Capítulo 73
A Aparição do Imperador (3)
Os olhos de Helmut se arregalaram. Quando os olhos de Ivy encontraram os dele, ela fechou rapidamente a boca.
Os músculos dos lábios de Helmut tremeram ao pensar que Ivy era tão perigosa como havia esperado. As palavras de Ivy mostravam que havia uma alta possibilidade de ela agir de forma imprevisível.
Se Helmut deixasse a situação como estava, seria apenas uma questão de tempo até que ela escapasse de seu controle e criasse uma oposição. Ivy já havia provado sua extraordinariedade desde o início, e os rumores sobre ela certamente se espalhariam ainda mais. Além disso, Helmut não podia ignorar o fato de que a Igreja estava desobedecendo as diretrizes estabelecidas por ele com mais frequência do que no passado, assim como quando a Ordem do Corvo Branco ignorou seus comandos.
‘Não, não. Vamos pensar nisso de uma perspectiva diferente…’
Helmut se perguntou se deveria colocar toda a culpa na Santa. Considerando que já se passaram mais de quarenta anos desde que ele assumiu o poder, seria natural que seu poder se tornasse instável com o tempo. Ele se recordou de que sempre houveram tentativas de abalar sua autoridade no passado, e pensou que talvez pudesse usar a Santa como uma oportunidade.
‘No entanto, só será possível se eu puder garantir que ela permaneça ao meu lado.’
O Papa tinha o monopólio da Graça de Sua Majestade e tinha o direito de distribuí-la livremente de acordo com sua vontade. Mas havia um limite para a quantidade de Graça e força que alguém poderia ter. Por esse motivo, Helmut tinha que manter a Igreja nas palmas de suas mãos, se ele não conseguisse fazer com que as pessoas estivessem ao seu lado, não poderia dizer que detinha poder.
Dentro da Igreja, a Santa seria o melhor meio para comprar a popularidade do público e o respeito da Igreja de uma só vez, sem mencionar sua capacidade de fazer profecias. Embora tenha havido problemas inesperados causados por ela até agora, ele imaginou que seria capaz de controlar a situação imprevista se bloqueasse o contato da Santa com o mundo exterior o máximo possível.
Helmut olhou para Ivy e estendeu a mão para perto de sua cabeça.
— Ugh…
Ivy recuou como se estivesse nervosa, mas Helmut avisou em um sussurrou.
— Fique quieta.
O Papa controlava toda a Graça de Sua Majestade. Ele era poderoso o suficiente para reviver os mortos e matar milhares de uma vez, não era tão difícil para Helmut manipular a mente de uma pessoa. Mas apesar de seu poder, Helmut sempre tinha que ser cauteloso em relação a Barth Baltic, o que o deixava furioso.
— Derrube os muros que você construiu dentro do seu coração… e me aceite.
Helmut colocou a mão sobre a cabeça de Ivy, podendo senti-la tremer como um pequeno hamster sob sua palma. Ele decidiu fazê-la se submeter completamente a ele, de modo que nem seu corpo nem sua mente pudessem escapar dele, e para que ela não ousasse ter outras intenções. Helmut usou a Graça para dominar a mente de Ivy.
— Todas as minhas palavras e comandos são em nome de Sua Majestade e o representam.
Mana jorrou da mão de Helmut e penetrou na cabeça de Ivy sem resistência. A Graça que ele estava usando era perigosa e poderia causar danos à memória e fazer alguém perder a sanidade se usada incorretamente, mas não era a primeira vez que Helmut a realizava. Helmut não tinha dúvidas de que teria sucesso.
— Vossa Santidade?
Para surpresa de Helmut, Ivy não mostrou nenhuma reação ao seu uso da Graça. Helmut olhou para Ivy com a boca aberta ao perceber que não podia ver nenhum sinal de domínio mental dela. Na verdade, a mana que ele enviou para o corpo dela escapou como se ele tivesse despejado água em um copo com um furo.
— O quê? Mas como…?
Frustrado, Helmut realizou a Graça mais uma vez, mas nada do que ele fez funcionou em Ivy. Ela apenas ficou quieta com uma expressão assustada no rosto, o que fez Helmut sentir como se ela estivesse rindo da habilidade do Papa de usar todos os tipos de Graça.
— Como isso pode ser possível?!
— Vossa Santidade, o senhor está bem?
— Cale-se!
Helmut involuntariamente deu um tapa na bochecha de Ivy, e ela caiu no chão com um gemido suave. Ele sentiu tanto raiva quanto medo ao mesmo tempo. Ele já estava frustrado pelo fato de ninguém estar seguindo suas ordens corretamente, e agora, a aparição de alguém que era resistente à Graça de Sua Majestade era a última gota que levava Helmut quase à insanidade completa.
— V-Vossa Santidade… Ahhhh!
— Sua vadia! Aparecendo do nada e arruinando tudo!
Helmut agarrou Ivy pelo cabelo e enquanto tentou a golpear.
Ivy tentou desesperadamente cobrir o rosto, deixando hematomas em seus braços e ombros.
