Volume 5
Capítulo 1
Fazia uma semana desde os incidentes na aldeia de Tereo, onde quase foram executados como criminosos.
Lawrence e Holo agora iam para Lenos, uma cidade onde contos sobre façanhas passadas de Holo ainda existem.
Lenos era uma cidade grande para as terras do norte, conhecida por suas madeiras e peles.
Ela recebia a sua quota de visitantes, então Lawrence e Holo passaram por muitos outros mercadores que iam e vinham pela estrada que levava para a cidade. O próprio Lawrence já a havia visitado muitas vezes no passado, embora desta vez não viesse a negócios.
Em vez disso, ele procurava informações sobre o antigo lar de sua companheira.
Assim, sua carroça não possuía nenhum dos produtos comerciais que normalmente a enchiam.
Lawrence havia planejado vender algumas das pilhas de biscoitos que os aldeões de Tereo haviam lhe dado como agradecimento, mas todos foram devorados pela loba que agora dormia ao seu lado. Se fosse saboroso, ela devoraria tudo que estivesse na sua frente, e ficaria irritada quando não houvesse mais o que comer.
Ela comeu, bebeu e dormiu em proporções verdadeiramente impressionantes.
Lawrence teve que admitir, porém, que entre o frio e o tédio, ele também adormeceria, se não tivesse que segurar as rédeas. Em todo caso, a sua capacidade de dormir a noite toda depois cochilar o dia inteiro era assombrosa. Mais de uma vez ele se perguntou se ela ficava acordada de madrugada para passear despercebida e uivar para a lua.
Eles viajaram assim, sem problemas, por uma semana antes da chuva chegar.
De alguma forma, Holo conseguiu prever a chegada do mau tempo com dois dias de antecedência. De toda forma, talvez por causa disso ou talvez por causa da chuva… ela se mexeu embaixo do cobertor e deu a Lawrence um olhar calado e ressentido.
Lawrence se virou. Por mais acusador que fosse o olhar dela, não era como se ele pudesse fazer algo sobre a chuva.
Estava caindo constantemente desde o meio-dia — não em grandes gotas, mas em chuviscos finos e enevoados — o que era suportável até o momento, mas, devido ao frio, não era diferente de ser borrifado com lascas de gelo.
As mãos de Lawrence ficaram imediatamente dormentes e, quando ele estava começando a ponderar a possibilidade de se esconder na carroça, algum deus evidentemente notou seu bom comportamento.
Holo também notou e levantou a cabeça debaixo do cobertor.
Ela bocejou enormemente. “…Neste ritmo, parece que nós vamos passar sem sermos congelados.”
“É fácil para você dizer empacotadas em que cobertor enquanto eu tremo aqui, com as rédeas na mão.”
“Hmph. Meu coração é frio. Ele precisa se manter aquecido,”
ela disse com um sorriso.
Lawrence se viu incapaz de ficar com raiva.
À frente deles, na estrada, estava o seu destino, uma sombra escura que pairava no cenário pálido.
“Lá está. Como um pedaço de arroz queimado flutuando no ensopado,” disse Holo, com o estômago vazio fazendo um barulho ridículo. Evidentemente, mesmo essa descontente loba sábia não esperava que seu estômago roncasse em um momento tão inoportuno. Depois de ficar um momento atordoada, ela sorriu docemente, tendo esquecido completamente sua provocação.
Lenos era uma grande cidade portuária construído ao lado do largo e vagaroso rio Roam, o que significava que, se podiam ver a cidade, o rio deveria estar igualmente visível. No momento, porém, a vista estava turva com a névoa. Se o tempo estivesse aberto, eles sem dúvida teriam visto os muitos barcos que atravessavam a superfície do rio.
Ao entrar na cidade, ficou claro que havia muitos barcos ancorados, além do tráfego constante no rio. As queridas barracas de comida de Holo eram abundantes, assim como as bebidas fortes.
Se a neve do inverno que se aproximava atrasasse seu progresso, eles pelo menos se assegurariam de aproveitar seu tempo aqui.
No entanto, Lawrence tinha uma preocupação.
“Preciso falar uma coisa, só para garantir que você vai entender.” “Mm?”
“Eu sei que você visitou este lugar há muito tempo, mas você pode ter esquecido, então vou repetir: Lenos é uma cidade que se sustenta de madeira e peles.”
“Sim.”
Era um pouco tarde para estar falando sobre isso, mas o tratamento dele para com ela dependia de deixar claro este ponto.
“Você ficará com raiva se algumas dessas peles forem peles de lobo?”
A expressão de Holo era irritantemente ambígua quando ela puxou o cobertor, desembrulhando o cachecol de pele de raposa que ela usava.
Foi um presente de Amati, o jovem que a cortejara na cidade de Kumersun.
Não havia nada de intrinsecamente errado com ela usá-lo, e o cachecol foi claramente muito útil no tempo frio, então Lawrence tinha se mantido em silêncio. Vê-lo agora, no entanto, o fez ficar desconfortável.
Certamente ciente disso, Holo usava o cachecol de modo que parecesse mais aconchegante, mas agora o retirou e apontou a cabeça da raposa para Lawrence. “Eu comi ratos, e fui comida por lobos!” Ela chiou, mudando sua voz em tom de zombaria, o que ele supôs ser uma raposa.
Lawrence suspirou.
Ele enfrentava Holo, a Sávia Loba.
“Hmph,” continuou Holo. “Existe a caça e o caçador. Além disso, vocês humanos fazem coisas muito piores. Vocês não compram e vendem seus semelhantes?”
“Isso é verdade. O comércio de escravos é necessário e muito lucrativo.”
“Assim como você pode aceitar isso como costume do seu mundo, podemos manter a calma em relação aos que são caçados. Além disso, e se a posição fosse trocada?” Holo estreitou seus olhos castanho- avermelhados.
Lawrence se lembrou da discussão que teve com Holo pouco depois de se conhecerem — quando ela dissera que a esperteza de um lobo vinha de devorar humanos.
Até Lawrence achava que, se um viajante entrava no território dos lobos e não conseguia escapar, a culpa era do viajante. Uma coisa era temer os lobos, mas odiá-los por isso era um erro, ele pensava.
Isso era óbvio para Lawrence.
“Mesmo assim, suponho que ver seus companheiros caçados diante dos próprios olhos não seja algo fácil,” disse Holo.
Lawrence concordou com a cabeça.
Holo continuou. “E você foi legal o suficiente para ficar perturbado quando fui caçada por outro homem,” ela falou timidamente, seu humor agora estava totalmente diferente do estado em que estava há alguns momentos atrás.
“Ah, sim, certamente,” disse Lawrence por alto, voltando o olhar para o cavalo à sua frente.
“De onde vem esse afeto indiferente?”
“Bem…” começou Lawrence, com os olhos fixos firmemente à frente. “É embaraçoso.”
É totalmente embaraçoso admitir, pensou Lawrence consigo mesmo.
Mas para a loba que estava sentada ao lado dele, isso era uma iguaria, então ele dificilmente poderia fazer algo para evitar.
Holo riu com força, a névoa branca de sua respiração era visível. “Embaraçoso, hein?”
“Completamente.”
As conversas tendiam a desaparecer naturalmente na fria monotonia da longa jornada. Embora conhecer as disposições um do outro, assim como eles conheciam, significava que as conversas silenciosas pudessem acalmar a mente de Lawrence, eles ainda não dispensavam uma conversa real como essa. Os dois riram um do outro. O cavalo sacudiu o rabo, como se dissesse “Chega!” o que apenas provocou outra leva de risadas de seus passageiros.
