Capítulo 64
Por Trás da Capa (4)
Quando a Ordem de Huginn liderada por Dilmond colidiu com a legião de mortos-vivos, um enorme grupo foi empurrado para trás. A Ordem de Huginn massacrou freneticamente os mortos-vivos. Os ossos dos mortos quebraram e se despedaçaram ao encontrar as armas dos cavaleiros.
A Ordem de Huginn avançou ainda mais na legião de mortos-vivos com a força de cem homens. No entanto, seu rápido ritmo de avanço não durou muito. Exércitos normais compostos por soldados comuns ficariam desmoralizados pelo ataque implacável da Ordem de Huginn, mas seus oponentes já estavam mortos.
Um dos cavaleiros foi atingido na perna por uma lança e caiu para trás. Pouco depois de se separar do resto da Ordem de Huginn, o cavaleiro foi desmembrado.
A respiração dos cavaleiros da Ordem de Huginn começou a ficar difícil.
Ao mesmo tempo, outro cavaleiro desapareceu.
A espada de alguém quebrou ao meio e outro cavaleiro desapareceu.
— Que Sua Majestade seja honrado com glória.
Embora o cavaleiro estivesse morrendo, ele conteve o morto-vivo agarrando seu tornozelo e arrastando-o para baixo. Os mortos-vivos perseguiram a Ordem de Huginn, e o pulso do cavaleiro foi cortado e permaneceu no tornozelo do morto-vivo. Outro cavaleiro morreu… e outro…
O movimento da Ordem de Huginn desacelerou gradualmente e enfraqueceu.
Não muito tempo depois, o silêncio completo recaiu sobre o rebanho de caveiras brancas.
***
Juan abriu os olhos. Seu corpo estava quente e pesado. Fazia muito tempo que Juan não sentia tal sensação, o que significava que seu corpo estava em um estado anormal. Ele tentou levantar a mão, mas não sentiu nada; ele perdeu a sensação na mão. Juan podia sentir o cheiro de cinzas no ar. Quando aos poucos sua visão voltou, Juan percebeu que estava nas costas de alguém.
— Dilmond?
— Você finalmente acordou.
— O que aconteceu? Onde estão os outros cavaleiros? Matamos todos os mortos-vivos?
— Você não se lembra de nada?
— Eu não estaria perguntando se lembrasse.
Dilmond silenciosamente continuou a avançar com Juan nas costas. Depois de ficar em silêncio por um tempo, ele lentamente abriu a boca.
— A Ordem de Huginn estava à beira da aniquilação dentro da horda de esqueletos. Você e eu éramos os únicos ainda vivos. Você não conseguia se mover direito devido às rajadas de vento, pensei que todos morreríamos já que estávamos completamente cercados pelos mortos-vivos.
— E?
— Alguém o atingiu pelas costas. Eu nem vi quem era, já que havia pelo menos cem espadas ao seu redor. Achei que todos nós morreríamos assim, mas então um incêndio disparou loucamente de onde você estava.
Juan recordou vagamente o momento ao ouvir as palavras de Dilmond. Enormes chamas subiram acima de sua cabeça quando ele estava prestes a perder a consciência e a legião de mortos-vivos instantaneamente começou a queimar. A visão dos mortos-vivos se movendo frouxamente enquanto queimavam, as chamas que enchiam os arredores com a rajada de vento não eram muito diferentes daquelas do inferno. A última coisa que Juan lembrou era Dilmond agarrando e puxando seu corpo.
— Dilmond.
Só agora Juan olhou para Dilmond enquanto sua visão retornava adequadamente. Ao contrário de um de seus apelidos, “velho cavaleiro de cabelos brancos”, seu cabelo estava chamuscado e queimado. Considerando que Juan já sabia o quanto Dilmond estava queimado nas costas, não conseguia nem imaginar como ele estava de frente.
Juan notou tardiamente a névoa subindo do corpo de Dilmond e percebeu que seu próprio corpo ainda estava bastante quente. Embora fosse verdade que Juan sentia seu corpo quente devido à sua condição corporal anormal, ele também irradiava inconscientemente calor de seu corpo. Juan baixou lentamente a temperatura corporal.
— Parece que você finalmente está começando a se lembrar das coisas. — Disse Dilmond.
Juan descobriu que seu corpo estava coberto de sangue, mas não era o seu próprio sangue. As costas de Dilmond já haviam sido feridas inúmeras vezes e estavam cobertas de sangue e bolhas causadas pelas queimaduras. Seus ferimentos consistiram nos que ele recebeu de Ethan, nos que ele recebeu na luta com o exército de mortos-vivos e nas queimaduras que ele recebeu de Juan. A maioria dos cavaleiros comuns já estaria morta com tais ferimentos.
— Pensei ter dito que não há problema em deixar para trás aqueles que não conseguem acompanhar. — Disse Juan.
