Seishun Buta Yarou – Capítulo 4 – Vol 09 - Anime Center BR

Seishun Buta Yarou – Capítulo 4 – Vol 09

Capítulo 4

O barulho do alarme de Sakuta penetrou o vazio onde sua mente estava, forçando-o a encarar o fato de sua própria existência. Quando sua mente começou a se concentrar, seus olhos se abriram de repente. A primeira coisa que ele viu foi aquele mesmo velho teto branco. Aquela luminária redonda. O espaço de seis tatames, cujas dimensões ele conhecia de cor. Sua cama, sua escrivaninha e uma estante, não muito mais.

O quarto de Sakuta. Onde ele morava há dois anos, desde a mudança para Fujisawa. Um espaço só seu, onde ele podia relaxar. E isso certamente foi um alívio.

“Então, estou em casa”, disse em voz alta, para tornar isso real.

Então ele fez o alarme parar de tocar. A tela mostrava quarta-feira, 18 de março. Ele tinha passado um dia inteiro em um mundo diferente e só voltou esta manhã. Bocejando, ele se levantou da cama. Mas algo no ar parecia… estranho.

Definitivamente era seu quarto. O ar em sua pele, a vibração, tudo lhe dizia que ele estava de volta ao seu mundo. Ele sabia disso instintivamente. Mas havia algo no quarto que não pertencia a ele. Como um sorriso que ele não conseguia reconhecer. E ele localizou a fonte em cima da sua escrivaninha.

Um caderno. Deixado aberto. Ele olhou mais de perto e encontrou uma anotação rabiscada em ambas as páginas.

“Sakuta do outro mundo, arrume suas coisas.”

Ele conhecia aquela caligrafia. Parecia a sua. Muito parecida com a sua. Quase certamente era sua. Mas ele não tinha escrito a nota pessoalmente. Então quem escreveu? Não havia dúvida em sua mente. A própria linha explicava.

“Uma nota de outro Sakuta…”

Provavelmente aquele do mundo potencial que ele visitou no dia anterior. Enquanto ele estava naquele mundo, o Sakuta daquele mundo devia estar aqui. A escrita no caderno provava isso.

Havia mais.

“Quando voltar, coloque esta carta na caixa de correio da Mai.”

Sakuta não tinha certeza do que isso significava.

“Que carta?”

Havia uma folha de papel ao lado do caderno, claramente arrancada dele. Estava dobrada ao meio, depois dobrada novamente, com “Para Mai” escrito no topo. Também com sua caligrafia. Ele abriu, curioso sobre o que havia dentro.

“Prometo que farei você feliz, Mai.” Isso era tudo.

“Sim, amigo, eu já entendi.”

Parecia que o outro Sakuta tinha uma noção bem clara de sua situação atual. A carta estava assinada “De seu Sakuta”. Isso era definitivamente algo que ele faria.

“Objetivamente, bem irritante.”

É um pouco assustador. Talvez ele devesse fazer isso de forma mais seletiva. Ele amassou a carta e a jogou na lixeira ao lado da escrivaninha. Ela bateu no fundo com um som satisfatório. Então ele arrancou uma folha nova do caderno e escreveu exatamente a mesma nota ele mesmo. O mais cuidadosamente que pôde. Tentando uma caligrafia melhor que a do outro Sakuta. Depois a dobrou cuidadosamente.

O caderno ainda estava aberto, então ele o fechou, e encontrou uma segunda nota embaixo dele. Em letras bem menores, dizia…

“O que você acha de Touko Kirishima?”

“O que…?” Por que essa pergunta?

“Sem opiniões fortes.”

Essa foi sua reação instintiva. Ele sabia que o trabalho dela era popular no momento, mas não se importava muito.

Por que o outro Sakuta deixou essa pergunta? Provavelmente tinha algo a ver com o mundo do outro Sakuta, mas o que exatamente, ele não fazia ideia. E ele realmente não tinha tempo para ficar ponderando sobre o incompreensível.

Ele havia retornado com segurança ao seu mundo. Mas ainda tinha que resolver os problemas que o aguardavam aqui. Ele levantou a camisa e verificou, mas a cicatriz branca no seu lado ainda estava lá. Prova de que isso não tinha acabado.

Sakuta foi para a sala de estar para investigar mais. Ele discou todos os números que conhecia no telefone. Mai, Rio, Yuuma, até Nodoka, mas nem sequer ouviu um sinal de discagem.

Kaede não estava ali. Nasuno estava dormindo no kotatsu. Ele imaginou que Kaede estava com a mãe deles e não havia voltado para casa.

Se Sakuta existia, então provavelmente ela nem sabia que tinha uma casa em Fujisawa. Sakuta não tinha muitas esperanças, mas ele precisava saber com certeza. Ele pegou a carta dobrada e saiu do apartamento. Pegou o elevador até o andar térreo e saiu para fora.

Era o início do horário de pico da manhã, e havia vários trabalhadores de terno e estudantes indo em direção à estação. Sakuta foi até o meio da rua e tirou a camisa, só para ser totalmente óbvio. Um empresário de meia-idade passou bem ao seu lado. Uma universitária nem sequer olhou para ele. Ele ficou lá por sólidos cinco minutos, tentando chamar a atenção de umas trinta pessoas que passaram, mas ninguém fez contato visual, e ninguém chamou a polícia para denunciar um exibicionista. E nenhum carro de polícia apareceu.

Ele não tinha muita escolha. Fez uma careta e decidiu seguir a estratégia que o outro Sakuta havia planejado. Vestiu a camisa de novo e entrou na casa da Mai. Abriu a caixa de correio dela e colocou a carta dentro. Ele não estava preocupado. De alguma forma, mesmo nessa situação, ele estava se divertindo. Era quase como se tivesse acabado de marcar um encontro.