Holo enrolou o cachecol de pele de raposa em volta do pescoço enquanto ria, e Lawrence voltava o olhar para o panorama de Lenos que agora ficava mais nítido.
Poderia ter o dobro do tamanho da cidade pagã de Kumersun. Cercadas por muros construídos talvez um século antes, as casas dentro dos muros haviam preenchido a área cercada há muito tempo. Sem mais espaço para construir para fora, os edifícios se tornaram mais concentrados — e mais altos, sempre mais altos.
A cena que agora se alargava diante de Lawrence fazia parecer por um momento como se a cidade finalmente estivesse transbordando suas próprias paredes. Dezenas de tendas acompanhavam a estrada de ambos os lados enquanto se dirigiam para Lenos através da chuva.
“É assim que eles chamam de fronte do portão da cidade?” Holo perguntou.
“Esse tipo de coisa acontece nas igrejas, especialmente quando a igreja fica no meio do nada. Seria estranho, no entanto, estar constantemente levantando uma loja fora dos muros da cidade.”
Para uma cidade prosperar, ela precisava coletar impostos e, para coletar esses impostos, precisava fazer as pessoas passarem por seus portões.
É claro que havia cidades apertadas que mantinham seus mercados fora da cidade, mas mesmo estas eram envoltas por cercas temporárias.
“Hmm. Essas pessoas não parecem estar fazendo comércio.”
Assim que Holo disse isso, eles se aproximaram das tendas e puderam ver que as pessoas debaixo delas usavam roupas de viagem e estavam ocupadas cozinhando ou conversando. E embora todos usassem roupas de viagem, os estilos eram diferentes. Alguns pareciam vir mais do Norte, enquanto outros eram do Oeste ou do Sul. Em contagem rápida, parecia haver cerca de vinte tendas, cada uma abrigando talvez três ou quatro pessoas.
O único ponto em comum era que todos pareciam ser mercadores especializados em alguma mercadoria. Aproximadamente metade deles pareciam transportar grandes cargas, com alguns vagões carregando até barris gigantes.
Os rostos de todos dos mercadores estavam marcados pela poeira e fadiga da viagem, e um traço ocasional de irritação aparecia em seus olhos.
Lawrence se perguntou se havia algum tipo de golpe em Lenos, mas isso não fazia sentido, pois apenas algumas das pessoas reunidas ali pareciam estar alojadas em tendas. Ttambém haviam agricultores com burros a reboque e mercadores carregando cargas nas costas, todos indo em direção a Lenos, para sair da chuva ou para ir para qualquer outro destino.
Tanto quanto Lawrence poderia notar, a cidade parecia mais ou menos a mesma de sempre.
“Mais um problema, talvez?” Holo murmurou, enfatizando o “mais um” e sorrindo sob o capuz.
Lawrence olhou para Holo pelo canto do olho, como se perguntasse: “E exatamente de quem foi a culpa?” Mas ela simplesmente lançou o mesmo olhar para ele.
“Pode ser verdade que, desde que me conheceu, você sofreu alguns arranhões, mas dificilmente pode-se afirmar que eles foram diretamente minha culpa.”
“Eu—”
“Eu vou aceitar a primeira ocorrência — bem, parte dela pode ter sido causada por mim, mas sua verdadeira causa foi sua avareza, que foi totalmente a culpada do próximo desastre. E nosso último problema foi meramente o azar. Estou errada?”
Holo era extremamente precisa.
Lawrence acariciou sua barba, que estava mais longa, devido à sua relutância em fazer a barba sem água quente, mas mesmo assim não cedeu e concordou com ela. “Suponho que eu compreenda o que você está dizendo…”
“Mm.”
“Mas simplesmente não posso concordar. É verdade que você não foi necessariamente o gatilho dos nossos problemas, mas…”
Lawrence não conseguia concordar com a avaliação de Holo. Ele queria dizer que a culpa era dela.
Enquanto seu resmungo diminuía, Holo o olhou como se ela não pudesse acreditar no que eles estavam conversando. “Eu posso ver claramente que você não quer concordar comigo, mesmo que dificilmente eu seja a principal causa de todos esses problemas.”
Lawrence franziu as sobrancelhas, imaginando que truques ela estava tramando. Ela notou isso e riu.
Holo continuou. “É porque você sempre me usa como base para suas ações — portanto, você sempre sente que estou te arrastando para isso ou aquilo.”
A sobrancelha esquerda de Lawrence se contraiu involuntariamente.
Ela estava certa.
Mas admitir isso significava que a loba havia ganhado. Em outras palavras—
“Heh. Sempre teimoso,” disse Holo, sua voz tão irritante quanto a névoa gelada que caía do céu.
Seu sorriso era tão puro, inconstante e frio como se ela estivesse prestes a fugir para sempre.
Ele teve que captura-la.
Desafiando toda a razão, o sorriso de Holo o fez querer gritar. No momento seguinte, seu pequeno corpo estaria em seus braços. Parecia a coisa mais natural do mundo.
“Mmph.”
O desejo não durou mais que quatro passos do cavalo.
Lawrence conseguiu manter a calma enquanto guiava a carroça na fila do posto de controle para a cidade.
O motivo de sua contenção era simples. Havia uma multidão de pessoas ao seu redor.
Enquanto traçavam suas rotas mercantis, os mercadores adoravam fofocar, mesmo sobre seus iguais. Se Lawrence fosse visto flertando abertamente com sua companheira, sem dúvida a história se espalharia.
Holo olhou para o lado, parecendo entediada. Sem dúvida, ela estava entediada.
Apesar de Lawrence sempre ter prestado atenção no sorriso de todas as mulheres, ele agora podia acompanhar as menores mudanças de expressão no rosto de Holo. Além de seu tédio, também houve um lampejo de inquietação.
Ele viu isso e notou algo. Havia duas motivações básicas para suas ações.
Uma era Holo.
A outra eram os negócios.
Holo temia a solidão ainda mais do que Lawrence. Sem dúvida, às vezes ela ficava assustada com a ideia de ser comparada contra os
negócios. No final, apenas os deuses poderiam saber para que lado a balança iria cair no final — ou se ela poderia se igualar.
E o fim da jornada não estava longe.
Ela se atreveria a causar problemas justamente quando Lawrence tivesse que agir como um mercador, apenas para testar qual caminho ele escolheria, forçando a questão para saber se ela era mais importante do que o saldo em seu livro de contabilidade?
Não que ela fosse tão insignificante a ponto de justificar esse tipo de preocupação, Lawrence se viu pensando.
A carroça avançou na fila lentamente, e uma grande nuvem de névoa branca surgiu debaixo do capuz de Holo, enquanto ela o olhava irritada.
“Um ensopado seria bom,” disse ela.
Sem dúvida, ela estava falando sobre o jantar. Evidentemente, a hora das brincadeiras havia passado.
“Sim, com esse frio. Dependendo do preço, eu compraria um ensopado com farinha grossa.”
“Ho, ho! Às vezes, o cheiro doce do leite é melhor que o do vinho mais caro.”
Ao vê-la assim, o rosto meio embrulhado no cachecol de pele de raposa enquanto ela assentia com prazer, o fez se esquecer dos últimos dias de comentários irritados que ele havia sofrido.
Às vezes, era bom pedir algo cheio de ingredientes saborosos. “Um ensopado feito com os legumes da estação seria especialmente bom,” disse Lawrence.
“Legumes? Você não entende o sabor da deliciosa carne cozida flutuando no caldo cremoso?”
Apesar de ter passado séculos nos campos de trigo, os gostos de Holo eram mais aristocráticos do que os dos nobres.
