Questão De Valor

“Entre.”

O velho entrou, fechando a porta atrás dele. Então, olhou ao redor, encontrou um banco enferrujado e sentou-se, entregando a Sunny o prato.

“Desculpe. Não é muito.”

Realmente não era. O caldo que os soldados tinham cozinhado era feito de pasta sintética, carne de monstro e especiarias. Era um prato comum do exército que podia ser feito com todo tipo de ingredientes, contanto que houvesse água e rações básicas à mão. Essa versão em particular até parecia quase comestível.

Sunny deu de ombros.

“Está tudo bem. Eu sou das redondezas de NQSC, então… não sou estranho à pasta sintética.”

O Professor Obel assentiu e, curiosamente, estudou o mapa que Sunny tinha criado enquanto comia. Depois de um tempo, o velho disse:

“São momentos como este que me lembram o quão potentes podem ser os Aspectos de Utilidade. Seus usuários tendem a ser ignorados em favor dos especialistas em combate, que recebem toda a glória. Mas sua habilidade é realmente incrível. Alguém mais versado em batalha teria sido capaz de matar algumas dezenas a mais de Criaturas dos Pesadelos… talvez até uma ou duas centenas. Mas com isso, seremos capazes de passar despercebidos por milhares delas e derrotar as que encontrarmos com perdas mínimas, ou nenhuma. Este mapa aumentará enormemente nossas chances de sobrevivência, mais do que qualquer guerreiro seria capaz.”

Ele pausou por um momento e olhou ao redor.

“…Este bunker também. Seus soldados são um grupo temível, Mestre Sunless, mas sem sua visão e conhecimento, libertar este posto sem baixas teria sido uma tarefa difícil até mesmo para eles. Você parece capaz de ver tudo e estar em vários lugares ao mesmo tempo. Acho que devo minha vida a essa última habilidade sua, na verdade.”

Lembrando-se do incidente sangrento que havia acontecido na sala segura de LO49, Sunny engoliu uma colherada do caldo e assentiu.

“São muitos elogios. Mas não se engane, eu sou uma ameaça em batalha também.”

O Professor Obel riu.

“Só estou dando o crédito onde é devido. Você pode não ter percebido, mas é especialmente adequado para liderar este comboio, Mestre Sunless. Ainda assim, é muita responsabilidade, especialmente para um jovem como você. Como você está lidando com isso?”

Sunny o encarou em branco.

“…Estou bem, obrigado. Já passei por coisas piores.”

O velho suspirou.

“Tenho certeza de que sim.”

Seu tom parecia estranhamente arrependido.

“O que ele quer dizer com isso?”

Sunny franziu a testa e perguntou francamente:

“Professor… tenho certeza de que isso não é apenas uma visita social. O que você quer de mim?”

O Professor Obel permaneceu em silêncio por alguns momentos. Eventualmente, sorriu:

“Acho que sou realmente fácil de entender, né? Faz parte do território, eu suponho. Na minha idade, as pessoas não têm tempo para fingir. Sim, você está certo. Eu queria conversar com você sobre algo, Mestre Sunless… ou melhor, tenho um favor a pedir.”

Ele olhou para Sunny com uma expressão paternal – o que era uma experiência totalmente nova para Sunny – e disse:

“Há uma longa estrada pela frente. No futuro, você terá que tomar muitas decisões como líder deste comboio. Nossas vidas estão literalmente em suas mãos, Mestre Sunless… então, eu queria perguntar antecipadamente. Se um dia você tiver que decidir entre salvar minha vida e a de outra pessoa – especialmente a minha assistente Beth, essa criança teimosa – eu quero que você escolha contra mim. Mantenha outra pessoa viva e me deixe para trás.”

Sunny encarou o velho por um tempo, perplexo com o pedido repentino.

“Com todo o respeito, Professor, eu não posso concordar. Minhas ordens são entregar você em segurança a uma capital de cerco… você, e somente você. Todos os outros são apenas um bônus. Eles não têm o mesmo valor.”

O Professor Obel apenas balançou a cabeça.

“Valor… você está errado, Mestre Sunless. Eu sou velho e não tenho muito tempo. São jovens como você e Beth que têm um valor verdadeiro. Eu posso ter feito algumas coisas dignas no passado, mas são vocês que realizarão feitos grandiosos e incríveis nos anos que virão. Vocês carregarão a bandeira da humanidade para o futuro… não velhos fósseis como eu. Se uma espécie começa a canibalizar seus jovens para prolongar a vida dos velhos… não há valor nisso. Nenhum.”

Sunny desviou o olhar.

“…Isso é ótimo, mas eu nem tenho certeza se a humanidade tem um futuro.”

O velho riu.

“Oh… me perdoe, jovem, mas tenho ouvido essas palavras por quase um século. Quando eu era jovem, muitas pessoas estavam convencidas de que nós todos iríamos se extinguir em breve. Mas não aconteceu. Então, andavam dizendo que se as coisas não melhorassem, a humanidade certamente estaria condenada. As coisas pioraram, mas a humanidade ainda persistiu. Então, o Feitiço do Pesadelo apareceu, e parecia que todos os medos deles se realizariam… e no entanto, aqui estamos. Ainda lutando. A humanidade é muito mais tenaz do que você pensa, Mestre Sunless.”

…Era verdade. Os humanos eram criaturas incrivelmente adaptáveis, engenhosas e teimosas. Tendiam a se apegar à vida tão ferozmente que erradicá-los era frequentemente um esforço fútil.

Mas nem sempre.

Sunny olhou para o Professor de maneira sombria.

“Os humanos que costumavam habitar o Reino dos Sonhos também eram tenazes. Onde eles estão agora?”

O velho não parecia ter uma resposta, então apenas suspirou desanimado.

Depois de um tempo, perguntou:

“Então, você vai atender ao meu desejo ou não?”

Sunny permaneceu em silêncio por um tempo. Então, riu sarcasticamente.

“Por que eu tenho que escolher quem manter vivo? Vou garantir que todos sejam salvos. Não há necessidade de decidir entre você e Beth, então por que eu faria isso?”

O Professor Obel olhou para ele com uma expressão levemente sombria.

“Isso pode ser uma ambição irracional, jovem.”

Sunny deu de ombros, sua expressão não se abalando.

“Toda essa campanha é uma ambição irracional. Devemos apenas desistir?”

O velho o estudou por um tempo e, de repente, sorriu. Seu sorriso, por algum motivo, parecia um pouco mais brilhante do que o normal.

“De fato, isso também é verdade…”

Naquele momento, Sunny olhou para as três pessoas dormindo na enfermaria e franziu o cenho. Seus olhos pareciam ficar um pouco mais escuros.

Desligando seu comunicador, olhou para o Professor Obel e disse em um tom tranquilo:

“Acho que é hora de você ir, Professor. Eu tenho… alguns assuntos para resolver. Obrigado pela comida.”

O velho hesitou por um momento, mas então assentiu e se levantou. Assim que a porta se fechou atrás dele, Sunny convocou o Fragmento do Luar e se aproximou dos Adormecidos.

Parecia que dois deles estavam prestes a acordar. Se como pessoas ou Criaturas dos Pesadelos, porém…

Isso, Sunny não sabia.

Alma De Um Homem

O primeiro infectado foi um jovem soldado da unidade do Sargento Gere. Os outros dois eram refugiados – um homem na casa dos trinta anos e uma mulher que parecia ser velha o suficiente para ser avó de Sunny.

Todos os três estavam fora da idade usual para um Adormecido, mas o soldado, pelo menos, era jovem e forte. Ele tinha uma chance maior de sobrevivência, pelo que Sunny podia perceber… não que alguém soubesse muito sobre como e por que as pessoas sobreviviam ao Primeiro Pesadelo. Era um mistério por que o Feitiço eventualmente se estabeleceu para adolescentes de cerca de dezesseis a dezoito anos após devastar a Primeira Geração indiscriminadamente.

Mas mesmo naquela época, pessoas mais jovens tinham mais chances de sobreviver. Os humanos podem não ter conhecido a razão, mas eram muito bons em coletar estatísticas.

Talvez tivesse algo a ver com a alma. Alguns acreditavam que era difícil para uma alma formar um núcleo estável depois de se estabelecer em seus caminhos… então, era possível que uma pessoa mais velha pudesse sobreviver ao seu Pesadelo, apenas para morrer de qualquer maneira depois que sua alma entrasse em colapso ao tentar criar um núcleo.

‘Isso dificilmente parece justo…’

Mas a justiça era um conceito humano, afinal. O Feitiço tinha seus próprios princípios, que nem sempre coincidiam com o que os humanos consideravam justo.

…Atualmente, o soldado e o refugiado masculino estavam se mexendo, como se estivessem prestes a acordar. Sunny os observava de cima, segurando o Fragmento do Luar em sua mão.

Ele estava estranhamente fascinado.

