para um mundo potencial.

Sakuta havia encontrado todos esses tipos de Síndrome da Adolescência. Mas, no último ano e meio, nada aconteceu. Isso era uma coisa boa, então ele não estava preocupado com isso ou contando os dias.

Antes que percebesse, todo esse tempo havia passado. O trem da Linha Tokaido parou em Totsuka e Ofuna antes de chegar à Estação de Fujisawa, exatamente no horário previsto.

Sakuta se juntou à fila de pessoas que passavam pelos portões e emergiu na saída norte da estação. Ele virou à esquerda na loja de eletrônicos e viu à frente a placa do cursinho onde trabalhava. Ficava no quinto andar de um prédio comercial.

Ele pegou o elevador e, apesar do horário, disse “Bom dia” à equipe da recepção.

Ao contrário das escolas regulares, não havia portas ou paredes ali,  todo o andar era visível.

Havia um espaço aberto para os alunos com várias mesas, e a única coisa que dividia isso da sala dos professores era um balcão na altura da cintura. Era um arranjo projetado para que os alunos tivessem fácil acesso aos professores.

Mesmo agora, havia um aluno no balcão, perguntando a um professor sobre sua redação em inglês.

“Bom dia, Azusagawa. Tenha um bom dia.”

Essa fala  veio do diretor da escola, um homem de meia-idade. Pela maneira como ele estava nervosamente de olho no telefone, algo devia ter dado errado. Sakuta não queria se envolver nisso, então simplesmente acenou com a cabeça e se dirigiu ao vestiário. Ele abriu o armário com seu nome e tirou uma vestimenta que parecia uma combinação entre um jaleco branco e um paletó. Esse era o uniforme dos professores, usado sobre suas roupas normais.

Ele tirou o livro didático de sua mochila, colocou mais algumas balas de menta na boca (por precaução) e saiu do vestiário. Dirigiu-se à fila de salas de aula na parte traseira da área principal. Apesar de serem chamadas de “salas”, eram apenas pequenos cubículos de estudo, talvez de dois metros e meio por dois metros cada. As entradas não tinham portas e as paredes não chegavam ao teto. Se você ouvisse atentamente, não era difícil escutar pessoas conversando no cubículo ao lado.

Havia dois alunos esperando por ele, um garoto e uma garota. Eles estavam sentados em lados opostos do corredor central. A garota estava sentada silenciosamente, mas a atenção do garoto estava no telefone. Como ele usava fones de ouvido, provavelmente estava jogando um jogo de ritmo.

“Vamos começar.”

“Certo.”

Somente a garota respondeu. Ela já tinha seu livro aberto na página 25. Seu nome era Juri Yoshiwa. Ela tinha um bronzeado saudável, mas uma disposição quieta e imperturbável. Ela fazia parte do time de vôlei de praia de sua escola e estava frequentando essa escola para manter suas notas altas. Ela usava o uniforme da Minegahara, a escola que o próprio Sakuta havia frequentado.

Ela tinha 1,60 m, sendo considerada baixa para o esporte que praticava. A maioria das atletas juvenis que Sakuta conhecera tinha a altura de Mai ou eram mais altas. Essa garota poderia estar apenas no primeiro ano do ensino médio, mas a maioria das garotas parava de crescer nessa idade.

O garoto murmurou um “E aí”, mas não levantou os olhos do telefone. Ele continuou a jogar.

Seu nome era Kento Yamada. Assim como Juri, ele estava no primeiro ano na Minegahara. Mas eles estavam em classes diferentes e não se conheciam bem. No caso dele, suas notas no primeiro semestre tinham sido tão ruins que ele começou a frequentar essa escola no verão para melhorar seus conhecimentos básicos… e passou boa parte da primeira aula reclamando sobre como seus pais o obrigaram a vir.

Ele tinha 1,65 m, mas parecia mais alto por causa do cabelo espetado. Ele não mencionou esportes, mas pelo seu porte físico, provavelmente fez parte de algum time no ensino fundamental.

“Yamada, estamos começando.”

O relógio marcava exatamente sete da noite e a aula estava em andamento.

“Só mais dois segundos!”

“Um. Dois. Página vinte e cinco, funções quadráticas.”

“Argh, Sakuta-sensei! Você me fez perder uma sequência perfeita!”

Ignorando os gemidos de Kento, Sakuta começou a explicar como usar as funções. Isso tinha sido cobrado na primeira prova após o fim das férias de verão e ambos haviam errado. Ele usou o exemplo e resolveu a questão no quadro branco. Quando terminou, pediu que cada um resolvesse uma questão prática que seguia o mesmo padrão do exemplo. Ele estava pronto para ajudar individualmente conforme surgissem dúvidas.

Juri fez o que lhe foi pedido, resolvendo o problema no seu livro. Kento franziu a testa, pensando, e então desistiu.

“Sakuta-sensei!” ele disse, desabando sobre a mesa.

“O que foi?”

“Eu não entendo.”

“O que você não entende?”

“Como conseguir uma namorada bonita.” Essa não era a resposta que Sakuta esperava.

“Foque nos problemas da aula.”

“Você tem a namorada mais bonita do mundo, deve ter dicas!”

“Eu posso ter a namorada mais bonita do universo, mas não posso te ensinar isso.”

Essa não era a primeira vez que Kento abordava esse assunto.

“Só escolhi sua aula porque pensei que você teria informações privilegiadas para compartilhar! Ah, eu deveria ter escolhido a aula da Futaba-sensei. Pelo menos ela tem peitos grandes!”

A “Futaba-sensei” mencionada era Rio Futaba, uma amiga de Sakuta do ensino médio. Ela agora frequentava uma universidade nacional de ciências e começara a dar aulas particulares ali um mês antes de Sakuta.

“Eu começaria lembrando que as garotas odeiam quando os caras dizem coisas assim.”

Ele olhou para Juri, mas ela estava concentrada em resolver o problema.

“Então devo guardar para mim?”

“Acho que você aprendeu sobre liberdade de pensamento em estudos sociais.”

“Liberdade para ser obsceno!”

Sakuta não tinha ideia de como ele chegou a essa conclusão, mas não estava necessariamente errado.

“Entendo querer uma namorada de maneira geral, mas você tem alguém em mente?”

A aula claramente não estava indo a lugar nenhum, então Sakuta resolveu entrar no jogo.

“Qualquer garota serve, desde que seja bonita.”

Essa resposta era, no mínimo, refrescantemente tola.

“Acho que o que está por dentro conta também. Pode não ser convincente quando eu digo isso, eu sei.”

“Eu gosto de peitos grandes também.”

“Por dentro, eu quis dizer personalidade.”

Não o que elas tinham dentro das roupas.

“Azusagawa-sensei.”

Juri finalmente fez uma objeção. Ele olhou para a página dela, e ela havia resolvido um único problema e parado. Devia ser difícil se concentrar com essa conversa acontecendo ao lado dela.

“Melhor voltarmos ao assunto.”

“Então me diga como conseguir uma namorada!”

“Nada além de matemática aqui.”

“Por quê?!”

“Porque é para isso que eu sou pago.”

“Não consigo me concentrar se não tiver uma namorada!”

“Yamada, por que você está tão desesperado?”

“Quero dizer, se você tem uma garota, pode transar o tempo todo!”

“…..”

Sakuta imaginou que era isso que Yamada estava tentando dizer, mas ouvir isso em voz alta ainda o deixou sem palavras.