Ali, diante das muralhas de Lenos, Lawrence fez um último contra-ataque. Ele se arrependeu de tê-la mimado.
“Dizem que os alimentos mais caros podem ser ruins para a língua e para a vista.”
“Oh? E quão ruim para o meu coração você acha que foi passar tantos séculos sem provar nada?” Holo olhou bruscamente.
Ela estava completamente imóvel, seus olhos castanho- avermelhados brilhando como jóias polidas.
Diante destas brilhantes pedras preciosas, a única coisa a fazer era cair de joelhos.
Mas Lawrence era um mercador, não uma nobre louca por jóias. Se o preço não fosse justo, havia apenas uma coisa a dizer, mesmo diante da gema mais preciosa.
“Talvez depois de consultar minha bolsa de moedas.” Holo desviou o olhar como uma criança teimosa.
Mesmo depois dessa troca, Lawrence sabia que era provável que acabassem comendo um ensopado de carne. Sem dúvida, Holo também estava confiante nisso.
E ainda assim eles brincavam de discutir.
Lawrence balançou as rédeas e empurrou a carroça para a frente. Ao passarem pelo posto, Lawrence olhou para a parede de pedra,
que estava coberta de musgo banhado pela chuva.
Ele olhou para baixo brevemente, mas não para esconder suas mercadorias do imposto de importação. Não, ele queria apenas esconder o sorriso que se espalhava sob a barba.
Talvez fosse por causa da chuva fria de inverno que havia tão poucas pessoas nas ruas da cidade.
Os poucos que estavam eram em sua grande maioria crianças, a névoa de suas respirações se arrastava atrás deles enquanto corriam para lá e para cá com as mãos apertadas nos peitos — sem dúvida alguma com recados para os lojistas e artesãos da cidade. As formas fantasmagóricas com seus pacotes de trapos certamente estavam fazendo o mesmo trabalho.
As barracas que davam para a rua estavam praticamente vazias enquanto a névoa clara pingava de seus beirais. Sem mercadores para expulsá-los, alguns mendigos se reuniam sob um punhado de barracas. Era a imagem de um dia chuvoso.
Mas o fato de que do lado de fora da entrada das muralhas da cidade havia tendas alinhadas, com mercadores fazendo o jantar embaixo delas, significava que algo estava acontecendo.
Lawrence segurava na mão a placa de madeira que recebera no posto de controle, que comprova sua condição de mercador estrangeiro, e ouviu vagamente Holo manifestar seu descontentamento.
“Não é como se eu a colocasse no auge da criação, mas não é como se fosse impossível chegar lá, é uma questão de mérito relativo, não? O que você me diz?”
“Oh, de fato.”
“Se formos falar do que é inerentemente superior e do que excede suas origens humildes para se tornar grandioso, eu acho que este último é mais digno de respeito. Estou errada?”
“…De modo algum.”
Talvez fosse o cansaço da longa jornada. A raiva de Holo não era a raiva completa como normalmente ocorria. Ela expressava seu descontentamento como um resmungo baixo e constante.
Em sua mente, Lawrence amaldiçoava o guarda barulhento cujas palavras descuidadas causaram isso — mas então ele percebeu que, se respondesse Holo de forma superficial, ela direcionaria sua raiva para ele.
“Sim, bem, se a escolha é entre um nobre sem fama, sem carisma, sem bens, sem nada mais que sua linhagem, e um plebeu sagaz que acumulou riqueza e fama, então certamente é ele a quem eu respeito,” concordou Lawrence.
Normalmente, essa superficialidade só pioraria o humor de Holo, mas no momento parecia ser o suficiente.
Ela deu um aceno exagerado, meio torto, depois fungou como um touro bravo.
No posto de controle, eles foram submetidos a uma revista extremamente minuciosa, e o guarda tinha descoberto a cauda de Holo.
É claro que Holo respondei indiferente, como sempre, e passou com facilidade fingindo ser um acessório da saia, no que o guarda pareceu acreditar, mas então ele disse o seguinte:
“Oh, é só uma pele de lobo barata.”
Sendo um guarda de uma cidade que era um centro comercial de madeira e pele, ele sabia diferencias uma pele de lobo da de um cão ou de uma raposa.
E ele não estava errado sobre seu valor. As peles de lobo eram classificadas abaixo da de um cão. Não importa quão boa seja sua qualidade, não importa o quanto ela faça um mercador de peles salivar, é um fato simples que ela nunca valerá tanto quanto uma boa pele de veado.
O problema surgiu quando o orgulho daquela loba não era tão barato quanto a pele — e, nesse sentido, Holo era extremamente cara.
Isso explicava seu resmungo zangado e infantil. Lawrence se sentiu tão mal por ela que queria acariciar sua cabeça para confortá-la.
Se eles ainda estivessem no meio da jornada, ele poderia simplesmente segurar as rédeas e fazer comentários maliciosos, mas agora ele apenas a olhava pelo canto do olho. Ele coçou o queixo com
o canto da placa de mercador estrangeiro, imaginando se alguma comida a ajudaria a se sentir melhor.
Na verdade, Lawrence estava mais preocupado com o significado dessa placa.
Parecia feita às pressas sem qualquer tipo de selo oficial.
Foi-lhe dito que se quisesse comprar mercadorias na aldeia, ninguém venderia para ele, a menos que exibisse a placa.
Essa foi a única explicação que recebeu. Ele foi rapidamente enxotado do posto de controle, através do qual uma fila de viajantes passava como uma enguia se contorcendo por uma armadilha.
Era uma situação que nenhum mercador podia suportar.
Era a primeira vez que ele encontrava algo assim — não apenas em Lenos, mas em qualquer cidade.
“Então,” disse Holo.
“Oh, uh, sim?” Um puxão em sua perna tirou Lawrence do seu devaneio, e ele encontrou olhar afiado de Holo.
Por um momento, ele se perguntou se tinha deixado passar algo que ela falou, mas antes que pudesse perguntar, Holo continuou.
“Já estamos perto da estalagem?”
Sem dúvida, ela estava com frio e com fome e não queria ficar na carroça por mais tempo do que o necessário. “É logo depois da esquina,” disse Lawrence. Ela deu um suspiro irritado com o fato da estalagem não estar imediatamente à sua frente, afundando mais profundamente sob seu capuz.
Ele precisaria ter muito cuidado com a quantidade de carne no ensopado de hoje à noite. Lawrence pensou no assunto enquanto guiava a carroça, e logo chegaram ao seu destino.
Era um prédio comum de quatro andares que, de alguma maneira, não parecia tão elegante.
O primeiro andar, de frente para a rua, tinha uma porta holandesa. A secção inferior podia ser aberta e virada lateralmente, se tornando uma superfície para exibir produtos, e a secção superior poderia funcionar como um toldo. Ambas estavam fechadas no momento, fazendo o seu melhor para barrar o ar frio do inverno.
A expressão de Holo se tornou mais sombria. Talvez ela esperasse ser levada para uma estalagem com uma fachada bem mantida.
Lawrence evitou lhe explicar que, mesmo que gastassem mais dinheiro, isso não garantia uma estalagem mais confortável. Ele desceu do banco de motorista para evitar seu olhar funesto e correu para a porta da frente da estalagem, dando-lhe uma batida.
A estalagem não tinha nem um sinal na frente, por isso era muito improvável que estivesse cheia, mas havia uma possibilidade real de que o proprietário pudesse ter fechado por causa do tempo frio.
Então, quando Lawrence ouviu o barulho de alguém atrás da porta, pouco antes de abrir uma fresta, ele sentiu um certo alívio.