Aos seus olhos, as mudanças acontecendo nas almas dos Adormecidos eram reveladas em detalhes. A fraca e tênue luz dourada dentro deles estava girando e se movendo, presa nas garras de uma crescente turbulência.

Sunny passou pelo processo ele mesmo, muitas vezes. No entanto, nunca tinha visto isso acontecer na frente dele, com outra pessoa.

Agora, as almas dos dois humanos estavam fracas e… insubstanciais. Eles eram mais como uma ideia de algo do que uma coisa real. Estavam vivos e tinham sombras, mas isso era basicamente tudo. No entanto, através de um processo misterioso, o estado informe de uma alma mundana estava sendo galvanizado, criando lentamente uma forma mais sólida.

Um núcleo de alma não era uma alma. Em vez disso, existia dentro da alma, servindo como seu fulcro e nexus. Pelo menos foi assim que Sunny percebeu. Ter um núcleo proporcionava muitos benefícios a uma alma, mas também colocava um fardo sobre ela. Nem toda alma era poderosa e vasta o suficiente para sustentar um, muito menos vários.

A prova disso era a terrível dor que ele sentia toda vez que sua Classe subia.

Independentemente disso… tanto o soldado quanto o civil pareciam resilientes o suficiente para a tarefa em questão. A fraca luz dourada saturando seus corpos ficou ligeiramente mais brilhante, e nela, raios de uma radiância mais forte apareceram. Esses raios fluíram para seus peitos e giraram, fundindo-se lentamente em esferas de luz brilhante. Todo o processo parecia miraculoso.

Conforme as duas esferas cresciam mais cheias e definidas, as formas familiares de dois núcleos de alma começaram a surgir do brilho.

Mas então, houve uma mudança.

O núcleo de alma nascente do jovem soldado explodiu com uma inundação de chamas etéreas, que rolaram por seu corpo como uma onda radiante, rejuvenescendo-o.

O civil, no entanto…

Enquanto Sunny observava com uma expressão sombria, uma semente de escuridão apareceu no centro do núcleo em formação. Rapidamente se expandiu, espalhando-se como um crescimento cancerígeno. Veias repulsivas de escuridão se espalharam pela luz moribunda, consumindo-a.

Quanto mais luz era consumida, mais rapidamente ela se espalhava.

‘…Corrupção.’

Sunny estava quase certo de que era isso que ele estava observando. Um ser vivo cedendo à Corrupção. A Corrupção existia muito antes do Feitiço do Pesadelo, e embora ele não conhecesse sua origem e propósito, sabia que era um inimigo.

O inimigo, talvez.

Sunny suspeitava que ele já estivera muito perto de se corromper, no segundo nível da Torre de Ébano. O terrível apodrecimento que havia corroído o braço de Tecelão e forçado o astuto daemon a cortá-lo… não teria sido a mesma coisa, apenas em uma forma muito mais pura e angustiante?

Enquanto Sunny observava, tentáculos revoltantes da Corrupção se espalhavam pelo corpo do homem, tornando-se um com ele.

Então, o corpo começou a mudar.

A pele escureceu, e os dentes de repente se alongaram, perfurando seus lábios. Os ossos se quebraram, se rearranjando…

Antes que qualquer outra coisa pudesse acontecer, no entanto, a lâmina estreita do Fragmento do Luar perfurou o peito do homem, atravessando direto seu coração. O núcleo de alma em formação, agora parasitado pela Corrupção, foi despedaçado. O corpo grotesco convulsionou e ficou imóvel, seu último suspiro escapando como um gemido rouco.

Sunny suspirou e olhou para o homem morto com pesar.

Depois de um tempo, ele sussurrou:

“Descanse bem, agora. Seu Pesadelo acabou…”

‘Encontre paz dentro de mim.’

Sunny permaneceu por alguns momentos, então deu uma olhada no outro. Parecia que tudo estava indo bem para o jovem soldado. Seu núcleo da alma estava quase formado, pois havia fracos fluxos de essência percorrendo seu corpo. O próprio corpo estava sendo reconstruído por isso, tornando-se mais saudável e forte… chegando um passo mais perto da perfeição.

Em pouco tempo, o comboio daria as boas-vindas a outro Adormecido.

Sunny permaneceu imóvel por um tempo, depois arrastou sua cadeira para mais perto e sentou-se, dispensando o Fragmento do Luar. Vários tentáculos sombrios surgiram do chão e arrastaram o corpo do infeliz refugiado para longe.

Pensando bem, eles não eram muito práticos para tarefas assim… um simples tentáculo era a forma mais fácil de criar e exigia menos essência para manter, mas ficava aquém em termos de função e versatilidade. Talvez ele precisasse pensar em uma forma melhor.

De qualquer forma, por enquanto, tudo o que Sunny podia fazer era esperar.

De repente, ele se sentiu muito cansado.

Nesse meio tempo, a primeira das sombras já havia retornado de sua viagem ao pico de uma montanha próxima, então ele fechou os olhos e observou a enfermaria através dela.

Um minuto passou, depois outro. Então, mais alguns. Tudo estava silencioso.

…Algum tempo depois, o soldado abriu lentamente os olhos. Um indício de consciência voltou a eles, e o jovem olhou ao redor confuso.

O quarto pouco iluminado, as paredes de metal enferrujado, as três camas improvisadas, uma delas encharcada de sangue… e um jovem pálido sentado em uma cadeira de madeira luxuosa, como se estivesse em um humilde trono.

O jovem parecia quase humano… ele era humano?

Seus olhos estavam fechados. Ele estava vivo ou era um cadáver?

…Ele estava vivo e um cadáver?

E naquele momento, Sunny disse:

“No que está olhando?”

O soldado se afastou. Então, tremendo, ele fez uma pergunta boba:

“..Eu estou morto?”

Sunny franziu a testa.

Bem, não era surpreendente que o rapaz estivesse confuso. Ele havia estado perdido no Primeiro Pesadelo por vários dias. Para todo o pobre tolo, o comboio ainda deveria estar se dirigindo para LO49, correndo para se encontrar com a Ariadne. Ele havia dormido durante a reunião com os Irregulares, Sunny assumindo o comando, e a curta jornada até o abrigo.

Para ele, tudo pareceria estranho e assustador.

Com um suspiro, Sunny abriu os olhos, inclinou-se para frente… e então deu um tapa no rosto do soldado. Não muito forte, mas o suficiente para ele sentir.

Enquanto o jovem gritava e segurava sua bochecha, Sunny balançou a cabeça.

“Doeria assim se você estivesse morto? Você não tem a sorte de morrer, tolo. Bem-vindo de volta ao mundo desperto, Adormecido… ah… qual é o seu nome mesmo…”

Adormecido Sortudo

Os Diabos eram os únicos Despertos no comboio, então o recém-retornado Adormecido não tinha mais ninguém para aprender. Depois de descobrir que o Aspecto do jovem soldado tinha a ver com combate corpo a corpo, Sunny o enviou para Belle e disse ao espadachim para mostrar a ele como as coisas funcionavam.

O Adormecido estava em uma posição estranha – ele não era mais um soldado comum, mas também não um verdadeiro Desperto. Ele tinha um Aspecto, uma Habilidade e era capaz de convocar Memórias.

No entanto, seu poder mal era suficiente para enfrentar uma Criatura do Pesadelo adormecida, e Memórias potentes com encantamentos ativos eram desperdiçadas nele.

‘Seja como for. Eu estava matando Diabos Caídos à esquerda e à direita como Adormecido…’

Sunny debochou.

Claro, não importa o quanto ele quisesse, não podia exigir que todos se mantivessem nos padrões dos sobreviventes da Costa Esquecida. Todos que escaparam daquele inferno eram anormais, e para cada um deles que conseguiu, havia centenas que não.

De qualquer forma, o Adormecido era pelo menos capaz o suficiente para cuidar dos refugiados, aliviando o fardo dos Irregulares. Para tornar sua tarefa mais fácil, eles haviam dado algumas Memórias ao jovem. Agora, ele usava uma armadura robusta de pele de cobra e empunhava a espada sobressalente de Belle. Ele até tinha um arco encantado e uma aljava de flechas envenenadas, além de uma lanterna mágica e um amuleto que o protegia do frio.

Se havia uma coisa que os Irregulares não tinham em falta, eram Memórias de Ranks inferiores. Praticamente toda batalha que travavam resultava em um ou dois deles recebendo alguma coisa. A maioria dessas Memórias era inútil para os membros da coorte, cujo equipamento já era de alta qualidade mesmo antes de Sunny melhorá-lo, mas eram ideais para um novo Adormecido.

Havia o suficiente para armar vários outros, até.

Pensando bem… Sunny havia prestado mais atenção ao custo humano que a proliferação desenfreada do Feitiço havia cobrado, mas havia outro lado da epidemia que devorava a Antártida. Em breve, haveria muitos Adormecidos como aquele no continente. Tantos, na verdade, que seus números poderiam potencialmente rivalizar com os do Exército de Evacuação no futuro.

