Seishun Buta Yarou – Capítulo 4 – Vol 06 - Anime Center BR

Seishun Buta Yarou – Capítulo 4 – Vol 06

Capítulo 4

Três silêncios distintos preenchiam o ar. Um pertencia a Sakuta. Outro, à Shouko adulta. E o último, a Mai. O silêncio palpável foi finalmente interrompido pelos passos de Mai. Ela atravessou o quarto e se aproximou da cama de Sakuta. Primeiro, olhou para ele, depois se virou para Shouko.

“ Você quer dizer…?”

“……”

Como ele deveria responder? Como deveria reagir? Ele não tinha certeza. Não era uma situação da qual poderia escapar ou insistir que era insignificante. Todos os três podiam sentir a tensão no ar, por isso o silêncio era tão intenso. Você podia cortar a tensão com uma faca.

Então, Shouko exalou. Muito deliberadamente. Ambos voltaram para olhar para ela.

“ Daqui a dez dias — começou ela.”

Será que ela tinha percebido que não havia como sair dessa, ou sempre pretendeu contar para Mai? Shouko certamente parecia estar aceitando a situação com tranquilidade.

“ Vinte e quatro de dezembro.”

Era a véspera de Natal. Não estava tão longe assim.

“Será o dia mais frio de todo o inverno, e, como os relatórios meteorológicos prometem, começará a nevar à tarde. Tanta neve que vai se acumular, mesmo aqui no sul.”

Havia uma pergunta implícita nos olhos de Mai, mas ela não disse nada. Não queria interromper. Por mais dúvidas que esse discurso levantasse, ela estava escolhendo ouvir Shouko primeiro.

“Sakuta promete te encontrar para um encontro e, a caminho, um carro derrapa no gelo.”

Shouko estava descrevendo eventos que ainda não haviam acontecido como se já tivessem. Suas palavras não continham nem esperança nem desespero. Eram uma simples declaração de fatos. Nada mais, nada menos. Isso era simplesmente o que Shouko sabia ser verdade, a progressão natural dos eventos em sua realidade. Shouko era de seis ou sete anos no futuro, e eventos que ocorreriam daqui a dez dias estavam no passado distante para ela.

“Como você sabe…?” perguntou Mai, a pergunta óbvia.

“Porque sou do futuro.”

A testa de Mai se franziu brevemente. Ela encontrou o olhar de Shouko, considerou suas palavras por um momento e então se virou para Sakuta.

“É verdade” ele disse, acenando com a cabeça.

Pelo menos, ela estava certa sobre os planos de Natal de Mai e Kaede. E os de Kaede, em particular, não eram algo que se pudesse adivinhar cegamente.

Mai refletiu sobre isso por um longo momento.

“Ok…” disse ela.

“Sakuta é levado ao hospital, mas nunca recupera a consciência. Eventualmente, é declarado com morte cerebral.”

Ele sabia disso desde o momento em que percebeu a verdade, mas ouvir isso dela tinha um peso muito diferente. Foi um golpe duro.

A mão de Sakuta se moveu para o peito.

“……”

Ele podia sentir seu coração batendo.

“Encontram um cartão de doador entre os pertences de Sakuta. Quando ele é declarado com morte cerebral, eles obtêm permissão da família — ou pelo menos foi o que me contaram depois.”

Quando Mai não disse nada, Sakuta emitiu um som baixo. Sua garganta estava seca, e o som ficou preso nela.

O que teria passado pela mente de seu pai quando recebeu aquela ligação? Informado da morte de seu filho, e logo em seguida solicitado a aprovar o uso dos órgãos dele? Não teria havido tempo para processar suas emoções. Mas seu pai do futuro respeitou os desejos de Sakuta e aprovou a doação.

Shouko era a prova viva disso. Ela havia recebido o transplante e estava viva e saudável.

“Três dias após o acidente, em vinte e sete de dezembro… Eu estava na UTI, mantida viva graças a um dispositivo de assistência ventricular. E milagrosamente, um coração doador chegou a tempo.”

Shouko colocou as mãos no peito novamente. Fechando os olhos, como se estivesse ouvindo atentamente os batimentos cardíacos dentro dela.

“……”

Ele não sabia o que perguntar. Ela já tinha dito tudo o que ele queria saber. Levaram apenas alguns minutos para relatar os fatos. Os fatos da morte de Sakuta.

“E quando você acordou…?”  ele perguntou depois de pensar um pouco. Shouko provavelmente tinha sido perguntada isso muitas vezes. Mas ele escolheu perguntar porque era uma pergunta que seu eu do futuro não poderia fazer a ela pessoalmente.

“Quando acordei após a operação, nada parecia real. O anestésico ainda estava em efeito, e adormeci novamente em pouco tempo.”

“…..”

 

“Mas, na próxima vez que acordei, vi os olhos da minha mãe vermelhos de tanto chorar e soube que ela havia estado soluçando o tempo todo, e fiquei tão feliz que chorei também.”

“Que bom”  ele disse, sentindo-se aliviado ao ouvir isso.

“Meu pai continuava dizendo ‘Graças a Deus’ repetidamente, e eu estava tão aliviada. Eu finalmente podia sentir meu próprio batimento cardíaco.”

“……”

“Tum-tum, tum-tum. O coração que me salvou. Ele estava sempre lá…”

Sua voz estava embargada de lágrimas. As emoções daquele momento voltaram à tona. Mais lágrimas encheram seus olhos e desceram por suas bochechas. Ela as enxugou com os dedos.

“Naquela época, eu não tinha como saber quem era o doador. Só ficava repetindo ‘Obrigado’ incessantemente para quem quer que fosse.

Havia paz em seus olhos. Uma enorme bondade. Esse “Obrigado” claramente era destinado a Sakuta.

“Eu só comecei a suspeitar de algo quando o período de repouso obrigatório terminou e fui transferida da UTI para um quarto normal. Normalmente, você só descobre quem é o doador em circunstâncias extraordinárias. Mas…”

No caso de Shouko, essas circunstâncias se alinharam. Nem foi tão dramático assim. Era apenas lógica simples.

“Você descobriu porque me conhecia.”

“Sim” ela sussurrou, acenando com a cabeça.  “Quando tentei ligar para te contar sobre a operação, não consegui falar com você. A princípio, não sabia por quê, mas…”

Shouko levantou a cabeça e olhou para Mai.

“…havia alguém que tinha visto tudo”  ela disse, com uma expressão de dor. “Mai me contou tudo. Ela disse que eu descobriria eventualmente, se tentasse te ver.”

“……”

Mai não disse nada. Isso era algo que ela ainda não sabia. O que devia estar passando pela cabeça da Mai do futuro quando escolheu contar a verdade para Shouko? Sakuta não fazia ideia. Provavelmente, a Mai atual também não sabia.

“Isso é tudo o que há para dizer” concluiu Shouko, parecendo bastante triste. Considerando o peso do que havia revelado, usara muito poucas palavras. “Essa é a história de como Sakuta salvou minha vida.”

“……”

Ele não tinha palavras. Será que ainda não parecia real? Ou havia outra coisa o dominando? De qualquer forma, Sakuta não conseguia falar.

“……”

Mai parecia estar na mesma condição. Ela não olhava para Sakuta nem para Shouko. Estava apenas fitando o estrado da cama.

“Então, neste Natal, recomendo que tenham um encontro tranquilo em casa” disse Shouko, com a voz de repente muito alegre.

Se ele ficasse em casa e não saísse, não haveria como ser atropelado por um carro no dia 24. Nunca seria levado ao hospital ou declarado com morte cerebral. E não se tornaria o doador de Shouko.

O futuro mudaria.

Ele o teria mudado.

O transplante que Shouko deveria receber nunca aconteceria.

“Não se preocupe.”

“Mas…”

“Minha versão mais jovem ainda tem tempo. Tenha fé na medicina moderna.”

“Diz a viajante do tempo…”

Havia mais que ele deveria ter dito. Mas não conseguia encontrar as palavras.

Ele não havia organizado seus próprios sentimentos de forma alguma.

Sakuta não tinha certeza do que era importante, o que deveria proteger ou o que deveria escolher. Como poderia ter algo a dizer para Shouko, que já havia aceitado tudo?

“Tenho certeza de que outro doador aparecerá.”

O sorriso de Shouko era como um abraço caloroso. Um que o fazia sentir-se seguro e protegido.

“Certo” disse ela, levantando-se do banco. “Não é seguro ficar muito tempo no mesmo hospital que minha versão mais jovem, então vou voltar.”

“……”

“……”

Nem Sakuta nem Mai se moveram. Nenhum dos dois conseguia responder de forma alguma.

“Mai” disse Shouko.

“…Sim?”

“Cuide de Sakuta.”

“Não preciso que você me diga isso” disse Mai, mas sua voz tremia.

“Talvez não!”