“Você pretende ficar ou vender mercadorias?” exigiu bruscamente um homem velho de barba branca pela porta entreaberta.
“Ficar. Duas pessoas.”
O velho deu um rápido aceno de cabeça, depois se retirou para dentro do prédio.
A porta foi deixada aberta, então aparentemente havia vagas. Lawrence olhou de volta para a carroça. “O que você quer,
uma sala iluminada ou uma sala quente?” Ele perguntou.
A pergunta foi inesperada. Uma ruga apareceu na testa de Holo. “O há além de uma sala quente?”
“Certo, eu levo o cavalo para os estábulos. Você entra e conversa com o estalajadeiro — aquele senhor mais velho — e fala isso para ele. Ele vai te mostrar um quarto.”
“Mm.”
Lawrence voltou para o banco do motorista e tomou as rédeas, trocando de lugar com Holo, que desceu. O cavalo, parecendo perceber que ele estava, finalmente, prestes a sair da condução e do vento para um estábulo quente, sacudiu a cabeça como que para apressá-lo. Com um movimento das rédeas, Lawrence pôs o cavalo a andar, observando Holo entrar na estalagem com o canto do olho.
Ele seria capaz de encontrar seu manto empoeirado no meio de uma multidão de cem pessoas sem nenhum problema.
Afinal, não importa quantas mantas ela usasse, ele reconheceria os movimentos de sua cauda em qualquer lugar.
Sorrindo para si mesmo, Lawrence guiou o cavalo para o estábulo, onde havia dois mendigos fazendo o serviço de vigia. Eles deram a Lawrence um olhar avaliador.
Os vigias nunca esqueciam um rosto, então naturalmente eles se lembraram de Lawrence, e com um gesto de seus queixos, apontaram para onde queriam que ele deixasse seu cavalo. Sem motivo para recusar, Lawrence concordou. Ao fazer isso, ele notou que, ao lado de seu espaço, havia um cavalo de montanha de cascos largos, que lhe deu um olhar furioso por baixo de seus longos cabelos desgrenhados. Sem dúvida, carregou peles para a cidade vindo das terras do norte.
“Vocês dois se comportem,” disse Lawrence, batendo no flanco do próprio cavalo enquanto descia da carroça, deixando os dois mendigos com duas moedas de cobre antes de recolher seus pertences e ir para a estalagem.
Esta estalagem em particular já havia sido um curtume anteriormente. O primeiro andar tinha sido a oficina dos fabricantes de braceletes de couro e, portanto, era bastante aberta, com poucas paredes e um piso de pedra. Agora era usada para guardar coisas, e
aqui e ali haviam mercadorias que vários comerciantes mantinham na estalagem em estocagem prolongada.
Passando por pilhas de mercadorias mais altas que ele, Lawrence chegou ao único local em ordem no primeiro andar — o quarto do estalajadeiro.
Em uma mesa pequena, havia uma tigela de ferro em uma cinta de três pernas. O estalajadeiro queimou carvão na tigela e bebeu vinho quente o dia todo, sonhando acordado com terras longínquas. “No ano que vem, vou para o sul fazer uma peregrinação,” ele costumava dizer.
O estalajadeiro notou Lawrence, olhando-o com aguçados olhos azuis sob as sobrancelhas espessas. “Terceiro andar. Ao lado da janela.”
“Certo, terceiro andar — espere, do lado da janela?”
Embora os clientes de estalagens pudessem pagar antecipadamente ou no final da sua estadia, o humor do estalajadeiro melhorava com pagamento adiantado. Lawrence tinha, então, colocado uma quantia moderadamente generosa em cima da mesa, mas as palavras do estalajadeiro foram uma surpresa, fazendo-o virar.
“Lado da janela,” disse o estalajadeiro novamente em voz baixa, fechando os olhos.
O velho não queria discutir o assunto.
Lawrence acenou com a cabeça. Oh, bem, ele pensou consigo mesmo ao sair da sala.
Segurando os corrimãos manchados pela idade e uso, ele subiu as escadas.
Assim como os alojamentos de qualquer outra oficina, no segundo andar ficava uma sala de estar com lareira, uma cozinha, e o quarto do mestre. Esse prédio era um pouco diferente, pois a lareira ficava no centro da sala de estar, e os quartos no terceiro e quarto andares foram construídos para obter o máximo de calor possível da chaminé que ia até o topo da estalagem.
Além da arquitetura estranha, a manutenção necessária para garantir que a fumaça não vazasse da chaminé para os quartos muitas vezes era problemática. O mestre deste edifício, no entanto, escolheu o conforto dos aprendizes que morariam no terceiro e quarto andares.
O atual estalajadeiro era um homem gentil, embora quieto. Seu nome era Arold Ecklund, e ele tinha sido o artífice chefe do curtume.
Quando a noite caía, a estranha sala de estar no térreo se enchia de conversas amigáveis enquanto os convidados traziam vários vinhos. Agora, porém, tudo o que se podia ouvir era o fogo silenciosamente crepitante.
Havia quatro quartos no terceiro andar.
Antigamente, quando o edifício tinha sido uma oficina, o quarto andar foi usado por novos aprendizes e como armazenamento para o que fosse preciso, portanto, os quartos do terceiro andar eram maiores.
Mas nem todos esses quartos recebiam o benefício do calor da chaminé. Apenas um dos quartos do terceiro andar enfrentou a rua, e a fim de acomodar uma janela para deixar entrar a luz, ele sacrificou acesso à chaminé.
Em outras palavras, ter uma janela significava sacrificar o calor.
Lawrence tinha certeza de que Holo havia dito que ela preferia um quarto quente. Quando ele entrou seus aposentos, ele viu que ela já tinha retirado e espalhado todas as suas roupas molhadas por toda parte e estava encolhida sob as cobertas da sua cama.
Ele se perguntou se ela estava chorando pela indignidade de tudo isso, mas, olhando para o jeito como ela estava deitada no cobertor, ela parecia ter adormecido.
Ficar com raiva por tanto tempo deve tê-la cansado, Lawrence supôs.
Ele recolheu as roupas descartadas, colocando-as temporariamente sobre as costas de uma cadeira, e removeu sua
própria roupa de viagem. Essa era a parte mais relaxante de qualquer jornada — o momento em que podia remover suas roupas molhadas em uma estalagem. Elas pareciam argila úmida enquanto ele as descascava, ele as pôs de lado e trocou para suas roupas normais, que ainda não tinham sido embebidas pela chuva.
Sua roupa padrão era bastante fria, mas ainda era melhor do que ficar molhado.
Sem lareira, o quarto não seria mais quente do que um parque de acampamento quando a noite caísse.
Um mero cobertor não seria suficiente para afastar o frio. Ele percebeu isso ao juntar as roupas pesadas e molhadas de Holo como um criado.
A cauda de Holo estava para fora do cobertor, que parecia como se tivesse sido jogada sobre uma pilha de pão, queijo ou bacon.
Ela realmente não jogava limpo, pensou Lawrence.
Não era exatamente a mesma coisa que a filha de um nobre exibindo seus cabelos longos e bonitos pela janela de seu quarto para chamar a atenção de um cavaleiro que passava — mas, no entanto, Lawrence se viu compelido a responder.
“Eu acho sua cauda adorável; é quente e tem um bom pelo.”
Um momento se passou e Holo puxou a cauda para baixo do cobertor.
Lawrence só pôde dar um suspiro.
Holo dificilmente era o tipo de garota sensível cujos sentimentos feridos podiam ser acalmados com um único elogio. Mesmo neste exato momento, ela certamente ainda guardava um rancor ardente.