…Essa realização tardia o fez parar por um momento.

Esses eram pensamentos para o futuro, no entanto. Por enquanto, ele só se importava com o comboio e seu destino. O comboio não teria milhares de Adormecidos o protegendo tão cedo, mas pode haver o suficiente deles para formar uma coorte própria um dia.

“Bem… melhor dizer a Belle para fazer um bom trabalho orientando esse cara, então.”

Com isso, ele afastou os pensamentos sobre o Adormecido de sua mente, por enquanto. Havia muito o que fazer e não tempo suficiente para fazer tudo.

Na manhã seguinte, Sunny enviou Quentin, Samara e Kim para dar uma olhada nos veículos do comboio. Cada um deles precisava ser inspecionado, servido e, esperançosamente, consertado o suficiente para fazer a jornada até o Campo Erebus em uma peça. Ao mesmo tempo, ele designou Dorn e vinte soldados de Gere para explorar o bunker e ver se havia algo lá dentro que poderia ser recuperado e usado a seu favor.

O complexo subterrâneo havia ficado abandonado por meio século, pelo menos, mas havia a possibilidade de que algumas peças intactas de maquinaria permanecessem, prontas para serem canibalizadas para consertar os veículos. Poderia também haver esconderijos intocados de provisões preservadas, e assim por diante, sem mencionar os cadáveres de Criaturas do Pesadelo que precisavam ser vestidos e desmontados.

Cada membro da coorte já tinha seus núcleos saturados, então não havia uso melhor para todos os fragmentos de alma restantes do que alimentá-los ao Adormecido novato. Assim, o jovem soldado estava prestes a consumir centenas de fragmentos de alma em seu primeiro dia de retorno do Pesadelo.

‘Que sortudo…’

Lembrando-se de como foi árduo para ele conseguir sequer um fragmento na Costa Esquecida, Sunny ouviu Beth com uma expressão sombria. Ela estava relatando o estado dos refugiados, que, resumindo, não era muito bom.

Bem, o que mais ele poderia esperar? Já era um milagre que essas pessoas estavam mantendo sua sanidade. Muitos deles eram os membros mais vulneráveis da humanidade, também – crianças e idosos. O choque de assistir todo o seu continente se incendiar bem na frente deles não era algo que se pudesse suportar sem pagar o preço.

Com um suspiro, Sunny convocou o Baú Cobiçoso e começou a descarregar as coisas preciosas que tinha armazenado dentro em preparação para a campanha na Antártida. Comida de qualidade, açúcar, sal, especiarias, frutas secas, chocolate, chá, café, produtos de higiene pessoal, álcool caro para ocasiões especiais e muito mais… ele tinha preparado muito, pensando que essa reserva iria durar pelo menos um ano para a coorte.

Havia até móveis dobráveis, uma barraca de campo espaçosa e algumas coisas para tornar o tempo de lazer entre as missões mais agradável.

Beth assistiu a mais e mais itens aparecerem de um baú de tamanho médio com olhos arregalados. Sunny, enquanto isso, sentia-se extremamente amargo.

A montanha de suprimentos era grande o suficiente para encher um quarto inteiro. Não fazia muito tempo, parecia muito… mas com centenas de bocas para alimentar, mal era suficiente para sustentar os refugiados por alguns dias.

No entanto, os suprimentos não eram para sustentá-los. O Sargento Gere tinha isso sob controle, mesmo que tudo o que os civis tivessem que comer fosse uma sopa de pasta sintética e tudo o que tivessem para beber fosse água filtrada. Na verdade, a pilha de tesouros de Sunny deveria alcançar algo diferente… melhorar o humor deles, mesmo que apenas um pouco.

Enfrentar o apocalipse era muito mais suportável se você tivesse pasta de dente e uma escova de dentes limpa. Embora essa afirmação parecesse sem sentido e tola, era, mesmo assim, verdadeira. Sunny havia experimentado o fato ele mesmo.

“Aqui. Fale com Gere e distribua essas coisas entre os civis. Diga aos cozinheiros para capricharem, também. Quero que as próximas refeições sejam realmente saborosas… até sairmos do bunker, pelo menos.”

Beth, que estava olhando para um pacote de sabonete barato como se estivesse hipnotizada por ele, assentiu lentamente.

“Ah… sim… eu vou… hein…”

Sunny suspirou e clicou os dedos algumas vezes, tentando em vão chamar a atenção da jovem.

‘Maldição. Preciso dar um tapa nela também?’

Seguindo Em Frente

No final, eles ficaram no bunker abandonado por três dias. Os veículos do comboio estavam em pior estado do que Sunny havia pensado, então Kim e Samara tiveram muito trabalho para deixá-los em forma com a ajuda de Quentin. Os reparos improvisados que implementaram não eram bonitos, mas pelo menos os transportes não iriam desmoronar na estrada, deixando dezenas de refugiados e interrompendo o comboio.

No frio congelante da noite polar, parar significava a morte. Isso sem nem considerar as hordas de Criaturas dos Pesadelos rondando na escuridão… o próprio mundo estava mais do que feliz em matá-los.

Ao longo desses poucos dias, Sunny continuou monitorando os arredores e atualizando diligentemente seu mapa. As quatro sombras passaram muito tempo escalando montanhas ou se escondendo em seus cumes gelados. Ele sabia com certeza que as sombras não sentiam frio… e ainda assim, Sunny não conseguia se livrar da sensação de que os olhares que lançavam para ele de vez em quando eram menos amigáveis do que o habitual.

‘Difícil… faça o que é mandado e não reclame, desgraçados.’

Ele mesmo não era uma pessoa muito amigável.

Os dias no bunker foram estranhamente tranquilos. Não havia grandes hordas de Criaturas dos Pesadelos nas proximidades, e os enxames pequenos que passaram não eram fortes o suficiente para representar uma séria ameaça. Se atacassem, as abominações teriam dificuldade em assaltar o complexo subterrâneo – suas capacidades defensivas, que Sunny e sua equipe enfrentaram ao limpar os monstros serpente, agora estavam do lado deles.

Ninguém teria facilidade em chegar aos civis.

… A menos que fossem capazes de cavar pelo chão, é claro, como o monstruoso tenente da colmeia de pedra que quase enterrou Sunny em pedra sólida. Se fossem, o bunker se tornaria nada menos que um banquete gratuito para tal Criatura dos Pesadelos.

Depois de pensar nisso, Sunny ordenou que Luster permanecesse no Rhino e monitorasse os sensores sísmicos como se sua vida dependesse disso.

Mas nenhuma abominação perigosa apareceu.

Quando Sunny estava livre, patrulhava silenciosamente o bunker, estudando os refugiados. Essas pessoas pareciam estranhas para ele. Após perderem suas casas, entes queridos, e terem a salvação prometida arrancada de suas mãos – duas vezes – ele esperaria que muitos quebrassem. E alguns quebraram… mas muito poucos.

Para a maioria, a vida simplesmente continuava. Especialmente as crianças. A última coisa que Sunny esperava ouvir nos corredores sombrios do bunker abandonado era o som de risadas, mas mesmo assim, lá estava. As crianças estavam brincando, supervisionadas pelos idosos. Elas corriam, faziam amizades e inventavam vários jogos para afastar o tédio.

Uma delas até teve a audácia de bater diretamente nele enquanto perseguia seus colegas de brincadeira. O menino soltou um grito assustado, depois olhou para cima com olhos arregalados e murmurou:

“Uh… desculpe, Tio Desperto…”

Com isso, ele esfregou a testa e correu para longe, rindo.

Sunny piscou algumas vezes.

‘…Tio? Tio?! A… a audácia!’

Quem ele pensava que era para chamá-lo de tio?!

…As crianças estavam se saindo bem, mas mesmo os adultos, oprimidos pelo fardo do conhecimento, mostravam sorrisos pálidos de vez em quando.

Eles estavam quentes, tinham água e comida, além de um abrigo temporário, mas seguro. Isso era tudo o que precisava para o espírito humano se manter, parecia.

Talvez Sunny tivesse algo a ver com o humor deles também. Os refugiados decidiram confiar na competência do Mestre que havia assumido a liderança de sua sobrevivência. Eles entregaram seus destinos em suas mãos e, aliviados, encontraram força suficiente para acreditar no futuro, mesmo que apenas um pouco.

‘Estranho. Tão estranho. Eu nunca confiaria minha vida a ninguém…’

No final do terceiro dia, Sunny deu a ordem para começar a se preparar para uma partida imediata. Essa decisão causou muita agitação, tanto entre os civis quanto entre os soldados. Até mesmo seus próprios homens se manifestaram.

“Senhor… se eu puder.”

Samara apontou para os veículos improvisados, com uma leve preocupação evidente em seu rosto geralmente indiferente.

Nós fizemos muito, mas não tenho certeza de quão bem nossos reparos vão aguentar. Se você nos der mais dois dias… talvez até um… faremos muito mais.”