— Não é como se eu me importasse com você, então espero que não entenda mal minhas intenções. Eu só queria jogar você na guela do Nigrato, pois sei que os mortos-vivos não suportam o seu fogo. A ideia de Nigrato correndo solto enquanto queimava me deu forças para aguentar.
— Justo. — Juan sorriu.
— Então, basicamente, minha oferta de sacrifício ao deus da morte seria você, seu malandro.
— Aceitarei isso de bom grado. Nigrato vai ter uma boa indigestão.
Juan e Dilmond riram baixo. Juan nem conseguia se lembrar da última vez em que se sentiu assim. Os mortos-vivos não eram adversários muito perigosos em comparação com os seres que Juan lutou no passado. Era a mesma coisa naquela época e seria a mesma coisa agora: Juan só se sentia alegre quando chegava a uma situação fatal como aquela.
— Dilmond, quantos anos você tem?
— Sou velho o bastante.
— Pharell teria rido alto ao ouvir o pirralho que vivia gaguejando o tempo todo dizer isso.
Dilmond parou com as palavras de Juan por um breve segundo e depois continuou andando. Ele estava sorrindo.
— Talvez. Então eu daria um soco no queixo dele. Agora sou mais velho do que Sir Pharell era quando morreu, você sabe. Não tenho mais nada a perder. Além disso, Sir Pharell morreu para aqueles insignificantes Templários. E aqui estou eu, prestes a morrer para o deus da morte. Sinto que mereço ser um pouco arrogante. — Dilmond caiu na gargalhada.
— Pharell ficaria orgulhoso de você, Dilmond. — Juan riu em voz baixa.
— De fato.
— E tenho certeza de que o imperador também ficaria orgulhoso de você.
— Absurdo. Sua Majestade matou deuses como Nigrato com facilidade.
— Não, estou falando sério.
Dilmond olhou para Juan. Juan não sorria mais, mas olhava para Dilmond com um olhar sério e determinado.
— O imperador ficaria impressionado. Ele admiraria sua coragem e elogiaria suas realizações. Tenho certeza.
— Que idiota dizer isso. — Dilmond disse como se Juan estivesse sendo absurdo, mas parecia estar de bom humor.
Juan estava feliz, mas ao mesmo tempo se sentia triste. Assim como no passado, Juan gostava e respeitava seus companheiros e amigos. Ele amava todos eles e não tinha dúvidas de que sentiam o mesmo. No entanto…
Quando Juan estava prestes a trazer algo à tona, percebeu que Dilmond estava olhando em uma direção estranha. Juan seguiu o olhar de Dilmond, mas não conseguiu ver nada.
— Tem alguma coisa ali? — perguntou Juan.
— Alguém chamando meu nome… você não ouviu?
Juan ergueu as sobrancelhas. Não era um bom sinal ouvir algo que outras pessoas não pudessem ouvir em tal lugar. Juan segurou com força os ombros de Dilmond.
— Alguém chamou seu nome? Eu não acho que você deveria seguir essa voz.
— Não. Não está fazendo nada além de chamar meu nome. Eu sei que isso está tentando me atrair e não vou cair nessa. Mas… hm. Essa voz me ajudou a salvar Annabelle mais cedo. Acho que devemos seguir a voz por enquanto. Vamos fugir se sentirmos que algo está errado.
Dilmond parecia ter certeza de que a voz seria útil.
Naquele momento, um som sibilante começou a soar nos ouvidos de Juan. Era uma voz desagradável, mas irresistível.
『Juan.』
Era a voz de Ras. Juan conseguiu adivinhar de que voz Dilmond estava falando. A voz de Ras era fácil de modular, pois era composta por magia. Juan ficou abalado ao ouvir a voz do filho. Se a voz de Ras ajudou a salvar Anya, então talvez houvesse esperança de que Ras ainda estivesse vivo. No entanto, ele não sabia se era bom ou não que Ras estivesse vivo quando Nigrato estava perto de completar sua forma.
De repente, Dilmond caiu de joelhos. Juan rapidamente saiu das costas dele, sentindo sua respiração de Dilmond pesada enquanto a energia profana agravava seus ferimentos. Quanto mais perto chegassem, mais difícil seria para Dilmond resistir.
— Eu queria esfaquear Nigrato na garganta com minhas próprias mãos, mas acho que terei que pedir que faça isso por mim. — Disse Dilmond enquanto acenava para Juan com dificuldade.
Juan olhou para Dilmond e assentiu silenciosamente. Juan deixou Dilmond para trás e seguiu em frente. Não se sabia quanto tempo Dilmond duraria sozinho neste lugar, onde a pele das pessoas comuns apodreceria e secaria.
Depois de alguns passos, Juan ouviu outra voz. Era um grito em vez de uma voz serena. O grito carregado pelo vento era desesperado e sem esperança. Logo, Juan encontrou algo que brilhava em vermelho apesar da escuridão e emanava uma energia profana que poderia esmagar pele e ossos. Não demorou muito para Juan reconhecer o que era.
— Ras.
