Nota do autor: Um pouco mais de construção de mundo e aprimoramento de algumas coisas em preparação para o resto do arco escolar que eu prometo que não ter adicionado sem motivo. Pra compensar, tornei este capítulo um pouco mais longo, com quase 4 mil palavras, então aproveite o capítulo desta semana e não se esqueça de sintonizar no Tapas para o novo episódio dos quadrinhos!
***
O sol da tarde aqueceu minhas costas, seus raios brilhantes refletindo nas páginas amareladas do livro que eu estava lendo. Do meu canto isolado no café do campus, que ficava perto do prédio da administração, o barulho dos alunos e professores conversando enquanto aproveitavam suas bebidas e sobremesas era uma agradável mudança de ritmo comparado ao meu quarto.
E embora isso fosse um pouco mais de socialização do que eu gostaria, ainda era melhor do que ouvir Regis reclamar de estar entediado.
“Aqui está, Professor,” uma jovem garçonete de uns 16 anos colocou um pequeno prato de comida e uma xícara de chá na minha mesa.
“Eu não pedi a comida,” eu disse enquanto pegava a caneca e soprava o vapor sobre a superfície do chá quente.
“Por conta da casa”, ela disse, saltando na ponta dos pés enquanto desaparecia de volta pra cozinha.
Na minha cabeça, Regis soltou um gemido. ‘Essa aparência é um desperdício em você. Se eu fosse você, eu-‘
Achei que tivéssemos concordado que você não me incomodaria se eu viesse aqui, respondi enquanto meu olhar varria o café.
A academia já estava muito mais movimentada do que há dois dias. Os alunos estavam chegando regularmente, alguns com suas famílias e acompanhantes, enquanto mais professores começaram a aparecer pelos corredores.
Bebericando o chá fermentado de urtiga, continuei a folhear as páginas do meu livro, passando por várias seções até encontrar a que procurava e, em seguida, comecei a examinar as informações. Eu já havia dado uma olhada no livro de leis e no tratado sobre os poderes das relíquias, mas nenhum dos dois continha o que eu procurava.
Felizmente, o terceiro livro que peguei emprestado da biblioteca era um pouco mais interessante: um catálogo de relíquias trazidas das Relictombs. Eu já sabia que o próprio Agrona mantinha todas as relíquias que eram funcionais, mas fiquei surpreso com o quanto os alacryanos sabiam sobre as relíquias mortas que recuperaram.
Através de uma combinação de entrevistas com os ascendentes descobridores, e o trabalho de Instilores dedicados que se especializaram em relíquias – todos os quais operavam em Taegrin Caelum, a fortaleza de Agrona – a maioria das relíquias mortas foram identificadas, incluindo os poderes que uma vez continham. Nem todas as relíquias mortas foram completamente compreendidas, mas com as Relictombs à sua disposição, os Alacryanos fizeram muito mais progresso em seu estudo da tecnologia mágica antiga do que os Dicatheanos ou mesmo os asuras de Epheotus.
Embora o livro contivesse detalhes sobre mais de cem relíquias mortas, eu estava mais interessado em um grupo específico: aquelas alojadas no Relicário da Academia Central. Ao longo dos séculos, eles conseguiram obter onze, e li a descrição de cada uma com atenção.
Devo dizer, no entanto, que fiquei um pouco desapontado. Mas é culpa minha. O conhecimento de que eu – e apenas eu, pelo que eu saiba – poderia reviver e usar qualquer relíquia de djinn me permitiu imaginar várias fantasias. Lendo as descrições, porém, lembrei-me de que os djinn eram pessoas pacíficas.
Não que as relíquias fossem inúteis, necessariamente, mas eu não estava procurando por ferramentas e bugigangas. Eu queria uma arma.
‘Obrigado por reconhecer que não sou uma arma nem sua posse’, comentou Regis com um bufo. ‘Mas nem tudo aí é ruim, sabe? Tá vendo essas Correntes de Aprisionamento? Só pensar em alguém, ativá-las e bam! As correntes envolvem o alvo e vão aonde você for! Posso pensar em vários usos para elas.’