Beth e o sargento Gere eram igualmente a favor de adiar a partida por alguns dias.

“As pessoas estão apenas começando a se recompor. Alguns dias a mais de descanso farão maravilhas tanto para o humor quanto para a saúde delas. Temos muitos idosos aqui, sabe? Eles precisam de cuidados…”

Mas Sunny estava irredutível. Ele simplesmente balançou a cabeça.

“Vocês não entendem. Nós precisamos sair agora. Há uma enorme horda de Criaturas dos Pesadelos se movendo do leste, e outra vindo do norte. Se sairmos agora, teremos uma chance de escapar antes que cheguem. Se não, simplesmente nos afogaremos em abominações. Vocês realmente acham que eles não nos encontrarão debaixo da terra, ou que sete e meio Despertos podem impedi-los? Acordem e comecem a carregar as pessoas nos transportes. Isso é uma ordem.”

Ninguém poderia desafiar sua autoridade, e ninguém tinha motivo para isso. Embora difícil de aceitar, suas palavras eram verdadeiras… o que era de se esperar, considerando que Sunny não podia mentir. Ele adoraria mentir e manipular essas pessoas, mas infelizmente, só podia manipulá-las dizendo a verdade.

Estranhamente, ele estava começando a ganhar uma reputação de líder áspero, mas justo como resultado.

Quem poderia ser mais confiável do que o Diabo, afinal?

Depois de três dias de descanso para alguns e trabalho extenuante para preparar o comboio para a jornada à frente para outros, a pequena frota de veículos finalmente deixou o hangar do antigo bunker.

A tempestade de neve ainda não tinha voltado, então sua posição foi instantaneamente revelada para todos que se incomodassem em olhar. Cortando a escuridão com feixes de luz brilhante e rasgando o silêncio com os rugidos retumbantes de motores poderosos, o comboio seguiu para o norte.

Sua longa jornada havia começado.

Tarefa De Um Bobo

Na fria escuridão, uma pequena procissão de veículos subia por uma antiga e deteriorada estrada de montanha. A estrada se agarrava precariamente à encosta de pedra, tão estreita que as rodas dos transportes mal cabiam em sua superfície rachada.

Olhando pelas janelas à direita, tudo que os refugiados podiam ver era um abismo. Era como se estivessem dirigindo no nada, a poucos centímetros de cair para a morte. De vez em quando, uma pedra solitária seria empurrada para fora da estrada pelas rodas dos veículos em movimento lento e, em seguida, cair, ricocheteando pelos penhascos com um clangor surpreendente.

O som viajava longe pelo desfiladeiro profundo, refletindo nas paredes de pedra à medida que ficava mais alto. Para os refugiados assustados, parecia ensurdecedor como um trovão.

Seu medo só piorava com a escuridão. Os faróis dos transportes cortavam amplas faixas através dela, mas além disso, a noite era impenetrável e opressiva. Os motoristas já estavam lutando para manter os veículos na estrada estreita, e com a maior parte dela obscurecida pela penumbra gélida, sua tarefa parecia quase impossível.

Viajar pelas montanhas à noite era uma empreitada insensata e perigosa. Era uma missão de tolos.

‘…Quem é o tolo, então?’

Examinando os feeds de sensores na cabine de comando do Rhino, Sunny calculava mentalmente a taxa de progresso deles. Não importava como pensasse sobre isso, a velocidade do comboio era terrivelmente lenta.

Infelizmente, não podia ser evitado.

O poderoso APC estava se movendo na frente da coluna, abrindo caminho para os outros veículos. Seu aríete estava abaixado e mais uma vez servindo para abrir caminho através da neve. De tempos em tempos, o Rhino também tinha que remover outros obstáculos da estrada – detritos de pedras, grandes rochas e enormes pedaços de gelo que se partiram da geleira no pico da montanha.

Estava fazendo um bom trabalho na maioria das vezes. Muito raramente encontravam algo que o Rhino não conseguisse mover ou afastar. Nestes casos, todo o comboio tinha que parar e esperar Sunny remover o obstáculo que o APC não conseguia lidar com segurança com suas próprias mãos.

O Rhino era uma máquina poderosa, mas não podia ser comparado à força de um Mestre. Havia muito poucas coisas que Sunny não conseguia jogar para longe da estrada, e mesmo que houvesse, ele simplesmente as cortaria com o Pecado do Consolo. A lâmina de jade da bela jian era afiada o suficiente para cortar granito como se fosse água.

Não que ele gostasse de ouvir seus sussurros invasivos.

Em qualquer caso, cada parada desse tipo tornava o progresso deles ainda mais lento. A escuridão, o frio, a natureza precária das antigas estradas de montanha, o estado áspero da área após o recente terremoto… nada disso estava tornando a vida de Sunny fácil.

E isso era apenas o lado natural das coisas. Claro, também havia outras ameaças ao redor deles…

A região inteira fervilhava de Criaturas dos Pesadelos.

Por enquanto, Sunny havia conseguido liderar o comboio além dos grandes enxames de abominações, mas era apenas uma questão de tempo antes que tivessem que lutar. Com o tanto de barulho que estavam fazendo e a quantidade de luz que estavam produzindo, era inevitável que algo faminto os notasse.

Alguns já tinham, é claro. No entanto, Santa conseguira matar as poucas Criaturas dos Pesadelos solitárias sem chamar muita atenção. Sunny a estava usando como batedora, então ela viajava separada do comboio para interceptar quaisquer ameaças emergentes antes que pudessem causar danos aos transportes.

Ele não sabia por quanto tempo essa proteção duraria, porém. Sunny sentia que o envelope de segurança ao redor do comboio estava ficando cada vez menor.

…Pelo menos ele e seus soldados conseguiam enxergar na escuridão. Se fossem tão cegos quanto os soldados comuns protegendo o comboio, Sunny provavelmente teria enlouquecido até agora. Como estava, ele permanecia surpreendentemente calmo e analítico.

Para ele, a situação era ao mesmo tempo simples e irracionalmente difícil.

Havia dois tipos de coisas à sua disposição. Um deles eram ativos – Santa e Pesadelo, ele mesmo, os Irregulares e os soldados comuns. O outro eram dependentes – os refugiados, assim como o Professor Obel e Beth.

Havia também quatro tipos de perigo o enfrentando. Um era as Criaturas dos Pesadelos, que ele tinha que rastrear através de suas sombras e evitar ou matar. O outro era as ameaças internas – pessoas sucumbindo ao Feitiço ou enlouquecendo, o que ele poderia mitigar por meio de várias medidas. O terceiro era o próprio ambiente. O mundo poderia facilmente matá-los sem nem precisar da ajuda das abominações, mas isso também poderia ser lidado.

E finalmente, havia o quarto tipo de perigo, o mais grave – as ameaças imprevistas. Essa não podia ser antecipada, tratada ou mitigada.

A tarefa de Sunny era simplesmente aplicar seus ativos da maneira correta, a fim de proteger seus dependentes do perigo. No entanto, mesmo que tomasse todas as decisões certas, nada impedia um novo Portal de se abrir bem no meio do comboio, então… havia isso para pensar também.

‘Ótimo. E além de tudo, estamos indo muito devagar.’

Não apenas o comboio era muito lento para escapar de um ataque, se necessário, eles também estavam desesperadamente atrasados. Naquela taxa, os refugiados teriam que passar uma noite ou duas dentro dos transportes em vez de um acampamento comparativamente seguro.

“Bem… não há nada que eu possa fazer sobre isso, por enquanto.”

Se ele tivesse veículos melhores… se tivesse mais Despertos… se houvesse mais ferramentas à sua disposição…

Sunny suspirou. Não havia sentido em pensar sobre essas coisas.

Naquele momento, sua expressão mudou ligeiramente.

Sunny olhou para o lado, como se perfurasse o casco do Rhino com seu olhar.

Lá, vários quilômetros à frente… as encostas do desfiladeiro se juntavam, formando um pequeno vale com um lago congelado ocupando a maior parte de sua superfície. Um enxame de Criaturas dos Pesadelos acabara de aparecer de trás de uma alta projeção rochosa e estava descendo em direção ao lago.

Do outro lado do vale, ainda escondido da vista pela inclinação da montanha, havia outro enxame, este menor, mas composto por abominações muito mais poderosas. Eles estavam indo na mesma direção.

O que Sunny temia tornou-se realidade. O comboio não podia voltar atrás e não seria capaz de evitar colidir com os dois enxames. Uma luta era inevitável.

O canto de sua boca tremeu.

Levantando-se de sua cadeira, Sunny esticou os membros e, em seguida, olhou para os Irregulares com uma expressão impassível. Seu pessoal tenso instantaneamente.

“Convoquem suas armas. É hora de tomar um pouco de ar fresco…”

Dividir E Conquistar

Do que Sunny havia visto, cada um dos dois grupos de Criaturas dos Pesadelos era tão forte quanto a horda de abominações sem olhos que sua coorte tinha erradicado no início da campanha na Antártica. A primeira horda consistia em cerca de duzentas criaturas, a maioria dos Despertados, com várias dezenas dos Caídos as liderando.