“Isso é errado?”

“Enquanto você pensar assim, nunca vai conseguir uma namorada.”

Mesmo que ele fosse um estudante, isso só lhe renderia pena. Kento não percebeu, mas Juri estava olhando para ele com um desprezo gélido.

Nesse momento, houve uma batida, como não havia porta, alguém bateu na parede do cubículo.

“Azusagawa-sensei.”

Ele se virou e encontrou Rio Futaba na entrada. Como ela também trabalhava ali, usava o mesmo uniforme.

“Pode me dar um momento?”

Ela estava distante e claramente irritada.

“O que foi?”

“Aqui fora.”

Seu olhar o ordenou a sair da sala.

“Resolva esses problemas” Ele disse, deixando Kento e Juri sozinhos, e saiu do cubículo.

Rio o levou para o espaço livre e suspirou no momento em que parou de se mover.

“Mantenha suas aulas focadas. Estamos recebendo reclamações do cubículo ao lado.”

Ela olhou para o cubículo ao lado do dele, onde ela estava ensinando física.

“Estou levando as coisas a sério.”

“As palavras que estamos ouvindo sugerem o contrário.”

Não havia dúvida de que isso significava peitos e sexo.

“Eu não disse essas palavras.”

Se ele olhasse para baixo para ver o quão apertada estava a camisa dela, não havia como prever o que ela diria, então ele diligentemente evitou isso.

Rio suspirou dramaticamente. De novo.

“Tente não ser demitido também.”

“Também?”

Como se outra pessoa tivesse sido.

“Olhe.”

Rio olhou para a área livre fora da sala dos professores. Um jovem professor estava ocupado implorando ao diretor.

“Não é verdade! Eu juro!”

“Calma. Vamos conversar no meu escritório.”

“Tudo isso é um grande mal-entendido! Certo?”

O professor se virou para olhar para uma estudante que estava a cerca de três metros de distância. Ela também usava o uniforme da Minegahara e estava acompanhada por uma professora. Sua cabeça estava baixa, e ela parecia atormentada pela culpa.

“Sinto muito. Nunca pensei em você dessa forma.”

O que ela quis dizer com isso? Ele não precisava perguntar. A tensão constrangedora deixava bem claro o que havia acontecido ali.

Complicações românticas professor-aluno. A julgar pelo comentário da estudante, ela nunca teve a intenção de começar algo assim. Então, muito provavelmente, a professora viu sinais onde não existia nenhum e fez um passe nela.

“Você disse que confia em mim! Que você queria minha ajuda com coisas fora da escola!”

“Não… dessa forma.” disse a aluna cambaleante.

 

No caminho até aqui, Miori havia feito uma piada sobre essa situação exata.

“Mostrando às meninas do ensino médio todos os truques. Malcriado”.

Mas ver isso realmente acontecer de verdade é diferente.

 

” Sinto muito”, disse ela, derrubando seus pedidos, embora isso parecesse doê-la. “

 

“Vamos conversar sobre isso.”  disse o diretor.

 

“ … Certo.”

O diretor colocou a mão em suas costas e o afastou, como se fosse um criminoso capturado. Mas ele parecia menos um homem que se arrependia de seus erros do que um pretendente desprezado.

Eles desapareceram no escritório.

“Hm, o que vai acontecer com ele?” perguntou a garota, com a preocupação estampada no rosto.

“Não se preocupe com isso” disse a professora.

Era óbvio que certos passos precisariam ser tomados. Dado o que ele tinha feito, isso era inevitável.

“Não seja muito dura com ele. Eu estou realmente bem.”

“Vou informar o diretor. Por agora, é melhor você ir para casa.”

“…..Tá bom”  Disse a garota.

Mas ela não se moveu, claramente ainda preocupada com as consequências que o professor enfrentaria. Seus olhos nunca deixaram a porta do escritório. Sakuta tinha uma visão melhor agora, e ela parecia uma aluna exemplar, o tipo de garota que era gentil com todos. Seu cabelo estava arrumado de forma conservadora e seu uniforme estava impecável. A pouca maquiagem que usava era de estilo natural. No ensino médio, ele definitivamente teria confundido aquilo com ausência de maquiagem.

“Não acabe como ele, Azusagawa.”

“Eu pareço alguém que se interessaria por uma estudante?”

“Não, mas..”.

“Viu?”

“E quanto ao contrário?”

“Eu sou mais popular do que você pensa.”

“Sim, é por isso que estou te alertando.”

“…Hm, Futaba.”

“O quê?”

“Você deveria negar isso. Eu estava brincando.”

“Mas você é mais popular do que pensa.”

O tom de Rio deixou claro que aquilo era uma afirmação de fato, e ele não podia discutir com isso.

“Então, só podemos esperar que ter a namorada mais bonita do universo me mantenha seguro.”

“Você não disse que não vê a Sakurajima há, tipo, um mês?”

Mai estava em Hokkaido, filmando um filme. As férias de verão da faculdade duravam quase todo agosto e setembro, então ela tinha preenchido esse tempo com dois papéis principais. O primeiro havia terminado em agosto, e ela tinha voltado de Niigata com sasa dango. Ela ligou na outra noite para dizer que o segundo a manteria ocupada até o início da próxima semana.

“Não se preocupe, ela vai compensar.”

“Então, vou voltar para a aula.”

“Sem tempo para minhas piadas bregas?”

“Apenas mantenha eles focados.”

Com isso, Rio voltou para sua aula, e Kento enfiou a cabeça para fora do cubículo.

“Sakuta-sensei, já terminou?”

“Sim, levei uma bronca por sua causa.”

“O quê?!”

Ele realmente não parecia entender por quê. Mas então piscou, olhando por cima do ombro de Sakuta.

“….”

Kento não disse nada, mas ele obviamente estava olhando para a garota de antes. Ela ainda estava no espaço livre.

“Você a conhece?”  Perguntou Sakuta.

“Sara Himeji. Ela está na minha classe”  Ele disse.

“Hmm.” Ele sabia os dois nomes dela. Interessante.

“O quê?”

“Ela é seu tipo?” Sakuta estava falando sem pensar, mas isso aparentemente tocou um nervo.

“Não!”  Kento disse, claramente irritado.

“Legal.”

“Vamos, Sakuta-sensei! Ensine!”

“Bem, fico feliz em ver você motivado.”

Se Kento tentasse desviar a aula novamente, ele poderia ter que trazer isso de volta. Como estava, o resto da aula permaneceu focado. Rio não precisou repreendê-lo duas vezes.

Quando a aula terminou e Sakuta deixou o cursinho, já eram quase nove horas. A aula em si durou oitenta minutos, e o restante do tempo foi gasto registrando relatórios sobre o nível de compreensão dos alunos e esperando por Rio.

Do lado de fora, ele caminhou com Rio em direção à estação.

“Ah, lembrei de uma coisa” Disse Rio, como se tivesse acabado de se lembrar de algo.

“Hm?”

“Recebi uma mensagem do Kunimi mais cedo.”

“O que ele disse?”

“Ele completou com sucesso o treinamento de bombeiro.”

“Ah, era hoje?”

Yuuma Kunimi havia feito o exame para funcionário público local logo após a formatura. Era um requisito do corpo de bombeiros.

Ele passou nesse obstáculo sem problemas, mas eles não iam enviar um estudante do ensino médio diretamente para o campo, onde vidas estariam em jogo. Yuuma foi enviado primeiro a um centro de treinamento, onde passou seis meses vivendo e respirando o regime de treinamento deles. Essa informação veio junto com os resultados do exame.

