Capítulo 56
As Lanças do Imperador (2)
As pessoas de Hiveden que observavam a Ordem do Corvo Branco do topo das muralhas gritaram enquanto fugiam. As únicas pessoas que ainda permaneceram no muro depois que todos desapareceram foram Juan e Anya.
‘Eles estavam planejando matar todos.’
O rosto de Anya empalideceu quando ela percebeu tardiamente a intenção de Ethan ao dar tempo a Hiveden – era desarmá-los completamente e massacrá-los sem ter que se preocupar com qualquer resistência. As primeiras vítimas do massacre foram os guardas de Hiveden que já tinham se rendido.
Os guardas estavam desarmados e, portanto, incapazes de revidar. Eles morreram miseravelmente enquanto gritavam. Anya não tinha simpatia por eles, mas não pôde deixar de se culpar por não ter previsto essa situação.
A Ordem do Corvo Branco estava ganhando o jogo.
Anya olhou para Juan com uma expressão nervosa. Sentiu como se Juan fosse gritar e ficar bravo com ela. No entanto, a expressão de Juan dizia o contrário. Juan tinha um sorriso cínico no rosto.
— Esses fanáticos não mudaram nem um pouco em relação ao passado. — Disse Juan.
Os fanáticos da Igreja nunca se importaram com a opinião da Capital sobre eles ou com o seu controle político contra eles. Eram lunáticos que acreditavam que qualquer meio era aceitável, desde que cumprisse fielmente um propósito.
Raças e nações que pensavam assim eram comuns durante a era dos deuses, pois tinham poder garantido desde que demonstrassem sua lealdade ao deus, independentemente de leis ou regras. Mesmo que não tivessem poder garantido, eles ainda sacrificaram voluntariamente suas vidas com base em uma vaga expectativa, um completo fanatismo.
Por tais razões, Juan tentou eliminar completamente todas as religiões e crenças do império quando era imperador, mas, ironicamente, a história estava se repetindo novamente em seu próprio nome agora.
Juan olhou para Anya com um sorriso gélido no rosto, e Anya se encolheu para se afastar dele.
— O que você está fazendo aí parada? Anya, comande seus cavaleiros. Você é a líder deles
— Perdão? Ah, claro.
Juan bateu nos ombros dela ao perceber sua frustração.
— Não entre em pânico. A Ordem de Huginn é bastante competente. Dilmond e Ras também estão aqui e tenho certeza de que estão lidando com a situação com flexibilidade. Vá e faça o que você precisa fazer. E… — Juan ordenou a Anya de maneira brusca. — Não deixe nenhum deles vivo.
— Sim, Juan! — Anya respondeu e imediatamente pulou da muralha da cidade.
Anya podia sentir seu coração batendo forte. Quando Juan bateu em seus ombros, uma estranha sensação de calma a aliviou. Ainda mais, uma nova sensação de animação encheu seu corpo, era uma sensação de ânsia pela batalha.
— Ardin! — Anya gritou.
— Argh!
Ardin tremia sob uma casa destruída pelos destroços da muralha da cidade. As pessoas comuns não sabiam que o ataque da Ordem do Corvo Branco seria tão poderoso quanto um desastre natural, e Ardin não era diferente delas.
— Você viu o que a Ordem do Corvo Branco acabou de fazer com Hiveden! Se não tomar uma atitude agora, todos em Hiveden morrerão! E isso inclui você! — Anya gritou enquanto agarrava Ardin pelo colarinho e o erguia.
— M-Mas lutar contra esses monstros seria…
— Você realmente acha que a Ordem de Huginn perderá?
Ardin tardiamente recobrou o juízo ao ouvir as palavras de Anya. Se todos em Hiveden fossem morrer de qualquer maneira, talvez não fosse uma má ideia dar as mãos ao diabo.
— Somos as únicas pessoas capazes de deter esses desgraçados aqui, e você é a única pessoa capaz de nos ajudar! Agora mova-se!
— Ah, hm, certo. Muito bem. O-O que você quer que eu faça…?
— Manteremos a base do nosso plano, mas desta vez com as armas.
***
Cerca de quinhentos Patrulheiros da Montanha Laus entraram pela abertura que o ataque da Ordem do Corvo Branco havia feito. Eles tinham olhares pesados e desconfortáveis em seus rostos, mas já haviam massacrado incontáveis no passado sob os comandos da Ordem do Corvo Branco. A única diferença desta vez era que era em uma escala muito maior.