De acordo com o autor, a relíquia rotulada de Correntes de Aprisionamento também tinha outras funções, incluindo habilidades de supressão de mana e éter, impedimento da fala e até mesmo colocar a pessoa ou criatura afetada em um estupor paralisado, se necessário.
Embora a ideia de arrastar Agrona por toda Alacrya – amarrado, amordaçado e impotente – para que seu povo pudesse testemunhar seu fim tivesse um apelo sombrio, eu tinha minhas dúvidas sobre o quão poderosa uma única relíquia morta realmente seria.
Não sei o quanto confio nas deduções do autor aqui, salientei. Tipo, olha aqui. Diz: ‘Embora os Imbuers não tenham sido capazes de confirmar esta teoria, é possível que as Correntes de Aprisionamento possam procurar um alvo em qualquer lugar do continente.’ É só encheção de linguiça.
‘E essa aqui então?’ Regis perguntou, concentrando-se no desenho de uma rede estilo gladiador.
Rotulada de Rede de Mana, a relíquia pode “pegar” mana no ar como uma rede de pesca pega um peixe. O autor teorizou que era um dispositivo defensivo destinado a absorver ataques de feitiços.
Certamente parecia útil, especialmente porque eu não podia mais usar a habilidade de cancelamento de feitiço que desenvolvi utilizando Realmheart e minhas habilidades quadra elementais. Mas quão eficaz seria contra os Foices ou mesmo asuras? Será que pelo menos me ajudaria a encontrar as ruínas restantes dentro das Relictombs?
‘Talvez a verdadeira questão seja: por que a gente simplesmente não leva tudo?’
Eu sabia que Regis estava perguntando só porque essa ainda era uma dúvida em minha mente também. Já que eu poderia usar o Requiem de Aroa para reativar todas as relíquias mortas da academia, eu poderia apenas pegá-las e me preocupar com o quão úteis elas seriam mais tarde. Mas não conseguia imaginar um cenário que me permitisse roubar a coleção inestimável e manter meu disfarce na academia, ou mesmo continuar em Alacrya.
E é claro, havia outra questão que me incomodava constantemente.
Por quanto tempo vou manter esse disfarce?
Fechando o livro, distraidamente coloquei uma fruta vermelha brilhante na boca. A rica doçura foi uma surpresa agradável. Eu perdi o hábito de comer refeições no dia a dia, já que o éter mantinha meu corpo vivo, mas percebi que sentia falta dos sabores e texturas dos alimentos.
Comi mais algumas frutas, mastigando devagar para saborear melhor.
Havia algo tão… normal em sentar no pequeno café aproveitando uma refeição ao ar livre. Não conseguia me lembrar da última vez que tirei um tempo para mim mesmo.
Recostando-me na cadeira, respirei fundo o aroma agridoce de ervas do meu chá e afastei meus pensamentos.
‘Estamos ficando bem confortáveis, não é mesmo?’ Regis perguntou, provocando. ‘Espero que você não se acostume muito com esse estilo de vida.’
Você não precisa me lembrar do por que estamos aqui ou o que está em jogo, eu comentei, pousando minha xícara.
Com os livros debaixo do braço, levantei-me e saí do pátio do café. Ler sobre as relíquias mortas era uma coisa, mas parecia uma boa hora para vê-las com meus próprios olhos.
O campus estava fervilhando pra todo lado, mas a atmosfera havia mudado desde quando cheguei. Em vez de perambular e conversar, os alunos que vi estavam todos concentrados na preparação para as aulas. A maioria estava treinando ou fazendo exercícios, mas também havia alguns alunos lendo em silêncio ao ar livre.
Ouvi passos rápidos atrás de mim, e me virei. A expressão em meu rosto devia estar séria, porque o jovem que se aproximava parou, sua mandíbula trabalhando silenciosamente enquanto ele lutava para encontrar algo para dizer.
Forçando minha expressão a mudar pra algo mais plácido, eu assenti com a cabeça. Era o balconista que me guiou pelo campus e mostrou meus aposentos no primeiro dia. Percebi que não sabia seu nome.
“Professor Grey,” ele murmurou finalmente. “Desculpe se interrompi, eu estava apenas-”
“Está tudo bem,” eu disse, dispensando seu pedido de desculpas. “Esse é só o rosto natural de professores. Do que você precisa?”