Ele estava lá desde abril. O último dia de setembro era exatamente o marco dos seis meses.

“E ele disse que já conseguiu uma designação, então não precisamos nos preocupar.”

“Quem se preocuparia com o Kunimi?”

Yuuma sempre dava conta do recado. A resposta de Sakuta fez Rio sorrir um pouco; ela provavelmente concordava com o sentimento.

“Ele começa na segunda-feira, então, quando ele se estabelecer, quer se encontrar para um chá.”

“Contanto que ele pague.”

“Imaginei que você diria isso, então já avisei a ele.”

Nesse ponto, eles haviam chegado à Estação Fujisawa. Rio morava em Hon-Kugenuma, uma parada na linha Odakyu Enoshima. Eles se despediram com um simples “tchau”.

A essa hora, o ar finalmente começava a ter aquele toque de outono. Aproveitando o frio, Sakuta caminhou sozinho da estação até em casa.

Ele cruzou a ponte do Rio Sakai e começou a subir uma longa e suave ladeira. Havia um pequeno jardim pelo caminho e, um pouco depois disso, ele viu o prédio de apartamentos à frente. O lugar onde se mudaram quando ele começou o ensino médio.

Depois de se certificar de que a caixa de correio estava vazia, encontrou um elevador esperando no primeiro andar. Entrou e apertou o botão para o quinto andar.

Ele havia considerado se mudar para a faculdade. Claro, só considerou lugares que poderia realmente pagar com seus ganhos modestos.

No final, isso não aconteceu. Ele tinha bons motivos para ficar.

No quinto andar, saiu do elevador e foi até a esquerda, até a porta do seu apartamento. Inseriu a chave e abriu.

“Estou de volta, Nasuno.” Chamou seu gato ao entrar. Algo parecia fora do lugar.

Havia dois pares de sapatos que não estavam lá quando ele saiu.

“Ah, oi, Sakuta. Bem-vindo de volta.” Com os chinelos fazendo barulho, Mai veio recebê-lo.

“Obrigado. Bom ter você de volta, Mai.”

“É sempre bom estar aqui.”

“Pensei que sua gravação fosse levar mais alguns dias.”

“O restante podemos fazer no set, então eu voltei para casa.” Fazia um mês inteiro desde que ele tinha visto o sorriso de Mai pessoalmente.

“.…”

“Por que está me encarando?”

“Parece que você ficou ainda mais bonita.”

“Não é ótimo?”

Com isso, ela se virou e foi para a sala de estar. Sakuta a seguiu.

“Ah, aí está você”  disse Kaede.

Sua irmã estava espalhada no sofá da sala, com Nasuno nos braços. Ela estava brincando com o gato enquanto assistia a um programa de jogos na TV.

Não passava nesse horário, então ela devia ter gravado. Ele viu rostos familiares na tela. Nodoka e Uzuki. Os comentários bobos de Uzuki faziam o apresentador e outros participantes rirem.

“Você está de volta, Kaede?” Ele reconheceu os sapatos dela na entrada.

Sakuta morava ali em Fujisawa, e os pais deles moravam em Yokohama. Kaede estava alternando entre as duas casas, dividindo seu tempo igualmente entre elas. Ela era uma estudante do ensino médio, mas frequentava uma escola de ensino a distância, o que significava que podia viver onde quisesse. Podia assistir às aulas de qualquer lugar, desde que tivesse um telefone.

“Eu te disse que tinha um turno hoje”  Ela disse, olhando para a secretária eletrônica. A luz estava piscando.

Ela começou a trabalhar na primavera,  no mesmo restaurante onde ele trabalhava. Isso era o que Kaede queria e foi um dos principais fatores para Sakuta não se mudar. Ele não queria deixá-la sozinha.

Eles não haviam se mudado. Em troca, parte do aluguel agora estava saindo do salário dela.

“Seriamente, Sakuta, você precisa comprar um celular.”

“Eu nunca imaginei que ouviria essas palavras de você, Kaede.”

Ele ficou bastante surpreso quando ela quis um celular para si mesma. Ela havia sido gravemente machucada por colegas no ensino fundamental, e problemas sociais envolvendo celulares foram uma grande parte disso.

“Mai, você preferiria que o Sakuta também tivesse um celular, certo?”

“Sim, mas já me acostumei com isso.”

“Você não pode simplesmente deixar a Mai tolerar suas besteiras.”

Ela não conseguiu o apoio de Mai, então imediatamente voltou ao ataque.

“Eu vou pensar nisso se sobrar algum salário.”

“É o que você sempre diz. Tanto faz!”

Abandonando o assunto, ela se levantou do sofá e colocou Nasuno no chão.

“Você ainda não está pronta para o banho? Vou primeiro, então.”

Ela pausou o vídeo e foi em direção ao banheiro.

“O quê, você ainda não tinha ido?”

“Eu estava esperando você chegar em casa primeiro.”

“Que doce.”

A porta bateu atrás dela.

Essa provavelmente era a maneira dela de dar a ele tempo para conversar com Mai a sós. Ele não conseguia decidir se isso era o comportamento considerado de uma garota do ensino médio ou apenas sua irmã tentando agir de maneira madura.

“Você já comeu?”

“Estou bem. Comi em uma festa de turma antes do trabalho.”

“Se interessou por alguma garota bonita lá?”

No telefonema da noite passada, ele havia dito a ela que a turma do currículo básico estava realizando uma reunião. Ela não só não se opôs, como sugeriu que era uma boa oportunidade para conhecer mais pessoas. Mas ela encerrou com uma ameaça final para ele nem pensar em trair.

“Não me interessei.”

“Que pena.”

“Ah, mas…”

“Mas o quê? Por que há um ‘mas’?”

“Havia uma garota.”

“Oh?”

“Ela está na faculdade, mas não tem celular.”

“… O punch line vai ser que só você pode vê-la?”

Ele entendia por que ela reagiria assim. Era realmente estranho. Todo estudante universitário tinha um celular hoje em dia. Ela era certamente a primeira estudante universitária sem celular que Sakuta havia conhecido. Além dele mesmo, claro.

“Você me deixou nervoso”, ele disse.

“Vou ter que verificar isso na segunda-feira.”

“Faça isso. Bem, eu preciso ir.” Mai pegou a mala do sofá.

“Já?”

“Tenho que começar cedo amanhã. Voltarei ao campus na quarta-feira.”

Ela já estava se dirigindo para a porta.

“Vou te acompanhar.” Ele deu um passo, mas ela segurou seu braço.

“Não quero que ninguém tire fotos, então isso já é longe o suficiente. O escritório está no meu pé sobre isso.”

Ela usou ele como apoio enquanto fechava as tiras dos tornozelos de seus sapatos.

“Deixei um presente na geladeira. Divida com a Kaede.”

“É melhor eu comer minha metade antes que ela devore tudo.”

Mai riu, então segurou as bochechas dele com as mãos.

“O quê?” ele perguntou, fazendo bico.

“Nada”, ela disse, rindo.

Provavelmente  um pouco animada por vê-lo novamente. E isso a fez se sentir travessa. Isso era tudo.

E se Mai estava se divertindo, isso era tudo o que ele precisava. Não importava o quão trivial fosse a razão, o sorriso de Mai era o suficiente para ele.

