Capítulo 40
A Cidade Sem Lei (1)
Juan inclinou a cabeça ao observar a cidade ao seu redor.
Não tinha visto muitas cidades antes, mas Hiveden, a primeira cidade que encontrou nas Montanhas Laus, era definitivamente estranha.
Primeiramente, havia muitos meio-humanos, como homens-cabras dos Exploradores, elfos, anões e até humanos de cabelos pretos que pareciam vir de fora da fronteira.
Ninguém lançava olhares curiosos para Juan. Seria diferente se ele tivesse exposto sua capa cinza, mas ele se certificou de mantê-la invisível.
A paisagem da cidade o lembrou de Tantil à primeira vista, mas nem todos os meio-humanos pareciam ser escravos. Eles tinham expressões leves, e se dar bem com os outros parecia ser natural para eles.
Além disso, nesta cidade quase não haviam símbolos religiosos. Juan achou isso bastante peculiar em comparação a Tantil, em que ele podia ver o símbolo do imperador a cada esquina.
‘Mas esta cidade é definitivamente parte do território do império.’
Mas esta cidade não parecia ser um lugar onde todos viviam em harmonia e paz. Trapaceiros sacudiam suas moedas, homens ameaçadores andavam pela rua com suas armas à mostra. Juan até viu bêbados deitados nas vielas, mesmo durante o dia, e crianças praticando furtos.
Mesmo assim, Juan percebeu que todos tinham uma coisa em comum: estavam todos armados.
Isso permitiu a Juan entender a razão da atmosfera leve; seria difícil para alguém causar tumulto, já que teriam que arriscar serem esfaqueados se não escolhessem bem suas palavras.
Juan estava bastante curioso sobre por que a cidade carecia de segurança, considerando que a Ordem do Corvo Branco estava localizada nas proximidades. Logo encontrou a resposta para sua pergunta.
— Garoto, preste atenção por onde anda.
Um homem enorme quase esbarrou em Juan enquanto passava. Juan não precisava se preocupar em esbarrar em pessoas mesmo com os olhos fechados, mas o homem parecia ofendido apenas por ter roçado em Juan.
Juan tentou ignorá-lo, mas alguém o agarrou pelo ombro.
— Você teve sorte, garoto.
Juan levantou a cabeça para olhar. Uma jovem alegre que não parecia ser da cidade estava olhando para ele. Atrás dela, estavam um homem jovem e um mais velho que pareciam ser seus guardas ou colegas.
— Sorte?
— Sim. Aquele homem é perigoso. Vê o distintivo de machado vermelho na capa dele? Representa o clã Machado Sangrento. São as pessoas mais perigosas da cidade, então é melhor ficar de olho neles para onde quer que vá. Há rumores de que a Ordem de Huginn os apoia também. Você sabe quem são, não sabe? Aqueles assustadores…
Juan examinou a mulher da cabeça aos pés. Ela ficou desconcertada com seu olhar, mas logo sorriu e estendeu a mão.
— Você deve ter vindo de muito longe, além da fronteira. Qual é o seu nome? Ah, meu nome é…
— Juan.
A mulher ficou desconcertada novamente ao ouvir seu nome. Juan parou de prestar atenção nela e se aproximou imediatamente do homem enorme que o havia esbarrado momentos atrás. O homem tropeçou e caiu no chão quando foi atingido inesperadamente.
— O que está fazendo, seu verme?!
— Você está conhece a Ordem de Huginn?
— O quê? Olha só o que você está dizendo no meio da rua… Está tentando se matar?
— Vamos conversar um pouco — Juan sorriu friamente.
***
Hiveden era uma cidade que havia sido construída sem um plano adequado. Havia inúmeros lugares perto das vielas onde a luz nunca alcançava e onde nem mesmo corpos mortos seriam encontrados por muito tempo.
Juan colocou sua espada curta na bainha. A espada curta de Talter brilhava levemente em vermelho, como se estivesse ansiosa para beber sangue. A espada curta de Talter tinha a capacidade de beber sangue sem que o proprietário precisasse limpá-la após o uso, uma função extremamente satisfatória para Juan.
‘A Ordem de Huginn, hein?’
Juan tinha plena consciência sobre eles, pois eram liderados por Ras Raud, o filho mais novo de Juan. Ele não sabia os detalhes, mas ouvira dizer que Ras era um dos Seis Apóstatas que traíram o imperador, e ele havia sido eliminado por Barth Baltic em seu caminho para o império vindo do sul. Isso era tudo o que Juan sabia.