Mai disse que estaria de volta de Yamanashi amanhã, quinta-feira, 19 de março. Ele não podia exatamente esperar do lado de fora das caixas de correio até lá, então voltou para casa, alimentou Nasuno e tomou café da manhã.

Depois disso, lavou o rosto, escovou os dentes, fez xixi e vestiu o uniforme.

“Vamos lá,” disse, para ninguém em particular, e saiu de casa.

Ele considerou ir para Yamanashi ver Mai. Ainda queria. Mas ela não especificou o local exato, e Yamanashi era uma província inteira. Rastreá-la não parecia uma meta realista. Ele teria que ficar por aqui e esperar ansiosamente por amanhã.

Ainda estava um pouco ansioso e inquieto. Como não estaria? Estava se segurando no fim de um fio, e ninguém podia sequer perceber que ele estava lá. Rio descreveu isso como um estado estatístico em que ele tanto existia quanto não existia. Sakuta não fazia ideia do que isso realmente significava, mas tinha certeza de que estava certo. Que sua própria existência tremia como uma folha ao vento.

Mas é exatamente por isso que ele escolheu ir à escola. Para fazer a coisa normal. Sakuta esperava que fazer o que ele sempre fazia o ajudasse a se manter enraizado neste mundo. Sua rotina deveria ajudá-lo a sentir pessoalmente que ele realmente estava aqui.

Então ele caminhou no seu ritmo habitual. Dez minutos até a Estação Fujisawa. A típica agitação matinal. Trabalhadores de terno e estudantes a caminho do trabalho ou da escola, passando pelos portões da JR ou saindo deles para transferir para a Linha Odakyu Enoshima. Como fazia todos os dias, ele se esgueirou pela multidão, saiu pelo lado sul e atravessou a ponte de conexão de cinquenta metros. Ele tocou seu passe de trem no portão da Estação Enoden Fujisawa e entrou na plataforma.

Chegou a tempo de pegar seu trem usual. Quando ele partiu, Sakuta tirou o livro de vocabulário da mochila. Memorizou uma palavra de cada vez, depois usou o plástico vermelho para cobrir as respostas e garantir que se lembrava de todas. Isso o levou até Shichirigahama.

Ele se juntou à multidão de estudantes de Minegahara indo para a escola. Nos armários de sapatos, trocou pelos chinelos. Viu Tomoe, e Yuuma passou bem na frente deles, mas nenhum dos dois notou Sakuta. Ninguém podia perceber que ele estava lá. Era simples assim.

Ele sabia que seria assim, mas ainda doía ver os amigos passarem por ele sem percebê-lo. Mas o sinal de alerta tocou, então ele correu para a sala de aula. Não adiantava ficar cabisbaixo agora. Ele tinha algo em que depositar sua fé. Ele podia fazer isso. Pode não ser evidência científica, mas ele tinha alguém em quem podia confiar. Alguém que importava. Ele tinha Mai.

Ele tinha certeza de que ela o encontraria. Isso era algo em que podia acreditar. Sakuta não ficaria preso nessa vida de homem invisível por muito tempo. Voltaria ao normal antes que percebesse. Era melhor manter sua rotina para não ter que correr atrás depois.

As finais do terceiro trimestre haviam terminado, então tudo o que estavam fazendo era devolver as folhas de resposta e revisar as questões. Sakuta ouviu atentamente de qualquer forma, achando que isso o beneficiaria depois. Mas, como este mundo não podia percebê-lo, ele não recebeu suas respostas de volta. Ainda assim, anotou tudo o que tinha certeza de que errou.

Se o professor dizia: “Isso frequentemente aparece nos exames de admissão para a faculdade”, Sakuta prestava atenção redobrada. Eles tinham aulas apenas pela manhã, mas ele levava todos os quatro períodos a sério. Assim que o homeroom do fim do dia terminava, os estudantes com clubes ou treinos ficavam e comiam seus almoços. Todos os outros iam para casa. Sakuta geralmente se juntava a eles, mas como não havia nada para fazer em casa além de estudar, ele foi para a biblioteca, comendo o pão de feijão vermelho que tinha trazido no caminho.

Se ele só ia estudar, poderia muito bem fazer isso na escola.

“Oi,” ele disse, abrindo a porta. Não havia ninguém na biblioteca. Não muito tempo atrás, havia muitos alunos do terceiro ano se preparando para a temporada de exames. Mas todos eles já haviam se formado.

Ele se sentou perto de uma janela com vista para o oceano e abriu um guia de estudos de matemática. Eles estavam revisando derivadas na aula, e ele sentia que deveria praticar isso mais. Ele não sabia para que serviam, mas como estariam no teste, ele precisava entendê-las.

Ele queria aproveitar a vida universitária com Mai. Queria ver o sorriso dela. E isso poderia melhorar seu próprio futuro.

Exceto por uma ida ao banheiro, ele ficou concentrado na sua mesa. Vários alunos passaram e fizeram perguntas ao bibliotecário, mas ele não deixou que o distraísse.

Finalmente, uma voz disse: “Estamos fechando”, e o tirou de sua concentração. A bibliotecária era uma mulher quieta nos seus trinta anos, e ela estava fazendo uma última varredura na sala, verificando entre as estantes para garantir que nenhum aluno ainda estivesse lá.

Ela passou bem ao lado de Sakuta sem vê-lo. Ele rapidamente juntou suas coisas e saiu pelas portas antes que ela as trancasse. Ser trancado lá dentro seria um problema.

Uma vez no corredor, ele percebeu que já estava escuro lá fora. Ele olhou para o oeste; o sol já havia se posto. Havia apenas um brilho tênue além de Enoshima, sobre as águas atrás das montanhas em Odawara, Yugawara e Hakone. Apenas os últimos vestígios do pôr do sol, e mesmo enquanto ele olhava, esses também desapareceram na noite.