Ela soltou suas bochechas, acenou com os dedos, disse “Tchau” e saiu pela porta.

Sakuta saboreou as brasas remanescentes da alegria dela e trancou a porta atrás dela silenciosamente.

O fim de semana passou e a segunda-feira chegou. O dia 3 de outubro amanheceu chuvoso.

As aulas de Sakuta começavam no segundo período, às 10h30. Ele se levantou e se preparou para sair com calma. “Se cuida”, Kaede disse, vendo-o sair pela porta às 9h15.

As temperaturas estavam ficando um pouco mais outonais, mas a umidade ainda lembrava o verão. Com uma camiseta e calças confortáveis (cortadas para deixar os tornozelos à mostra), ele estava bem confortável. Esse verão parecia não querer ir embora. Quando finalmente terminasse, provavelmente daria lugar diretamente a um inverno repentino. Parecia que o outono estava ficando cada vez mais curto, ou era apenas ele?

Com esses pensamentos em mente, ele chegou à Estação Fujisawa. Ainda havia vestígios da correria matinal. Nenhum estudante uniformizado restava, mas muitos estudantes mais velhos e pessoas de terno ainda estavam por lá.

No segundo andar da estação, ele passou pelos portões da JR e desceu para a plataforma da Linha Tokaido. Não precisou esperar muito antes que o trem das 9h32 para Koganei chegasse.

O trem de sempre, o trajeto de sempre – levava cerca de vinte minutos.

Sakuta desceu na Estação Yokohama e trocou para os distintivos vagões vermelhos da Linha Keikyu. A Prefeitura de Kanagawa tinha o formato de um cachorro, e esse expresso ia até as patas dianteiras em Misakiguchi. E não havia custo adicional para andar no expresso, você podia usar um bilhete comum.

Ele entrou perto da frente do trem, evitando a aglomeração. Enquanto o trem partia, ele ficou perto da porta, observando a paisagem passar. Quando ele começou a faculdade, a vista não era suficiente para ele se situar, mas após seis meses, ele tinha uma ideia muito melhor das coisas. Ele naturalmente adquiriu uma noção de onde estavam os prédios e escritórios.

Depois de um tempo, ele passou por um colégio conhecido por ter um dos melhores times de beisebol da prefeitura. Isso era um sinal de que estavam quase chegando à sua estação.

Como ainda tinha algum tempo de sobra, Sakuta deixou seus olhos percorrerem os anúncios internos. Encontrou um de uma revista de moda com Mai na capa. Duas garotas com cara de universitárias estavam falando sobre isso.

“Essa roupa é tão fofa!”

“É fofa porque Mai Sakurajima está usando.”

“Faz sentido.” E assim por diante.

“Ela é ainda mais bonita pessoalmente.”

“O mundo é tão injusto.”

Parecia que elas a tinham visto por aí. Se elas estavam nesse trem a essa hora, era muito provável que fossem para a mesma universidade de Sakuta. O que significava que era muito provável que soubessem quem ele era também.

Se continuasse olhando, elas perceberiam, então ele se virou. E se encontrou olhando diretamente para alguém que ele conhecia.

Ikumi Akagi estava parada em frente à porta ao lado. Um ombro apoiado na própria porta, mas ela mantinha as costas eretas. Ela segurava um livro grosso com ambas as mãos, e não havia nenhuma palavra em japonês na capa. Ele suspeitava que o conteúdo fosse inteiramente em inglês. Ela estava muito concentrada.

Ela havia sido sua colega no ensino fundamental. Três anos depois, eles se encontraram na faculdade. Mas não tinham falado desde aquele encontro.

“Você é o Azusagawa, certo?”

“Akagi?”

“Sim. Faz tempo.”

E isso tinha sido o fim. Nodoka o alcançou um momento depois, e Ikumi rapidamente disse “Tchau” e saiu. Ela não tinha falado com ele desde então. Ele a via pelo campus, mas não sentia necessidade de entrar em contato.

Eles não se conheciam bem, nem na época. Ela era apenas uma das trinta colegas de classe. O tipo de pessoa cujo nome você esquece assim que se forma.

Reencontrar-se após um intervalo de três anos não provocou nenhuma emoção real, e o encontro não levou a nada de notável. Isso provavelmente era verdade para Ikumi também. Ela apenas viu um rosto familiar na orientação e disse “olá”. Nada mais.

O único desenvolvimento real nos últimos seis meses foi que ele descobriu que ela estava no curso de enfermagem. A universidade de Sakuta tinha uma escola de medicina, e qualquer um tentando se tornar enfermeiro estaria na divisão de Ikumi. A escola de medicina tinha um campus dedicado, mas como a maior parte do primeiro ano era dedicada ao currículo básico, calouros de outras escolas também ficavam centrados no campus de Kanazawa-hakkei. Ikumi era uma dessas.

Na festa da semana passada, dois caras da escola de enfermagem compareceram, além de uma garota da escola principal de medicina.

Ela deve ter sentido os olhos dele sobre ela. A cabeça de Ikumi virou na direção dele. Ele tinha quase certeza de que ela usava óculos antes, mas agora não. Mas seu olhar claramente se focou nele. Ela piscou duas vezes. Sua expressão estava exatamente como quando estava lendo. Ela piscou uma terceira vez, então voltou à sua postura original. Um ombro contra a porta, olhando brevemente para fora para confirmar que a chuva tinha parado.

O trem chegou à Estação Kanazawa-hakkei sem que nada mais acontecesse entre os dois.

Na plataforma, Sakuta subiu as escadas até os portões. A Estação Kanazawa-hakkei tinha recentemente passado por uma grande reforma, e a área ao redor do portão ainda parecia muito nova. A estação da Linha Seaside originalmente ficava um pouco distante, mas a reforma a moveu para dentro da estação, permitindo transferências suaves.

A maneira mais fácil de chegar ao campus era subir as escadas e ir para o lado oeste da estação. A ponte sobre os trilhos era agradável e larga. Depois de descer as escadas, era uma caminhada de três minutos ao longo dos trilhos até o campus. Hoje, não havia muitos estudantes na estrada com ele. A faculdade tinha cinco vezes mais estudantes do que o colégio dele, mas como os horários das aulas eram variados, a estação nunca ficava tão cheia pela manhã. Os estudantes que estavam chegando agora começariam no segundo período.

Sakuta acompanhou o fluxo da multidão pelo portão principal. Lá, ele foi recebido por duas filas de árvores de Gingko que corriam bem no meio do campus. Quando ele veio aqui pela primeira vez para fazer o exame, olhou para essas árvores e pensou que o lugar parecia um verdadeiro campus universitário. Esse tipo de cenário aparecia muito em filmes ou programas de TV ambientados em faculdades.

À esquerda, dentro do portão, estava o ginásio principal, onde foi realizada a orientação. Além disso, estava o campo de esportes. Cinco ou seis estudantes estavam correndo lá. Provavelmente membros do time de futebol fazendo algum treino extra entre as aulas. Os times pareciam ter muito mais controle sobre seus horários do que os times de colégio.

Do outro lado das árvores de gingko, em relação ao campo, havia um prédio de três andares onde a maioria das aulas era realizada. Parecia um grande quadrado, mas na verdade era uma caixa com um parque no centro. A aula do segundo período dele era lá.

Perto do centro do campus havia um relógio notável, o símbolo da universidade, ele virou à direita logo em frente a ele. Sakuta ouviu passos correndo atrás dele, e um momento depois, alguém deu um tapa em suas costas.