A pequena piada arrancou uma risada do balconista, e ele se acomodou ao meu lado enquanto começamos a andar novamente. “Ah, nada não! Estou de folga esta manhã, mas vi você vagando e pensei em verificar se você precisava de alguma coisa. Eu sei que a academia pode ser um pouco difícil de navegar quando você chega aqui.”
“Não, obrigado, eu só estava indo visitar o Relicário depois que eu deixar esses livros na biblioteca”, respondi, dispensando o jovem.
“A Capela é um edifício fascinante! E aquelas relíquias mortas… Você sabia que a Academia Central tem oficialmente a maior coleção de todas as escolas em Alacrya? O próprio diretor Ramseyer supervisionou muitas das aquisições.” Seus olhos vagaram com entusiasmo até que avistou outro professor sendo seguido por um grupo de alunos.
“Oh, e aquele ali é o Professor Graeme. Ele é um dos principais pesquisadores da academia”, disse ele em um sussurro nervoso.
Meu guia ficou em silêncio enquanto seu rosto se transformou em uma carranca pensativa. Falando baixinho, ele acrescentou: “Ele também é um pouco… severo.”
Meu olhar seguiu o do aluno até um homem em vestes pretas sedosas. Linhas azuis desciam das mangas até os punhos, e do pescoço traçando a abertura ao longo de sua coluna. Ele tinha seis tatuagens rúnicas nas costas expostas.
Um grupo de alunos o seguia, ouvindo atentamente enquanto ele falava. Uma cabeça conhecida de cabelo laranja que desbotava para amarelo perto das pontas se destacava entre as outras. O professor disse algo que eu não pude ouvir, fazendo Briar rir e sacudir o cabelo.
‘Não achei que Briar fosse fisicamente capaz de rir’, Regis disse sem emoção. ‘Talvez ela esteja possuída.’
Como se sentisse nossa atenção, o professor parou e se virou. Ele tinha cabelos castanhos lustrosos que caíam em cachos soltos até os ombros e um rosto jovem e bem barbeado. Olhos de jade brilhantes e inteligentes me viram de relance e seus lábios se curvaram em um meio sorriso.
“Alunos!” ele anunciou, levantando ambos os braços para gesticular em minha direção. “Parece que temos a sorte de ser apresentados ao mais novo membro do corpo docente da Academia Central. Algum de vocês fará a disciplina de Táticas de Aprimoramento Corpo a Corpo nesse semestre?”
O professor olhou ao redor para seu grupo. Uma rodada de risadinhas passou pelos rapazes e moças, a maioria deles balançando a cabeça em negação. Briar estava olhando para os pés dela, e não para mim, e estremeceu quando outra garota deu uma cotovelada nela e sussurrou algo em seu ouvido.
“Não, suponho que vocês não farão, não é?” Ele deu ao grupo um sorriso conhecedor. “É claro que há tópicos de estudo mais importantes para esses alunos talentosos do que aprender a bater uns nos outros como unads bêbados.”
Meu guia se remexeu nervosamente do meu lado. “Quando eu disse severo…”
“O que você quis dizer foi grosso como limpar a bunda com lixa,” concluiu Regis para o jovem balconista.
“Espero que você esteja mais apto para o dever de ensinar do que o último professor que deu aquela matéria.” Ele me deu um sorriso afetado. “É uma vergonha para a academia quando empregamos tais magos inúteis.”
Mantendo meu rosto inexpressivo, disse: “Prazer em conhecê-lo”, e comecei a me afastar, mas o homem agiu rapidamente para me interromper. Fiz uma pausa e encontrei seus olhos com expectativa.
“Há uma certa hierarquia entre professores e alunos aqui”, ele me informou. “É melhor descobrir isso rapidamente, ou você não se sairá melhor do que seu antecessor.”
“Vou fingir que mantenho isso em mente”, eu disse educadamente, arrancando alguns olhares esbugalhados dos alunos.
Com um aceno de cabeça, eu contornei o professor atordoado e me afastei, ignorando seu olhar quase tangível nas minhas costas.