Shouko sorriu para ela. Nada sobre isso era alegre, mas ela parecia ter realizado um grande feito. Sakuta não…

 

 

Sakuta não conseguia compreender o que isso significava. Sua cabeça estava girando rápido demais para captar algo tão sutil. Tudo o que podia fazer era assistir Shouko sair. Ele e Mai resolveram as contas e a papelada, e deixaram o hospital cerca de vinte minutos depois de Shouko.

A única opção deles foi explicar as cicatrizes como uma ferida antiga que havia reaberto, mas como o sangramento havia parado, o médico que os atendeu não fez mais perguntas. Sakuta perguntou sobre a pequena Shouko, mas tudo o que conseguiu ouvir foi: “Não podemos compartilhar muitas informações, mesmo que você a conheça.” Mas o médico deixou escapar que ela estava passando por uma operação para implantar um dispositivo que manteria seu coração batendo. Sakuta ficou grato por essa informação.

Não havia nada que ele pudesse fazer ficando mais tempo no hospital. E se a conversa voltasse às feridas em seu peito, poderia ficar constrangedor, então ele se dirigiu à entrada, onde Mai estava esperando.

“Deu tudo certo?” ela perguntou.

“Consegui me esquivar, sim.”

“Que bom.”

Com isso, eles deixaram o hospital.

“……”

“……”

Por um longo tempo, nenhum dos dois falou. Mas Sakuta presumiu que estavam pensando nas mesmas coisas. Na verdade, ele tinha certeza disso. Então, quando Mai de repente disse: “Então é tudo verdade”, ele não precisou perguntar sobre o quê.

“Não vejo por que Shouko mentiria sobre isso.”

“Eu gostaria que ela estivesse mentindo.”

“……”

Eles contornaram o assunto brevemente, mas logo voltaram ao silêncio. Estavam caminhando mais devagar que o habitual, suas respirações visíveis no ar frio. Parecia que ambos precisavam desse tempo extra. Precisavam desse momento de silêncio. Para entender a verdade. Para aceitar a verdade. Era necessário tempo e silêncio para processar a realidade disso.

Mai estava tão perto que seus ombros quase se tocavam, e Sakuta podia senti-la ali, mas ele manteve os olhos fixos à frente. Finalmente, sem mais conversa, chegaram ao prédio de apartamentos dele. Sakuta começou a entrar, mas percebeu que Mai havia parado atrás dele. Ele podia sentir seu olhar sobre ele. Então, ao se virar, falou primeiro.

“Uh, Mai…”

Ele não tinha chegado a nenhuma conclusão. De forma alguma seus sentimentos haviam alcançado os fatos. Ele estava apenas movido por um sentimento instintivo de que precisava ser o primeiro a falar. Que não poderia deixar a decisão de sua vida para ela.

“Mai, uh…”

Ele definitivamente estava enrolando. Não tinha nada com que seguir adiante. Não conseguia encontrar outras palavras. Estava em branco. Não, havia uma coisa. Em algum lugar no fundo da mente, considerou dizer um adeus definitivo. Chegou até sua garganta, mas ele havia aprendido mais cedo naquela noite exatamente como era ouvir isso, e não conseguiu fazer.

“Não venha mais me ver.”

Shouko havia reunido toda sua coragem para dizer isso a ele, e tinha sido brutal para ambos.

“Sakuta” disse Mai quando ele hesitou.

Ele levantou a cabeça, e seus belos olhos estavam olhando diretamente para ele.

“Eu não vou te perder.”

“……”

Ele não conseguiu responder de forma significativa, principalmente porque estava tão surpreso que ela havia lido sua hesitação tão precisamente. E ela o interrompeu antes que ele pudesse fazer algo tão estúpido quanto pedir para ela esquecê-lo.

“Teremos que mudar nossos planos de encontro, porém.”

“……”

“Nodoka tem um concerto de Natal, então ela estará fora. Podemos ficar no meu apartamento, só nós dois. Estarei trabalhando o dia todo, então comprarei um grande bolo de Natal no caminho de casa.”

A voz de Mai parecia preencher o ar silencioso ao redor deles.

“ Para o Ano Novo, devemos visitar o Santuário Tsurugaoka Hachimangu. As multidões serão intensas no primeiro dia, então pode ser melhor ir depois que as férias de inverno terminarem.”

“…Sim.”

“ Também farei chocolate para você no Dia dos Namorados.”

“ …Mm.”

“ Vou me formar na primavera, mas… Pretendo arranjar tempo para te ensinar de vez em quando, então esteja preparado.”

 

“Você vai usar a roupa de coelhinha?”

“Vou colocar assim que você for aceito na faculdade.”

“Mal posso esperar.”

Na superfície, isso parecia como todas as interações deles. Suas vozes soavam alegres e animadas. Mas por trás das palavras e dos sorrisos, o coração de Sakuta estava vazio. Eles falavam sobre os momentos felizes que o futuro traria, mas ele não sentia nada. Não parecia que estavam falando sobre ele. Ele não sentia alegria, prazer ou felicidade. Nem sentia ansiedade, medo ou desespero. Ele estava respondendo da maneira certa, mas aquelas palavras não pareciam vir de sua própria vontade.

24 de dezembro. Véspera de Natal. Sakuta morreria em um acidente de carro a caminho de um encontro com Mai. Ele ainda não tinha aceitado o que Shouko havia dito sobre o futuro. Sabia que tinha apenas dez dias de vida, mas ainda não parecia que estavam falando sobre sua morte. Tudo o que realmente entendia era que não conseguia imaginar-se morrendo.

“E um ano depois disso, começaremos a faculdade juntos.”

“……”

“Então, eu quero que você escolha um futuro comigo. Esse é o meu desejo.”

A expressão de Mai nunca mudou. Ela manteve seu olhar o tempo todo, apenas um leve traço de tristeza em seus olhos. Sua voz nunca falhou. Ela nunca se emocionou. Estava apenas discutindo calmamente o futuro deles juntos.

“Não vou dormir aqui esta noite.”

“Ok.”

“Acho que isso é o melhor.”

Ele precisava de tempo para pensar.

“Você está certa.”

Sakuta e Mai precisavam de tempo. Especialmente porque sabiam que tinham tão pouco tempo restante.

“Ok. Boa noite, então.” Mai acenou de despedida.

“Sim. Boa noite” ele disse.

Mai entrou no prédio do outro lado da rua, e Sakuta a observou ir embora. Ela não olhou para trás. Não parou para dar-lhe um último sorriso travesso ou acenar uma segunda vez. Quando ela desapareceu de vista, Sakuta olhou para o céu e soltou um longo suspiro branco.

“……”

Mas ele não disse nada.

O professor estava no quadro-negro, revisando os problemas de inglês da prova final. Ninguém estava prestando muita atenção — as férias estavam muito próximas. Suas folhas de teste haviam sido devolvidas, e alguns alunos estavam com cara de desapontamento com as notas, enquanto outros brincavam com seus celulares debaixo das carteiras.

Sakuta notou tudo isso pelo canto do olho, mas também estava diligentemente anotando as respostas corretas de tudo o que havia errado. Na verdade, não eram muitas. O número 82 dançava no topo de sua folha de exame. Isso era mérito de Nodoka. Ela o havia ensinado bem, apesar de todas as suas reclamações. Mas, apesar da nota recorde, Sakuta não sentia nenhum prazer real nisso.

Quatro dias já haviam se passado. Quatro manhãs desde que Sakuta desmaiara por causa das feridas no peito. Esse tempo já havia passado desde que ele soubera que seria atropelado por um carro na véspera de Natal. Agora era 18 de dezembro. Uma quinta-feira. Menos de uma semana até seu destino se concretizar. Ele estava tecnicamente ciente de que a data estava se aproximando, mas o conceito ainda não parecia real para ele. E isso o deixava incerto sobre o que fazer — então ele apenas seguia a rotina diária.

Levantava de manhã, se preparava e ia para a escola. Assistia às aulas. Quando elas terminavam, ia para casa. Se tinha um turno, trabalhava as horas agendadas. Se Tomoe estava trabalhando também, ele a provocava um pouco para aliviar o estresse. Quando a noite caía, ele ia dormir e acordava de manhã. E então repetia todo o ciclo.

Ele não fazia nada extraordinário. Ainda estava visitando Shouko depois da escola, mas ela estava confinada na UTI. Somente sua família podia vê-la lá, então ele geralmente visitava um quarto vazio. O quarto 301, onde Shouko havia estado. Ela não estava mais naquela cama. Seus livros escolares e anotações ainda estavam lá, assim como a caixa de lanches que Sakuta havia trazido de Kanazawa. Uma sombra de tristeza pairava sobre o quarto. Quando Shouko ainda estava lá, ela havia dado…

 

 

O lugar que antes emanava calor e luz por causa da presença de Shouko agora parecia estéril. Como se o tempo tivesse parado. Mas ontem — quarta-feira — ele tinha passado por lá após o trabalho e se deparado com a mãe de Shouko. Ela lhe disse que a cirurgia para prolongar a vida de Shouko tinha sido um sucesso, exatamente como a Shouko adulta havia prometido. O procedimento havia implantado um dispositivo que manteria seu coração batendo. Ele não conseguiu dizer “Bom,” então simplesmente disse “Eu volto de novo” antes que ela pudesse fazer a coisa educada e pedir para ele não vir.