“Azusagawa, e aí!”

“Oi, Fukuyama.”

Takumi Fukuyama começou a caminhar com ele. Ele foi a primeira pessoa com quem Sakuta conversou seriamente após se matricular. Ele também foi o primeiro a ter coragem de perguntar: “É verdade que você está saindo com Mai Sakurajima?” E como suas escolhas de eletivas se alinhavam muito, acabaram passando praticamente todo o tempo juntos.

“Como foi na sexta-feira?” Takumi perguntou, sua curiosidade muito aparente.

“Como foi o quê?”

Sakuta genuinamente não sabia por que ele estava perguntando.

“Você ganhou a inimizade de todos os caras lá! Você levou Mitou para casa com você!”

“Eu não fiz nada disso.”

“Vocês saíram ao mesmo tempo!”

“Sim, quando a festa terminou. Eu tinha que ir trabalhar, então nos separamos na estação.”

“Que chato. Claro, se algo tivesse acontecido, eu teria guardado rancor de você.”

Não havia respostas certas aqui. Enquanto Takumi falava sem parar, eles entraram e subiram para o terceiro andar um degrau de cada vez.

Takumi estava contando a ele tudo sobre quem tinha cantado o quê no karaokê, quem tinha sido bom, e como as músicas de Touko Kirishima tinham sido populares.

“Ela ainda é bem popular, então, hein?”

Ele já tinha ouvido o nome antes. Touko Kirishima começou sua carreira online e era extremamente popular com o público adolescente e de jovens adultos. Ela nunca havia mostrado seu rosto em público, alimentando intermináveis especulações sobre quem ela realmente era. Tudo o que realmente sabiam era seu gênero e que ela tinha aproximadamente a mesma idade de seu público.

“Mas como ela é popular agora ou talvez será.”

Sakuta não tinha certeza do que isso significava, mas claramente ela não iria a lugar nenhum. Ele não sabia que cantores online podiam colocar suas músicas em máquinas de karaokê.

“Quero dizer, olha.”

Takumi mostrou seu celular. Mostrava um par de pés descalços na grama. Delicados, provavelmente de uma garota. Enquanto ele assistia, belos e poderosos vocais e a capella começaram a tocar.

O ângulo da câmera mudou, mostrando-a por trás. Mais paisagem foi revelada, ela estava no centro de um estádio. Ninguém estava nas arquibancadas. A forma do telhado sugeria que provavelmente era o Estádio Internacional de Yokohama.

A próxima tomada era de lado, mostrando apenas sua boca enquanto ela atingia o refrão. Todos os ângulos eram bastante extremos, nunca revelando a garota inteira. Nunca mostrava seu rosto acima dos lábios. Ela parecia um pouco familiar, mas a música terminou antes que ele pudesse descobrir por quê.

A última cena mostrava os ouvidos dela, revelando que aquilo era um comercial de fones de ouvido sem fio.

“Essa é uma música da Touko Kirishima”, disse Takumi.

“Então… era ela?”

“Aparentemente não.”

“Hã?”

“Aquilo era uma misteriosa beleza de comercial que canta muito bem.”

Como ele poderia chamá-la de beleza se você não conseguia ver o rosto dela? Ok, ela realmente passava essa impressão.

“É basicamente uma cover.”

“Então, quem é a garota no comercial?”

Manter o rosto dela escondido assim despertou seu interesse.

“Estou te dizendo, é um mistério.”

“Ninguém sabe?”

“Isso mesmo.”

Que dor de cabeça. Touko Kirishima era uma cantora misteriosa online. E a garota que fazia o cover da sua música no comercial também era não identificada.

“Mas há rumores de que é a Mai Sakurajima.”

“Se fosse a Mai, seria melhor mostrar o rosto dela.”

Ela trabalhava desde a infância e, com seu retorno às novelas matinais, pessoas de todas as áreas conheciam quem ela era. E se aquela fosse a Mai, não havia como Sakuta não ter percebido. Mesmo que ele pudesse ver apenas os pés, as costas e os lábios dela.

“Não, não ela, dizem que a Touko Kirishima é, na verdade, Mai Sakurajima.”

Isso era novidade para Sakuta.

“Muita gente defende essa teoria”, disse Takumi, rolando o celular para mostrar algo.

“Cuidado com os pés.”

Seria ruim ficar parado enquanto alguém caía da escada porque estava ocupado demais com o celular.

“Isso é uma cantada?” Takumi riu.

Sakuta fingiu não ter ouvido.

“O que você acha disso? Mai Sakurajima é, de fato, Touko Kirishima?”

“De jeito nenhum.”

Pelo menos, Mai não havia contado nada sobre isso para ele. E foi ela quem primeiro contou a ele sobre Touko Kirishima. Uma colega mais jovem de sua agência insistiu que ela era a próxima grande estrela, então Mai decidiu ouvir a música dela.

“A voz é meio parecida, no entanto.”

Naquele ponto, eles chegaram à sala 301. O assunto de hoje era línguas estrangeiras. Sakuta escolheu espanhol como sua eletiva.

“Até mais.”

“Até.”

Takumi escolheu chinês, com o argumento de que conhecia alguns kanjis, então se separaram no corredor, e Sakuta entrou na sala sozinho.

Na sala de aula, a primeira coisa que ouviu foi uma risada alta. A fonte era cinco garotas agrupadas perto da porta. Todas usavam saias longas em algum tom entre amarelo e cáqui, além de camisetas combinando e tênis. As roupas eram tão semelhantes que você poderia dizer que eram um grupo idol em trajes de palco, e ele acreditaria.

Sakuta não era exatamente alguém para criticar a moda. Takumi também usava uma camiseta, calças confortáveis e uma mochila preta, então estavam praticamente combinando também. O estilo de Sakuta era o que Mai lhe dera para comemorar a aprovação no exame de admissão.

Ele passou pelas garotas falantes e pegou um assento no corredor, mais ou menos no meio. A sala de aula era composta por longas mesas com três cadeiras cada. A largura era aproximadamente a mesma de uma sala de aula do ensino médio, mas esse espaço era um pouco mais longo, o que o fazia parecer “longo” em vez de “grande.”

Sakuta tirou seu livro de espanhol e depois o livro de matemática que estava usando no trabalho. Abriu o último.

Para se preparar para sua aula noturna, ele primeiro resolveu o problema de prática sozinho.

Enquanto rabiscava equações em suas anotações, uma voz perguntou:

“Posso sentar aqui?”

Ele olhou para cima e piscou ao ver a dona da voz.

Era Miori Mitou, a garota que ele conheceu na festa de sexta-feira. O cabelo dela estava no mesmo coque solto.

“Eu preferia que não.”

Afinal, ele acabara de ser acusado de levá-la para casa. Evidentemente, ele irritou alguns dos rapazes. A última coisa que queria era se sujeitar a mais suspeitas infundadas.

“Eu vou sentar aqui de qualquer jeito”, ela disse, ajustando a saia longa enquanto se acomodava.

“Há muito espaço em outros lugares.”

“Mas você é a única pessoa que conheço aqui.”

“Você poderia ter escolhido a mesma língua que um amigo.”

O programa de idiomas oferecia mais do que apenas Espanhol e Chinês, também tinha Alemão, Francês, Italiano, etc. Ela sabia que não tinha amigos aqui na primeira aula na semana passada. Mas, em vez de uma resposta, ela suspirou dramaticamente.