Os times de esportes já não estavam gritando. As luzes estavam se apagando. A escola estava fechando diante de seus olhos.

Sakuta frequentava Minegahara há dois anos, mas nunca tinha visto esse lado da escola. Um impulso o atingiu, e ele decidiu ficar por ali até que tudo terminasse. Esta era provavelmente sua única chance de ver isso.

Se ele fosse visível, os professores teriam mandado ele ir para casa e o expulsariam.

Todas as luzes do terceiro andar estavam apagadas, e os dois primeiros andares estavam quase lá. Apenas o escritório dos professores ainda estava iluminado.

Logo após as oito, isso também se apagou. Nenhuma luz ficou acesa em qualquer lugar da escola. Mas mesmo assim, não ficou tão escuro a ponto de ele não ver seus pés.

As luzes de saída de emergência estavam acesas, e havia luz do luar entrando pelas janelas.

Sakuta esperou o último professor sair e foi para os armários de sapatos. Ele trocou de calçado e saiu. A luz do luar parecia extra brilhante.

Ele olhou para cima, mas não conseguiu encontrar a lua. O prédio estava no caminho. Continuando a olhar para o céu, ele se dirigiu ao campo de atletismo. Nada bloqueava sua visão ali. A lua pairava no céu noturno acima. Não completamente cheia. Ele estava no centro do campo, e ela olhava para ele. Este era um lugar importante na sua vida. Ele havia convidado Mai para sair aqui.

Nem mesmo um ano atrás. Apenas dez meses. Mas o tempo que passaram juntos foi suficiente para que, apenas estando ali, ele sentisse falta dela. Amanhã parecia tão distante. Ele desejava que pudesse ser amanhã agora. Ir para casa e dormir provavelmente seria a melhor maneira de fazer isso acontecer.

Ele se virou para ir embora, e viu alguém na beirada do campo atrás da rede. Será que ainda havia um professor ali? Esse foi seu primeiro pensamento Mas logo soube que não. A figura deu um passo, e isso foi tudo que ele precisou.

Ele sabia como ela andava, Ela saiu de trás da rede para o campo. A luz do luar a iluminou.

“Mai…,” ele disse.

Ela vinha em sua direção, com passos leves. Como sempre. Caminhando diretamente para ele.

Os olhos de Mai se voltaram para ele. Como se ela pudesse vê-lo. Seus olhares se encontraram. Ele não estava imaginando. Ela manteve o olhar fixo nele, sem desviar. Ele não ousava mover um músculo. Por que Mai estava ali? Ela não deveria voltar até amanhã. Por que ela vinha direto em sua direção, sem hesitação, como se nada estivesse errado? Mesmo que o mundo não pudesse mais percebê-lo. Ele acreditava que ela o encontraria, mas ainda assim se perguntava.

Mas essa dúvida não durou muito. Mai estava vindo em sua direção. Ele podia ver seu rosto agora, e nada mais importava. Ele queria vê-la, e agora ela estava ali. Ela estava vindo para ele. Esse fato dissipou todas as outras preocupações.

Mai caminhava em sua direção como sempre fazia. Mas a dez metros de distância, sua expressão confiante começou a vacilar. Ela não conseguia mais se conter. Seu passo acelerou, tornando-se uma corrida a cinco metros de distância, e ela se lançou sobre Sakuta, os braços ao redor de seu pescoço, segurando-o com força. Não havia mais distância entre eles.

Sua respiração estava em seu ouvido, ligeiramente ofegante. Seus peitos estavam pressionados juntos. Ele podia sentir o coração dela batendo rápido, o ba-bump, ba-bump, dizendo-lhe como ela se sentia. Ele deve tê-la assustado. Achou que deveria se desculpar. Explicar como as coisas haviam chegado a isso.

Tudo decorria de sua hesitação. Sua incapacidade de resolver seus sentimentos sobre sua mãe. Ele sentia que deveria contar isso a ela, mas… não conseguia.

Antes que ele o fizesse, ela sussurrou em seu ouvido. “Sakuta.”

“Sim?” ele perguntou.

Os braços dela o puxaram ainda mais para perto. “Um dia, teremos que fazer uma casa juntos,” ela sussurrou.

A voz dela era calma, quieta e quente. Ele podia sentir Mai no tímpano, e essa sensação se espalhava, infiltrando-se em cada centímetro de seu ser. Como se a essência dela estivesse envolvendo os medos dentro de seu coração.

Aquela única frase o deixou sem palavras. Todas as palavras que ele estava se preparando para dizer simplesmente desmoronaram, não deixando nenhum vestígio. Como se nunca tivessem existido.

Ela havia dito exatamente o que ele precisava ouvir. O que ele sempre quis ouvir. O que ele vinha procurando há muito tempo. Mas Sakuta não sabia que não conseguia encontrar, nem sabia o que estava procurando.

Você não pode buscar o que não conhece. E definitivamente não pode encontrar. E ainda assim Mai encontrou e trouxe para ele. Um presente.

Ele não tinha nada a oferecer em troca, mas o calor do momento o aqueceu, e ele a abraçou de volta. Seus braços expressavam sua alegria, sua gratidão, tudo o que ele não conseguia encontrar as palavras para dizer.

Às nove da noite, a estação de Shichirigahama estava muito quieta. Não havia mais ninguém ali. A essa hora, a estação nem sequer tinha um atendente. Com o lugar só para eles, sentaram-se em um banco, lado a lado. As luzes da estação emitiam um leve zumbido. Nem o som das ondas do mar nem o tráfego na Rota 134 chegavam até ali. Apenas o cheiro do mar conseguia chegar.