Ciente das ações de Sakuta, a Shouko adulta ainda estava passando tempo na casa dele. Ela o acordava quando ele dormia demais, fazia o jantar, o via partir e o recebia de volta. Ela realmente não havia mudado nada. Parecia completamente em paz. Ele não tinha ideia de como isso era possível.

Ele mal havia falado com Mai desde então. Eles não estavam ativamente evitando um ao outro, mas a agenda de Mai deixava pouco tempo para eles se sentarem juntos. De certa forma, isso poderia ser visto como Mai seguindo sua rotina, da mesma maneira que Sakuta estava com a dele. A agenda dela não podia ser alterada tão facilmente. A famosa “Mai Sakurajima” tinha muito em jogo com seu trabalho. E Sakuta sabia perfeitamente o quanto Mai valorizava cumprir com isso.

Ele a havia forçado a expressar seus pensamentos sobre o futuro dele. Fez ela dizer aquelas palavras horríveis.

“Quero que você escolha um futuro comigo. Esse é o meu desejo.”

A bola estava de volta nas mãos de Sakuta. Ele a segurava com cuidado, sem dar sinais de que a jogaria de volta.

“……”

Ele percebeu que tinha parado de tomar notas.

“Tenho certeza de que nenhum de vocês está com ânimo, mas revisar seus resultados é importante”  aconselhou o professor de inglês.

Sakuta levantou a cabeça. O professor havia terminado de explicar a redação final e estava limpando o giz das mãos. Então o sinal tocou — a quarta aula tinha terminado. Eles só tinham aulas pela manhã essa semana, então as aulas estavam encerradas para o dia.

Poucos minutos depois, começou a reunião de encerramento do dia, mas logo terminou, sem nada de importante ser discutido. Sakuta pegou sua mochila, planejando passar no hospital novamente. Mas, ao sair para o corredor, alguém segurou seu ombro.

“Ei! Azusagawa!”

Ele virou a cabeça para ver Saki Kamisato olhando furiosa para ele. Ela tinha ambas as mãos nos quadris, como se estivesse furiosa.

“O que foi?”

“Você está de plantão na limpeza! Você faltou três dias seguidos, então hoje vai fazer tudo sozinho!”

Ele verificou o cronograma de plantão. Saki estava certa. Eles estavam no topo do alfabeto.

Ele estava tão absorvido com o que estava por vir que nem percebeu que estava fugindo das responsabilidades.

“Desculpe. Vou cuidar disso hoje.”

Ele colocou a mochila de volta na mesa e abriu o armário de limpeza no fundo da sala. Pegou a vassoura e começou a varrer o lixo para a frente da sala.

“Ei.”

Ele levantou a cabeça e viu que Saki o havia seguido. Ela ainda parecia zangada.

“O que foi?”

“Por que você não discutiu?”

“Hã?”

“Você está louco?”

“Estou errado aqui. E essa foi sua ideia”.

Parecia uma punição justa por faltar três dias. Ele não via motivo para argumentar.

“Mesmo assim!”

Ele não tinha ideia de qual era o problema dela, mas Saki estava de muito mau humor.

“Você e Kunimi estão tendo problemas ou algo assim?”

“Estamos indo bem.”

“Ótimo, ótimo. Desejo-lhes felicidade eterna” disse ele em um tom totalmente normal. Ele voltou a varrer.

“Ah?”

Aquele “Ah?” parecia irritado. Ele havia dito ou feito algo para provocar isso?

“Você sabe que você se opõe a eu namorar com ele.”

Se envolver nisso parecia problemático, então ele continuou limpando.

“Ah, qual é o sentido?”

Qual era o sentido?

“Você está me ouvindo?”

Ele considerou ignorá-la novamente, mas achou que isso a deixaria ainda mais furiosa, então desistiu.

 

 

“Estou me opondo a alguma coisa? Tenho certeza de que você tem algumas qualidades atraentes que eu simplesmente não percebi”, disse Sakuta, tentando desarmar a situação.

“Isso quer dizer o quê?”, Saki perguntou, ainda com raiva, mas sem a mesma intensidade.

“Quando ouço o Kunimi falar de você, percebo que ele realmente te ama”, disse Sakuta, esperançoso de ter finalmente chegado a ela de alguma maneira.

Saki continuava a encará-lo com raiva, mas pelo menos havia parado de expressar essa raiva em palavras. Talvez ele tivesse conseguido se comunicar um pouco. Ou pelo menos ele esperava que sim.

“Você pega o lado da janela”, disse Saki de repente.

“Hã?”, Sakuta olhou para ela, confuso, vendo-a pegar outra vassoura.

Ela ignorou seu olhar de questionamento e começou a varrer o lado do corredor da sala.

“O que você está fazendo, Kamisato?”, perguntou Sakuta.

“Limpeza”, respondeu ela, sem parar de varrer.

“Eu consigo ver isso. Por quê?”, perguntou Sakuta, intrigado.

“Também estou de plantão na limpeza”, ela respondeu.

Sakuta achou a situação absurda, mas decidiu aceitar a ajuda.

“Uh, Kamisato.”

“……”, Saki nem se deu ao trabalho de olhar para ele, concentrada na limpeza.

“Não quero que o Kunimi me mate, então talvez não se abaixe tanto na minha frente”, disse ele.

Saki instantaneamente entendeu o que ele queria dizer e rapidamente segurou a parte de trás da saia. Ela se virou furiosa.

“Morre!”

Tudo que ele tinha visto era um short de ginástica, então achou a reação um pouco exagerada.

“Planejo morrer. Não se preocupe”, as palavras saíram antes que ele pudesse parar.

“O que você disse?”, perguntou Saki, furiosa.

“Eu disse, obrigado por ajudar”, disse Sakuta rapidamente, sem querer prolongar a tensão.

Saki fez uma pausa e seus olhos encontraram os dele. Em seguida, ela desviou o olhar.

“N-não seja ridículo”, sussurrou ela, estranhamente envergonhada. Rapidamente virou de costas e voltou a varrer.

“O que foi isso?”, perguntou Sakuta, rindo um pouco da situação.

“Eu disse morre!”, repetiu Saki.

“Ah, certo, certo”, ele respondeu, ainda sorrindo.

Ele estava sorrindo não por causa da atitude de Saki, mas pela estranheza de estar tendo uma conversa assim, apesar de tudo. E isso o fez rir. Ele havia aprendido sobre seu destino e, logo em seguida, visto um novo lado de alguém com quem sempre teve dificuldades. Como ele poderia não rir?

Mesmo com os dois limpando, a sala de aula era bem grande. Levou três vezes mais tempo do que normalmente levaria. O que fazia sentido, já que geralmente havia três vezes mais pessoas no plantão. Se ele estivesse sozinho, teria demorado ainda mais. Ele estava definitivamente grato pela ajuda.

Meia hora depois do final da homeroom, a atmosfera da escola tinha mudado de “após as aulas” para “tempo de clube”. Não era algo com o qual Sakuta lidava frequentemente, então ele trocou de sapatos e fugiu do prédio, indo direto para os portões.

Mas, no caminho, ele ouviu um som que o fez parar. O barulho rítmico de uma bola quicando. Uma bola grande e pesada. Vinha do ginásio.

Normalmente, ele não teria prestado atenção, mas hoje algo o fez virar e se dirigir para as portas do ginásio.

As portas de metal que levavam diretamente ao ginásio estavam abertas, e ele tinha uma visão clara do interior. Um grupo de garotas do primeiro ano estava por lá. “Kunimi é tão legal!” “Mas ele está namorando a Kamisato, não é?” “Mesmo que eles terminassem, ele nunca olharia para você.”

O garoto de quem elas estavam falando estava ocupado se aquecendo, driblando duas bolas ao mesmo tempo.

Sakuta observou por um tempo. Eventualmente, Yuuma notou e olhou para cima. Seus olhos se encontraram. Yuuma franziu a testa brevemente, depois fez um arremesso com uma das bolas e veio em direção a Sakuta, driblando a outra. A primeira bola voou suavemente pela quadra e passou direto pelo aro. Não tocou nem a borda. Apenas um suave poof enquanto a rede balançava. As garotas todas gritaram.

“O que foi?”, perguntou Yuuma.

“O que está acontecendo com você, Kunimi?”, perguntou Sakuta.

“Hã?”

“Quão popular você pretende ser?”

“Você é quem está namorando a Sakurajima”, riu Yuuma.

“Bem, a Mai é a mais fofa.”

“Então você está aqui só para se gabar?”

“Obviamente não.”

“Então, sério, por que você está aqui?”

Yuuma girava a bola no dedo.

“Só vim te ver.”

“Ah, você é minha namorada agora?”

“Kamisato diz esse tipo de coisa?”

“Ela pode ser bem charmosa, sabia?”