“……”

Ele fingiu não ouvir isso, voltando para seu problema de matemática. Ela suspirou novamente, mais alto.

“Desculpa, estou sendo irritante?”

“Não ao ponto de precisar se desculpar.” Ele continuou resolvendo.

“Então eu estou sendo irritante, né.”

“Você recebeu alguma notícia ruim?” ele perguntou, como se não se importasse.

“Você vai me ouvir?”

“Você quer que eu ouça?”

“Manami e as outras foram à praia durante as férias de verão.”

“E?”

“Eu não fui convidada.”

Ela franziu os lábios, parecendo muito descontente. Ela olhou com raiva para o personagem mascote no chaveiro pendurado em seu dedo indicador. Os olhos de Sakuta encontraram os do mascote. Talvez fosse um souvenir que elas trouxeram de volta para ela.

“Bem, se ela escolheu a Sanpo-chan, sua amiga tem bom gosto.”

“Você sabe quem ela é?”

“Não moro em Fujisawa há três anos à toa.”

Seu nome completo era Enoshima Sanpo-chan, uma mascote local que promovia oficialmente e extraoficialmente os encantos de Fujisawa.

“E a falta do convite para a praia provavelmente foi só porque você não tem um telefone.”

Essa conclusão lógica lhe rendeu um olhar de soslaio.

“E ela voltou se gabando dos caras que deram em cima dela?”

“Ela não fez isso, então assumo que nada parecido aconteceu.”

Miori parecia um pouco convencida ali. Ela prendeu o chaveiro no fecho do seu estojo de lápis.

“Você age como se definitivamente tivessem dado em cima de você se você tivesse ido com elas.”

“Não estou agindo, só pensando.”

Ela apoiou a bochecha na palma da mão, carrancuda.

“Tão maldoso”, ele disse com uma risada.

“Ugh, o que são amigos afinal?”

“……”

“Ah não, essa é uma cara de ‘ela é louca’.”

Miori ainda estava apoiada no braço, mas seus olhos se voltaram para ele.

“Mais uma cara de ‘ela é louca e um incômodo’.”

“Agora quem está sendo maldoso?”

“Isso mal qualifica”, ele disse, fingindo modéstia.

Isso lhe rendeu um revirar de olhos dela, seguido por um terceiro suspiro. Este não foi forçado; parecia ter saído naturalmente.

“Ela está tentando compensar isso organizando um encontro para mim.”

“Isso não é bom?”

“……”

Miori lançou-lhe outro olhar reprovador.

“Se você não está a fim, apenas diga a ela que não aprecia ser o chamariz para atrair caras para o encontro.”

Ele imaginou que era um dado que o nome dela na lista atrairia rapazes de alto nível. A vibe na festa da semana passada provou isso.

“Quem você acha que eu sou, Azusagawa?”

“Uma garota tão linda que atrairia todos os meninos sem nem tentar, então suas amigas não a levam para a praia”, ele disse, escrevendo o próximo passo do problema em suas anotações.

“Tão cruel”, ela resmungou, mas seu tom deixava claro que parte dela concordava com ele. Ela estava apenas muito ciente do porquê de terem deixado ela de fora. Isso provavelmente não era a primeira vez que isso acontecia. Nem seria a última. E ela estava farta disso.

“Se você não quiser, não vá ao encontro.”

“Um encontro? Eu quero ir!” gritou uma nova voz animada. E não só a voz, a garota inteira se inclinou para o espaço entre eles.

Sakuta e essa garota se conheciam há algum tempo, antes de qualquer um deles começar a faculdade. O nome dela era Uzuki Hirokawa.

“Ídolos não podem ir a encontros.”

“Mmph-mm-mm.”

Ela provavelmente disse: “Ah, é, verdade”, mas isso foi incapaz de ser entendido devido ao chá de bolhas que estava bebendo.

Uzuki estava aqui? Simples. Ela também era uma estudante desta universidade. Assim como Sakuta, ela estava cursando estatística.

Nodoka havia declarado logo no início que iria para a faculdade, e isso acabou sendo contagioso. Uzuki decidiu tentar também.

Ninguém tinha dito a Sakuta que ela sequer estava prestando o exame; na orientação, ela e Nodoka simplesmente apareceram juntas, e ele ficou bem surpreso.

Mas agora ela interpretou mal o olhar dele e estendeu seu chá de bolhas.

“Quer um gole?” ela perguntou.

“Melhor não.” Beijos indiretos de ídols ativos provavelmente eram uma coisa e tanto.

“Mas chá de bolhas é uma delícia!”

“Toda vez que eu bebo, acabo com um monte de tapioca no fim.”

“Mas é tão bom!”

“Eu simplesmente não tenho jeito para isso.”

“Justo.”

De alguma forma, eles conseguiram milagrosamente chegar a um entendimento com essa última frase. Na superfície, pelo menos.

Uzuki inalou mais um pouco de tapioca pelo canudo. Ele podia sentir o cheiro do açúcar dali. Ela mastigou por um momento, olhando de Sakuta para Miori e de volta para Sakuta.

“Sua nova namorada?”

Aquela longa pausa, e tudo o que saiu depois foi um absurdo.

“Não.”

“Ela é fofa.”

“Ela é…” Ele parou, sem saber como definir o relacionamento deles. Nenhuma frase adequada veio à mente. Eles tinham acabado de se conhecer na sexta-feira e ainda não se conheciam bem.

“Miori Mitou”, disse Miori.

“Sou uma amiga em potencial.”

“Bem, eu sou Uzuki Hirokawa, e já sou amiga dele!”

Ela estendeu a mão e deu a Miori um aperto de mão entusiasmado. O movimento para cima e para baixo foi tão intenso que sacudiu a cabeça de Miori também.

“Como você o conhece?” Miori perguntou, sobrevivendo ao cumprimento violento.

“Ele é o irmão da Kaede!” Uzuki disse, como se isso explicasse tudo.

Sua irmã havia sido a principal razão pela qual eles se conheceram, e Uzuki ainda pensava nele como um acessório.

“Você não mencionou uma irmã, Azusagawa. Ela é amiga de Hirokawa?”

“Você me poupou de muita explicação. Sim, Kaede é… uma fã, eu acho.”

Enquanto Sakuta estava explicando a Miori, Uzuki correu para a frente da sala.

“Bom dia, todo mundo!” Era quase como se ela estivesse no palco saudando sua plateia. As cinco garotas agrupadas na frente começaram a responder ao cumprimento. Uzuki juntou-se a elas, e agora eram seis, mas como as outras cinco estavam todas vestidas com roupas combinando, as calças justas que abraçavam as coxas e o longo cardigã de Uzuki a faziam se destacar como um polegar dolorido. Sakuta se pegou lembrando do patinho feio, mas este já era um cisne.

“Azusagawa,” disse Miori, como se estivesse registrando uma reclamação.

“O que foi?”

“Você conhece muitas garotas bonitas.”

“Mitou, você é uma delas.”

“Não era isso que eu queria dizer.”

Ela o olhou como se ele soubesse muito bem o que ela queria dizer. Então franziu a testa.

“Você deixou de usar o honorífico?”

“Se você é uma potencial amiga, achei que poderíamos diminuir a distância.”

Ele finalmente havia terminado de resolver o problema de matemática. Agora, tudo o que ele tinha que fazer era transmitir esse conhecimento para seus alunos.