“Funcionou,” disse Mai suavemente.

“Hm?” Ele olhou para ela, uma pergunta em seu olhar.

“O amuleto,” ela disse com um sorriso travesso.

“Ah.”

Isso esclareceu uma de suas perguntas. O que havia trazido Mai de volta um dia antes? O amuleto da sorte. A aplicação de casamento com os nomes deles. Ele havia pedido para ela ficar com ele. E isso a fez se lembrar dele. Foi por isso que ela voltou um dia antes. Para estar lá para ele. Provavelmente, ela encontrou a carta e foi à escola logo depois. Não foi coincidência nem milagre. A salvação de Sakuta veio do que construíram juntos.

E isso por si só o encheu de alegria. Com a mente cheia de lembranças do tempo juntos, ele nem percebeu quanto tempo o trem estava demorando. O tempo passado com Mai nunca era entediante. Foram bons dez minutos antes de um trem chegar de Kamakura. O Enoden surgiu da noite. Sem luzes ao redor, exceto pelos postes, o brilho das janelas era ainda mais intenso. O trem que eles sempre pegavam parecia tão diferente. Poucos passageiros estavam a bordo. Mas havia o suficiente para perceber se alguém além de Mai poderia vê-lo. No momento em que embarcaram, ele sentiu. Ninguém ali podia vê-lo. Ele olhou para ela como um aviso, então gritou bem alto. Ninguém se virou para olhar. As pessoas estavam ocupadas com seus telefones ou flertando com seus parceiros. Nada mais chamava a atenção.

Enquanto ele olhava ao redor, sentiu Mai segurar sua mão. Ela o puxou para um assento verde vazio. E ela não soltou sua mão até chegarem à estação de Fujisawa. No fim da linha, desembarcaram, mas ainda não encontraram ninguém que pudesse ver Sakuta. Já eram quase dez horas. A área da estação estava cheia de trabalhadores de escritório indo para casa. A cidade ainda não estava pronta para dormir. Mai e Sakuta caminharam pela multidão, de mãos dadas. Normalmente, eles tinham que se preocupar com os olhares do público. Mai era famosa e não queria criar um frenesi na mídia. A chance de quebrar essa regra era libertadora e excitante, mas mais divertida do que qualquer outra coisa. Saíram pelo lado norte da estação, correndo pela multidão de mãos dadas.

Aquele entusiasmo gradualmente diminuiu durante a caminhada para casa. Quando cruzaram o rio Sakai, nenhum dos dois estava sorrindo. Se ninguém mais podia ver Sakuta, o problema central permanecia sem solução. Eles não podiam comemorar ainda. Chegaram a seus respectivos prédios sem dizer muito. O prédio de Sakuta ficava de um lado, e o de Mai do outro, do outro lado da rua. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ela o acompanhou. Ou melhor, ela puxou sua mão em direção ao prédio dele.

Lá dentro, ela disse, “Vou preparar algo,” e foi para a cozinha. Logo eles tinham arroz, sopa de missô e ovos enrolados. Ele ainda não tinha feito compras, então a geladeira estava vazia.

“É como café da manhã em um programa de TV da era Showa,” disse Mai, rindo de sua própria metáfora. Sakuta conseguiu dar uma risada.

Com os estômagos cheios, Mai disse, “Enchi a banheira. Entre. Você está exausto e precisa relaxar. Tome seu tempo.”

“Eu ficaria lá para sempre se você se juntasse a mim.”

“Isso não seria relaxante.”

Isso não foi uma surpresa, e ela o empurrou para o vestiário. Ele estava bem cansado, então não discutiu muito. Fisicamente e mentalmente, cada parte dele se sentia esgotada. Ele fez o que Mai sugeriu e ficou de molho por um bom tempo.

Com as roupas tiradas, ele podia ver a marca branca em sua barriga. Ele a inspecionou no espelho. Não parecia estar desaparecendo. Ninguém além de Mai podia vê-lo. Isso ainda não tinha acabado. A cicatriz dizia tanto.

Ele ainda não tinha enfrentado sua mãe.

“…O que eu realmente quero?”

Ele se deitou na banheira, olhando para o teto. Colocando seus pensamentos em palavras. Organizando o interior do seu coração para saber onde tudo estava.

Só isso já poderia justificar o longo banho.

Ele saiu antes de começar a sentir tonturas e, pela primeira vez, Mai realmente tomou seu lugar. Mesmo quando ela passava a noite, ela geralmente voltava para o apartamento dela para tomar banho. A única vez que ela usou a banheira dele foi quando ela e Nodoka trocaram de corpos. Ela nunca tinha feito isso parecendo ela mesma. Ele ainda estava impressionado com isso quando ela apontou para o corredor.

“Entendeu? Então saia.”

“Eu estava esperando ficar por aqui.”

Ela deixou isso passar, empurrando-o para fora do banheiro. Em sua roupa de baixo. A porta se fechou atrás dele e ele ouviu o som da fechadura.

“Mai, você tem uma troca de roupas?”

“Eu fui para casa mais cedo e trouxe suas roupas de dormir favoritas comigo.”

Ele logo encontrou a bolsa dela, cheia de coisas.

“Toalha?”

“Posso pegar uma emprestada?”

“A prateleira de cima está cheia de novas.”

“Obrigada.”

“……”

“Vá se vestir!”

Ela percebeu que ele estava ouvindo através da porta.

Seguindo suas ordens, ele voltou para o quarto e colocou suas roupas de casa. Ele definitivamente não queria pegar um resfriado e causar mais problemas para ela.

Sem ter o que fazer, Sakuta se sentou na cama. Ele encostou o ombro na parede, deixando os pés pendurados para o lado.