Yuuma sabia que ela e Sakuta não se davam bem, então ele fazia questão de elogiar Kamisato regularmente. Parecia que ele queria que seus amigos e sua namorada se dessem bem.

“Falando nela…”

Se ele não desse uma razão para estar ali, Yuuma continuaria perguntando.

“O que tem ela?”

“Ela me ajudou a limpar. Agradeça-a de novo por mim, pode ser?”

“Estou perdido.”

“Se quiser saber mais, tire um tempo da sua agenda ocupada de flertes e peça para ela te contar.”

“Quero dizer, eu planejava fazer isso.”

“É só isso.”

Sakuta se virou e começou a se afastar.

“Sakuta”, Yuuma chamou.

Sakuta olhou por cima do ombro.

“Até mais.”

Uma coisa padrão a se dizer ao se despedir. Uma frase comum com uma promessa implícita de se encontrar novamente.

“……”

Sakuta respondeu com um olhar. Não um “Claro” ou um “Até”. Ele não conseguiu dizer nem isso. Eles teriam aula novamente no dia seguinte. Podiam até trabalhar juntos em algum turno. Não era provável que fosse a última vez que se encontrariam, então por que não dizer?

Mas ele não respondeu. Havia uma clara relutância dentro dele. Em algum momento, seu medo do futuro tinha crescido imensamente.

“Sem graça”, ele murmurou enquanto saía pelo portão.

Os sinos de aviso estavam tocando na passagem de nível. Sakuta parou para esperar, examinando as emoções que o conduziam. Talvez fosse o mesmo sentimento que o fez se virar ao som da bola de basquete. Um impulso repentino de ver seu amigo.

Bem no fundo, a noção de que poderia não haver outra chance o corroía. Em um nível instintivo.

Era óbvio por quê. Ele pensava estar preocupado sobre qual escolha fazer, mas nos últimos quatro dias, a balança dentro dele havia inclinado. Inclinou-se sem que ele percebesse.

E o que finalmente o fez perceber isso foi uma conversa comum com um amigo. Isso foi tudo o que precisou.

Não precisava de nada dramático. Era assim que o mundo funcionava. Não havia como saber o que faria a diferença. Desta vez foi Yuuma. E isso deixou Sakuta com uma expressão estranha.

Um trem de Kamakura, com destino a Fujisawa, atravessou a passagem de nível atrás das cancelas abaixadas. Sakuta deveria estar naquele trem, mas correr agora não o faria chegar a tempo.

O trem seguiu para a esquerda, cruzando um rio estreito e parando ao lado de uma pequena plataforma de estação. Os sinos de aviso pararam, e as cancelas da passagem se levantaram. Estava quieto novamente.

“Aconteceu algo bom?”

As palavras vieram bem ao lado dele. Ele conhecia aquela voz. Nem precisava olhar.

“Futaba…”

Rio estava ao lado dele.

O som da aproximação dela foi abafado pelos sinos de aviso, e ele não percebeu nada.

“Sem clube hoje?”

Ela normalmente se escondia no laboratório de ciências após as aulas, fazendo experimentos.

“Eu te vi pela janela do laboratório, então tirei o dia de folga.”

Essa não era a razão que ele esperava. Ele imaginava algo mais prosaico, como o professor que supervisionava o clube não poder ficar até tarde.

“Isso é uma confissão romântica?”

“Sinto que você tem me evitado.”

“……”

 

 

Essa foi tão inesperada que ele esqueceu de responder. As cancelas já haviam subido há tempos, mas ele também esqueceu de atravessar. Ele colocou a surpresa em um olhar, encarando-a de lado.

“Desde o início da semana.”

“Você está imaginando coisas.”

Ele sabia que não conseguiria escapar dessa conversa, mas tentou resistir inutilmente. Certamente, ele não estava prestes a simplesmente desistir e contar tudo.

Isso não era algo sobre o qual ele pudesse pedir conselhos a Rio. Ele tinha que escolher entre duas vidas: a sua ou a de Shouko. Esse não era um fardo que ele poderia jogar sobre Rio. E ela já sabia muito, razão pela qual ele a estava evitando conscientemente. Não havia como prever o que poderia dar a dica que ela precisava para perceber toda a verdade.

Era apenas uma teoria, mas as evidências circunstanciais já haviam levado Rio à ideia de que Shouko vinha do futuro. Se ela soubesse que as feridas de Sakuta estavam reagindo de maneira estranha, poderia rapidamente perceber que não eram causadas por arrependimento e impotência. E no momento em que as coisas parassem de fazer sentido, Rio começaria a questionar sua hipótese.

“O que aconteceu?”

“Como eu disse, você está imaginando coisas.”

“Eu sei que você desmaiou no domingo.”

“……”

“E que Shouko está na UTI. Eu fui ao hospital ontem.”

“Oh.”

Era tão típico dela fazer a investigação primeiro.

“Então você já sabe?” ele perguntou, levantando a bandeira branca.

“Cheguei a uma possível explicação.”

Ela parecia decepcionada. Como se realmente quisesse que sua ideia estivesse errada. Queria que Sakuta negasse tudo.

“Toda vez que suas feridas se abrem, Shouko aparece.”

Ela estava olhando fixamente para a frente. Para as águas de Shichirigahama. A vista além da passagem de nível. A suave inclinação que descia até a praia. Estava a menos de cem metros de distância. O homem mais rápido do mundo poderia alcançá-la em menos de dez segundos.

“Você é incrível.”

“As duas Shoukos provavelmente não podem se encontrar em um nível quântico. Igual quando havia duas de mim. Acredito que ela só exista quando está sendo observada.”

“Mas normalmente ela só existe como uma possibilidade?”

“Sim. Sua querida física quântica. Mas você e Shouko se encontraram. Embora uma parte dela seja sua.”

“……”

Rio era uma fonte constante de espanto. Ela realmente tinha descoberto tudo sozinha.

“E porque duas cópias do seu coração não podem existir simultaneamente de forma natural, talvez isso seja o que causa as feridas no seu peito. Você está quebrando as regras do mundo, e o mundo está reagindo.”

O que ele poderia fazer além de rir?

“Você é incrível, Futaba.”

“Sua atitude confirmou isso para mim.”

“Confirmou?”

“Se você está me evitando, deve ter um motivo significativo para isso.”

“Como se eu tivesse escolha! Eu não posso exatamente vir até você e dizer, ‘Qual eu devo escolher?'”

Mas agora ele estava se abrindo. Rio havia criado uma situação em que ele podia fazer isso sem pressão. Tentar manter a dignidade seria um desperdício.

“Eu vou ser atropelado por um carro no dia vinte e quatro.”

Era melhor colocar a data também. Se ela sabia tanto, Rio merecia tempo para se ajustar e se preparar para o que estava por vir.

“Sakurajima sabe?”

Os sinos da passagem começaram a tocar novamente.

“Sabe. Ela estava lá quando ouvimos.”

“Vocês conversaram sobre isso?”

“Foi horrível. Deixei ela falar primeiro.”

Ele teria preferido encontrar uma resposta antes que Mai o fizesse. Mas nenhuma surgiu. Na época, ele pensou que sua cabeça estava girando rápido demais, mas talvez isso não fosse verdade. Em retrospecto, ele sentia que sempre soube a resposta. Ela estava lá, no fundo de sua mente—ele apenas não havia percebido.

E ele não disse nada porque sabia que a resposta partiria o coração de Mai.

“Isso é tudo que posso realmente dizer aqui”, disse Rio. As cancelas da passagem se levantaram novamente.

“Mas você deveria realmente falar com Mai. De verdade.”

“Sim, eu sei.”

“Isso é realmente tudo que eu posso…” A voz de Rio falhou. Como se tivesse engasgado.

“Mas você é a única que aparece para me contar essas coisas, Futaba.”

 

 

E ele era mais grato por isso do que ela poderia imaginar. Ter uma amiga que o repreendesse por sua indecisão e fraqueza era inestimável.

“Azusagawa, eu…”

O trem saiu da estação próxima e abafou o sussurro de Rio. O barulho dos sinos de aviso tornou impossível ouvir mais.

Mas ele sabia o que ela queria dizer. Rio sempre era lógica, então, se ela estava ficando emocional, significava apenas uma coisa. Ela não queria isso.

Ele podia ver os lábios dela tremendo. Mas ela sabia que qualquer coisa que dissesse colocaria mais pressão sobre ele, então se conteve. Ele podia ver lágrimas caindo atrás dos óculos dela.

O trem passava lentamente por eles. Os sons do trem e dos sinos da passagem de nível fechavam o mundo, e Sakuta a envolveu com os braços, puxando a cabeça dela para seu peito, como se tentasse esconder suas lágrimas.

“Desculpe por não ser o Kunimi.”

“Por que você é assim? Mesmo quando…”

Com a testa pressionada contra ele, ela soltou um lamento—mas isso também foi perdido nos sons da passagem de nível.