“Azusagawa é um nome muito longo.”

“E daí?”

“Azusa?”

“Parece um trem expresso.”

“Sagawa?”

“Como a empresa de transporte?”

“Sakuta parece um pouco íntimo demais, então acho que Azusagawa serve.”

Eles tinham dado a volta para onde começaram, mas nesse ponto, o professor de espanhol chegou.

“Por hoje é só,” disse o professor em um japonês com sotaque. A segunda aula começou às dez e meia e terminou no horário, exatamente noventa minutos depois, ao meio-dia.

“Hasta la próxima semana!” Até a próxima semana. Com essa saudação, o Professor Pedro deixou o púlpito.

“Hasta luego!” Essa resposta animada veio de Uzuki, acompanhada por um grande aceno. Pedro sorriu de volta. Um espanhol alegre, ele se dava bem com a energia de Uzuki.

Quando Pedro saiu, Takumi enfiou a cabeça na porta. “Azusagawa, almoço?” ele chamou, caminhando em direção a Sakuta. Mas, no meio do caminho, seus olhos se voltaram para um lado, onde Miori estava guardando seus livros.

“Tchau,” ela disse, levantando-se para ir embora, acenando. Ela passou por Takumi e desapareceu pelo corredor.

“O que foi isso, Azusagawa?” Takumi sussurrou, plantando ambas as mãos na mesa de Sakuta.

“Eu pensei que você disse que nada aconteceu!”

“Fui promovido a amigo em potencial.”

“Deixe-me entrar nessa!”

“Você terá que perguntar à Mitou.”

“Você já está tão próximo dela?! Eu sabia que o homem que conquistou Mai Sakurajima tinha jogo!” Seus olhos estavam vidrados.

Na frente da sala, outros alunos estavam discutindo planos para o almoço. Era aquele grupo de meninas de novo, Uzuki incluída.

“Refeitório?”

“Eu quero um yokoichi-don!” Uzuki disse, a primeira a responder. Este donburi era uma especialidade da escola. Geralmente era arroz coberto com frango moído doce e picante, com um ovo pochê por cima. Só de ouvir o nome, Sakuta já queria um.

“Então vamos,” disse uma das meninas.

“Ah!” Uzuki gritou.

“Eu tenho uma sessão de fotos hoje. Não posso, desculpe.” Ela juntou as palmas das mãos, mas as meninas levaram numa boa.

“Aquela revista de moda de novo?”

“Aquilo ficou muito fofo.”

“Vou comprar uma cópia com certeza!”

“Eu também!”

“Arrase!”

“Hasta mañana!” Uzuki gritou, acenando. Ela saiu correndo pela porta. O falatório das meninas parou por um momento. Então…

“Está com fome?”

“Loja da escola?”

“Eu comi demais ontem, então eu só queria algo pequeno como um sanduíche. Grande alívio.”

“Sim. Eu também.”

“Vamos.”

Uma energia bem diferente. Rindo, elas saíram da sala. Ninguém falou sobre Uzuki.

Quando elas estavam bem longe, Takumi disse: “As meninas me assustam.”

“É assim que as pessoas são.”

O fato de que podiam fingir ser amigáveis quando Uzuki estava por perto parecia um sinal forte de que se preocupavam menos com laços sociais do que a maioria dos alunos do ensino fundamental ou médio. Quando a ideia de uma turma era essa coisa rígida, todos se acostumavam a traçar linhas definitivas e deixar claro se alguém estava dentro ou fora. A faculdade tornava as coisas mais relaxadas. Esses limites ficavam mais nebulosos. E isso funcionava bem.

“Você às vezes me assusta também,” Takumi disse.

“O refeitório está enchendo rápido.”

O refeitório ficava ao longo da fileira de árvores da torre do relógio. Você virava à esquerda no final, e ele estava à frente, no primeiro andar de um prédio com um grande salão e várias lojas diferentes.

Era o pico do horário de almoço, e todos os quatrocentos assentos estavam ocupados. Encontrar um lugar para sentar era uma luta.

Sakuta conseguiu pegar uma mesa quando três outros garotos saíram, e Takumi se juntou a ele, trazendo uma bandeja extra para Sakuta.

Eles estavam ambos comendo yokoichi-don. O tamanho regular custava pouco mais de trezentos ienes. O menu do refeitório era geralmente bastante acessível, com pratos de soba e udon custando menos de duzentos ienes. O refeitório da escola era um aliado vital para qualquer estudante faminto. De vez em quando, você via pais com crianças ou grupos de senhoras que não pareciam pertencer ao lugar, mas o refeitório era aberto ao público, e eles eram bem-vindos também.

Hoje em dia, muitas universidades estavam experimentando coisas assim, esperando ganhar boa vontade na vizinhança. Isso motivava muitas escolas a remodelar seus refeitórios para parecerem cafés chiques. Às vezes, elas até apareciam na TV.

Demorou cerca de cinco minutos para eles esvaziarem suas tigelas. Eles terminaram tudo com chá grátis do bar.

“Azusagawa, você tem que me apresentar a uma garota.” Esse era o assunto padrão de Takumi.

“Você não pegou números na festa?”

“Ninguém está respondendo.”

“Que pena.”

“Eu aceito a Toyohama.”

“Se ela ouvir você dizer o nome dela e ‘aceitar’ na mesma frase, ela vai explodir. Não é difícil fazê-la explodir.”

Ele tomou outro gole de chá. Então, algo brilhante na entrada chamou sua atenção. Falando no diabo. Ela não era a única pessoa no campus com cabelos loiros, mas ela definitivamente cuidava deles melhor do que qualquer outra pessoa. Na escola, ela sempre os prendia baixo e deixava que caíssem sobre os ombros.

Nodoka olhou ao redor do refeitório, procurando por alguém. Assim que seus olhos encontraram os de Sakuta, ela veio em sua direção. Aparentemente, ela estava procurando por ele.

“Finalmente te encontrei!” ela disse, como se fosse culpa dele ela não tê-lo encontrado imediatamente.

“O que você precisa?”

Nodoka olhou para Takumi. “Preciso pegar o Sakuta emprestado por um tempo,” ela disse.

“Fique à vontade. Pode levar!” Takumi cedeu facilmente.

Sem qualquer confirmação de Sakuta, Nodoka deu meia-volta e saiu em direção à saída. Ela ficaria furiosa se ele não a seguisse, então ele deixou seus pratos na área de depósito e correu atrás dela.

Do lado de fora, Sakuta e Nodoka caminharam distraidamente até um banco próximo ao prédio de pesquisa e sentaram-se. Perto dali, o clube de dança usava as janelas do prédio como espelho, ensaiando suas rotinas. Eles observaram por um tempo, mas Nodoka não disse nada.

“E então?” Sakuta perguntou.

“…Você viu a Uzuki hoje?”

“Vi. Ela estava na aula de espanhol comigo.”

Nodoka sabia disso, e foi por isso que ela estava procurando por ele.

“Ela disse alguma coisa?”

“Como o quê?”

“……”

“Você me trouxe até aqui. Não seja tímida.”

“Como ela estava agindo?”

Sua provocação não melhorou o humor dela. Ela não tirou os olhos dos dançarinos.

“Ela parecia como sempre.”

Sakuta não percebeu nada de errado. Ela tinha interrompido sua conversa com Miori, oferecido um gole de chá com bolhas, depois corrido para o grupo de meninas, usando entusiasticamente todo o novo espanhol que tinha aprendido… e o modo como as meninas a abandonaram assim que ela saiu da sala. Tudo isso era típico de Uzuki.