‘Pelo menos você não pode ser racista sobre o comportamento dele’, pensou Regis.
Eu segurei um sorriso malicioso pensando no professor que venci no meu primeiro dia de aula em Xyrus. Seja aqui ou em Dicathen, ou mesmo na Terra, sempre tem esse tipo de pessoa.
“Sinto muito por ele, senhor”, disse o funcionário, lembrando-me que ele ainda estava lá.
“Você pessoalmente o transformou de uma pessoa normal em um burro de mula?”, eu perguntei, sem olhar para o jovem.
“Hum, não.”
“Então por que se desculpar,” eu disse com firmeza. Parando, dei outra olhada pra ele. Ele era alto, com cabelos loiros sujos e um sorriso fácil. Seu uniforme estava um pouco amassado e ele tinha cabelos bagunçados saindo em ângulos estranhos da sua cabeça. “Qual é seu nome?”
“Oh, caramba, tão rude da minha parte… Tristan, senhor. Do Sangue Severin. Somos de Sehz-Clar, sangue pequeno, só estou aqui porque tive a sorte de…”
“Tristan”, interrompi antes que ele pudesse se perder em um discurso autodepreciativo. A boca do menino se fechou. “Agradeço sua companhia, mas posso encontrar a biblioteca sozinho.”
Mergulhando em uma reverência, ele me lançou um largo sorriso, mas não disse mais nada enquanto girava nos calcanhares e se afastava rapidamente.
Parece um animal de estimação de um professor, mas parece útil para se manter por perto,” comentou Regis enquanto Tristan ia embora.
Tecnicamente, você seria o animal de estimação do professor, respondi com um leve sorriso.
‘Se você ainda está pensando em uma maneira de tirar todas aquelas garotas de cima de você, continue contando piadas como essa,’ retorquiu Regis.
***
Dehlia, a velha bibliotecária, não estava de serviço quando chegamos na biblioteca, então deixei os livros sem cerimônia na recepção com um de seus muitos assistentes.
Antes de partir para o Relicário, havia mais um tópico de pesquisa do qual eu sabia que não poderia continuar fugindo. Como não conseguia ativar o sistema de catálogo, comecei a vagar pela biblioteca aleatoriamente em busca da seção certa.
‘Por que você precisa ler livros quando você tem a mim?’ Regis perguntou, entendendo minha intenção.
Sem querer ofender, mas você não foi particularmente oportuno ou confiável com seu conhecimento cultural, pensei enquanto caminhávamos pela seção “Poesia épica”.
‘Estou ofendido,’ bufou Regis.
Tive a sorte de encontrar pessoas ansiosas por ajudar, como Mayla e Loreni em Maerin Town e, mais tarde, Alaric e Darrin. Na academia, entretanto, eu estava cercado por alacryanos que estariam prestando mais atenção em mim, e de repente era muito mais importante ter algum conhecimento básico dos termos e costumes de Alacrya. Para tanto, estava procurando um ou dois livros que pudessem me ajudar a contextualizar as simples normalidades diárias da vida alacryana com as quais eu não estava familiarizado.
Ao passar pela seção de “Contos Folclóricos”, ouvi um forte barulho de um punho atingindo a carne e um suspiro de dor.
‘Ei, isso pareceu muito interessante,’ Regis animou-se.
Também pareceu que não era da nossa conta, rebati com indiferença.
Além das fileiras de contos populares alacryanos, encontrei uma seção intitulada “Costumes e tradições”. As prateleiras estavam cheias de livros encadernados detalhando as tradições diferentes dos cinco domínios de Alacrya. Alguns abordavam o assunto de uma maneira mais histórica, explorando como essas tradições surgiram, enquanto outros funcionavam mais como guias para viajantes ou a nobreza.
Uma voz baixa e ameaçadora reverberou pelas prateleiras vinda de uma seção próxima, distraindo-me da minha busca.
“… pare de fingir que você é um de nós. Só porque sua família foi exterminada na guerra, isso não faz de você um verdadeiro alto sangue.”
“Eu nunca disse is— ugh!”
Fiz uma pausa depois de ouvir a voz conhecida antes que ele fosse interrompido por outro golpe.