A segunda estava mais longe e muito menor, com não mais do que cinquenta criaturas. No entanto, todas elas eram Caídas, e havia quatro Corrompidos entre elas.

Lutar contra cada uma das hordas separadamente teria sido difícil, mas não impossível. Mas se fossem permitidas a se unirem… Sunny não sabia o que aconteceria então.

Havia uma esperança fraca em seu coração de que as Criaturas dos Pesadelos se destruíssem mutuamente, mas ele sabia que era muito improvável, naquele estágio. Qualquer animosidade entre essas duas tribos de abominações não poderia se comparar ao desejo frenético de devorar humanos, e com centenas de civis indefesos por perto, esse desejo de sangue já começava a fluir como fogo por suas veias.

Uma batalha era inevitável.

A questão era… como ele deveria lutar essa batalha?

A melhor solução possível teria sido deter o avanço das abominações perto do comboio, na estrada estreita das montanhas. Não havia espaço ali para o inimigo explorar sua esmagadora vantagem numérica, então os defensores poderiam enfrentá-los aos poucos.

No entanto, as Criaturas dos Pesadelos não eram conhecidas por sua razão e forte senso de autopreservação. Elas avançariam loucamente, potencialmente enterrando Sunny e sua coorte sob um deslizamento de corpos. Não importaria quantas delas fossem abatidas ou caíssem no abismo do desfiladeiro da montanha, desde que algumas conseguissem afundar suas presas na carne humana.

Além disso, ele não sabia quais estranhos poderes as abominações possuíam, então não poderia garantir que o comboio não sofresse danos.

Mas o mais importante…

Sunny simplesmente não podia permitir que as duas hordas se unissem. A única chance de uma vitória rápida e decisiva era eliminá-las antes que isso acontecesse.

O que significava que os Irregulares tinham que avançar e enfrentar o inimigo no amplo campo de batalha do vale adiante. Eles tinham que destruir uma das hordas antes que a segunda chegasse, ou de alguma forma enfrentar ambas ao mesmo tempo. Caso contrário, muitas pessoas morreriam.

“Maldição…!”

O Rhino já havia parado, forçando os veículos que o seguiam a fazer o mesmo. A largura do APC bloqueava praticamente toda a estrada, então eles não podiam passar por ele mesmo se quisessem. Sunny e sua equipe tiveram que subir no telhado por uma das escotilhas superiores e então saltar.

Logo depois, a voz distorcida de Gere saiu pelos alto-falantes de um rádio portátil:

“Capitão Sunless? Há outro obstáculo?”

Sunny hesitou por alguns momentos, então respondeu em um tom medido:

“Negativo. Há problemas adiante… posicione seus soldados e prepare-se para defender o comboio. Minha coorte avançará para enfrentar o inimigo, mas se algo passar por nós, dependerá de você e de seus homens pará-lo.”

Infelizmente, Gere não poderia fazer muito. Havia apenas um Adormecido, e uma pequena quantidade de munição carregada que Samara havia fornecido aos soldados antes de sair do bunker – a carga não deveria se dissipar completamente ainda, então eles tinham algumas horas para usar as poucas balas encantadas.

No entanto, isso era praticamente tudo. Sem nem mesmo as armaduras exoesqueleto alimentadas, soldados comuns não eram páreo para Criaturas dos Pesadelos acima do Nível Dormente.

A resposta de Gere veio após alguns segundos de silêncio.

“…Entendido.”

“O que fazer, o que fazer…”

Olhando para frente, Sunny passou freneticamente por numerosos cenários, calculando os riscos e tentando encontrar uma saída da situação desastrosa, uma que não significasse um desastre para o comboio. Não importa como ele olhasse, algo teria que ser sacrificado para equilibrar a balança a favor deles…

Sua mente estava trabalhando a toda velocidade, mas falhava em tomar uma decisão.

Logo, ele cerrou os dentes e ordenou que os Irregulares avançassem. Eles se lançaram à frente, enfrentando a neve em um silêncio gélido. Não demorou para chegar ao pequeno vale. Eles conseguiram chegar às suas bordas antes que a primeira horda de Criaturas dos Pesadelos tivesse tempo de descer da montanha, mas por pouco. Talvez restasse um minuto ou dois.

A segunda horda ainda estava a alguma distância, escondida atrás de uma encosta alta.

Diante deles, havia um espaço amplo e vazio. Estava coberto de neve e quase perfeitamente plano… isso porque a maior parte do vale era ocupada por um lago de montanha, que estava congelado agora que a longa noite havia chegado à Antártica.

Foi ali que iriam lutar. Logo, a superfície imaculada da neve seria tingida de sangue… esperançosamente, das Criaturas dos Pesadelos, mas talvez também de humanos.

Sunny ordenou que seus soldados se escondessem atrás de grandes rochas e subiu em uma delas. Então, ele convocou o Arco de Guerra de Morgan e fechou os olhos por um momento.

Ele simplesmente não era forte o suficiente. Havia poucos recursos à sua disposição. Essa maldita guerra era simplesmente muito injusta.

Alguém tinha que parar a horda maior, e alguém tinha que deter a menor, porém mais poderosa. Alguém tinha que avançar, enquanto alguém tinha que ficar para trás e defender o comboio.

Simplesmente não havia como alcançar todos esses objetivos sem sofrer uma perda, e mesmo que Sunny soubesse que decisão tinha que tomar, não era fácil fazê-lo.

‘…Desculpe, Santa.’

Seu leal demônio teria que compensar sua falha e enfrentar a segunda horda apenas com o Pesadelo ao seu lado. Ele nem mesmo podia poupar uma sombra para reforçá-los. Uma estava vigiando o comboio, e ele precisava das outras três.

Santa sempre tinha sido uma guerreira excepcional, mas mesmo ela não era capaz o suficiente para lidar sozinha com cinquenta Caídos e três Corrompidos. O corcel negro seria útil, é claro, especialmente agora que ele tinha subjugado muitos pesadelos, mas mesmo assim… as probabilidades não estavam a favor deles. Se deixados sozinhos para enfrentar o inimigo, ambas as Sombras eventualmente seriam destruídas.

Por isso, a velocidade era essencial. Se os Irregulares lidassem rapidamente com a horda maior, eles seriam capazes de chegar para resgatar Santa.

Se não…

Sunny teria que arriscar perder suas Sombras ou dispensá-las e comprometer as vidas dos Irregulares, que então seriam atacados por dois lados.

“Kim, eu preciso da sua ajuda.”

Com um suspiro sombrio, ele ergueu o arco e puxou sua corda.

Línguas Negras

Um ruído de flecha negra voou silenciosamente pela escuridão da noite sem lua e desapareceu na neve branca sem deixar rastro. Então, outra. Sunny tentou disparar o máximo de flechas que conseguisse antes que o enxame chegasse.

No final, ele conseguiu empunhar seu arco quatorze vezes.

Sabendo que teria que – e, esperançosamente, teria tempo para – resgatar Santa, ele escolheu usar o Manto do Submundo na batalha iminente. O Desejo Moribundo já estava fundido a ele, mas Sunny ainda não tinha depositado sua essência no amuleto Transcendente, não querendo chamar a atenção para si mesmo.

Por enquanto, ele era apenas uma silhueta negra no pano de fundo escuro da noite, quase imperceptível se não fosse pelo brilho pálido da aurora carmesim que rodopiava acima, devorando os céus com sua luz fantasmagórica.

Logo, o enxame desceu pelo vale.

As Criaturas do Pesadelo tinham uma aparência bestial, com pelos sujos e corpos emaciados e esqueléticos cheios de poder febril. Seus focinhos eram longos e estreitos, revelando bocas famintas com línguas negras e inúmeras presas, todas afiadas o suficiente para cortar metal.

As abominações caídas eram especialmente ferozes. Seus corpos magros tinham o dobro do tamanho das Criaturas do Pesadelo e tinham protuberâncias ósseas sangrentas surgindo do pelo irregular, como uma armadura mórbida.

Seus rabos se assemelhavam a serpentes rastejantes, e suas longas línguas negras gotejavam saliva venenosa.

Sunny nunca tinha encontrado esse tipo de abominação antes.

Dois meses na campanha da Antártica, o Primeiro Exército havia aprendido algumas coisas sobre a Cadeia de Pesadelos. Apesar de todas as precauções, muitos Despertos haviam sido puxados para o Reino dos Sonhos pelo Chamado… a maioria deles nunca retornou, mas dois ou três conseguiram localizar a Semente e sobreviver ao seu teste, tornando-se assim Mestres.

Todos eles trouxeram a mesma história. Havia uma região anteriormente desconhecida do Reino dos Sonhos onde inúmeras Sementes do Pesadelo pareciam estar florescendo, enviando miríades de Criaturas do Pesadelo em frenesi. Era um vasto deserto coberto por ruínas assustadoras, com uma gigantesca pirâmide negra às vezes aparecendo no horizonte como um terrível miragem.