Ele teria que enfrentar Mai eventualmente. Rio o forçou a tomar uma decisão sobre isso, mas Mai voltou muito tarde naquele dia, e na sexta e no sábado seguintes, ela não estava programada para voltar, então ele não conseguiu colocar essa decisão em prática.

Ela ligou do hotel à noite, mas tudo o que ele fez foi relatar suas notas nas provas.

“Parece que vou ter que ser mais rígida da próxima vez.”

“Eu costumo me sair melhor com incentivo.”

Nenhum dos dois mencionou o dia vinte e quatro. Ele achou que isso significava que ambos sabiam que deveriam falar sobre isso pessoalmente.

E com o tempo escapando, a coragem que ele havia reunido começou a se dissipar também. Muitos pensamentos desnecessários. Como ele poderia contar a ela? Quando? Com que tom, com que palavras? Em sua casa? No caminho de volta da estação? No parque a meio caminho de casa? Quanto mais pensava, mais sua mente vagava por becos que não levavam a lugar nenhum. Sem respostas.

Se alguém já tivesse enfrentado uma escolha como essa, ele adoraria saber. Este era um dilema que nem mesmo personagens fictícios quase nunca tinham que lidar. Quanto mais pensava sobre isso, menos real tudo parecia para ele. Ele estava começando a pensar que não havia uma resposta certa.

Enquanto seus pensamentos circulavam, o sol se punha e nascia novamente. Agora era domingo. O dia em que Mai finalmente tinha um espaço em sua agenda.

Mas ela já havia concordado em ajudar com a transformação de Kaede, então eles estavam programados para se encontrar com Mai na estação de Fujisawa às duas da tarde, depois que o trabalho dela pela manhã estivesse concluído.

Isso significava que Kaede estava com ele.

No ponto de encontro, encontraram uma cantora idol loira. Nodoka também tinha o dia de folga. Os quatro pegaram o trem para duas estações mais adiante, até Chigasaki.

Um cabeleireiro e maquiador que trabalhava com Mai desde o início de sua carreira havia aberto seu próprio salão lá.

Era uma caminhada de dez minutos da estação de Chigasaki. Você podia realmente sentir como a água estava próxima.

O salão era muito chique. Se Sakuta estivesse sozinho, definitivamente nunca teria colocado os pés lá. Pequeno, mas aparentemente fazendo um bom negócio.

“Não poderia pedir uma recomendação melhor do que uma de Mai Sakurajima”, disse a dona, sorrindo. Ela era uma mulher adulta legal, de trinta e poucos anos, o tipo de pessoa que fica ótima de terninho.

Levaram Kaede direto aos espelhos. Ela parecia nervosa. A dona, Mai e Nodoka discutiam diferentes penteados com ela. Com cada sugestão, a dona tocava no cabelo de Kaede, verificando o volume e a qualidade do cabelo, dando conselhos ponderados.

Nunca havia nada para Sakuta fazer.

Ele sentou-se em um sofá e abriu uma revista masculina em um artigo sobre eletrônicos que não tinha interesse. Era tudo sobre os mais recentes smartphones e tocadores de música de alta frequência. Cada preço de varejo sugerido era superior a cinquenta mil ienes. A maioria estava mais perto de cem mil. Nada ao alcance de um estudante do ensino médio.

Quando olhou no espelho, viu Kaede coberta por lençóis como um teru teru bozu enquanto a dona cortava seu cabelo com tesouras. Ela ainda parecia tensa, mas claramente estava aguentando firme. Ela não estava ali porque tinha uma queda por algum garoto. Este era um grande passo no caminho para voltar à escola.

Ele folheou mais revistas. Eventualmente, Nodoka veio e sentou-se ao lado dele.

“Eu vou voltar direto para casa depois do show no dia vinte e quatro,” ela disse.

 

“Você deveria realmente sair com seus amigos e aproveitar a noite, Doka.”

“Não me chame assim!”

“Então, como devo te chamar?”

“Lady Nodoka.”

“Valorize seus fãs, Lady Nodoka.”

“Deus, não faça isso de verdade!”

“Sem gritar na loja, Lady Nodoka.”

Vários funcionários olharam para ela, chocados.

“Eu—eu disse que vou direto para casa!” ela sussurrou, afastando-se dele.

“Vamos guardar um pedaço de bolo para você, Toyohama.”

“Isso não é problema meu.”

Ela lançou um olhar furioso para ele.

“Então… o frango de Natal?”

“Você está obcecado com comida, hein?”

“Como você está obcecada com sua irmã?”

Ele realmente não esperava que isso funcionasse.

“Sim,” ela respondeu rispidamente. Aparentemente, nem um pouco interessada em esconder isso. Não que ela alguma vez tivesse feito isso. Afinal, o perfil oficial de Nodoka Toyohama listava Mai Sakurajima como sua coisa favorita. Estava lá para todos verem. Sakuta ainda não conseguia acreditar que a agência dela havia permitido isso.

“E aí, como a Mai tem estado ultimamente?” ele perguntou, olhando na direção de Mai. Ela estava atrás de Kaede, conversando com ela e a dona do salão. Ela sorria de vez em quando, muito elegante e madura.

O corte de cabelo estava indo bem.

“Não vou te contar.”

“Não me deixe na mão, Doka.”

“……”

“Lady Nodoka?”

“Você realmente é abençoado, Sakuta.”

“De onde veio isso?”

“Quero dizer, você vai passar o Natal com minha irmã!”

Seu olhar descontente perfurou seu lado.

“Ela está se preocupando com o que cozinhar e onde conseguir o bolo e está se esforçando para parecer o melhor possível, tudo por você!”

“Esse último também é para o trabalho, no entanto.”

Era por isso que ela usava meia-calça durante todo o verão, para evitar o bronzeado.

“Eu nunca pensei que ela passaria tanto tempo se preocupando com o que vestir em um encontro.”

“Agora estou com ciúmes. Nunca vi esse lado da Mai.”

“Sim, e ela nunca vai deixar você ver.”

“Imaginar já é adorável.”

“Pare de fantasiar sobre minha irmã!”

Nodoka tentou pisar no pé dele, mas ele desviou.

“Não se mova!”

“Se quiser pisar em mim, tire essas botas primeiro.”

Elas faziam um som alto a cada passo e com certeza seriam classificadas como uma arma letal.

“Você deixa ela pisar em você.”

“Bem, isso é porque ela é a Mai.”

Apenas um estranho gostaria que a irmã de sua namorada pisasse nele.

“Pare de tentar!” ele disse, desviando novamente.

“Isso é uma conversa séria!” Nodoka o encarou.

Sakuta estava bem ciente disso, mas evitou seu olhar, fingindo ler sua revista.

“Eu sei,” ele disse.

Sakuta sabia exatamente o que estava por vir. Apenas uma pequena visão do futuro. E porque ele estava dolorosamente ciente disso, por mais que quisesse… ele não podia prometer não fazer Mai chorar. Essa não era uma promessa que ele poderia cumprir.

E ele não ia mentir.

“……”

“Sakuta?”

Nodoka inclinou-se para olhar seu rosto. Seu cabelo dourado brilhante encheu sua visão.

“Toyohama.”

“O quê?”

“Seus olhos estão brilhando.”

“Não estão. Idiota.”

“Estão totalmente brilhando. Idiota.”

Eles discutiram por mais alguns minutos até o som do secador cessar.

“Tudo pronto!” a dona do salão chamou.

 

O traje de teru teru bozu havia sumido, e Kaede estava se levantando lentamente, virando-se para eles. Ela parecia estar lutando para fazer contato visual, mexendo-se bastante. Comportamento realmente infantil, mas, sem seus rabos de cavalo, seu novo penteado a fazia parecer muito mais madura. O comprimento de seu cabelo não havia mudado muito, mas agora ele se curvava suavemente para dentro, o que dava a impressão de ser mais curto.

“E-está estranho?” ela perguntou.

“Não seja rude.”

“N-não foi isso que eu quis dizer! Eu juro que não foi,” disse Kaede, virando-se para a dona do salão.

A dona era madura demais para se importar.

“Acho que está apropriado para a sua idade,” disse Sakuta.

“Não parece que estou me esforçando demais?”

“Kaede, essa é a especialidade da Toyohama.”

“Hã? Como assim?” perguntou Nodoka, piscando para ele.

“Isso é o que parece quando alguém se esforça demais,” disse Sakuta, apertando os olhos para os cabelos loiros dela.

“Não é nada disso!”

“Seu namorado é engraçado, Mai,” disse a dona do salão.

Mai apenas conseguiu esboçar um sorriso constrangido. Não parecia que ela havia levado isso como um elogio.

“E então? O que você acha, Sakuta?” insistiu Kaede.

“Não é muito chamativo, nem muito nerd, exatamente onde você quer estar.”

“B-bom.”

Ainda nervosamente esfregando as mãos, Kaede olhou mais algumas vezes para si mesma no espelho. Havia um sorriso brincando em seus lábios, então Sakuta tinha certeza de que ela estava bastante satisfeita com seu novo corte de cabelo. Ela apenas não estava acostumada a se ver assim e estava muito preocupada com a reação dos outros para se acalmar. Ele imaginou que ela se acostumaria com isso em breve.