O problema era que esse homem era semelhante a Juan no sentido de que também não sabia muito. E ao mesmo tempo, não tinha relação com a Ordem de Huginn. Embora merecesse morrer por todos os crimes que cometeu e confessou a Juan. Juan poupou sua vida; no entanto, ele não seria capaz de segurar uma colher novamente pelo resto de sua vida.
Juan olhou para a mulher parada do lado de fora da viela e pensou ter sido enganado por uma mentira problemática. Enquanto isso, a mulher olhava para Juan com um rosto pálido na entrada da sangrenta viela. Sem mostrar qualquer expressão, Juan passou por ela.
— Espere!
O jovem que estava ao lado da mulher tentou agarrar o ombro de Juan, mas Juan afastou a mão dele. Ao mesmo tempo, Juan puxou o pulso dele para fazê-lo perder o equilíbrio. Quando ele estava de joelhos, a espada curta de Juan já tocava em sua garganta.
— Não me incomode se não quiser perder os dedos como ele.
A única razão pela qual Juan não o cortou diretamente foi para evitar outra briga irritante. Em uma cidade onde derramamento de sangue é bastante normal, pequenas discussões deveriam se transformar em um grande tumulto. O rosto do homem ficou pálido.
— Bem, parece que o incomodamos.
O velho se colocou à frente do jovem e ergueu o corpo do homem com uma mão. Juan guardou sua espada curta na bainha, pois não pretendia se esforçar para cortar o jovem.
— Você deveria ser inteligente o suficiente para perceber que esse garoto não é comum; ele veio de além da fronteira com tão pouca idade. Lembre-se de ser respeitoso com quem quer que esteja falando — repreendeu o velho o jovem.
— Desculpe, mestre…
— Você disse que seu nome era Juan, certo? Você tem uma visão boa adequada a um bom nome. Sinto muito, mas se importaria de ouvir a história da minha senhora? — o velho perguntou, inclinando educadamente a cabeça.
— Por que eu deveria?
— É importante para minha senhora. Pode ser perigoso, mas não sinto a necessidade de me preocupar depois de ver suas habilidades. Garanto que você não se meterá em encrenca e prometo uma boa recompensa. Deve saber o quão importante é o dinheiro se quiser residir dentro do império, certo? Especialmente em Hiveden.
— Seja o que for, eu não me importo. Sumam.
— Por que não nos ouve? — a mulher disse friamente, ao contrário do tom amigável que tinha antes. Era óbvio que esse era o seu jeito natural de falar.
— Eu não desejo me envolver com os nobres da capital — respondeu Juan, balançando a cabeça.
Os olhos da mulher se estreitaram.
Juan reconheceu sua identidade assim que a encontrou.
As roupas que ela usava tinham manchas que mostravam desgaste, como se pertencessem a um aventureiro, mas, na verdade, eram feitas de um material caro. Elas eram até finalizadas em um estilo único da capital. Ao mesmo tempo, a adaga que parecia cara em sua cintura não tinha sinal de uso, o que provavelmente se devia aos seus guardas a protegendo. Além disso, entre o velho e o jovem atrás dela, o jovem segurava uma enorme espada de duas mãos, mas não parecia ser uma grande ameaça. Por outro lado, o velho parecia ser bem ameaçador.
Sua armadura de couro estava cheia de arranhões e quebrada. Não era difícil perceber que ele era um ex-cavaleiro que aprendeu esgrima adequada com base em seus músculos bem desenvolvidos. Olhando para suas cicatrizes, pôde saber que muitas delas eram causadas para proteger alguém em perigo, diferentemente de cicatrizes causadas por batalhas. Assim, era natural saber que ele havia trabalhado para os nobres por um longo tempo. No entanto, o velho parecia ser habilidoso, dado o fato de que ainda estava vivo, embora parecesse lhe faltar resistência.
A principal razão pela qual Juan achava que estavam em uma jornada com um propósito ao invés de um piquenique imaturo de um nobre era por causa dos olhos da mulher – eram frios e calculistas, e podiam encontrar seu caminho mesmo nos momentos mais escuros. Juan conheceu uma pessoa que tinha os mesmos olhos que ela, e tal pessoa não falava com estranhos na rua sem motivo. Tendo percebido tudo isso à primeira vista, Juan se recusou a se envolver mais com ela.