Considerando que a maioria dos Portais originava-se da mesma terra amaldiçoada, não era surpresa que as Criaturas do Pesadelo que chegavam ao mundo desperto através deles fossem frequentemente semelhantes. O Primeiro Exército de Evacuação havia combatido as mesmas tribos de abominações muitas vezes. Os Sem Olhos, por exemplo, eram uma visão comum em toda a Antártica, então os humanos desenvolveram métodos para lidar com eles.

…Mas essas Línguas Negras eram novas. Sunny nunca tinha visto ou ouvido falar delas antes.

‘Desçam, seus bastardos.’

Baixando o Arco de Guerra de Morgan, Sunny se agachou e desapareceu na sombra. Rodeado por elas, ele era praticamente invisível… o que era bom, porque ele não queria que as abominações o notassem ainda.

Seguindo seu comando, os membros do grupo também estavam se escondendo. Mesmo que isso significasse perder a oportunidade de bombardear as Criaturas do Pesadelo com ataques à distância durante a aproximação, Sunny os havia ordenado a esperar por seu sinal.

Os segundos passavam agonizantemente devagar. O vento uivava pelas montanhas, trazendo consigo o cheiro fétido de sangue e podridão. Amaldiçoando em silêncio, ele cerrava os dentes.

Em algum lugar não muito longe dali, Santa e Pesadelo já devem ter enfrentado o segundo enxame. Sunny esperava ouvir uma série de uivos furiosos, mas para sua surpresa e inquietação, tudo o que ele podia ouvir era o vento.

Três de suas sombras estavam com ele, enroladas no arco, enquanto a quarta estava com o comboio, então Sunny não conseguia ver o que estava acontecendo atrás da encosta da montanha.

A falta de informação estava deixando-o louco, e seus músculos doíam, pedindo para explodir em ação.

Mas, seguindo o plano, ele se forçou a permanecer imóvel.

Sunny precisava que todo o enxame de Línguas Negras descesse pelo vale antes de lançar seu ataque.

“Se apressem, malditos miseráveis! Não há como vocês não terem visto, ouvido ou sentido o cheiro do comboio! Vocês não estão com fome de carne humana deliciosa?!”

Depois de um minuto mais ou menos, o último das abominações finalmente alcançou a superfície plana do vale. A massa de corpos bestiais fluía para o sul, com o objetivo de cruzar o lago congelado. Eles claramente se moviam com um propósito, cientes de que havia presas por perto.

‘Mais perto do que você pensa…’

Sunny esperou até que o enxame alcançasse o meio do lago e, finalmente, começou a agir.

Concentrando-se, ele depositou sua essência no Arco de Guerra de Morgan. No entanto, ele não puxou a corda novamente…

Em vez disso, ele ativou o encantamento [Fardo da Paz], fazendo com que as quatorze flechas que ele havia disparado anteriormente se tornassem subitamente insuportavelmente pesadas.

Manter e controlar tantas flechas ao mesmo tempo não era uma tarefa fácil, mesmo para ele. Sunny teve que testar os limites de seu controle de essência e concentração para conseguir o que queria. Parecia que ele ia tossir sangue e desmaiar em breve…

Mas no final, Sunny havia passado naquele teste.

Cada uma das flechas havia afundado em um ponto fraco da camada de gelo que cobria o lago, que ele encontrou com a ajuda de Kim. Agora que todas as quatorze estavam subitamente pressionando o gelo com peso esmagador…

O gelo começou a rachar.

Lento no início e depois mais rápido e mais rápido, uma rede de rachaduras se espalhou sob a neve, como se um enorme painel de vidro estivesse se quebrando. Uma beleza indescritivelmente completa de gelo se despedaçando abafou os uivos do vento por alguns momentos, e as Criaturas do Pesadelo se contraíram.

Mas era tarde demais.

Antes que pudessem fazer qualquer coisa, a superfície do lago sob seus pés se rompeu, enviando centenas de abominações para a água fria e congelante. Instantaneamente, o vasto espaço de neve intocada não existia mais, substituído por uma cena de caos total. Grandes pedaços de gelo estavam colapsando e virando enquanto inúmeras Criaturas do Pesadelo caíam na água negra e insuportavelmente fria abaixo.

Elas lutavam para subir em algo sólido, mas não havia mais nada para sustentar seu peso. Todo o enxame estava sendo engolido pelo lago.

…Claro, água fria não ia matar uma Criatura do Pesadelo. Elas não iam se afogar também. Se necessário, as abominações nadariam até a margem ou simplesmente caminhariam no fundo do lago até alcançar a superfície novamente, rompendo o gelo do outro lado. Para monstros como esses, ser jogado em um lago congelante era um pequeno obstáculo, no máximo.

Rugindo baixinho, Sunny se levantou e empunhou novamente o Arco de Guerra de Morgan. Desta vez, um tipo diferente de flecha apareceu em sua corda…

Uma flecha estranha que parecia um raio de relâmpago enjaulado.

Envolvendo três sombras ao redor do [Golpe do Trovão], Sunny não se preocupou em mirar e simplesmente soltou a corda, enviando a flecha Ascendente para o meio do lago.

No momento em que o furioso raio de relâmpago tocou a superfície da água…

Houve um clarão cegante, e Sunny ficou momentaneamente cego.

Antes que ele recuperasse a visão, a voz do Feitiço ecoou em seu ouvido como um coro:

[Você matou um…]

[Você matou um…]

[Você matou um…]

[Você recebeu uma Memória…]

[Você recebeu uma Memória…]

[Você matou um…]

[Você matou um…]

Fantasmas Sem Voz

O Feitiço continuava sussurrando, a rica tapeçaria de sua voz criando uma estranha harmonia consigo mesma. O resultado era quase distrativo. Sunny instantaneamente perdeu a conta de quantas criaturas ele tinha matado com aquela única flecha, mas pareciam ser… pareciam ser perto de uma centena, no mínimo.

A horda estava nada menos que dizimada. Metade das Línguas Negras estavam mortas, e a metade restante estava frita e danificada em diferentes graus. A água do lago da montanha, que estava congelante há apenas alguns segundos, parecia estar fervendo.

Ele também teve a sorte de receber um monte de Memórias. Mesmo que a maioria delas viesse de abominações Despertas… Santa definitivamente iria se alimentar bem esta noite.

Se ela sobrevivesse, é claro.

…Antes que Sunny pudesse voltar a si, o familiar zumbido elétrico chegou aos seus ouvidos. Samara já estava mirando seu rifle pesado. Seu cano piscou, e no próximo momento, a cabeça de uma abominação Caída ferida que estava tentando subir em um grande pedaço de gelo explodiu em pedaços sangrentos. Um segundo depois, o rifle de Kim também estava disparando.

‘Certo…’

Qualquer outro Mestre provavelmente teria conseguido apreciar por alguns momentos a incrível façanha de matar cem poderosas Criaturas do Pesadelo em menos de um segundo, mas Sunny não teve essa sorte. Ele ainda estava correndo contra o tempo, e havia ainda uma horda totalmente diferente de abominações para ele enfrentar.

A expanse branca intocada do vale da montanha tinha desaparecido. Em vez disso, tudo o que ele conseguia ver era água negra com cadáveres carbonizados flutuando, e dezenas de Criaturas do Pesadelo gravemente queimadas tentando freneticamente chegar à margem.

Abandonando suas tentativas de subir no gelo, eles estavam mergulhando no lago, para viajar pelo seu fundo. Como a eletricidade se espalhava apenas sobre a superfície da água, convocar a Greve do Trovão pela segunda vez não ia ajudá-lo.

Olhando para a cena macabra, Sunny virou a cabeça e falou:

“Dorn, eu deixo você no comando. Os bastardos sofreram muitos danos e estarão vulneráveis ao tentar quebrar o gelo. Faça com que Samara elimine os mais fortes e acabe com o restante conforme eles subirem, com Belle e Luster.”

O gigante assentiu, olhando para ele com uma expressão muito estranha.

“Entendi. Mas, Capitão… e você?”

Sunny já estava pulando da pedra.

“Vou lidar com a segunda horda!”

Dorn piscou.

“…Existe uma segunda horda?”

Sunny não ouviu, no entanto. Se transformando em uma sombra ágil, voou pela escuridão o mais rápido que pôde, correndo para o local onde tinha enviado Santa.

‘Aguenta, aguenta, aguenta… aguenta só um pouco mais, Santa, estou chegando…’

Logo, ele alcançou o topo da íngreme encosta da montanha e congelou por um momento, olhando para baixo.

Lá embaixo, em uma ravina estreita, uma batalha furiosa estava acontecendo.