“Não fale sem permissão na presença de seus superiores.”
Soltando um suspiro, me movi lentamente e virei a esquina.
Regis soltou uma risadinha. ‘O que aconteceu com cuidar da nossa própria vida?’
Cale a boca.
Movendo-me ao longo da longa estante de livros, encontrei uma lacuna que se abria em um canto isolado.
Quatro meninos se amontoavam no recanto coberto. Todos eles usavam os uniformes preto e azul da Academia Central, mas a disparidade entre eles era clara.
Dois deles seguravam Seth, o garoto magricela que me ajudou a escolher meus livros, contra a parede. Um era muito alto e mais magro, o que lhe dava uma aparência esticada. Mechas trançadas de cabelo vermelho, preto e loiro pendiam de sua cabeça. O outro era mais baixo, mas com ombros largos de urso, e uma cabeleira ruiva desgrenhada.
O último jovem, cuja pele era de ébano escuro e seu cabelo de um preto mais escuro, estava alguns metros para trás, com os braços cruzados. Ele tinha uma aparência de nobreza mais clássica do que os outros e a exibia abertamente, nos ombros, na postura, e na paciência cuidadosa do rosto, o nariz ligeiramente levantado e os lábios separados em um sorriso experiente.
“Um órfão sem-teto como você não tem lugar aqui”, resmungou o garoto corpulento.
“Vá para casa”, sibilou o outro, envolvendo a mão na nuca de Seth.
“Ah, espera,” o garoto largo torceu o braço de Seth, fazendo-o soltar um gemido lamentável.
“Você não tem uma casa, tem?” perguntou o estudante magro, enquanto empurrava a cabeça de Seth para trás na parede.
Entrando no corredor, eu silenciosamente passei pelo estudante de cabelos escuros e me aproximei dos outros três.
“Como assim?” ele perguntou incrédulo, enquanto eu me colocava entre ele e seus amigos.
O aluno mais magro me olhou de cima a baixo, sua mão ainda prendendo a cabeça de Seth na parede. “Você precisa de algo?”
Aproximando-me dele, levantei a mão. Ele recuou e fez uma careta quando passei por ele para pegar um livro da prateleira mais próxima. Ao abri-lo para ler o título, certifiquei-me de que meu anel em espiral estava bem visível.
Soltando o braço de Seth, o garoto grande esticou o peito e deu um passo em minha direção.
Eu ergui os olhos do livro. E esperei.
Sua tentativa de uma carranca ameaçadora estremeceu. Seu amigo olhou além de mim para o terceiro menino, fazendo uma careta. Eu deixei minhas sobrancelhas franzirem em uma pequena carranca.
O grande garoto desinflou, dando um passo para trás novamente.
“Você deve ser o novo professor de combate,” o garoto de cabelo preto disse atrás de mim. “Para a aula sem magia.” Quando olhei para ele por cima do ombro, ele acenou levemente com a cabeça em uma reverência que teria sido considerada desrespeitosa em qualquer ambiente formal. “Professor Grey?” Seus lábios finos se curvaram em um sorriso divertido. “Demonstrem algum respeito pelo professor, senhores. Afinal, vamos vê-lo com frequência.”
“Foi mal”, o grande estudante grunhiu.
Seu companheiro me deu um sorriso jovial enquanto endireitava o uniforme de Seth para ele, fazendo Seth recuar. “Desculpe, professor.”
Ambos os meninos contornaram ao meu redor o melhor que puderam enquanto seguiam seu líder para fora da alcova.
“Obrigado,” Seth disse enquanto se desdobrava de sua postura defensiva.
Eu examinei a estante distraidamente, sem realmente reparar nenhum dos títulos dos livros. “Gostar de ler é bom, mas você provavelmente deveria aprender a se defender se planeja ficar nesta academia.”
Ele ficou em silêncio enquanto eu me afastava, deixando minhas palavras pairarem no ar.
Com alguns livros novos em mãos, deixei a biblioteca alguns minutos depois e fui para o Relicário.