Mas ele não conseguia explicar suas razões para rejeitar a oferta dela.
— Todo mundo de fora da fronteira age como um gato assustado com o rabo preso, assim como você? Se for o caso, devo repensar meus planos — disse a mulher.
Juan riu, se lembrando de alguém por seus olhos e pela maneira como ela falava. A mulher franzia a testa para o sorriso dele.
— Que tal outra coisa se você não estiver interessado em dinheiro? Você estava se perguntando sobre a Ordem de Huginn, não é mesmo?
— Por quê? Você sabe sobre eles? — Juan perguntou.
— Como eu não saberia sobre a Ordem de Huginn se vim para Hiveden? Preciso saber tudo o que posso sobre onde vou e o que encontro. Estava apenas tentando te assustar com aquele cara enorme antes, mas eu não teria dito nada se soubesse que você estava procurando pela Ordem de Huginn.
Juan cruzou os braços. Embora estivesse irritado com a mulher, não havia razão para rejeitar a oferta dela se ela pudesse fornecer informações sobre a Ordem de Huginn.
— A Ordem de Huginn está nesta cidade?
— Se eles estão aqui? Ha, esta cidade praticamente tem sido a área deles desde que Sua Majestade morreu. Aposto que há toneladas de nobres que não se importam em se misturar com os hereges terríveis para evitar o incômodo daqueles fanáticos. Esta cidade insana foi criada pelas demandas dos nobres e outros como eles. Esta cidade não poderia ser consertada mesmo se a Igreja tentasse, porque os nobres da capital poderiam se opor, sem mencionar os porcos da Igreja aceitando subornos também.
O velho e o jovem empalideceram com as palavras que a mulher cuspiu.
Juan estava se divertindo; ele nunca tinha visto alguém xingar abertamente a Igreja. Mesmo Huxle e sua equipe se arrependeram depois de xingar o imperador, e eles eram aventureiros.
— Você é bem destemida, não é?
— Acho que deveria ter mais medo de ser apunhalada do que de palavras, garoto.
— E você não tem medo de ser apunhalada? A Igreja vai te enforcar.
— Sinto te decepcionar, mas sou bastante conhecida na capital por ser uma dama gentil. Eu me pergunto qual de nós a Igreja enforcaria; uma nobre da capital ou o jovem mentiroso de fora da fronteira? — a mulher ridicularizou.
Juan riu. A maneira como ela falava estava longe de ser educada, mas ela não tinha uma natureza ruim.
— Está bem. Vou ouvir você — disse Juan.
— Você é um bom garoto. Mas há algo que você precisa responder primeiro. Por que você está procurando a Ordem de Huginn?
— Por que você pergunta?
— Quero evitar mexer com a Ordem de Huginn o máximo possível, então fazer um acordo com você também é arriscado para mim. Se planeja ir contra a Ordem de Huginn, seria difícil para mim te contar qualquer coisa — disse a mulher enquanto passava os olhos por Juan com uma expressão cautelosa.
— Não estou planejando lutar contra eles. — disse Juan, engolindo as palavras ‘’por enquanto’’. Ele planejava ouvir o motivo pelo qual o traíram antes de decidir sua posição em relação a eles. Mas tal coisa só seria possível se Ras ainda estivesse vivo.
— Obviamente. Ninguém espera que você lute contra a Ordem de Huginn; eles até conseguem enfrentar os Templários, sabe? Estou apenas preocupada que esta cidade possa se envolver caso haja alguma organização por trás de você. Não quero que a única cidade livre do império seja arruinada — a mulher zombou.
— Pensei que você não gostasse desta cidade.
— Não gosto. Mas a singularidade dela a torna importante. Além disso, preciso a visitar de vez em quando.
— Não há ninguém por trás de mim. Estou procurando a Ordem de Huginn para visitar alguém que conheço.
— Vou acreditar em você, Juan. Meu nome é Heretia. Agora, vou direto ao ponto — Heretia limpou a garganta e se aproximou de Juan.
Juan se perguntava o que essa nobre da capital poderia estar planejando nesta cidade sem lei com seus guardas, e que papel ela queria que ele desempenhasse para ela. Até agora, Juan já havia escutado pedidos para ser campeão do coliseu, o cavaleiro gênio do império e um talento para derrubar o império. E desta vez…
— Preciso de um jovem bonitão de cabelos pretos para o meu plano.