O único pensamento na mente de Helmut era que ele devia matá-la. Helmut temia que ela, que podia transmitir as palavras de Sua Majestade e era resistente aos efeitos da Graça, pudesse destruir o fundamento de Helmut; ele nem queria pensar no que ela poderia fazer no futuro.
— P-Por favor, pare!
— Este lugar me pertence! Uma insignificante como você nunca será capaz de tirá-lo de mim!
Helmut agarrou o pescoço fino dela com a mão e começou a apertá-lo com força. Ivy tentou empurrar Helmut com uma expressão dolorida, mas ele não se moveu nem um centímetro. Embora a Graça não funcionasse nela, a dor física ainda parecia ser muito eficaz.
Ivy lutava desesperadamente, então de repente pegou algo que estava rolando no chão e o jogou em Helmut.
Com um som abafado, Helmut caiu no chão. Ele olhou para Ivy com uma expressão atordoada e notou o cinzeiro em sua mão que estava queimando incenso até um momento atrás.
Ivy deu um passo para trás com uma expressão mista de dor e medo no rosto, e então saiu apressadamente do quarto.
— Haa… — Helmut suspirou enquanto olhava fixamente para as costas dela.
Sentindo uma sensação quente e pegajosa, ele tocou o rosto com a mão e descobriu que estava coberto de cinzas e sangue, era a primeira vez que ele tinha sido golpeado por alguém desde que se tornou o Papa.
Não demorou muito para Helmut perceber o que tinha feito; ele tinha tentado matar a Santa em seu quarto. Não importa quanta influência ele tivesse na Igreja, era algo que poderia condená-lo até o dia de sua morte.
‘Estou à beira de um precipício.’
Helmut sentiu como se tivesse sido empurrado para um canto que colocava seu status em risco devido à sua ansiedade. Helmut teve a sensação de que poderia desmoronar a qualquer momento se não voltasse a si.
Helmut gritou para chamar o Padre que estava esperando do lado de fora do quarto.
— Traga-me os Sacerdotes Negros.
Ao ver a Santa ferida correndo para longe do quarto de Helmut, que estava uma bagunça, o Padre não fez uma única pergunta.
Helmut se deitou no sofá e decidiu organizar seus planos passo a passo; primeiro, ele planejava matar o garoto que tinha causado alvoroço no sul. Então ele planejava matar os traidores infiéis da Ordem do Corvo Branco e os remanescentes da Ordem de Huginn. Matar a Santa que ousou se rebelar contra ele era o último em sua lista.
Helmut continuou a organizar seus planos em sua mente, e de repente sentiu o cheiro de sangue em seu rosto. Ele pegou o cinzeiro que tinha seu sangue nele.
Logo, o quarto estava novamente cheio com o cheiro de incenso.
***
Juan abriu lentamente os olhos. O vapor branco estava oscilando solto, e a temperatura da água morna que cercava seu corpo era agradável. Quando Juan suspirou silenciosamente, um som nasal fino de uma mulher saiu. Juan levantou a mão para ver as gotas de água escorrendo ao longo da mão pálida e suave que não tinha um único arranhão.
‘Acho que ela estava tomando banho.’
Juan havia se conectado ao espírito de Ivy neste momento. Já era sua quarta tentativa de transferir seu espírito para o corpo original, mas ele ainda não conseguia passar pela Santa. Quanto mais ele tentava transferir seu espírito, mais naturais seus movimentos se tornavam.
Juan tentou retornar ao seu corpo cortando a conexão com a Santa como sempre, mas seus olhos inadvertidamente se voltaram para o espelho ao lado dele.
A Santa estava um pouco magra demais, mas tinha um rosto e um corpo bonitos, pois havia sido rigorosamente selecionada para visar a popularidade pública. No entanto, sua aparência sob as roupas que Juan viu pela primeira vez não parecia adequada para ser a Santíssima.
‘Os ferimentos…’
Juan percebeu feridas por todo o corpo nu dela, e percebeu que seus olhos estavam vermelhos como se tivesse chorado. Suas feridas não eram graves, mas havia contusões por todo o corpo e ombros. Juan deu uma olhada mais de perto apenas para ter certeza, mas não havia sinais de outras feridas além das resultantes das surras. A pior ferida no corpo era a contusão vermelha em seu pescoço.
‘Parece que alguém tentou sufocá-la. Mas não acho que tenha sido um assassino…’
Ao invés do trabalho profissional feito por assassinos, os vestígios mostravam que era uma surra comum e uma falha em sufocar a Santa. Juan se perguntou qual seria o motivo para a Santa ter sido espancada, e pensou que a causa poderia ser o que ele disse na cerimônia.
‘O Papa.’
Juan sorriu de forma sinistra ao se recordar do rosto do Papa.
Para falar a verdade, Juan não tinha muita simpatia pela Santa, pois ela também não passava de uma pessoa que usava seu nome para obter benefícios como qualquer outra. No entanto, o fato de a pessoa que transmitia suas palavras ter sido espancada por consequência disso era inaceitável.
‘Precisarei fazer algo a respeito.’