Ele ficou assim por um bom tempo. Mai ainda não tinha saído do banho. O chuveiro parou de funcionar. Por um tempo, foi substituído pelo som de um secador de cabelo. A porta do banheiro se abriu cerca de vinte minutos depois.

Mai entrou no quarto dele, vestindo pijamas felpudos, tanto a parte de cima quanto a de baixo de três quartos de comprimento.

“Nasuno está desmaiado no kotatsu,” ela disse. Ela deve ter espiado na sala de estar.

Mai respirou fundo, depois soltou, e se sentou na cama dele. Ela colocou um travesseiro no colo enquanto se sentava ao lado de Sakuta. Seus ombros quase se tocavam. Sua mão logo encontrou a dele.

“Sinto que se eu soltar, você vai desaparecer de novo.”

Isso soou como uma desculpa.

Mas foi só isso que ela disse. A partir desse momento, ela apenas ficou em silêncio, segurando a mão dele. Ela estava simplesmente ali com ele.

Sem pressão. E, antes de muito tempo, as palavras começaram a sair.

“Foi errado empurrar minha mãe para fora da minha mente.”

As luzes nem estavam acesas. Sua voz quase ecoava. Havia luzes fracas no corredor e na sala de estar, e a porta estava aberta, então alguma luz se espalhava ao redor da moldura. Mas era só isso.

Mai não disse nada. Seus olhos estavam nele enquanto ela ouvia.

“Kaede e eu nos mudamos para Fujisawa, e tivemos que viver sem a ajuda dos nossos pais.”

Seu pai havia fornecido alguma assistência econômica.

“Eu tinha que acordar sozinho, fazer minha própria comida, lavar minhas roupas, limpar nossos quartos, a banheira e o banheiro, e levar o lixo para fora. Eu tinha que fazer tudo, então eu aprendi como.”

Se ele estivesse sozinho, provavelmente teria relaxado em muitas dessas coisas. Mas ele tinha Kaede para cuidar, o que o mantinha motivado. Fazia tudo parecer viável.

“Eu tive que aprender a lidar com as coisas sem uma mãe.”

Isso não era o que ele queria. Ele não tinha escolha. Ele não queria esquecê-la e seguir em frente. Foi apenas o que aconteceu.

“Eu não sabia quando ela iria melhorar, ou mesmo se ela iria.”

“Mm.”

“Acho que não me deixei ter esperança.”

“…Ah.”

“E tudo se tornou rotina. As coisas da vida que pareciam tão difíceis… se tornaram confortáveis.”

“Mm…”

“E depois de tudo isso, agora…”

Ele estava despejando palavras, procurando por seus sentimentos, e isso o trouxe até aqui.

“Por que agora?”

Ele encontrou a fonte do ressentimento.

Sua mãe melhorar deveria ter sido uma coisa boa.

A mente racional de Sakuta gritava com ele por isso. Mas a recuperação de sua mãe também estava destruindo a vida que ele passou dois anos construindo. Uma vida que começou de forma bagunçada e estranha, mas que agora era sua rotina regular. E seu coração estava lutando contra qualquer mudança que ameaçasse seu novo modo de vida. Talvez eles pudessem todos viver juntos novamente, como uma família feliz normal, e esse pensamento o abalou.

Parte dele estava segurando a cabeça. O que havia de errado com ele? Por que ele não conseguia simplesmente aceitar que isso era uma boa notícia? Esses sentimentos ficaram presos em sua garganta, e ele não conseguia encontrar as palavras certas.

“Sakuta, é assim que você deve se sentir.” A voz gentil de Mai preencheu o silêncio. Seus braços envolveram-no.

“Como assim?”

O significado dela o iludia. Seus sentimentos estavam errados. Ele nunca deveria ter esquecido sua mãe, seguido em frente com sua vida. Ele queria ser gentil, e isso não era uma coisa gentil de se fazer.

“Você não precisa mais que seus pais limpem, cozinhem e lavem roupa para você.”

“……”

“Você se acorda, vai para a escola e trabalha para ganhar seu próprio dinheiro.”

“…E o que tem isso?”

Essa era sua vida. Tinha sido assim por dois anos. Ele sacrificou sua mãe por isso.

“Sabe como chamamos isso, Sakuta?”

“……”

Ele balançou a cabeça, totalmente perdido.

“Chamamos isso de crescer.”

Mai olhou para ele e deu um sorriso. Como se estivesse celebrando seu passo em direção à maturidade. Um sorriso genuinamente agradável.

E os sentimentos dela, suas palavras, elas encheram sua alma. Afundaram fundo, bem fundo dentro dele e aqueceram seu núcleo congelado. O calor se espalhou até que suas emoções detonaram.

Antes que ele percebesse, ele estava chorando. As lágrimas jorraram e rolaram por suas bochechas, recusando-se a ser contidas. Ele soluçou como uma criança pequena. Quando tossiu, Mai deu tapinhas em suas costas. Ela o puxou para perto contra seu peito.

Ele estava seguro ali. Sakuta finalmente se sentiu seguro o suficiente para chorar tudo. As lágrimas de uma criança lavam tudo de ruim.

De manhã, o despertador dele não tocou. Mas quando chegou a hora que Sakuta normalmente acordava, seu corpo percebeu a manhã chegando e ele acordou mesmo assim. Ele abriu os olhos, um pouco relutante.

“……”

Ele piscou duas vezes, sem dizer nada. Sua cabeça estava virada para o lado. E o rosto de Mai estava bem na frente dele. Deitada ali com ele, olhando de volta para ele. Na mesma cama, debaixo do mesmo cobertor.

Ela estava entre quatro e oito polegadas de distância. Ele quase podia sentir a respiração dela, e talvez pudesse contar os cílios dela. Vendo a expressão de surpresa no rosto dele, Mai disse, “Veja quem acordou.”