“Ela não mencionou nada sobre mim?”

“Não.”

“Nem sobre o Sweet Bullet?”

“Nem uma palavra.”

“Oh…”

Ele ainda estava perdido.

“O que é isso?” ele perguntou.

Ela finalmente se virou para olhar para ele. O olhar em seus olhos era metade raiva, metade confusão.

“Ontem, nós meio que…”

“Meio que o quê?”

“Tivemos uma briga.”

“Uma briga?”

Havia duas razões pelas quais isso não parecia real para ele. Primeiro, ele simplesmente não conseguia imaginar Nodoka e Uzuki brigando. Segundo, a maneira como Uzuki agiu hoje, ela estava totalmente normal. O oposto total da disposição sombria de Nodoka, o que fazia com que ele sentisse que devia haver algum engano.

“Sobre o quê?” ele perguntou.

“…Você sabe que duas das nossas integrantes já se formaram?”

“Sim.”

Nodoka e Uzuki eram membros de um grupo de idols chamado Sweet Bullet. No início do ano letivo, duas das sete integrantes deixaram o grupo (“se formaram”), deixando cinco para trás.

“Desde que isso aconteceu, temos tido conversas entre nós e com a agência… sobre o nosso futuro.”

“Algo do tipo ‘se separar ou continuar’?”

“……”

Ela não confirmou nem negou. Seu silêncio sugeria que ela não estava feliz com a situação atual, o que era a resposta de que ele precisava.

“Nossa meta era tocar no Budokan em três anos.”

Ela usou o passado porque essa data já tinha passado. Isso provavelmente as obrigou a reavaliar.

“Mas seus fãs e shows ainda estão crescendo, certo?”

Elas tocaram em um grande festival de música naquele verão e fizeram uma turnê como atração principal nas principais cidades. Kaede levou sua amiga Kotomi Kano para vê-las em Tóquio. Elas preencheram dois mil assentos, e aparentemente foi bem animado. Kaede estava super animada quando voltou e continuava dizendo: “Foi tão divertido! Incrível!”

E as integrantes individuais estavam conseguindo trabalho. Uzuki estava se destacando em programas de jogos e coisas do tipo, e fazia mais aparições em peças sobre a cidade. Seu comportamento imprevisível conquistava sorrisos onde quer que fosse. Nodoka muitas vezes era emparelhada com ela, mantendo-a na linha, e o contraste entre a aparência selvagem de Nodoka e sua natureza sincera era bastante popular. As outras integrantes estavam trabalhando como modelos, atuando ou participando de programas de variedades atléticas, todas estavam conseguindo oportunidades. Mas ainda eram um grupo reconhecido apenas pelos fãs.

“Sim, então tivemos uma conversa sobre o que fazer com o Sweet Bullet. Uzuki, em particular, tem muitas ofertas… e está ficando mais difícil alinhar a agenda dela com a nossa. A agência também tem pensamentos sobre isso.”

“Pensamentos?”

“…Como deixá-la seguir carreira solo,” Nodoka murmurou. Ela reprimiu todas as suas emoções, tentando soar e agir normalmente.

“Ontem, tivemos um show com outros grupos da agência. E eu ouvi o diretor executivo no telefone com alguém.”

Ele estava começando a entender como elas acabaram brigando.

“Deixando a agência de lado, Hirokawa sabia disso?”

“Provavelmente não.”

Ele imaginou. Se ela soubesse, seria um problema totalmente diferente.

“O que você quer?”

“Eu… ainda quero tocar no Budokan. Como Sweet Bullet.” Mas os olhos de Nodoka voltaram-se para o clube de dança.

“Mas, ao mesmo tempo, quero que todo o esforço de todos seja recompensado. Uzuki trabalhou mais do que qualquer outra pessoa e… ela realmente tem algo especial, sabe? Ela traz um sorriso ao rosto de todos.”

“Mm-hmm. E você tentou dizer isso de uma maneira indireta, mas ela não entendeu e você acabou perdendo a paciência e descontando nela?”

Nodoka poderia ter uma aparência chamativa, mas, no fundo, era uma pessoa muito séria. Sua preocupação com Uzuki provavelmente passou despercebida e levou-a a dizer coisas das quais se arrependeu.

“…Basicamente, sim.”

Isso explicava por que Nodoka chamou isso de uma briga. Mas as emoções intensificadas estavam todas do lado dela. Uzuki estava totalmente despreocupada hoje porque não sabia sobre a oferta solo e não entendeu a diferença de opinião delas.

“Todo mundo se sentiu como eu, então… acabou parecendo que todos nós nos voltamos contra ela.”

E ela se sentia culpada por isso, não conseguia encarar Uzuki sozinha e estava usando Sakuta como um intermediário.

“É só isso?”

“Hã?” Nodoka olhou feio para ele, claramente querendo mais.

“Isso é um problema real!”

“Um problema de primeiro mundo.”

“……”

“Você basicamente está reclamando porque tem mais trabalho e as coisas não podem ser como sempre foram. Se você dissesse isso para Mai, ela te daria um tapa.”

“Ugh, é…” Sakuta tinha a sensação de que isso acabaria com ele levando um tapa. Ele definitivamente não queria que ela soubesse disso.

“……”

Nodoka definitivamente o ouviu, mas não parecia estar processando totalmente.

“Se você está tão preocupada com a Hirokawa, vá falar com ela de novo. Não fique bisbilhotando e pedindo conselhos a caras que não têm nada a ver com isso.”

“Fique quieto! Eu sei disso.”

Ele conseguiu irritá-la, e ela se levantou de um salto.

“Só um idiota falaria com você,” ela disse.

“Não há de quê. Obrigado!”

Ela estava brava com ele ou agradecida? Suas emoções estavam misturadas enquanto ela se afastava pisando firme. Uma das garotas dançantes olhou para ele com uma expressão de “O que você fez?” Quando Sakuta percebeu o olhar dela, ela rapidamente desviou os olhos.

“Não preciso ser mais notório do que já sou…”

Ele sentia que Nodoka estava um pouco mais centrada agora que estava na faculdade, mas… não quando estava com ele.

“O que está bem.”

Ele se levantou e se espreguiçou. A chuva daquela manhã deixou o ar com uma sensação de limpeza.

A história que ele acabara de ouvir era como o tempo. As emoções eram como o sol, as nuvens e a chuva. Ele podia deixar Nodoka e Uzuki em paz, e tudo se resolveria. Hoje tinha sido apenas um dia de mau tempo.

Aquelas duas não eram apenas amigas comuns. Elas faziam parte do mesmo grupo, trabalhando para o mesmo objetivo. Tinham passado por altos e baixos juntas e forjado laços de confiança.

Elas talvez não fossem amigas íntimas, mas podiam contar uma com a outra. Mesmo não sendo melhores amigas, mas poderiam se apoiar.

Ele sabia que elas tinham construído algo mais forte.

Mudanças ao redor delas não seriam suficientes para destruir isso agora.

Naquele momento, Sakuta realmente acreditava nisso. Acreditava que isso era uma preocupação trivial, algo que iria passar.

Mas as coisas têm uma maneira de se desenrolar de forma diferente. E no dia seguinte, elas se desenrolaram. O campus poderia não parecer diferente, mas a mudança era clara demais.

 

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