— O segundo esquadrão começará no norte e o terceiro esquadrão no sul! Enviem sinais e juntem-se instantaneamente assim que detectar os movimentos da Ordem de Huginn. Embora limpar a cidade seja importante, não esqueça que nosso objetivo é exterminar Ras Raud e sua ordem de cavaleiros! — Ethan comandou em voz alta.
Os Patrulehiros da Montanha Laus se separaram em esquadrões e seguiram os Templários sob o comando de Ethan.
— Matem todas as crianças, adultos e idosos. Não deixem nenhum vivo. De qualquer forma, não há saída para eles, essa cidade imunda contaminada pelos corvos só pode ser limpa com sangue.
Parecia ridículo que apenas trinta homens pudessem lutar contra a cidade inteira, mas Ethan já havia feito coisas semelhantes várias vezes no passado. Muitas vezes houve momentos em que apenas um Templário atacou uma aldeia de semi-humanos. Na verdade, Ethan estava sendo mais cauteloso do que o normal ao lutar contra a Ordem de Huginn, sua arqui-inimiga.
— Capitão, você não acha que estávamos sendo muito imprudentes ao transformar a cidade inteira em nossa inimiga? — Kamil perguntou preocupada.
— Se pareci imprudente, peço desculpas por preocupar você, Kamil. — Ethan sorriu.
— Não estou duvidando de sua capacidade, capitão. Eu só…
— Não estou preocupado com a defesa ridícula de Hiveden. Eles nada mais são do que um rebanho de ovelhas. Não importa quantas ovelhas existam, elas serão dilaceradas pelas garras dos lobos. O que importa é o pastor que as alimentou para ficarem gordas e bonitas. — Disse Ethan enquanto olhava para Hiveden tomado pela loucura. — Você acha que esse pastor vai fugir ou se esconder ao ver o massacre de seu rebanho de ovelhas? Não quero vasculhar os esgotos para encontrar aquele maldito Ras. Vou lutar contra ele e perfurar seu crânio, para enfiá-lo na ponta da minha lança.
Kamil acenou com a cabeça, convencida. Como Templária da Ordem do Corvo Branco, ela também poderia se identificar com as opiniões de Ethan. Perder tempo tentando procurar a Ordem de Huginn na cidade seria mais irritante do que Hiveden cooperar com a Ordem de Huginn.
Mas Kamil olhou para Ethan com uma expressão preocupada.
— Me libertarei da maldição dos ex-capitães que foram possuídos pelo fantasma de Ras Raud e me tornarei um verdadeiro Templário que serve Sua Majestade…
Enquanto murmurava, os olhos de Ethan não eram diferentes daqueles dos ex-capitães que morreram devido à obsessão em capturar Ras.
Ethan virou a cabeça como se estivesse irritado com o olhar de Kamil.
— Quer me dizer algo?
— Não, capitão. Alguma ordem?
— Complete as tarefas que ordenei anteriormente. Esquadrão Um e eu avançaremos para a estrada principal. Você permanecerá na retaguarda e cumprirá seus deveres.
— Sim, senhor. E…
Antes que Kamil pudesse dizer a Ethan para cuidar de si mesmo, alguém interrompeu em voz alta.
— Capitão Ethan!
A voz cheia de raiva pertencia à estrela em ascensão que Ethan estava de olho. Sina Solvane corria em sua direção por cima dos fragmentos da muralha da cidade com o rosto pálido.
— O que diabos você fez?! Como pode atacar a cidade depois que eles já haviam se rendido?! — Sina gritou.
Kamil tentou impedir Sina. No entanto, Ethan parou Kamil e conduziu seu cavalo para se aproximar de Sina.
— Sina Solvane, você entrou na área operacional sem nenhum equipamento ou armadura. Não está vestida adequadamente para participar da operação. Eu não lhe disse para esperar na retaguarda?
— Quer você tenha uma espada ou não, um cavaleiro ainda é um cavaleiro, mesmo se você não tiver uma mão. Capitão Ethan, preciso ouvir sua resposta à minha pergunta! I-Isso não é algo que poderia ser feito por alguém que serve a Sua Majestade! Se fosse por Sua Majestade…
— Ele teria protegido os fracos e mostrado compaixão por eles. É isso que você está tentando dizer, certo? Você é realmente uma aluna modelo, um exemplar de um cavaleiro perfeito. Mas seus pensamentos estão errados. Estas pessoas são aquelas que ajudaram a esconder aquele apóstata e o seu povo. Eles são dignos da compaixão de Sua Majestade?