“Uh, é de manhã?” Ele levantou o cobertor para verificar o estado de suas roupas.

“O que você está fazendo?” ela perguntou, confusa. Mai genuinamente não entendia sua motivação.

“Certificando-me de que você me deixou decente.”

Ele se lembrou de estar sentado na cama, conversando com ela. Como ela segurou sua mão enquanto suas emoções se derramavam. Aceitando tudo isso com um sorriso, um aceno de cabeça e um olhar gentil nos olhos. Ele deve ter se cansado e adormecido. Sakuta não se lembrava de ter caído no sono.

Então ele definitivamente queria se certificar de que não tinha esquecido também de subir os degraus para a idade adulta.

“Eu nunca faria isso.”

“Sério?”

“Eu nem te beijei!”

Isso foi bastante adorável. E o jeito que ela não conseguia olhar diretamente nos olhos dele quando disse isso? Ainda mais. Ele tentou se conter. Mas depois de uma frase como essa, sua razão não pôde mais segurá-lo. A resistência era inútil.

“Maiiiii!” Suas mãos estenderam-se e fecharam-se em torno de sua cintura.

“O-oh, não, Sakuta! Solte-me!”

“Você é fofa demais, Mai! Não consigo!”

“Pa-pare com isso antes que eu tenha que te repreender!”

Mas, mesmo enquanto falava, a mão que o empurrava estava enfraquecendo.

“Só desta vez”, ela sussurrou.

E seus braços deslizaram em torno da cabeça dele, acolhendo-o em seu peito.

“Isso realmente me faz sentir seguro”, ele disse.

E ela cheirava bem. Mas se ele dissesse isso, ela definitivamente o soltaria.

“Mais cinco segundos.”

“Eu preferiria cinco horas.”

“Eu poderia permitir cinco minutos.”

“Deveria ter dito cinco dias.”

“Não seja ridículo.”

Eles haviam trocado essas brincadeiras várias vezes antes, mas desta vez parecia diferente. Estavam demorando um pouco mais para falar, certificando-se de que haviam entendido corretamente, deixando espaço entre as falas. E aproveitando a companhia um do outro. Desfrutando deste momento íntimo.

Mesmo quando as brincadeiras cessaram, ambos tinham um sorriso nos lábios. Não era um silêncio. Palavras não eram necessárias para Sakuta sentir a presença de Mai, e ele tinha certeza de que ela estava sentindo-o de volta sem palavras.

Por um minuto inteiro, saborearam o silêncio, então Mai falou novamente.

“Planos para hoje, Sakuta?” Falando um pouco mais devagar do que o usual.

“Você primeiro”, Sakuta disse, igualando a velocidade.

Ele não estava respondendo uma pergunta com outra por falta de ideias. Ele acordou e encontrou Mai ali com ele, e seus planos para o dia já estavam definidos. Mas ele ainda não estava pronto para dizê-los em voz alta.

“…Eu tenho trabalho”, disse Mai, seu ânimo visivelmente caindo. Claramente, ela preferia estar com ele. “Tenho que voltar para Yamanashi.”

Ele já esperava isso. Ela provavelmente mexeu muitos pauzinhos para vir vê-lo.

“Você consegue?”

“Ainda tenho tempo.”

“Não, eu quero dizer… você não dormiu, certo?”

Não era nenhum sinal de cansaço em seu rosto que o fez perguntar. No estado em que ele estava, Mai não deixaria algo assim escapar na frente dele. Ele apenas presumiu que ela não havia dormido porque, se fosse o contrário, e ela caísse no sono, ele definitivamente teria ficado acordado a noite toda vigiando-a.

“Ryouko está enviando um carro para mim, então posso cochilar na estrada.”

“Teremos que agradecer a Hanawa depois.”

O relacionamento deles causou várias dores de cabeça para a gerente de Mai. Mas ela sempre dava um jeito. Eles deviam muito a Ryouko.

“E o que você vai fazer, Sakuta?”

A conversa a trouxe de volta suavemente para isso. Sua voz era gentil, como um abraço quente. Persuadindo-o a dizer. Deixando-o sem escolha.

“Vou ver minha mãe.”

“Você consegue lidar com isso sozinho?”

“Não sei.”

Não havia motivo para fingir. Ele falou a verdade como sentia.

“E porque, sei lá, sinto que vai dar certo?”

Ele estava ansioso por isso. Mas não tanto a ponto de estar em apuros. Talvez conversar com sua mãe naquele mundo potencial lhe tenha dado um pouco de confiança. E o que Mai disse na noite passada significou muito. Ela aliviou suas inseguranças. Elogiou-o por se virar sem os pais. Mostrou-lhe como isso era uma coisa boa. Ele podia ficar de pé agora. Ele precisava.

“Então, vou ver minha mãe”, disse novamente. Como se estivesse se convencendo.

“Ok.”

Mai não lhe desejou sorte. Não lhe disse para aguentar firme ou prometeu que ele conseguiria.

“Estarei esperando.”

Ela apenas confiava nele. Esperava ouvir as boas notícias. Isso era o mais difícil de fazer, mas Mai conseguia.

“E, uma vez que as coisas se acalmarem, certifique-se de me apresentar.”

“Hmm?”

“Eu terei que conhecer sua mãe eventualmente.”

“Sim, teremos que falar sobre o casamento.”

“Olha, o que aconteceu ontem foi diferente.”

“Diferente como?”

“Aquilo não foi um pedido de casamento.”

“Ahhh.”

“Eu não posso te dar um beijo de bom dia se estivermos abraçados assim.”

Ela substituiu o bastão por uma cenoura muito tentadora. Sakuta mordeu instantaneamente, afastando-se dela. Ele moveu seu rosto para a posição de receber o beijo matinal, mas ela o afastou.