E, no entanto, conseguiu fazer com que Lawrence elogiasse sua cauda.
Lawrence sorriu tristemente para si mesmo enquanto descia as escadas, suspirando novamente. À sua maneira, Holo confiava nele. Esse era o único motivo que ele precisava.
Poderia ser uma de suas armadilhas inteligentes, mas ser pego nelas não era algo tão ruim.
Ele aproveitou o fato de que uma loba que lia mentes não estava plantada ao lado dele para refletir sobre tais pensamentos ao entrar na sala de estar, que abrigava a lareira.
Não havia ninguém lá. A sua única companhia eram os ecos da lenha crepitante.
Os móveis eram escassos. Uma única cadeira era iluminada pela luz bruxuleante do fogo. Só aquela cadeira não seria suficiente para secar a trouxa de roupa que Lawrence segurava nos dois braços, mas não estava preocupado.
Aqui e ali nas paredes da sala estavam pregos que tinham sido martelados até a metade e suas cabeças serviam como ganchos. Uma faixa de couro pendia de uma delas, longa o suficiente para ser conectada a um gancho na parede oposta. Em dias de chuva, isso era excelente para secar as roupas dos viajantes encharcados e, em dias claros, era usada para secar legumes e carne, servindo de suprimento para as pessoas que retomavam suas jornadas.
Lawrence ajeitou rapidamente a faixa e pendurou as roupas molhadas nela.
As vestes eram mais numerosas do que ele imaginava, e acabou tendo que usar toda a faixa.
“Contanto que ninguém venha secar suas roupas,” Lawrence murmurou para si mesmo enquanto se sentou na única cadeira diante da lareira.
No momento seguinte, ele ouviu o som rangente da escada.
“…”
Aparentemente, o rangido tinha realmente vindo do corredor.
Lawrence voltou seu olhar para o som e encontrou os olhos de uma figura que subira as escadas e agora espiava a sala de estar.
Sua cabeça estava envolvida em um capuz, que também cobria a maior parte do rosto, obscurecendo qualquer expressão que ele pudesse ter, mas seu olhar era agudo e firme. Ele não era especialmente alto, mas nem baixo, talvez, um pouco mais alto que Holo.
Suas roupas de viagem eram pesadas e enquadravam sua figura. A característica mais marcante do traje do sujeito eram suas botas de couro com grossas correias que as prendiam às panturrilhas. Elas eram a prova de um viajante que evitava andar a cavalo usando seus próprios pés, e o aperto com o qual as correias eram amarradas era evidência da severidade da estação.
Os olhos azuis pálidos que olhavam para Lawrence através da brecha naquelas camadas pesadas de roupas eram puros e afiados — e antipáticos.
Depois de dar a Lawrence um olhar longo e avaliador, a figura continuou sem palavras pelas escadas.
Apesar de carregar uma carga pesada, seus passos eram quase silenciosos.
O estrangeiro também parecia ter conseguido um quarto no terceiro andar. Do alto, Lawrence ouviu uma porta abrir e depois fechar.
Arold geralmente deixava seus hóspedes em paz, o que tornava sua estalagem particularmente apreciada entre aqueles que não estavam interessados em ser sociáveis. Mesmo entre os mercadores, nem todos eram extrovertidos.
Lawrence usou esta estalagem quando estava em Lenos porque o preço e as instalações eram boas e porque Arold tinha sido um membro da Guilda Rowen de Comércio. Um tempo atrás, Arold já foi um mercador de peles itinerante, mas se casara no curtume e assumira o cargo de dono.
Como a cidade não tinha uma casa da guilda Rowen, muitos membros usavam essa estalagem ao passar por ela.
A tendência de Arold de deixar seus convidados em paz era especialmente conveniente agora com Holo de companhia.
Na realidade, a principal questão na mente de Lawrence era conseguir o ensopado de carne que, com sorte, melhoraria o humor de Holo. Se isso a faria se sentir melhor, uma tigela ou duas de ensopado não era nada, mas o custo total de ficar nesta cidade poderia disparar se ele baixasse a guarda.
O cansaço de sua longa jornada o dominou enquanto ponderava o problema em frente a lareira, e logo cochilou.
Ele acordou uma vez quando Arold veio adicionar combustível ao fogo, mas é claro que Arold não disse nada e, de fato, foi bastante generoso no uso de lenha, levando Lawrence a decidir desfrutar da cortesia do velho.
Lawrence acordou novamente depois que o sol se pôs, quando, à exceção da luz do fogo, a escuridão na sala era tão densa que parecia que alguém poderia facilmente tocá-la.
Percebendo que dormira demais, Lawrence se levantou, mas não conseguiu voltar no tempo. Sem dúvida, a egoísta Holo já acordara há muito tempo e estava de mau humor no quarto deles, incapaz de sair até Lawrence voltar com suas roupas.
Lawrence suspirou e, depois de verificar se as roupas estavam realmente secas, ele rapidamente as recolheu e voltou para o quarto do terceiro andar.
Não será necessário dizer que Holo estava morrendo de fome.
O ensopado que Lawrence finalmente encomendou, na taberna que ele escolheu aleatoriamente, era de fato de uma carne luxuosa.
Na manhã seguinte, Lawrence acordou com o tempo ensolarado. Fios quentes de luz entravam pelas frestas da janela
de madeira. Apesar do quarto não receber o benefício da lareira, o frio da manhã não estava tão ruim quanto poderia ter sido, graças à luz do sol ou ao mercador que se acostumou a congelar nas noites frias na estrada.
De qualquer maneira, diante desse calor, Lawrence podia entender por que Holo havia escolhido um quarto mais claro.
O sol da manhã certamente ganhava sua adoração.
Em uma rara mudança de eventos, Lawrence estava acordado antes de Holo, cuja cabeça se projetava do cobertor em que ela dormia. Normalmente ela dormia enrolada como uma loba de verdade, então vê-la dormindo como a donzela que parecia ser era novidade.
As poucas ocasiões anteriores em que Holo dormiu demais eram todas resultado de ressaca, mas sua pele parecia saudável esta manhã.
Dada a expressão inocente em seu rosto exposto, Lawrence supôs que ela queria simplesmente dormir até tarde.
“Bem, então,” ele murmurou.
Estava tudo bem olhar o rosto de Holo por um tempo, mas se a sábia loba irritada o notasse, ele não escaparia de ouvir um bocado.
O que precisava fazer era se preparar para se aventurar na cidade. Ele acariciou sua barba.
As barbas naturalmente mais longas eram comuns no norte do país, mas a dele ainda estava um pouco longa demais, e uma barba longa e indulgente não era atraente. Enquanto pegava uma toalha e uma lâmina de suas coisas, se preparando para pegar água quente com Arold, a loba de orelhas agudas na cama se mexeu, aparentemente despertada pelo som.
Depois de ouvi-la soltar um gemido desagradável, Lawrence percebeu o olhar dela em suas costas.
“Estou indo cuidar da minha pele,” disse Lawrence, colocando a lâmina embainhada no queixo.
Holo bocejou, depois sorriu sem dizer nada, estreitando os olhos. Ela parecia estar de bom humor.
“Afinal, precisamos garantir bons preços,” acrescentou Lawrence.
Holo escondeu a boca atrás do cobertor. “Tenho certeza de que vale o resgate de um rei.”
Talvez fosse porque ela tinha acabado de acordar. Os olhos dela eram gentis, apesar da sonolência.
Sem dúvida, ela estava pelo menos brincando com ele, mas não pôde deixar de ficar um pouco satisfeito com suas palavras honestas e diretas. Ele deu de ombros para esconder seu constrangimento.