As Criaturas do Pesadelo se assemelhavam a humanos grotescamente altos, com pele negra como tinta, olhos afundados e rostos imóveis. Vestiam estranhas armaduras forjadas em metal escuro e não empunham armas. No entanto, Sunny tinha uma forte sensação de que ser tocado por suas mãos vazias seria o fim dele.

Suas bocas… também estavam costuradas.

‘Não é de se admirar que não houvesse uivos.’

Santa era do tipo silencioso, e esses miseráveis também.

Atualmente, ela estava enfrentando três dos quatro abominações Corrompidas sozinha. Cadáveres jaziam no chão, e o Pecado do Consolo dançava, desviando um golpe após o outro. A taciturna demônia havia abandonado seu estilo usual mais firme e agora estava lutando com uma urgência composta, mas desesperada. Olhando para isso, Sunny não pôde deixar de ser lembrado da primeira vez que conheceu a estátua viva, de volta a uma praça desolada da Cidade Sombria.

Naquela época, a Santa de Pedra original havia matado várias criaturas de um Rank superior, ao custo de sua vida.

A quarta Corrompida vagava sem rumo, tentando arrancar os fios pretos que perfuravam seus lábios. Sangue tinta escorria por todo o seu rosto estranhamente imóvel. Parecia que a mente da criatura tinha ido embora, despedaçada pela lâmina amaldiçoada… no entanto, Santa também estava ferida, pó de rubi fluindo pelas rachaduras de sua armadura de ónix.

Ela estava perdendo força lentamente…

A alguma distância, Pesadelo segurava dezenas de abominações Caídas. O corcel negro arrasava no meio delas, usando seus cascos de ferro, força bestial e presas lupinas para despedaçá-las. Seu corpo estava envolto em sombras, com duas chamas carmesins brilhando furiosamente através da névoa da escuridão. O cavalo negro parecia uma encarnação do medo e do pavor.

Mas ele também não estava indo bem. Por enquanto, Pesadelo conseguia manter-se à frente do inimigo devido à sua velocidade avassaladora, mas não podia permitir que as abominações cercassem Santa por trás. Sempre que tentavam, o corcel escuro não tinha escolha a não ser desistir de sua vantagem e se colocar entre os sem voz e sua cavaleira.

Os lados dele estavam rasgados, e havia marcas estranhas persistindo em sua pelagem sable, brilhando com uma luz azul fantasmagórica. Ao redor dessas marcas, a carne de Pesadelo parecia estar apodrecendo.

As duas Sombras não eram páreo para a horda de abominações temíveis, que pareciam ter vindo de um Portal de Categoria Três. Elas podiam escapar dos espectros silenciosos, mas não podiam derrotá-los… apenas serem derrotadas. Santa e Pesadelo só duraram tanto por causa da combinação perfeita de suas habilidades inatas e das Memórias que Sunny havia confiado às suas Sombras.

Santa estava usando o Juramento Quebrado, que enfraquecia e danificava continuamente os Corrompidos. Ela também empunhava o Pecado do Consolo, uma arma Transcendente que possuía um poder insidioso. Esse poder vinha com o custo de causar dano mental ao seu usuário, do qual Santa era imune.

Uma combinação de dano à alma e à mente era verdadeiramente formidável, especialmente quando associada à sua sublime maestria da espada.

Além disso, o Pecado do Consolo possuía o encantamento [Presságio do Medo], que causava medo nas mentes de seus inimigos. Esse encantamento aumentava a potência do [Manto do Medo] e [Senhor do Medo] que Pesadelo possuía, tornando o corcel negro mais poderoso quanto mais temido ele fosse.

No passado, essa sinergia perfeita nunca tinha falhado. Mas hoje, não foi o suficiente.

…Bem, isso foi antes de Sunny mesmo ser adicionado à equação.

Correndo em direção à ravina, ele enviou seus sentidos para a frente.

As abominações silenciosas eram fortes o suficiente para intimidar suas Sombras…

Mas quanto tempo durariam agora que o Mestre das Sombras havia chegado?

Desafiando A Gravidade

Descendo pela encosta da montanha, Sunny deixou as sombras e fez algo que geralmente seria considerado um movimento muito estúpido em uma batalha – ele pulou no ar, planando alto acima do desfiladeiro e depois mergulhando.

Guerreiros experientes sabiam que fazer um salto em combate não tinha benefício e, em vez disso, deixava alguém aberto para um ataque potencialmente letal. O pior de tudo, o saltador não tinha nada para usar como suporte, então desviar ou mudar de direção para evitar o golpe era praticamente impossível. Isso até impedia alguém de realizar um ataque verdadeiramente poderoso, pois o poder nascia do chão sob as solas dos pés e se espalhava por todo o corpo até a ponta da lâmina.

No entanto, tempos desesperadores exigiam medidas desesperadoras.

Caindo, Sunny esticou os músculos e puxou seu arco. Até mesmo isso era muito mais difícil no ar, mas ele conseguiu de alguma forma.

Enquanto o vento assobiava em seus ouvidos e o chão se aproximava com velocidade assustadora, ele abriu as comportas da essência e ativou duas encantamentos.

Um era [Mercador da Morte] do Arco de Guerra de Morgan.

O outro era [Pena da Verdade] do Manto do Submundo.

… Abaixo, Santa estava lutando desesperadamente contra três abominações Corrompidas. Sua armadura estava coberta por uma rede de rachaduras, e finos fragmentos de rubi fluíam através de várias brechas.

O inimigo estava à beira de sobrecarregar a firme cavaleira.

Mas então, uma flecha que parecia forjada em ouro pálido cortou o ar e atingiu um dos altos Monstros dos Pesadelos no ombro. A força carregada por ela era tão grande que sua armadura escura explodiu em pedaços, e a ponta afiada da flecha afundou na carne abaixo.

Não, mais do que isso…

O braço inteiro da abominação foi cortado limpo, levando um grande pedaço do ombro junto. Sangue escuro espirrou na neve enquanto o Corrompido perdia o equilíbrio, cambaleando para trás. A visão disso era tanto horrenda quanto espetacularmente mórbida.

… E um momento depois, Sunny aterrisou em outro Sem Voz como uma bala de canhão. Não havia sofisticação neste ataque… ele simplesmente se transformou em um torpedo vivo.

Fazendo com que o Manto do Submundo pesasse várias toneladas com a ajuda do [Pena da Verdade] e recrutando a ajuda da gravidade, ele caiu de cima para baixo e se chocou diretamente sobre um Demônio Corrompido que assaltava Santa.

O resultado foi… destruidor.

A abominação imponente não foi exatamente achatada, mas tombou como um castelo de cartas, sua armadura se dobrando e quebrando. Ambos atingiram o chão com um estrondo ensurdecedor, Sunny por cima. Algo se quebrou com um estalo enojante. As pedras sob eles racharam violentamente, e uma nuvem de neve foi lançada ao ar pela onda de choque.

Sunny foi arremessado para o lado e quicou no chão antes de parar abruptamente. Se não fosse pelo Tear de Ossos, seu pescoço teria sido torcido em um ângulo não natural…

‘…’

Mas aparentemente ele estava vivo, e mesmo inteiro.

‘…Ai.’

Assim, em menos de um segundo, duas das três abominações Corrompidas estavam gravemente feridas e debilitadas. No entanto…

Aquilo era apenas o ato de abertura da chegada de Sunny. Felizmente, o que veio a seguir não exigia sua participação ativa. Foi uma boa coisa também… já que ele não era capaz de fazer nada no momento. Ele precisava de um segundo ou dois para voltar a si.

… Talvez três.

Dois sombras explodiram de seu corpo. Uma delas se envolveu em Santa, enquanto a segunda voou em direção a Pesadelo.

No próximo momento, a armadura de Santa brilhou com uma radiância escura, e as chamas de rubi de seus olhos mudaram levemente de cor. Embora Sunny estivesse momentaneamente atordoado, ela não estava. Mais do que isso, ela não desperdiçou nem mesmo um segundo, usando a abertura que ele tinha criado para ela para lançar instantaneamente um ataque impiedoso.

Irradiando uma sensação de poder recém-descoberto, o demônio taciturno explodiu para frente. Antes que as abominações dos Pesadelos desorientadas pudessem reagir, ela desceu sobre o Sem Voz que Sunny tinha enviado ao chão. O Pecado do Consolo brilhou, deslizando pela larga rachadura na armadura danificada e perfurando o coração do demônio, emergindo então pelas costas em uma chuva de sangue.

Enquanto Sunny lutava para se levantar, o Feitiço sussurrou:

[Você abateu um Demônio Corrompido, Prelado Sem Voz.]

[Sua sombra cresce mais forte.]

[Você recebeu uma Memória…]

Isso foi tudo o que ele precisava ouvir para recuperar o equilíbrio e sacudir a desorientação. O mundo havia parado de girar. Tudo doía, mas… o que mais era novo?

A Visão Cruel já estava se formando a partir de uma névoa tenebrosa, a um ou dois segundos de se manifestar na realidade.

Infelizmente, ele não tinha esses segundos.