Ras ficou no meio da escuridão com uma espada ardente cravejada no peito. No cabo da espada estavam os restos de uma mão queimada e enegrecida, cujo dono era desconhecido.
O grito parecia vir de algum lugar dentro do corpo enegrecido de Ras, que tremia ameaçadoramente. Embora o grito parecesse vir de uma pessoa, também parecia haver várias outras pessoas.
— Dilmond, você está vendo…
Juan se voltou para Dilmond e parou de falar. Juan deu apenas alguns passos para se afastar de Dilmond, mas Dilmond não estava em lugar nenhum – a única coisa que restou foi a mancha preta de sangue que ele havia derramado no chão. Juan olhou em silêncio para o local onde Dilmond havia desaparecido.
『É você.』
Juan ouviu uma voz atrás de suas costas. Ras ficou parado como uma estátua e permaneceu imóvel enquanto olhava silenciosamente para Juan.
『O garoto de cabelos negros.』
Ras começou a mover seu corpo com um som estridente. A espada de fogo fez um som agudo ao cortar o vento. Cinzas subiram densamente de todos os lugares que os pés de Ras tocavam.
『Onde estão os outros Templários? E por que está tão escuro? Eu… essa é a minha mão? O que diabos… O que aconteceu comigo?』
Ras murmurou com uma voz confusa enquanto seus ombros tremiam de medo. Parecia que Ethan havia sido absorvido com Ras pelo corpo de Nigrato. Era difícil para Juan compreender o estado atual de Ras. Juan se perguntou se a consciência de Ras ainda permanecia dentro do corpo de Nigrato, assim como a de Ethan, e quanto dele restava, ou mesmo se ele ainda estava vivo. Porém, tudo sobre como Nigrato se comportava e pensava era desconhecido para Juan.
『Há uma espada em meu peito… esta é minha espada? Espera, talvez… Não pode ser.』
Naquele momento, o pescoço de Ras recuou com um som estridente, como se ele tivesse sido atingido por alguma coisa. Sua cabeça trêmula se moveu lentamente para encarar Juan. Nada podia ser visto de seus olhos vazios de onde a fumaça negra subia.
『Juan. Não, quero dizer… Sua Majestade. Não, pai.』
— Ras.
Juan murmurou o nome de Ras como um gemido, mas ele percebeu facilmente que o homem parado na frente dele não era Ras. Juan imaginou que Nigrato se mostrasse no mundo mortal imitando as personalidades daqueles que foram absorvidos como oferendas de sacrifício. Juan estava convencido de que Ethan havia sido vítima de uma oferta de sacrifício a Nigrato, assim como Ras.
Nigrato, que havia assumido o controle do corpo de Ras, se aproximou lentamente de Juan e estendeu as duas mãos em direção a Juan. Então ele colocou as mãos em volta do rosto de Juan, como se estivesse acariciando seu rosto, e murmurou baixinho.
『Não, seu herege.』
Num instante, Nigrato começou a apertar o corpo de Juan com as duas mãos e o esmagou.
***
Enquanto salvava os refugiados de Hiveden lutando contra os mortos-vivos, Sina viu chamas subindo da escuridão. Era apenas uma pequena chama de vela em comparação com a enorme escuridão, mas parecia deslumbrante para Sina.
Naquele momento, Sina sentiu uma dor intensa devido à queimadura que cobria seu olho esquerdo assim que viu a chama, era a segunda vez que ela sentia dor devido ao ferimento em seu olho esquerdo. Sentiu como se estivesse revivendo a dor do passado quando Juan queimou sua ferida.
Quando Kamil viu Sina cambalear de repente, ela se aproximou apressadamente e a apoiou.
— Sina, o que está acontecendo? Você também estava assim mais cedo, não?
— Não, não é, não é nada. É só…
— Sina, seu olho…
Sina tentou tocar o olho esquerdo com as palavras de Kamil, mas rapidamente puxou a mão devido ao calor escaldante; a ferida dela estava brilhando em uma cor laranja brilhante. Sina não conseguia entender o que estava acontecendo com ela. No entanto, ela tinha certeza de uma coisa: a chama que irrompeu da escuridão claramente tinha algo a ver com Juan.
— Sina, fique para trás se estiver desconfortável. Não se preocupe com os mortos-vivos e se concentre em proteger o bispo Rietto. — Disse Kamil.
A vitalidade e a loucura habituais do bispo Rietto não estavam em lugar nenhum, e havia apenas um velho fraco que tremia de medo. Como Sina e Kamil não podiam deixá-lo sozinho enquanto lutavam contra os mortos-vivos, poucos refugiados o apoiavam e protegiam.
Sina balançou a cabeça.
— Não, estou bem agora. Na verdade, meu corpo parece muito mais leve por algum motivo. Vamos encontrar mais refugiados e…
As palavras de Sina pararam quando ela viu seres estranhos entre os refugiados saindo da escuridão.
Os olhos de Kamil brilharam de raiva quando ela notou os seres.
— A Ordem de Huginn!