Ethan falou baixinho, mas os olhos de Sina eram ferozes. Vendo os olhos de Sina ardendo de raiva, Ethan percebeu que seu relacionamento com ela havia terminado e que um cavaleiro tão talentoso nunca se juntaria à sua ordem de cavaleiros. A única coisa que Ethan conseguiu fazer foi sorrir amargamente.
— Sua Majestade nunca pensaria assim. — Sina falou, demonstrando seu desprezo por Ethan em cada sílaba.
— Parece que a escola de cavaleiros lhe ensinou muito, ou você aprendeu muito com eles.
Com isso o relacionamento de Sina com Ethan foi completamente arruinado. Ethan percebeu por que Sina não conseguiu se tornar uma Templária e permaneceu como uma cavaleira comum, mesmo com tanto talento. Ethan virou seu cavalo.
— Kamil, fique de olho em Sina Solvane para evitar que ela intervenha na batalha e continue a cuidar dela para que possamos nos concentrar em nossa batalha.
— Sim, senhor.
— Ethan, espere! Não apenas Sua Majestade, mas até mesmo a capital…
Pouco antes de Sina poder atacar Ethan, Kamil puxou o braço dela e a jogou no chão. Com um som estridente, o ombro de Sina foi deslocado. Sina cerrou os dentes para conter o grito e continuou a encarar Ethan.
Ethan olhou para ela por um breve momento e logo guiou seu cavalo em direção ao centro da cidade.
O som de cascos de cavalos batendo na calçada de pedra e dos gritos encheram a cidade. Ethan sentiu como se ainda pudesse ouvir o grito de Sina em seus ouvidos. Ele havia dado o mesmo grito que ela há muito tempo, ao qual, é claro, ninguém respondeu. Sua voz oca ecoou na cidadela nas montanhas Laus e desapareceu. A única coisa que restou dentro dele foi a vontade de acabar com Ras Raud. Ethan não tinha dúvidas de que o grito de Sina desapareceria em breve, assim como o dele.
Ethan gritou, como se quisesse cobrir o grito de Sina que ainda ecoava em seus ouvidos.
— Saiam e mostrem-se! Se recusarem, todo o seu rebanho de ovelhas gordas morrerá!
Ethan e os Templários correram pela estrada principal da cidade em alta velocidade e avançaram por trás do povo de Hiveden que estava fugindo. As pessoas pisoteadas pelos cascos dos cavalos e perfuradas pelas lanças gritavam e se dispersavam. No entanto, eram rapidamente transformadas em espetos pelas flechas disparadas contra eles pelos Patrulheiros que cercavam a cidade
Ethan estava prestes a rugir mais uma vez, mas de repente parou. Os outros Templários ao lado de Ethan também pararam. Havia alguém a frente deles para bloquear o caminho para o centro da cidade. No entanto, não quem Ethan procurava.
— Quem é você? Achei que Dilmond ou Anya apareceriam para nos impedir. — Perguntou Ethan.
— Todos estão ocupados fazendo suas próprias coisas.
Os olhos de Ethan se estreitaram e ele olhou para o garoto de cabelos negros à sua frente. Ele sentiu uma onda de irritação enchendo seu corpo, que havia sido aquecido pela adrenalina da batalha.
— Você é aquele garoto de cabelo preto. Não tenho nada a resolver com você agora, então espere sua vez.
Ethan chutou o cavalo na tentativa de ultrapassar Juan. No entanto, Juan desapareceu de vista em um instante. Ethan levantou apressadamente a espada e a apontou na direção de Juan, mas já era tarde demais.
— Argh!
Juan se abaixou suavemente entre as pernas do cavalo de Ethan e cortou a parte interna das pernas. Ao contrário dos Templários, seus cavalos estavam armados apenas com armaduras comuns. A espada curta de Juan não teve dificuldade em cortá-lo. O cavalo soltou um grito agudo e se ajoelhou, deixando Ethan sem escolha a não ser descer do cavalo.
— Miserável…
— Não sejamos precipitados. — Juan falou relaxado, mesmo com sete Templários o cercando.
Os olhos de Ethan brilharam de raiva. Quando ele estava prestes a atingir seu objetivo final, um obstáculo trivial apareceu diante dele.
— Claro. Vou chutar sua cabeça por aí enquanto caminho, bem melhor do que andar a cavalo.
Ethan enviou sinais para seus cavaleiros com o olhar. Os Templários hesitaram, mas logo passaram por Juan; seria um desperdício sete Templários se ocuparem com apenas um garoto.
Juan não se deu ao trabalho de impedir que os Templários passassem por ele.
— Agora… me daria a honra de uma dança?