“Você quer dar uma aparada enquanto está aqui, Mai?”

“Oh, ainda não. Estamos filmando.”

“Apenas as pontas não vão aparecer. E está quase no Natal.”

A dona lançou um olhar significativo para Sakuta.

“Estarei em vários programas fazendo promoções, então quando isso acabar…”

Ela havia dito que estaria fora amanhã e no dia seguinte, em Kanazawa novamente. Aumentando a expectativa para o filme ao fazer aparições em programas de variedades. Um deles envolvia um tour pelo local das filmagens com o apresentador do programa. Era um grande show das sete da noite, um que Sakuta já havia assistido antes.

“Você esteve aqui na semana passada, Nodoka,” disse a dona. “Você deve estar bem por enquanto.”

“Sim.”

“Você também vem aqui, Toyohama?” perguntou Sakuta.

“Algum problema?”

“Você realmente adora sua irmã.”

“Eu a amo muito mais do que você.”

“Uau, não posso deixar isso passar sem contestar.”

“Tenho a vantagem dos anos.”

“Tá bom, você venceu. Cuide dela por mim.”

“Har?”

Sua tentativa de ser gentil foi recebida com desdém. Mas Sakuta não prestou mais atenção a Nodoka. Ele sentiu olhos sobre ele, e isso agora dominava seus pensamentos.

“……”

Mai estava observando Sakuta e Nodoka em silêncio. Mesmo quando seus olhos encontraram os dela, ela não disse nada. Ele podia sentir o peso de seus pensamentos, mas durante todo o tempo em que pagaram a conta e saíram da loja, ela não disse uma palavra.

A dona os acompanhou até a porta, e eles seguiram de volta pela estrada até a Estação Chigasaki. Kaede passou o tempo todo incomodada com o vento bagunçando seu cabelo. E sorrindo feliz toda vez que Mai arrumava para ela.

“Acha que vai conseguir ajeitar sozinha amanhã?” perguntou Sakuta, apontando que Mai não poderia fazer isso por ela todos os dias.

“Se você fizer do jeito que ela disse, vai ficar tudo bem. Certo?”

“C-certo…”

Kaede estava bastante nervosa perto da famosa “Mai Sakurajima” no início, mas as últimas semanas ajudaram muito. Agora era mais como estar perto de uma garota mais velha que ela realmente admirava.

Enquanto falavam sobre isso, chegaram à Estação Chigasaki.

Mai se dirigiu para os portões, mas parou do lado de fora.

“Nodoka, desculpe—você pode levar Kaede para casa?”

“Mm? Você não pode?”

“Na verdade, tenho planos com Sakuta.”

Isso era novidade para ele. Não se lembrava de ter concordado com algo assim. Ela nem mesmo lhe enviou um sinal não verbal. Ele a olhou em busca de uma explicação, mas ela não olhou para ele. Ela nem sequer estava olhando em sua direção.

Mas Sakuta já estava planejando ficar a sós com ela de qualquer maneira, então ele aceitou.

“Kaede, acha que consegue voltar para casa sem mim?”

 

“Eu consigo lidar com uma viagem de trem de duas estações,” ela disse, indignada.

 

“Quantos anos você acha que eu tenho?”

 

“Acho que seu corpo tem três anos, mas sua mente ainda está no primeiro ano.”

 

“Eu poderia ter lidado com todo o dia sem você aqui, Sakuta. Foi super constrangedor como você se convidou.”

 

“Estou emocionado com sua nova independência.”

 

“Não olhe assim para mim!” disse Nodoka

.

“Irmã idol é meio que a sua coisa toda.”

 

“Como se você pudesse falar.”

 

“Desculpe, Kaede. Vou pegar o Sakuta por um tempo.”

 

“Sem problema. Não sei o que você vê nele, mas ele é todo seu. Obrigada por hoje.”

 

Kaede inclinou a cabeça. “Sakuta, uh… obrigado, também, eu acho,” ela acrescentou.

“De nada,” ele disse, de forma sarcástica.

 

“Ugh, você é um idiota.”Kaede inflou as bochechas.

 

“Quando você volta?” Nodoka perguntou, como se fosse algo cotidiano. Apenas ajustando expectativas.

 

“Provavelmente bem tarde,” Mai disse evasivamente.

 

Nodoka lançou um olhar de reprovação para Sakuta. O que ela achava que eles iam fazer? Kaede estava ficando um pouco vermelha, então definitivamente tinha a ideia errada.

Mas fazer desculpas ou tentar explicar só os afundaria mais, então ele decidiu deixar o mal-entendido continuar. Revelar a verdade seria muito mais difícil.

Mai também não tentou esclarecer as coisas, então ela deve ter chegado a uma conclusão similar.

Mas seus lábios estavam firmemente cerrados, e ele não reconheceu as emoções por trás daquele olhar. Ele pensou nisso enquanto Kaede e Nodoka entravam na estação, mas no final, não chegou a lugar nenhum. Mas ele não precisava. Ela tinha garantido esse momento a sós para que pudessem conversar sobre isso.

A questão era onde. Ele não esperava acabar sozinho com ela na Estação Chigasaki, então não fazia ideia de para onde ir. Ele nunca ia lá e não conhecia a área. Tudo o que ele realmente sabia sobre Chigasaki era que tecnicamente fazia parte de Shounan. Então, se fossem para o sul, chegariam à água. O salão definitivamente parecia estar perto.

“Isso significaria voltar pelo caminho que viemos, mas deveríamos ir à praia?” ele sugeriu.Mas Mai já tinha ido.

 

“Hã?” Ele a encontrou perto da bilheteria. Olhando para o mapa de tarifas e linhas.

 

“Estamos indo a algum lugar?” ele perguntou, juntando-se a ela.

 

“Sim.”

 

“Onde?”

 

“Longe.” Ela saiu andando sem ele, indo em direção aos portões.

 

“Ah, espere, Mai.” Ele correu atrás dela.

Ela o levou até a plataforma da Linha Tokaido. O mesmo trem que eles pegaram de Fujisawa. Ir para o outro lado os levaria de volta para casa, mas estavam no lado de saída. Isso os levaria a Odawara, Yugawara e Atami.

“Para onde estamos indo, Mai?”

 

“O trem está aqui.”

Ele seguiu Mai para um trem com destino a Atami sem a menor ideia de para onde ela o estava levando. Era um vagão prata com listras laranja e verde.

Encontraram alguns assentos vazios e sentaram-se juntos. As portas se fecharam e o trem saiu da estação. Tudo parecia estranhamente familiar. Ele e Mai já tinham pegado esse trem juntos antes. Na primavera passada.

Ele conheceu Mai e soube de sua Síndrome da Adolescência, e eles pegaram esse trem para longe, tentando ver quão grande era a área afetada.

“Realmente me traz lembranças,” ele murmurou. Mai não respondeu. Nem olhou em seus olhos.

 

“Já se passaram sete meses.”

 

“Ainda só se passaram sete meses.”

 

“A vida com você é tão gratificante que faz o tempo passar mais rápido,” ele disse.

 

“……”

 

“Nunca pensei que acabaria namorando você então.”

Não é que ele não estivesse esperando. Passar o tempo com uma senpai bonita era certamente agradável, e o fato de que ela lhe dava atenção sempre o deixava animado, mas ele não esperava nada mais. Nem pensava nisso. Ele apenas saboreava o tempo que a Síndrome da Adolescência lhes permitia passar juntos.

 

Ele passara muito tempo sendo repreendido por testar os limites. Ela o chamara de”fedelho”. Sakuta era perseguido por rumores sobre o incidente da hospitalização, mas Mai nunca prestara atenção a esses rumores. Ela sempre olhara para ele, julgando-o pelo que via, formando suas próprias impressões. Naturalmente, ele se sentia à vontade ao redor dela. Mesmo quando ela beliscava sua bochecha ou pisava em seus pés, era Mai, então tudo era divertido. E ele sabia que ela não fazia isso para machucá-lo. Fazia parte da brincadeira entre eles.

E essa brincadeira acumulada se transformara em afeto. E esse afeto crescera em amor. Mai e Sakuta passaram muito tempo juntos. Quase um ano. Ela tornara esses meses divertidos. Tornou-os dignos de serem vividos. Permitiu que ele se sentisse à vontade.

Relembrando sua história compartilhada, Sakuta sentou-se com Mai, colocando esses sentimentos em palavras. Era uma viagem de cinquenta minutos até a Estação Atami, e durante a maior parte da jornada, Sakuta fez todo o discurso.

Quando chegaram à Estação Atami, passava das seis horas. Após o pôr do sol em um domingo, em uma estação conhecida principalmente por suas fontes termais, não estava exatamente lotada. Apesar do zumbido das unidades de aquecimento nos trens que esperavam, a estação parecia estranhamente quieta. O ar frio do inverno talvez tenha contribuído para essa impressão.