Uma mão negra já se estendia em sua direção, sua garra prometendo nada além de sofrimento e morte. Uma luz azul espectral girava sob a pele escura como tinta.

Em vez da garganta de Sunny, a mão foi encontrada pela lâmina do Fragmento do Luar. O longo estilete perfurou a palma da abominação e então girou, rasgando-a. A luz espectral fluiu para fora da ferida, aderindo à lâmina transparente, mas falhou em causar qualquer dano.

A cadência da batalha mudou drasticamente.

Antes, Santa estava lutando sozinha contra três abominações Corrompidas. Agora, apenas duas delas permaneciam, e uma estava sem um braço, sangrando profusamente da terrível ferida.

Ela também não estava mais sozinha. Sunny estava ao seu lado.

E os dois…

Sunny enfrentava os tolos que escolheriam se opor a eles.

Os Corrompidos eram fortes e ameaçadores, mas faltavam a habilidade e tenacidade do Mestre e sua Sombra. Também faltava uma qualidade crucial – a capacidade de lutar como um, cooperando perfeitamente para alcançar um resultado maior e mais letal do que a soma de suas partes.

Sunny e Santa, no entanto… tinham essa qualidade em abundância. Eles se conheciam tão bem que não havia necessidade de coisas triviais como palavras entre eles. Sunny nem precisava usar a Dança das Sombras para entender perfeitamente a vontade de combate de sua leal demoníaca. Ela era sua Sombra, afinal, e também uma das mestras de quem ele mais aprendeu.

Lutando lado a lado com Santa… ah, ele sentia falta dessa sensação. Ela tinha sido forçada a agir de forma independente pelas circunstâncias ultimamente, então raramente tinham a oportunidade de entrar em batalha juntos.

‘Vamos matar essas criaturas rapidamente e ir ajudar Pesadelo…’

Brandindo a Visão Cruel e o Pecado do Consolo, os dois enfrentaram o Corrompido imponente.

Eles não perderam tempo para atacar.

Soma De Suas Partes

Não foi muito difícil derrubar as duas abominações Corrompidas.

Bem… é claro que foi. Ambas eram terrivelmente poderosas e viscerais. Uma única criatura assim poderia ter dizimado uma brigada inteira de soldados comuns e apagado uma cidadela humana inteira do mapa. O menor toque de suas mãos era suficiente para aniquilar a alma de um Desperto poderoso.

Mas Sunny e Saint eram mais fortes.

Não no sentido literal, já que ambos careciam de força física em comparação com os Sem-Voz. No entanto, sua habilidade, sinergia e resolução assassina eram incomparáveis.

Atraindo as abominações para uma armadilha após outra e ajudando um ao outro a evitar os golpes retaliatórios, eles rapidamente derrubaram as iminentes criaturas. O fato de uma das criaturas estar sem um braço e perdendo rios de sangue também ajudou.

Em certo sentido, era semelhante a enfrentar Centuriões de Carapaça de volta na Costa Esquecida. Esses monstros eram mais altos que Sunny em Classe e Rank, e ainda assim ele tinha matado sua parte justa. Estes… mesmo que as Criaturas dos Pesadelos Corrompidas fossem muito mais poderosas, ele não era mais um Adormecido. O próprio poder de Sunny havia crescido imensamente nos últimos anos.

Na verdade, ele poderia ter lidado com as duas abominações Sem-Voz ainda mais rápido, mas sua mente também estava ocupada em manifestar sombras para ajudar Pesadelo a se segurar. Com um enxame de tentáculos negros o apoiando, o corredor escuro conseguiu durar até que Sunny e Saint terminassem com suas presas.

O resto foi simples, embora de forma alguma fácil.

Enfrentar dezenas de abominações Caídas também foi uma tarefa assustadora. Levou tudo o que Sunny tinha para obliterá-las enquanto mantinha suas Sombras vivas. A batalha foi árdua, brutal e sangrenta.

Seu corpo estava cheio de buracos até o final, e sua mente estava à beira do colapso devido ao cansaço.

No entanto, os três eram uma ameaça assustadora de se opor. Sem os Corrompidos os liderando, o restante dos Sem-Voz não teve escolha a não ser sucumbir à aura de medo emanando de Pesadelo, à lâmina impiedosa de Saint e às sombras de Sunny.

O Pecado do Consolo cortou seus corpos, as patas e presas de Pesadelo os rasgaram, a Visão Cruel os queimou, e o enxame de sombras manifestadas os restringiu e bloqueou para facilitar a matança.

No final, a estreita ravina estava quase enterrada em cadáveres.

O último a morrer foi o Corrompido cuja mente Saint destruíra antes da chegada de Sunny. Sentindo uma sensação de ameaça terrível do alto abominação, Sunny escolheu não se aproximar e convocou novamente o Arco de Guerra de Morgan.

A criatura acabou sendo incrivelmente resiliente. Ele teve que afundar dezenas de flechas em sua carne para matá-la. O Corrompido eventualmente caiu de joelhos, sobrecarregado pelo peso delas… mas mesmo assim, não morreu por um tempo.

Os fios negros perfurando seus lábios não cederam até o final, não importa o quanto a criatura abominável os arranhasse com sua força imensa. Através de tudo isso, a expressão sem emoção no rosto magro do Corrompido perturbadoramente não mudou nem uma vez.

Mas eventualmente, suas mãos caíram, e ele ficou imóvel, ainda de joelhos.

Só então o Feitiço falou:

[Você matou um Diabo Corrompido, Arauto Profanado.]

[Sua sombra fica mais forte.]

Deixando escapar um suspiro pesado, Sunny baixou os braços doloridos e afundou no chão, totalmente exausto.

Finalmente, a batalha tinha acabado.

Ele sobrevivera, e o comboio também. Ele podia ver os transportes através da sombra que havia ficado para trás. Estavam seguros e intactos.

Entorpecido, Sunny olhou para as chamas fantasmagóricas da aurora que queimavam nos céus negros acima.

Sua mente estava vazia.

‘…Quem poderia ter pensado?’

Na margem do lago que se transformara em uma cena de carnificina, Luster estava sentado em um pedaço de pedra, respirando pesadamente. Na frente dele, inúmeros cadáveres flutuavam na água negra, e uma confusão de corpos e membros decepados jazia nas águas rasas congeladas. O cheiro de tudo aquilo era verdadeiramente revoltante.

‘Ah, que visão nojenta.’

Pelo menos ele estava vivo. Assim estavam o resto dos Irregulares. Depois que o Capitão de alguma forma aniquilou metade do enxame com uma única flecha – e agiu como se isso fosse uma coisa perfeitamente normal a se fazer, em sua maneira usual -, eles lutaram contra as restantes Criaturas dos Pesadelos e prevaleceram.

‘Todos os Mestres são loucos?’

Não, isso não deveria ser o caso. O Capitão tinha que ser especialmente insano. Se todo mundo fosse tão bizarro, a humanidade teria colapsado há muito tempo.

…O Capitão também estava vivo. Luster não tinha ideia de como ele estava lidando com o segundo enxame, que estava por aí em algum lugar, perto, mas o simples fato de Kimmy ainda ser capaz de canalizar sua visão sombria para os Irregulares significava que seu líder não havia morrido… ainda.

‘Alguém tão mal provavelmente nem pode morrer. Aposto que ele é imortal.’

E ainda assim, Luster se viu um pouco preocupado.

Pela sua própria pele, é claro! Se o Capitão morresse, como Luster mesmo sobreviveria? E se Luster morresse… quão triste seriam todas as belezas do mundo?

‘Que tragédia. Por causa delas, eu devo viver… sim… roubar das mulheres bonitas a minha companhia seria muito cruel…’

Como Samara. Ou senhorita Beth. Ou aquela soldada bonita que ele havia conhecido no abrigo. Ou aquelas irmãs refugiadas no terceiro transporte civil… a lista continuava!

‘Não Kimmy, no entanto. Bem, ela não pode evitar, coitada. Ser desinteressante deve ser o Defeito dela… tão triste.’

E ainda assim, a ideia de morrer por Kimmy o deixava especialmente chateado, por algum motivo.

“Quem mais a pouparia do meu tempo se eu morresse?”

Portanto, Luster tinha que viver.

Naquele momento, ele viu uma silhueta familiar surgir da escuridão.

Sobressaltado, Luster levantou-se apressadamente e deu um passo à frente.

“Capitão, senhor! Você voltou! Ah… estou tão feliz…”

No entanto, algo na silhueta estava errado.

A armadura parecia correta… mas desde quando o Capitão era tão alto? E… feminino?

…E legal?

Luster encarou a silhueta que se aproximava por alguns momentos, perplexo.

“O que diabos…”

Então, outra figura emergiu das sombras, vestindo uma armadura negra muito semelhante. Esse era o Capitão.

Cambaleando para trás, Luster tropeçou e caiu no chão. Seus olhos se arregalaram de horror.

“…Deuses! Tem dois deles!”