Juan tentou mover o corpo dela muito lentamente. Quando ele se conectou a Ivy pela primeira vez, o corpo dela se movia de forma não natural, como se ele estivesse sonhando. Tudo o que ele podia fazer naquela época era mover os pés dela e falar, mas ele sentiu que desta vez podia fazer mais.
Juan secou a água com uma toalha e vestiu algumas roupas. Se olhando no espelho, a maneira como ele vestiu o corpo da Santa parecia um pouco estranha, mas Juan não deu muita atenção a isso.
Juan decidiu mover um pouco mais o corpo dela enquanto estava conectado a Ivy. Quando Juan abriu a porta do banheiro, percebeu uma silhueta desconhecida sentada na cadeira no meio de um quarto escuro; era um homem vestido com o uniforme de um sacerdote negro.
Juan teve uma súbita sensação de que a pessoa diante dele era um gângster e não um Padre. Ele não era um assassino, mas alguém que tinha vindo ameaçar a Santa.
— O que é? — Juan perguntou.
— Santa. Eu estava esperando por v-… Vou te dar um tempo para arrumar suas roupas.
O Sacerdote Negro, que estava sentado relaxadamente, virou a cabeça ao ver a Santa.
Como as roupas da Santa eram bastante diferentes das roupas das pessoas comuns, Juan não sabia como usá-las adequadamente, em outras palavras, Juan havia só jogado algumas roupas sobre si ao invés de realmente vesti-las.
— Se tem algo a dizer, diga logo e saia. Não desperdice meu tempo.
Manter seu espírito dentro do corpo de outra pessoa causava danos prejudiciais a ele. Embora fosse apenas uma lesão interna, e ele pudesse se recuperar descansando por apenas um dia, não era uma experiência agradável.
O Sacerdote Negro limpou a garganta e se levantou com o rosto virado para longe.
— Você não fala como uma Santa, nem age como uma. Eu ouvi dizer que você era gentil e simples.
— Você não está em posição de me educar sobre etiqueta quando se esgueirou no quarto de uma mulher no meio da noite com as luzes apagadas.
— Você fala como se eu fosse um baderneiro, Santa. Eu só vim entregar uma mensagem de Sua Santidade. “Por favor, considere o incidente de hoje como um aviso.”
— Um aviso?
O Sacerdote Negro se aproximou de Juan.
O fato de o Sacerdote Negro, que era duas cabeças mais alto do que a Santa, estar ao alcance dela era avassalador por si só. Seria natural que ela sentisse medo, já que estava sozinha com o Sacerdote Negro no meio da noite, logo após ter tomado banho.
No entanto, o Sacerdote Negro não conseguia ler nenhuma emoção em seu rosto.
‘O que está acontecendo?’
O Sacerdote Negro havia interrogado, torturado e até executado muitos suspeitos de heresia e apostasia até agora. Ele não hesitava em fazer todas as tarefas sujas que o Papa queria. Como tal, o Sacerdote Negro estava acostumado a controlar as pessoas através do medo, e podia ler suas emoções com facilidade. No entanto, ele não conseguia sentir nada na Santa além de nojo e irritação. Era uma emoção que ele nunca pensou que ela poderia sentir nesse ambiente.
— Então qual é o aviso? Estou ocupado, então se apresse.
— Eu não estava planejando sujar minhas mãos, mas acho que não tenho escolha.
Causar dor e medo ou humilhar alguém sem deixar feridas era simples. O Sacerdote Negro passou os olhos pelas curvas de sua figura pálida exposta sob suas roupas finas.
Ele estendeu a mão em direção ao pescoço esguio da Santa.
Naquele momento, a Santa agarrou a mão do Sacerdote Negro. Ele inclinou a cabeça por curiosidade ao perceber tardiamente a mão da Santa se estendendo para ele. Mas antes que ele pudesse sequer sentir a textura macia de sua mão, ele soltou um grito devido à dor dos ossos do dedo se esmagando.
— Ugh-ahhhhhhhhh!
Ele caiu de joelhos enquanto gritava, mas seus dedos não puderam escapar da mão da Santa. Ossos brancos foram expostos, já que seus dedos foram completamente dobrados para trás, enquanto seus ossos quebrados batiam e se chocavam entre si sempre que a Santa movia seus dedos.
— Certifique-se de pedir minha permissão da próxima vez que quiser me visitar durante o dia, e não no meio da noite.
— Ugh, e-eu vou! P-por favor…!
Juan soltou a mão do Sacerdote Negro como se estivesse jogando-a fora.
O Sacerdote Negro, que mal conseguiu escapar, tentou rastejar para fora do quarto com pressa. No entanto, Juan o impediu antes que ele pudesse.
— Ei.
— Argh, s-sim?
— Você sabe como usar magia de cura, certo? Trate meus ferimentos antes de sair. — Juan disse enquanto estendia a mão quebrada da Santa.
Era natural que sua mão estivesse quebrada, já que ele quebrou a mão de um homem tão forte com os dedos finos de uma garota.
No entanto, não havia um único vestígio de dor no rosto da Santa.
‘Quem diabos é ela…?’
O Sacerdote Negro teve que revisar drasticamente sua percepção da Santa. Além disso, teve que tratar os dedos dela enquanto sua mão estava terrivelmente dolorida.