Na plataforma, Mai olhou em ambas as direções, procurando o horário dos trens. Seus olhos examinavam os números. Ela parecia intensa.

Não parecia que Atami era seu destino final. Eles deviam estar indo para algum lugar ainda mais distante. Talvez ela estivesse planejando levá-los até Ogaki, como fizeram na primavera passada. Mas ela não havia se juntado a ele em sua viagem pelas memórias.

“Qual trem nos levará mais longe?” ela perguntou. Ele estava ficando mais certo de seu palpite.

“Se continuarmos na Linha Tokaido, pelo menos chegaremos a Ogaki.” Eles já haviam feito exatamente isso antes. Mai sabia disso. Ir mais longe limitaria suas opções.

“Se trocarmos para o Shinkansen, poderíamos chegar até Osaka.” Somente o Kodama parava em Atami, mas se trocassem em Nagoya, poderiam pegar trens direto para San’yo ou Kyushu. Trens que iam tão longe a oeste que viravam para o sul.

“E este trem para Izumo?” Mai perguntou, apontando para o horário. Era um trem relativamente tarde.

“Izumo, como no santuário Izumo-taisha?” ele perguntou.

“Há também um que vai para Takamatsu.”

“Em Shikoku?”

Isso era na Prefeitura de Kagawa. Ele verificou o horário, assumindo que deveria haver algum engano, mas às 23:23 havia, de fato, trens para Izumo e Takamatsu. Ambos tinham carros-leito listados, o que explicava a disponibilidade noturna. Esses eram trens que partiam tarde e levavam os passageiros ao destino pela manhã. Se trens para dois locais tão diferentes começavam ao mesmo tempo, então provavelmente viajavam parte da distância juntos.

Tudo isso significava que tanto Izumo quanto Takamatsu eram realmente os destinos super distantes que ele pensava serem e não apenas algo com nomes semelhantes.

“Se pegarmos esse trem, podemos ir até Izumo.”

“Parece que sim.” Ele nunca tinha pegado esse trem, mas confiava no sistema ferroviário japonês.

“Será que precisa de um bilhete especial?”

“Provavelmente.” Mai pegou a mão de Sakuta e começou a andar.

“Er… Mai?”

“……” Ela apenas continuou a arrastá-lo.

“Até onde estamos indo?”

“Até o atendente da estação.”

“Não é isso… Nosso destino.”

“Longe.”

“Mas quão longe?”

“Muito longe.”

“……”

“Se continuarmos pegando trens, podemos ir ainda mais longe do que da última vez.”

“Carros-leito estão na moda hoje em dia. Podemos não conseguir ingressos.” Essa foi uma tática indireta, mas finalmente a fez parar. Ela não se virou.

“Então podemos pegar um trem normal.”

 

“Isso não nos levará além de Ogaki tão tarde.” O horário não tinha mudado muito.

 

“Se ficarmos sem trens, podemos passar a noite em alguma cidade qualquer.”

 

“Conseguir um quarto juntos?”

 

“Se você quiser.”

 

“Parece um sonho se tornando realidade.”

 

“E de manhã, partiremos novamente.”

 

“Para algum lugar distante?”

 

“Sim, muito distante. O mais longe que conseguirmos. Tão longe que…”

Ela manteve a voz firme o tempo todo, mas de repente ele detectou um tremor nela. Ela não estava sufocando suas emoções, nem estava estoicamente inabalável. As emoções dentro dela eram simplesmente fortes demais para serem expressas de uma maneira direta. Sakuta sabia disso porque estava sentindo algo muito parecido.

“Não desista.”

 

“……”

 

“Não tome uma decisão sozinho.”

 

“Não posso colocar isso sobre você, Mai.”

“O que eu sou para você?”

Quando ela disse isso, seus olhos vacilaram. Como se odiasse a si mesma por deixar isso escapar. Como se fosse algo que ela nunca quisesse dizer em voz alta. Mas, por mais que jurasse não fazer isso, suas emoções tinham superado sua razão. Ela não se importava mais.

“Minha namorada.”

“Então eu carregarei esse peso junto com você…”

 

“……”

 

“A vida de Shouko…”

 

“……”

“Enquanto estivermos vivos juntos…”

Ele rangeu os dentes, olhando para ela com intensidade.

“Isso dói ouvir, Mai.”

“Por quê?!”

Se Sakuta vivesse, isso significava que o transplante de coração que Shouko deveria receber não aconteceria mais. Talvez outro doador surgisse e a vida de Shouko continuasse, mas Sakuta não acreditava que o mundo fosse um lugar tão conveniente.

Se viver significasse que Shouko não seria mais salva, como ele poderia receber esse futuro de braços abertos? A pequena Shouko tinha se esforçado tanto. Através de todo o seu sofrimento e dor, ela lutou para permanecer positiva e alegre. Dói até pensar em mudar o futuro dela apenas para ele poder viver.

E ele não queria que Mai carregasse essa dor. Nenhum dos dois era maduro o suficiente para viver juntos, carregando essa culpa. Mesmo sua bússola moral limitada não permitiria isso.

E, mais do que tudo, Sakuta queria retribuir. Agradecer à grande Shouko pelo que ela fez por ele. Ela o salvou dois anos atrás, assim como algumas semanas atrás. Ela lhe ensinou o que a vida significava. Não havia como ele roubar dela a coisa mais importante que existe.

“Às vezes, até eu preciso fazer a coisa certa.”

“Você sempre faz.”

“Se eu não fizer, será ruim para todos.”

“Não olhe para mais ninguém além de mim, Sakuta!”

“Eu só cheguei até aqui porque Kunimi e Futaba ignoraram os rumores e se tornaram meus amigos.”

“……”

“Kaede se fez minha irmã, e eu não posso decepcioná-la. A Kaede original finalmente voltou, e eu não posso fazer a coisa errada com ela olhando.”

“Por quê… Por quê…?”

“Koga e Toyohama continuam falando comigo, não importa o quanto eu as provoque. E Shouko me salvou repetidas vezes.”

“……”

“Eu não quero ser alguém que decepciona as pessoas que se importam comigo.”

“Mesmo se eu pedir…?”

“Eu vou ouvir qualquer coisa que você pedir, Mai.”

“Então…!”

“Mas agora, há apenas uma coisa que eu não posso fazer.”

“Não diga isso!”

Mai colocou as mãos sobre os ouvidos, como uma criança zangada.

“Por favor,” ela sussurrou, olhando para o chão. “Fique comigo para sempre. Fique ao meu lado até o Natal acabar.”

“……”

“Nunca me deixe.”

Ela deu um passo à frente e repousou a testa no ombro dele.

 

“Vamos pegar um trem e ir o mais longe que pudermos.”

 

“Isso parece divertido.”

 

“Não é?”

 

“Se eu pudesse fazer isso, adoraria.” Havia uma nota de resignação na voz dele. Ele sabia que esse desejo nunca seria realizado, e era isso que o tornava tão tentador.

“Mas eu não posso, Mai.”

 

“Por quê?!”

“Eu tenho aula amanhã.”

Uma razão tão comum. Como algo que uma mãe diria ao filho.

“Falte.”

 

“Eu tenho que levantar e fazer o café da manhã para a Kaede. Você sabe que Toyohama não sabe cozinhar também.”

 

“……”

 

“E você também tem trabalho amanhã.”

 

“Isso não…”

“Sabe o que Toyohama disse? Não importa o quão alta esteja a febre de Mai Sakurajima, ela nunca falta ao trabalho. Não importa o quão mal você se sinta, você enfrentaria o oceano no meio do inverno.”

“…Isso não importa. Trabalho não importa!”

 

“Importa sim. As pessoas confiam em você. Você não pode decepcioná-las.”

“Se eu perder você, então nada mais importa!”

Suas mãos apertaram o casaco dele. Como se nunca fosse soltar. Foi por isso que ele continuou falando, sendo a voz da razão.

“Eu te amo, Mai.”

 

“……”

 

“E eu amo o jeito que você trabalha.”

 

“Isso não é importante agora!”

 

“Cada vez que eu te vejo na TV ou em uma capa de revista, eu penso, ‘Minha namorada é super linda.”

 

“Isso não é o que eu queria ouvir.”

 

“É uma pena que você sempre estava ocupada demais para sair comigo.”

 

“Estou dizendo que nunca mais vou deixar de estar com você!”

“Mas eu quero estar com você do jeito que você sempre é.”

“……!”

Essa frase realmente pareceu tocar algo profundo dentro dela. Ela arfou e ficou em silêncio.

“Sempre exigente consigo mesma, tentando ser exigente comigo, mas na verdade sendo o oposto—essa é a Mai que eu amo.”

Enquanto ele dizia essas palavras, podia sentir uma quentura subindo atrás dos olhos. Um formigamento atrás do nariz. Ele lutou desesperadamente para segurar as lágrimas, esperando a onda de emoção passar. Se chorasse ali, estaria tudo acabado. Tudo com que ele estava lutando cederia, e ele começaria a querer fugir com Mai. Para Izumo ou Takamatsu, o mais longe que pudessem chegar. Mas ele não podia fazer isso. Então, tinha que vencer as lágrimas.