Holo continuou. “Sim, um preço tão alto que ninguém o compraria,” ela disse com um brilho de malícia nos olhos, quando deitou de bruços. “Alguma oferta até agora?”
Ela certamente tinha talento para atrair as pessoas para uma felicidade prematura, Lawrence pensou consigo mesmo.
Ele balançou a ponta da lâmina que segurava para sinalizar sua rendição, então Holo riu, se aconchegando debaixo do cobertor e rolando como se voltasse a dormir.
Lawrence suspirou.
Era frustrante e estranhamente divertido estar constantemente brincando dessa forma.
Ele saiu da sala e desceu as escadas, com a mão no corrimão, enquanto sorria tristemente para si mesmo.
Mas esse sorriso desapareceu quando ele notou alguém lá antes dele.
“Bom dia,” disse Lawrence agradavelmente ao companheiro que apareceu no pé da escada.
Era o mesmo estranho encapuzado que vislumbrou brevemente enquanto secava suas roupas na noite anterior.
O estrangeiro usava o mesmo capuz, mas agora suas vestes estavam um pouco mais folgadas e seus pés estavam calçados com sandálias. Talvez tenha comprado uma massa para o café da manhã, ele segurava um pacote levemente fumegante na mão direita.
“…Oi,” respondeu o estranho em um quase sussurro quando se encontraram, olhando para Lawrence com os olhos azuis através da abertura em seu capuz.
A voz era rouca, a voz de um viajante adaptado a areia seca e terreno rochoso.
Apesar da insociabilidade do estrangeiro, Lawrence sentiu um certo parentesco.
De toda forma, uma vez que sentiu o cheiro da torta de carne que saía da embalagem do inquilino, ele sabia com certeza que Holo logo estaria exigindo uma para si mesma.
“Então, o que faremos agora?” perguntou Holo com um pedaço de carne grudado no canto da boca e uma torta de carne na mão.
“Bem, primeiro temos que recolher tantas histórias sobre você quanto pudermos encontrar.”
“Mm. Histórias sobre mim e sobre o paradeiro de Yoitsu ”
Munch, Munch, Munch. Foram necessárias três mordidas para acabar com os restos da torta de carne do tamanho de uma mão. Eles foram engolidos e sumiram.
“Assim como em Kumersun, precisamos encontrar um cronista,” disse Lawrence.
“Vou deixar isso com você. Você sabe melhor do que eu como fazer isso O quê? O que foi?”
Lawrence acenou com a mão levemente para o olhar interrogativo de Holo, sorrindo. “Então, se eu sei como fazer isso, e o que você sabe?” Ele retornou seu olhar vazio. “Há um ditado que
diz: ‘Aquele que sabe como fazer algo é o servo de quem sabe por que isso deve ser feito.’”
“Mm. Entendo. E eu sei por que você trabalha com tanto esmero.”
“Os homens antigos falaram verdade,” disse Lawrence, mordendo sua própria torta.
Holo se sentou de pernas cruzadas na cama e continuou. “Se eu sou seu mestre, então suponho que eu deveria te dar uma recompensa.”
“Uma recompensa?”
“Sim. Tipo, hmm…” começou Holo com um sorriso que parecia a Lawrence como se fosse feito de algo fascinante. “O que é que você deseja?”
O quarto estava sedutoramente escuro, e Lawrence sentiria o coração disparar se não fosse o pedaço de carne que ainda estava grudado no canto da boca de Holo.
Lawrence terminou sua própria torta, em seguida, apontou para o canto de sua própria boca. “Nada em particular,” ele falou para Holo.
“Hmph,” disse Holo, vagamente frustrada quando ela arrancou o pedaço de carne da boca.
“Seria bom se você fosse um pouco mais agradável,” acrescentou Lawrence.
A mão de Holo congelou e seu lábio tremeu. Ela sacudiu o dedo, lançando o pedaço de comida no ar. “Então agora você me trata como uma criança?”
“De modo algum. Crianças realmente fazer o que lhes foi dito.” Lawrence pegou um jarro de água gelada, tomando um gole, então parou. “De qualquer forma, primeiro suponho que perguntaremos ao estalajadeiro daqui. Ele pode ser velho, mas ainda é o dono de uma estalagem.”
Lawrence se levantou e vestiu o casaco como forma de preparação. Quanto a Holo, ela se arrastou para fora da cama.
“Você vem comigo, certo?” Perguntou Lawrence.
“Sim, mesmo se você me afastar,” disse Holo. Enquanto brincava, ela rapidamente vestiu a saia, a túnica e a capa com tanta facilidade que Lawrence ficou encantado. A loba girou teatralmente e falou. “Se eu bater palmas agora, o feitiço que lancei sobre você pode ser quebrado!”
Então era isso que ela estava fazendo. Lawrence decidiu acompanhar a brincadeira.
“Hã? O que estou fazendo aqui? Oh, isso mesmo, estou em Lenos, a cidade de madeira e pele. Eu deveria estocar peles e ir para a próxima cidade,” ele falou, gesticulando exageradamente. Ele já tinha visto uma parcela de trupes teatrais itinerantes.
Holo colocou as mãos na barriga e riu como se estivesse assistindo uma grande comédia.
Depois de rir por um momento, ela correu até Lawrence, cuja mão estava na porta do quarto, pronta para abri-la. “Oh, ei, você é um mercador viajante? Eu tenho um bom olho para julgar a qualidade das peles,” ela falou.
Lawrence pegou a mão dela e então abriu a porta, respondendo: “Oh ho! Você tem um olhar perspicaz, é verdade. Mas você pode julgar a qualidade de uma pessoa?”
As escadas rangiam na quieta manhã da estalagem.
Quando chegaram ao segundo andar, Holo fixou seu olhar em Lawrence. “Eu tenho um feitiço maligno lançado sobre mim.”
Lawrence esboçou um sorriso rápido, como se perguntasse onde ela queria chegar. “Acho melhor não bater palmas, para evitar quebrá- lo,” disse ele.
“Você já bateu palmas uma vez.”
“Então você está dizendo que o feitiço está desfeito?”
Não havia como dizer onde estava a armadilha nessa conversa. Era assim que Holo o extorquia para comprar seus doces.
Ele pensou em como evitar essa eventualidade ao passarem pelo segundo andar, onde viu um casal de viajantes que evidentemente adormeceram enquanto conversavam em frente à lareira.
Enquanto eles continuavam no primeiro andar, um puxão na mão de Lawrence o tirou de seus devaneios.
Para ser mais preciso, Holo, que estava segurando sua mão o tempo todo, parou de descer as escadas.
Ela olhou para ele, sorrindo suavemente por baixo do capuz. “Então, você me lançará outro feitiço para que eu não acorde?”
Era uma peça diabólica.
Sem dúvida, Holo ficaria satisfeito se Lawrence não pudesse responder.
Mas Lawrence queria sair ganhando de vez em quando, então ele se virou e pegou a mão dela novamente.
Em todo o mundo, havia apenas uma razão pela qual um homem pegaria a mão de uma mulher dessa maneira.
Ele embalou sua mão pálida gentilmente, depois a beijou levemente.
“Isso vai funcionar, milady?” Ele perguntou, sua pronúncia apropriadamente arcaica.
Se ele não tomasse cuidado, o sangue correria pelo rosto, arruinando o efeito.
Mas ele manteve a compostura e olhou nos olhos de Holo, que eram largos e redondos como discos voadores.