“Mmph!”

Seu nariz se esmagou, e ele fez um barulho estranho. Mai passou por cima dele, saindo da cama.

“O que aconteceu com o beijo, Mai?!” ele lamentou, sentando-se.

Ela estava arrumando o cabelo com os dedos.

“Escove os dentes primeiro.”

E com isso, ela deixou o quarto. Ele a ouviu indo para o banheiro, provavelmente para se olhar no espelho. Querendo parecer seu melhor para ele… Esse pensamento colocou um sorriso em seus lábios. Apenas ter Mai com ele tornava as manhãs muito mais divertidas. Apenas ouvir sua voz levantava seu ânimo.

Mesmo que ela estivesse provocando-o um pouco, isso só o fazia sorrir e amá-la toda a manhã. Ele podia sentir. Apenas estar com Mai o fazia feliz.

Mas isso não era tudo. Rio e Yuuma lhe davam força. Tomoe e Nodoka o faziam rir. Kaede o mantinha motivado. E quanto mais as pessoas têm, mais elas querem.

O calor de Mai ainda persistia na cama, mas Sakuta se levantou de qualquer maneira. Para ficar de pé com seus próprios pés.

Pouco depois das oito, Ryouko Hanawa passou para pegar Mai. Sakuta se despediu na porta. Ryouko provavelmente não podia vê-lo, então, se ele a seguisse até o andar de baixo, isso resultaria em explicações estranhas.

Sozinho, ele limpou os pratos do café da manhã e lavou uma carga de roupa. Depois, trocou de roupa e saiu de casa.

Sua viagem exigia pegar vários trens da Estação Fujisawa. Uma viagem de uma hora ao todo. Por falta de algo melhor para fazer no trem, Sakuta passou o tempo pensando no que dizer à sua mãe. Os mesmos pensamentos repetiam-se em sua cabeça. Kaede sendo intimidada, o quanto isso havia sido difícil para todos. Então, o transtorno dissociativo,  e Sakuta mal conseguia lidar com seus próprios problemas. Mas ele ainda encontrou uma maneira de se levantar e cuidar de ambas as Kaedes.

Tentando se virar sozinho, houve momentos em que ele culpou seus pais… mas agora ele não sabia o que pensar. Mas Sakuta só tinha uma mãe. Sua mãe. Esse fato não havia mudado. E havia coisas que ele havia percebido porque viviam separados. Como o quanto ele havia tomado seus pais como garantidos.

Ele continuou pensando, tentando encontrar as palavras mais precisas e impactantes possíveis. A hora passou antes que ele percebesse. Ele se encontrou do lado de fora da moradia dos trabalhadores, onde sua mãe estava.

Ele subiu as escadas um passo de cada vez. Cara a cara com seu próprio coração. Do lado de fora da porta, ele tocou a campainha. O botão nem sequer respondeu ao seu toque. Ele tirou a chave do bolso e abriu a porta. Sempre tinha planejado fazer isso, então parecia haver pouco motivo para hesitar agora. Ele tirou os sapatos e entrou no corredor. Quando olhou para a sala de jantar, achou estranhamente quieto. Não havia sons de vida. Ninguém na sala de estar. O quarto de tatami também estava vazio. O quarto final também estava deserto.

“Mãe? Kaede?” ele chamou.

Só para ter certeza, ele verificou o banheiro e o toalete, não encontrando nenhum deles, nem seu pai.

“Será que eles saíram?”

Seu pai provavelmente estava no trabalho, mas ele não sabia por que sua mãe ou Kaede sairiam. Sua mãe estava apenas temporariamente fora de casa.

A mãe de Sakuta estava temporariamente fora do hospital e Kaede havia acabado de se formar no ensino fundamental. Ela estava em férias de primavera. Sakuta voltou à sala de jantar e encontrou um calendário na geladeira. O dia 19 de março estava circulado com uma caneta vermelha, e “Consulta médica” estava escrito abaixo.

Isso era hoje. Sua mãe devia ter uma consulta de rotina. Kaede provavelmente tinha ido com ela. Havia um panfleto do hospital preso à geladeira por um ímã. Era perto da estação Shin-Yokohama, uma estação do Tokaido Shinkansen logo após Tóquio e Shinagawa. Seu pai havia dito que eles tinham uma boa clínica psiquiátrica. De lá, era uma estação de distância.

Sakuta verificou o mapa, calçou os sapatos novamente e saiu. Ele não sabia quando elas voltariam e não queria esperar. Um pensamento o impulsionava: ele queria ser o que ia ao encontro dela. Ele caminhou de volta para a estação um pouco mais rápido que o normal. Não havia realmente uma razão para se apressar, mas seus sentimentos estavam à frente dele e isso lhe dava asas aos pés.

Sakuta sabia que estava bastante estressado com isso. E seus níveis de estresse pioraram na curta viagem até a próxima estação. Mas esses sentimentos já não o prendiam. Ele desceu do trem, saiu pelos portões e, cinco minutos depois, viu o hospital à frente. Seu ritmo permaneceu constante.

O hospital tinha oito andares, e Sakuta entrou pelas portas automáticas. Sem saber onde sua mãe estava, ele verificou o mapa do andar na recepção. A ala psiquiátrica estava no quinto andar, então ele pegou o elevador até lá. Era uma pequena caixa com apenas ele dentro, que não fez nenhuma outra parada. As portas se abriram e ele saiu em um corredor silencioso; quase nenhum som o recebeu. O chão era coberto por carpetes, suavizando seus passos.

Ele olhou para a direita e para a esquerda. O corredor tinha cerca de trinta metros de comprimento, alinhado com portas idênticas. Elas tinham números, mas nenhum nome de paciente. Provavelmente um sinal dos tempos,  políticas de privacidade e afins. Ou talvez fosse assim que essa ala funcionava desde o início.