“…Tudo bem,” ela disse quando ele ficou em silêncio.

 

“…Mai?”

 

“Tudo bem.”

 

“……”

“Contanto que você esteja vivo, não me importo se me odiar!”

Com emoções incontáveis transbordando, ela levantou a cabeça. Quando viu aquela expressão no rosto dela, a mente de Sakuta ficou em branco. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Correndo pelas bochechas, e tudo o que ele podia fazer era assistir.

“Apenas… fique comigo.”

Mai estava chorando como uma criança pequena, fungando. Não havia nenhuma pretensão de compostura ou beleza. Ela simplesmente deixava tudo sair, sem segurar nada. Ela o atingiu com toda a força do que estava sentindo.

“Apenas fique comigo…”

“……”

Uma onda de culpa agonizante rasgou Sakuta. Ele nunca tinha imaginado Mai chorando assim. Nunca lhe ocorrera que ela poderia.

Ele podia sentir sua determinação vacilar.

“Apenas fique comigo até o Natal acabar. Depois disso, pode me odiar o quanto quiser!”

“Eu nunca poderia fazer isso.”

 

“Por quê?!”

 

“Eu nunca poderia te odiar.”

“Por quê… Por quê…?”As pernas dela cederam, e ela caiu. Ele se ajoelhou, apoiando-a.

“Eu sempre vou te amar, Mai.”

Ele a puxou para si, esfregando a mão em suas costas como se estivesse acalmando um bebê chorando.

“Mentiroso…” A voz dela estava abafada pela camisa dele.

“Eu juro que sempre vou te amar.”

 

“Mentiroso…”

 

“Vou te amar para sempre.”

 

“Você é um mentiroso… mas eu também sou.”

 

“……”

 

“Eu me importo se você me odiar.”

O aperto dela na camisa dele ficou mais forte. Puxando tanto que doía.

“Eu não quero que você me odeie,” ela soluçou.

E essas foram as últimas palavras que ela conseguiu dizer. Tudo o que restava eram lágrimas. Incapaz de segurá-la com força, Sakuta deixou que os soluços dela batessem em seus ouvidos como chicotadas de um condenado.

No trem de volta para Fujisawa de Atami, eles não conversaram. Escolheram assentos no carro verde, tentando evitar olhares curiosos o máximo possível, e Mai manteve os olhos na janela. Eles estavam vermelhos de tanto chorar, e como era noite, ele podia ver isso no reflexo. Sakuta lutou várias vezes contra a vontade de dizer algo a ela. Se ele baixasse a guarda por um segundo, a frágil casca se romperia e ele diria a coisa que estava escondendo.

E se dissesse isso, não haveria como voltar atrás. Então ele manteve em segredo, nunca dando voz ao pensamento.

Demorou um pouco para Mai se acalmar na estação de Atami, então, quando voltaram para Fujisawa, já passava das onze. Tão tarde em um domingo, a estação era um lugar solitário. As luzes de Natal por toda parte só pioravam a situação.

Nem Sakuta nem Mai disseram nada no caminho de volta para casa, também. De vez em quando, ele ouvia ela fungando. Eles caminhavam lado a lado, sem se olhar, mas também sem se separar. Até chegarem aos seus apartamentos.

“Boa noite, Mai.”

“Boa noite.”

Quando finalmente falaram, foi só isso que disseram.

Parecendo exausta, Mai entrou em seu prédio. Sakuta esperou até as portas se fecharem atrás dela e ela sair de vista. Então ele se virou e entrou no seu próprio prédio. Ele era a única pessoa no elevador. O silêncio era opressor.

Ele podia sentir que seu controle sobre as emoções estava começando a escorregar. As palavras que ele estava tentando tanto não dizer estavam pairando no fundo de sua garganta.

Manter isso fora da mente permitiu que ele permanecesse funcional. Não pensar nisso se manteve fora de vista. Ele nunca tinha experimentado a morte em primeira mão, o que o fazia pensar que poderia lidar com isso.Mas ver Mai chorar lhe mostrou a verdade.

Ele viu o que a morte significava naquelas lágrimas.O elevador chegou ao seu andar. Ele arrastou os pés pelo corredor até a porta, girou a chave e entrou.As luzes estavam acesas. Na entrada, no corredor e na sala de estar nos fundos. Quando ouviu a porta abrir, Shouko veio vê-lo.

“Bem-vindo de volta, Sakuta.”

O mesmo velho sorriso de Shouko. Gentil e perdoador. Parecia ofuscante. Ele abaixou o olhar.

“Mai está em casa esta noite?”

“Sim…,” ele disse, mal audível.

“Ah.”

“…Kaede?” ele conseguiu perguntar, sem olhar para cima.

“Na cama. Ela adorou seu novo penteado! Ficou sorrindo a noite toda.”

 

“Que bom.”

“Banho primeiro? Se estiver com fome, posso preparar algo.”

Ele tentou tirar os sapatos, mas suas pernas não se moviam.

“Shouko, eu…”

Quando finalmente levantou a cabeça, ela ainda estava sorrindo.

“……”

O rosto dela tirou seu fôlego.

“Não,” ela disse. “Você já tem uma namorada adorável.”

Provocando-o suavemente, mantendo a voz baixa para não acordar Kaede.

“Sim, eu poderia me gabar dela a noite toda.”

“Com ciúmes.”

“Por isso…”

Ele não conseguiu mais segurar. Sua voz falhou. Um soluço escapou de sua garganta.

“Eu nunca quis fazer Mai chorar assim.”

 

Era uma ideia tão simples, mas colocá-la em palavras o abalou profundamente. O impacto foi muito maior do que ele esperava. Um choque que começou em seu coração e percorreu todo o seu corpo. Ele nunca pensou que poderia sentir algo tão intenso.

“Eu nunca mais quero fazê-la chorar daquele jeito.”

Era tarde. Kaede estava na cama. Ele rangeu os dentes, forçando sua voz a permanecer baixa.

“É por isso… Shouko.”

Mesmo enquanto ele desmoronava, Shouko continuava sorrindo.

“Sim? O que foi?”

“Desculpe, Shouko.”

Ele não conseguia encontrar seu olhar. Seu corpo inteiro tremia como uma folha. Seus joelhos fraquejaram e ele caiu no chão. Abraçou-se, tentando parar de tremer, e deixou os sentimentos que mantivera dentro dele escaparem.

“Eu quero viver.”

O tremor não parou. Seu corpo nunca tinha lidado com algo assim antes. Tanto medo, tristeza, frustração… mas Shouko estava ali. E seu calor.

“Eu quero continuar vivendo.”

O desejo do seu coração. Algo tão óbvio que nunca sequer entraria em suas preces. Ele nunca precisou pedir permissão para viver. Nunca houve necessidade. Ele tomava a vida como garantida.

Mas esse mesmo desejo tinha sido uma constante na vida de pequena Shouko. Um único, básico desejo. E um que sua imaginação nunca tinha chegado perto.

Ele queria viver. Isso era tudo. E era por isso que ele sentia que era errado desejar isso na frente de Shouko. Errado até mesmo dizer as palavras.

Mas essas preocupações não podiam resistir ao poder do desejo que surgia dentro dele. Ele havia decidido colocar a si mesmo em primeiro lugar. Quanto mais tentava resistir, mais forte era o poder que lutava contra ele. Até que a necessidade de viver o forçou a sair.

Porque ele amava Mai.

Porque ele não queria vê-la desmoronar daquele jeito.

E se ela tivesse que chorar, ele pelo menos queria estar com ela.

“Desculpe, Shouko. Eu só… me desculpe.”

Nada mais saía dele. Havia mais que ele queria dizer. Mas, como uma criança que não conhece outras palavras, ele simplesmente continuava repetindo.

“Desculpe… Eu só quero estar com Mai para sempre. Para sempre e sempre.”

Algo quente envolveu seu corpo trêmulo. O calor de Shouko, abraçando-o, protegendo-o de tudo o que o assustava.

“Sou eu quem deve pedir desculpas,” ela disse.

“Desculpe por forçar essa escolha a você, Sakuta. Se eu tivesse jogado minhas cartas direito, você nunca teria que sofrer assim.”

“Isso não…”

“Não é sua culpa, Sakuta.”

“Eu…”

“Você fez bem, Sakuta.”

“…Mas eu!”

“Você disse tudo o que precisava dizer.”

“…Ah, aughhhhhh!”

Ele estava além de colocar isso em palavras.

“Então faça Mai feliz.”

“…Unhh…ahhh…aughhhhh!”

Ele queria dizer algo a ela. Gratidão? Desculpas? Algo mais? Ele não tinha certeza, mas queria comunicar algo.

Mas nada mais saiu dele. Nem mesmo lágrimas. Apenas um longo, rouco, grito sem palavras.

E Shouko o perdoou por viver.

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