“Venha, vamos lá,” disse ele, um sorriso finalmente aparecendo em seus lábios — um sorriso ao mesmo tempo de reconhecendo que
ele havia feito algo ridículo e de vitória por ter conseguido ganhar de Holo.
Ele puxou levemente a mão dela, e ela desceu os degraus como um boneco de corda.
O rosto dela estava abatido, e ele não conseguia entender claramente sua expressão, mas ela parecia estar irritada.
Lawrence riu interiormente. Restringir seu constrangimento valera a pena. Ele sentiu uma onda de triunfo, mas depois Holo tropeçou como se tivesse pisado em falso, e ele correu para pegá-la.
Assim que ele começou a rir, se perguntando se ela estava frustrada demais para ficar de pé, ela o abraçou com força e sussurrou em seu ouvido: “Esse é um feitiço muito forte, garoto tolo.”
Sua voz estava irritada, caprichosa.
Se Lawrence fosse a pessoa que era quando se conheceram, sua mente teria ficado em branco ou ele simplesmente retornaria o abraço dela.
No entanto, ele não fez nada e simplesmente sorriu, o que pensou que seria apenas mais frustrante para ela.
Lá na vila de Tereo, Lawrence havia começado a abrir uma caixa que continha uma verdade desconfortável — a verdade de que esses dias felizes com Holo poderiam estar chegando ao fim em breve. Mas ele não queria abrir a caixa por conta própria. Holo também tinha a mão sobre ela.
Mas, na época, nenhum deles queria confrontar seu conteúdo, então, por enquanto, a caixa permanecia fechada.
No entanto, havia algumas coisas que ele entendia.
Holo não queria enfrentar o problema a menos que precisasse.
Embora ele agora pudesse manter a compostura enquanto ela se agarrava e sussurrava em seu ouvido, ele nunca imaginaria que poderia ser de grande ajuda para ela.
Sua franja contra a bochecha dele ainda era reta e suave e cheirava doce, embora intocada por qualquer perfume. Ela era tão fina que nem sequer se preocupava em começar a contar os fios.
Holo finalmente percebeu que Lawrence não mostrara nenhuma reação. Ela se afastou e olhou para ele.
“Quando você vai ficar devidamente perturbado?” Ela perguntou. “Mm, de fato. Quando você para de fazer essas coisas, suponho.” Holo foi extremamente rápida.
Ela logo adivinhou o significado das palavras dele e ficou frustrada. “Você se tornou bastante inteligente, não foi?”
“Hum, talvez,” disse Lawrence, quando Holo o soltou completamente, deu um suspiro suave pelo nariz e começou a descer as escadas.
Se ela queria ver Lawrence perturbado, teria que provocá-lo, mas se o que realmente o perturbava era quando ela deixava de fazê-lo, então seu único recurso era se comportar.
Lawrence se permitiu um pouco de satisfação em sua reviravolta habilidosa enquanto seguia Holo pelas escadas, mas quando ela chegou ao fim, ela se virou.
“Sim, você certamente pegou jeito com as palavras. Quem será que está te ensinando, eu me pergunto?”
O que mais surpreendeu Lawrence foi o sorriso dela. Era estranhamente bem-humorado e caloroso o suficiente para derreter uma mão gelada.
Ele tinha certeza de que ela estava irritada com ele, então essa mudança repentina o colocou em guarda enquanto estava diante dela.
“Não — foi um golpe de sorte, só isso.”
“Golpe de sorte?” Holo riu. “Isso é ainda melhor.” Ela parecia tão satisfeita que, se ela fosse um filhote, sua cauda estaria abanando rapidamente.
Sem compreender, Lawrence olhou para Holo quando ela pegava a mão esquerda dele, entrelaçando os dedos.
“Quando eu parar de fazer essas coisas, hein?” Ela murmurou novamente, se aproximando graciosamente dele.
Quando ela parar de fazer essas coisas…?
Lawrence sentiu uma sensação estranha quando ouviu as palavras novamente.
No momento em que ele percebeu o outro significado que elas tinham, ele congelou.
Holo riu. “Qual é o problema?”
Seu alto astral claro como a neve colidiu com a viscosidade pantanosa de sua inteligência.
Lawrence não conseguia olhar para ela.
Era quando ela não brincava com ele que ficava frustrado.
O que foi que eu disse, ele queria gritar.
Ora, era o mesmo que declarar abertamente que ele queria a atenção dela acima de tudo!
“O que é isso? Sua circulação parece ter melhorado,” disse Holo.
De fato, Lawrence não conseguiu parar o rubor que subiu ao seu rosto.
Ele cobriu os olhos com a mão livre, querendo pelo menos demonstrar alguma vergonha de que ele não tinha percebido as verdadeiras implicações do que estava dizendo.
Holo, no entanto, não tinha intenção de deixá-lo fazer isso. “Deus, não há necessidade de ter vergonha de palavras tão doces e infantis.”
Swish, swish veio o som de sua cauda.
Ganhar da sábia loba em um duelo de palavras era verdadeiramente um sonho impossível.
Holo riu. “Você certamente é adorável.”
Através dos espaços entre os dedos, Lawrence avistou o rosto de Holo — em concha entre as mãos dela, exibindo um sorriso infinitamente malicioso.
Arold evidentemente estava ocupado com alguma coisa nos estábulos, por sorte ele não tinha ouvido a conversa tola de Lawrence com Holo.
Não havia dúvida de que Holo sabia disso enquanto brincava com Lawrence.
“Um cronista?” Perguntou Arold.
“Sim. Ou alguém que conheça os velhos contos da cidade.
Arold se sentou na cadeira de costume e bebia um vinho quente em um copo formado a partir de uma folha de metal de fina. Ele levantou a sobrancelha esquerda em curiosidade. Estava claro que ele nunca esperou ouvir esse tipo de pergunta de um hóspede.
Mas enquanto outros proprietários certamente começariam a indagar sobre os motivos do hóspede, Arold não o fez. Ele apenas acariciou sua barba branca por um momento antes de responder.
“Há um homem chamado Rigolo que faz essas coisas… mas, infelizmente, ele está no Conselho dos Cinquenta agora. Duvido que receba visitas.”
“O Conselho dos Cinquenta?” Perguntou Lawrence.
Arold serviu vinho quente em duas xícaras de barro, oferecendo- as a Lawrence e Holo.
Assim como o nome sugeria, o Conselho dos Cinquenta era um conselho de cinquenta membros — representantes dos mercadores, mercadores e nobres da cidade. Cada um deles representava seu próprio clã ou associação comercial e defendia os interesses dessa organização em vigorosos debates. O resultado desses debates decidia o destino da cidade, de modo que cada representante carregava um fardo pesado de responsabilidade.
Houve um tempo em que rolavam disputas políticas significativas em torno de assentos no conselho, mas uma grande praga alguns anos atrás evidentemente deixou muitos assentos vazios.
“Você não viu o estado das coisas fora da cidade…?”
Perguntou Arold.
“Nós vimos. O acampamento dos mercadores, não é? Se isso está relacionado ao Conselho dos Cinquenta, então há algum problema na cidade?”
Holo colocou o vinho oferecido nos lábios, mas congelou pouco depois.
Sem dúvida, sua cauda estava inchada no mesmo instante. Não havia como prever a qualidade de uma bebida de uma nova região.
“São as peles, entende,” disse Arold.
“As peles?” Lawrence perguntou, subitamente animado. Um calafrio percorreu sua espinha com a menção da palavra. Não era por estar preocupado com Holo — longe disso. A palavra era tão familiar para ele que sentiu uma reação visceral com a repentina lembrança do que passara tanto tempo buscando — lucro.