Fiquei surpreso ao encontrar uma dúzia de alunos reunidos ao redor da Capela – o prédio de que Tristan tinha falado tão bem antes – assistindo a uma procissão de magos marchar para fora do portal. Dois a dois, os magos armados e com armaduras formaram uma barreira que conduzia do arco do portal aos degraus de pedra escura da capela.
Quando uma figura com chifres desconhecida saiu do portal, meu sangue gelou em minhas veias.
O homem de sangue Vritra era colossal. Ele tinha mais de 2 metros de altura e tinha o físico de um titã. Seus chifres se projetavam dos lados da cabeça raspada e se curvavam para apontar para a frente como os de um touro.
‘Dragoth,’ sussurrou Regis em minha mente. ‘Um Foice.’
Durante toda a guerra, pensei essa palavra com medo e expectativa. Todo o exército Dicathiano tremia com a menção do título, aterrorizados com o dia em que um deles apareceria no campo de batalha e nos mostraria o que eles realmente poderiam fazer como generais de elite Alacryanos.
Esse medo só foi amplificado quando as Foices finalmente apareceram. Eu tinha visto Seris Vritra arrancar o chifre infundido de mana da cabeça de Uto tão facilmente quanto uma criança puxando as asas de uma borboleta. Eu tinha testemunhado as consequências da destruição de Cadell no castelo, onde ele dominou uma Lança e o comandante dos exércitos de Dicathen sem nem piscar.
Mesmo no auge da minha força, eu quase me matei para lutar até um empate contra Nico e Cadell – e eu teria morrido, se não fosse por Sylvie.
Esses pensamentos passaram por minha mente entre um batimento cardíaco e o outro, e eu percebi algo.
Não era medo o que eu estava sentindo.
Era raiva.
Como um só, o corpo de alunos se ajoelhou e, de repente, fui exposto ao Foice.
A grande cabeça de Dragoth girou até que seus olhos vermelho-sangue se fixaram nos meus. Ele franziu a testa, parando por um momento, e eu senti como se ele estivesse olhando através dos meus olhos e dentro da minha mente, vendo minha hostilidade tão claramente como se eu tivesse apontado uma espada para seu coração.
‘Art! Sua intenção assassina, ele pode sentir!’ Regis parecia em pânico, mas distante, e percebi com um sobressalto que inadvertidamente havia impregnado meu corpo inteiro com éter.
Piscando, retirei minha intenção – que acabara de vazar e ainda estava envolta pela própria aura opressiva da Foice – e a multidão de alunos se levantou, mais uma vez me ocultando.
“Foice Dragoth Vritra!” uma voz profunda anunciou das portas da sombria Capela. “É com grande honra que te recebemos!”
O orador era exatamente igual ao retrato: cabelos curtos e grisalhos que contrastavam fortemente com sua pele de ébano e uma expressão permanentemente severa em seu rosto que não se desfez nem mesmo diante do Foice.
Alívio se misturou com pesar quando Dragoth se afastou de mim para encarar o diretor. “Augustine”, ele respondeu em um tom de barítono caloroso. Ele passou a mão pela barba espessa. “Trouxe a relíquia conforme combinado. Pessoalmente, como Cadell exigiu.”
Cerrando os punhos, forcei a raiva para baixo e segurei com força minha intenção. Enquanto eu olhava para os chifres negros da Foice, porém, a imagem da forma demoníaca de Cadell parada sobre a moribunda Sylvia passou pela minha mente. E depois Alea, com seus olhos se apagados, seus membros nada além de tocos de sangue. Então Buhnd, de costas nos escombros, queimando de dentro para fora.
Dragoth disse algo para a multidão, mas eu não ouvi. A Foice e o diretor estavam caminhando em direção à entrada da Capela enquanto seus guardas formavam uma linha na base da escada.
A conversa começou entre a multidão ao meu redor, mas eu só conseguia olhar para a Foice. Ele estava bem ali. Eu poderia matá-lo. Eu poderia privar Agrona de um de seus soldados mais poderosos. Eu poderia…
‘… me ouvindo?’ A voz de Regis estava gritando de repente em minha cabeça. ‘Nós não podemos simplesmente…’
Eu sei, pensei, afastando minhas emoções e me me virando. Agora não é a hora.