Ele não sabia onde sua mãe estava. Mas Sakuta não precisava se sentir desanimado.

“Ninguém pode me ver de qualquer maneira, então vou apenas de porta em porta.”

Sem se preocupar com a decência, decidiu ir para a porta no final do corredor, mas antes que pudesse, uma porta três à frente se abriu.

“Vou ligar para o papai e contar o que o médico disse”, Kaede disse ao sair.

Ela não viu Sakuta. Apenas se virou e foi em direção ao elevador. Três metros antes de chegar lá, ela virou à direita e entrou em uma sala de descanso. Sakuta havia verificado essa sala no caminho e tinha visto um telefone público, então ela provavelmente ligaria para o pai deles lá.

E Kaede o havia informado exatamente onde ir.

“Todos deveriam ter uma irmã.”

Agradecendo-a silenciosamente, Sakuta foi até o quarto de sua mãe. Ele respirou fundo do lado de fora, sentindo a tensão aumentar. Sua boca estava seca. Suas pernas trêmulas. Mas ele deslizou a porta para abrir, calmo o suficiente para fazê-lo em silêncio. Entrou e fechou-a atrás de si, tomando cuidado para não fazer barulho. Sua mãe provavelmente ainda não podia vê-lo e não ouviria se ele fizesse algum som. Talvez ele não precisasse se incomodar. Mas parecia um gesto natural. Como se seu corpo soubesse que era assim que se agia em um hospital.

Era um quarto privado, para uma pessoa. Uma única cama, com um pequeno espaço ao redor. A luz entrava pela janela, então não parecia confinado. Não tinha aquele ar excessivamente estéril que ele associava a quartos de hospital. Ela não tinha muitos pertences ali, mas o quarto tinha o calor dela.

Ela estava sentada na beira da cama, com os pés no chão. Parecia um pouco cansada.

“Muita emoção”, ela sussurrou.

Provavelmente estava falando sobre a visita de Kaede. E não parecia um arrependimento. O tom era de um cansaço confortável.

“Ah, certo”, ela disse, estendendo a mão para a mesa. Havia uma bolsa nela, e ela tirou um caderno de dentro.

E enquanto ele fazia isso, pensou ter ouvido seu nome. Sua mente estava pregando peças. Dando-lhe o que queria ouvir. Devia ser isso. Mas ele teve que se virar e olhar. Seu corpo se moveu antes de seu pensamento consciente.

“Mãe…?” ele disse, com a voz trêmula.

Ela estava olhando para ele. Seus olhos fixos nele.

“Você veio me visitar”, ela disse, esboçando um sorriso fraco. Como se estivesse se sentindo culpada.

E ele não queria que ela parecesse assim, então simplesmente disse, “Sim”.

E forçou um sorriso.

“Sem escola?”

“Estamos basicamente de férias de primavera.”

Seu rosto estava manchado de lágrimas, e ele as esfregou com a manga.

“Não vá cabulando aula.”

“Eu totalmente fiz isso.”

“Mas estou feliz.”

“Mm?”

“Faz muito tempo que não vejo você.”

“Mãe…”

Sakuta deu um passo para longe da porta, voltando para o quarto.

Quando ele chegou à cama, sua mãe segurou suas mãos. Mãos que pareciam tão grandes quando ele era mais jovem. Mas agora suas mãos eram maiores que as dela. Ele não segurava suas mãos desde a escola primária e nunca havia percebido isso. Ele sempre assumiu que elas ainda eram maiores. Que ela era maior que ele. Ele estava mais alto que ela há algum tempo, mas sempre quis que ela cuidasse dele.

E isso não estava certo. Ele também era alguém em quem se podia confiar. Como Mai disse, ele era muito mais adulto agora. E essa era uma maneira de ser mãe e filho. De ser uma família.

“Obrigado, Sakuta.”

“Estou feliz em vir visitar a qualquer momento.”

“Obrigado por Kaede.”

“……”

Ele pretendia acenar com a cabeça. Ele simplesmente não conseguiu. Se fizesse qualquer coisa agora, as lágrimas voltariam.

“Estou feliz que você seja o irmão dela.”

“……”

Seus olhos estavam ardendo.

“Sinto muito por termos colocado tudo isso em você.”

“……”

Tentando lutar contra isso, ele balançou a cabeça.

“Eu te amo, Sakuta.”

Mas quando ele ouviu isso, não havia como resistir.

Ele sabia como ela se sentia. Ele apenas sentia que não podia confiar nisso mais. Porque ela não estava mais lá com ele. E todos esses sentimentos amarrados se derreteram no calor de suas lágrimas. Através da visão embaçada, ele podia vê-la chorando também.

“Mm… mm…,” ela disse, repetidamente.

Sakuta sabia o que ela queria dizer. Porque eles eram uma família. Eles ainda estavam chorando quando Kaede voltou. Kaede provavelmente não tinha ideia do que Sakuta estava fazendo ali. Mas antes que ele percebesse, ela estava chorando com eles. E chorar juntos naquele dia os tornou uma família mais uma vez.

A primavera fez as cerejeiras florescerem.

As estações continuaram mudando.

Lágrimas não podiam afastar o verão. Risos não podiam afastar o outono.

Estudar não podia afastar o inverno.

Não mais Síndrome da Adolescência.

Nem a dele nem a de ninguém.

Ele sentia que tudo tinha acabado.

Mas nada estava.

As estações continuaram mudando.

Primavera, verão, outono e inverno iam e vinham.

E uma nova primavera chegou.

(Nosso servidor: https://discord.com/invite/sV9478CZ3N) – Entrem se puderem para dar uma força e no futuro estarei disponibilizando o PDF do volume por lá.

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