Mas Arold continuou como se não tivesse ouvido a pergunta. “Rigolo é o secretário do conselho,” disse ele. Aparentemente, ele não queria discutir a reunião do conselho, e Arold não era uma pessoa particularmente eloquente para começar. “E você está procurando por pessoas que sabem contos antigos, então,” ele terminou.
“Er, sim. Você conhece alguém?” Ele não podia deixar a antecipação aparecer em seu rosto.
A autodisciplina de Lawrence parecia ter funcionado. Os olhos azuis de Arold, quase enterrados nas rugas do rosto, olharam para longe. “A avó de Bolta, o curtidor, era uma velha sábia… mas morreu na praga há quatro anos.”
“E não há outros?”
“Outros? Mm… o velho do Latton Company, mas não, o calor do verão do ano passado o deixaram…” Arold baixou seu copo com um baque.
Lawrence notou Holo olhando para Arold, provavelmente por causa do som que acabara de fazer.
“Suponho que a antiga sabedoria da cidade só exista na forma escrita agora,” disse Arold, horrorizado ao perceber o fato enquanto continuava olhando para algum lugar distante, acariciando sua barba.
Lawrence percebeu que, sob as vestes, o corpo de Holo se contorcia de surpresa.
Não havia ninguém que tivesse conhecimento direto sobre. A própria Holo era essa sabedoria esquecida.
Lawrence esqueceu imediatamente a emoção que sentira um momento atrás e, sem palavras, colocou a mão nas costas de Holo. “Então isso significa que não temos outro recurso senão ir até o Sr. Rigolo e pedir que ele nos mostre as crônicas?”
“Suponho que sim… Os meses e anos destroem até a edifícios de pedra, para não falar dos escritos dos homens. É uma coisa terrível…” Arold balançou a cabeça, fechando os olhos e ficando em silêncio.
O velho era recluso quando Lawrence o conheceu, e parecia que a tendência só se aprofundava com o tempo.
Lawrence não pôde deixar de se perguntar se era o som cada vez mais claro da aproximação da morte que provocava isso.
Decidindo que novas conversas só trariam problemas, Lawrence terminou o vinho restante em um único gole e, convidando Holo a ir na frente, ele saiu.
Em uma reviravolta repentina comparado ao dia anterior, a rua estava movimentada e o sol que brilhava à esquerda de Lawrence era reluzente o suficiente para deixá-lo brevemente tonto.
Ele ficou ali, ainda na calçada da rua e olhou para Holo. Ela parecia desanimada.
“Vamos encontrar algo para comer?” Até Lawrence achou que essa era a pior coisa que poderia ter dito, mas as coisas estavam tão difíceis no momento que tudo estava revirado de ponta cabeça.
Sob o capuz, Holo deu um suspiro sofrido e sorriu. “Você deve melhorar seu vocabulário,” ela falou, puxando a mão de Lawrence.
Aparentemente, ele não precisava se preocupar se ela começaria algo aqui no meio da multidão.
No momento em que Lawrence foi puxado, a porta da estalagem se abriu mais uma vez.
“…”
Foi o estranho de antes que apareceu.
O homem era a própria imagem de um viajante ocupado, mas quando olhou para Lawrence e Holo, ele congelou, visivelmente surpreso.
“…Perdão,” foi tudo o que ele disse em voz alta e rouca depois de um momento, e depois imediatamente desapareceu na multidão.
Lawrence olhou para Holo só para ter certeza de que suas orelhas e cauda não estavam visíveis. Ela inclinou a cabeça levemente.
“Pareceu um pouco surpreso em me ver,” disse Holo.
“Certamente ele não suspeita que você não é humana.”
“Não foi essa a sensação que ela me passou. Talvez ela tenha apenas ficado surpresa com a minha beleza.”
“Certamente não,” respondeu Lawrence, sorrindo para Holo, cujo peito estava estufado com orgulho exagerado. “Espere,” acrescentou. “Ela?”
“Hmm?”
“Era uma mulher?”
O olhar de quem já havia viajado muito e a voz rouca da estrangeira o fizeram assumir o contrário, mas Holo dificilmente poderia estar errada sobre essas coisas.
Lawrence olhou na direção em que ela desapareceu e se perguntou o que uma mercadora de viagens poderia estar vendendo quando sentiu outro puxão em sua mão.
“O que exatamente faz você pensar que é aceitável ficar do meu lado enquanto encara outra mulher assim?”
“Você precisa ser tão direta? Uma reclamação mais sutil seria muito mais encantadora.”
“Você é tão idiota que nunca entenderia a menos que eu falasse claramente,” respondeu Holo sem vacilar, com desprezo em sua voz.
Dada a conversa anterior, era realmente triste Lawrence não poder negar.
“Então, o que faremos a seguir?” perguntou Lawrence, pondo fim à conversa tola. Eles precisavam planejar o dia.
“Será difícil se encontrar esse homem — qual era o nome dele?” “Rigolo ou algo assim. Se ele é o secretário do conselho, pode
muito bem ser difícil, embora isso dependa exatamente do que o conselho está fazendo…” disse Lawrence, coçando a barba recém- feita.
Holo deu um passo à frente. “Está claro o suficiente na sua cara que você está desesperado para saber do que se trata essa reunião.”
“Está?” perguntou Lawrence, acariciando a barba. A expressão de Holo quando ela olhou por cima do ombro para ele era mesquinha.
“Então, vamos vagar pela cidade até que a reunião seja encerrada,
eu suponho.”
Lawrence sorriu. “Os poderes de observação da sábia loba são realmente fortes. Estou morrendo de vontade de saber o que está acontecendo com esta cidade. Não é só isso, eu…”
“Você quer transformar isso em lucro.”
Lawrence se atrapalhou. Holo inclinou a cabeça para ele e sorriu.
“Seja o que for, é sério o suficiente que eles distribuam essas placas de madeira. Algo interessante deve estar acontecendo,” disse Lawrence, tirando do bolso de trás a placa de registro de mercador estrangeiro.
“Mesmo assim, me deixe dar um aviso,” disse Holo.
“Hmm?”
“Tente se conter.”
Era difícil rir das palavras de Holo, pois até agora haviam passado por sequestros, perseguições em esgotos, enfrentado falências e, mais recentemente, envolvidos em uma disputa gigante.
“Eu vou,” respondeu ele, e a sábia loba que estava tão adorável até alguns instantes atrás, ficou subitamente zangada.
“Eu tenho minhas dúvidas,” ela falou.
Diante de sua repentina suspeita, Lawrence tinha apenas um recurso.
Ele pegou a mão dela e usou toda a sua habilidade. “Então vamos
ver os pontos turísticos da cidade?”
O efeito de beijar a mão dela na escada um momento antes parecia estar diminuindo. Ou era isso ou a situação apenas se inverteu.
Mesmo assim, Holo parecia lhe dar um olhar de aprovação. Fungando, ela ficou ao lado de Lawrence. “Eu suponho que sim.”
“Entendido, milady.”
Lawrence refletiu que, se ele mesmo, meio ano antes, pudesse vê- lo agora, ficaria aterrorizado.
“Então, quais são os pontos turísticos? A cidade mudou tanto que, na verdade, mal me lembro de ter vindo aqui.”
“Vamos para as docas. Ouvi dizer que os navios só se tornaram muito importantes recentemente. Não deve ser tão grande quanto as docas à beira-mar, mas acho que ainda se destacam.”
Ele segurou a mão de Holo com mais força e começou a andar.
Quem foi que disse que andar com alguém era lento e incômodo? Enquanto caminhava com Holo ao lado dele, Lawrence pensou nisso e sorriu.