Capítulo 74
A Aparição do Imperador (4)
Juan decidiu sair do Vaticano enquanto ainda estava no corpo da Santa.
O Vaticano era um lugar desconhecido para Juan, pois tinha sido construído após sua morte, mas de alguma forma ele conseguiu encontrar o caminho para fora.
O guarda estava preocupado com a segurança da Santa, já que ainda era madrugada, o sol sequer havia nascido, mas Juan tinha alguém para protegê-lo e guiá-lo.
— Está tudo bem. Esse cara vai me mostrar o caminho.
O Sacerdote Negro seguiu Juan com uma expressão distorcida no rosto. Sua mão quebrada tinha sido tratada, mas ele estava tendo dificuldade em esquecer a dor. A parte mais assustadora era o fato de a expressão da Santa ter permanecido a mesma enquanto ela quebrava seu dedo.
— Faz tempo… mudou bastante.
Juan murmurou para si mesmo com emoção ao olhar para as enormes praças da cidade e para os prédios fora do Vaticano. A capital não tinha muito significado para Juan, exceto pelo fato de que o Palácio Imperial estava localizado nela. No entanto, Juan sentiu uma leve nostalgia ao ver a capital depois de tanto tempo, mesmo que estivesse vendo a vista através dos olhos de outra pessoa. Parecia muito diferente do que ele se lembrava, mas inúmeras memórias da capital passaram pela mente de Juan.
— Onde fica o Palácio Imperial? — Juan perguntou.
— O-o palácio Imperial? Fica a noroeste daqui. Não é muito longe. — Respondeu o Sacerdote Negro com dificuldade.
Ele tinha procurado uma chance de ir embora, mas Juan não parecia ter intenção de deixá-lo ir.
Juan seguiu diretamente para o Palácio Imperial. Juan não conseguia manter a transferência de espírito por muito tempo, pois causaria um dano maior ao seu corpo, mas Juan decidiu verificar uma coisa enquanto ainda estava se movendo no corpo de Ivy.
‘O que aconteceria se eu visse meu corpo pessoalmente?’
Juan pensou que mesmo que não conseguisse transferir seu espírito para o corpo, algo poderia acontecer se ele visse seu corpo. Se não, ele ainda poderia pelo menos ver o estado em que seu corpo original estava. Segundo as histórias que Juan ouvira, dizia-se que seu corpo nem apodreceu nem secou desde o dia em que fora apunhalado. Mas Juan tinha a sensação de que seria capaz de dizer se ele estava preservado de forma incomum se o visse com seus próprios olhos.
‘Talvez eu consiga encontrar vestígios do dia em que morri.’
Juan também precisava procurar uma maneira de proteger a Santa. Ao contrário dos outros Padres que receberam diferentes tipos de Graça, nenhuma Graça podia ser sentida nela. A quantidade de mana que ela podia controlar também era pequena. Tudo o que Juan podia fazer era controlar o corpo pequeno e fraco da Santa à força, mas mesmo isso tinha limites.
‘Seria bom se eu pudesse usar magia.’
Havia muitos itens mágicos e poções escondidos no Palácio Imperial. Juan não tinha certeza se ainda estariam lá, mas ele achou que não seria uma má escolha visitar o Palácio Imperial por esses motivos.
Como o Sacerdote Negro disse, o Palácio Imperial era bem perto. À medida que Juan se aproximava do Palácio Imperial, a vista de terrenos e prédios familiares preenchia seus olhos. O Palácio Imperial ainda era escuro, silencioso e solene, assim como costumava ser no passado.
Quando Juan chegou à enorme praça que cercava o Palácio Imperial, ele parou. Na frente dele havia um prédio que não era muito grande ou extravagante, mas ainda era bastante elegante. Doze torres cercavam a enorme cúpula em forma de pirâmide em um círculo, e não havia paredes ao redor do prédio, já que o próprio Palácio Imperial funcionava como uma grande muralha defensiva.
Juan olhou para o pavimento de pedra no chão da praça, que estava gravado com runas e cercava o Palácio Imperial em forma de círculo. Quando Juan se aproximou, uma sutil parede dourada apareceu e bloqueou sua visão.
—S-Santa. Pode ser sua primeira vez, mas esta é a famosa barreira milagrosa chamada de “Véu da Benevolência”. Somente aqueles que têm permissão podem entrar. Oferece uma defesa tão forte que Harmon Helwin, dos Seis Apóstatas, realizou uma ocupação de quatro dias após o assassinato de Sua Majestade.
— Quatro dias? Como eles entraram depois disso?
— O chefe da família Helwin na época e o General Dismas, o terceiro filho adotivo de Sua Majestade, entraram e decapitaram Harmon. Ninguém além dos filhos adotivos de Sua Majestade ou dos Guardas Imperiais que vivem dentro podem entrar até hoje. O mesmo vale para Sua Santidade e o Regente…
O Sacerdote Negro nem conseguiu terminar suas palavras, pois Juan se aproximou do Véu da Benevolência e estendeu a mão em direção a ele. O Sacerdote Negro balançou a cabeça por dentro pensando que seria impossível abrir a barreira, mas logo sentiu vontade de gritar.
A parede dourada se abriu, e a porta começou a se abrir. O Sacerdote Negro ficou boquiaberto ao ver a porta se abrir. Ele nunca tinha visto o Véu da Benevolência ser aberto de fora – nem mesmo o Papa, que recebeu toda a Graça de Sua Majestade, ou o Regente, que controlava todo o império e exercia autoridade que não diferia da de Sua Majestade, podiam entrar no Palácio Imperial sem a Guarda Imperial abrir a porta para eles por dentro. No entanto, a Santa tinha aberto o Véu da Benevolência como se fosse a porta de sua própria casa.
— Estou feliz que ainda funcione. — Disse Juan enquanto respirava aliviado.
O Véu da Benevolência só podia ser aberto injetando um padrão especial de mana nele. Porque tal maneira de abrir o véu era impossível de replicar ou imitar, Juan havia dado um item mágico que poderia funcionar como a chave para o Palácio Imperial apenas para seus filhos e alguns dos Guardas Imperiais. Em outras palavras, Juan poderia abrir o véu contanto que pudesse usar mana e apenas ele poderia abri-lo dessa maneira.
— A estrutura do interior não mudou, certo? — Juan olhou para trás como se estivesse perguntando ao Sacerdote Negro.
No entanto, o Sacerdote Negro não seguiu Juan, ele apenas estava se curvando de bruços do lado de fora do Véu da Benevolência.
— O que você está fazendo?
—S-Santa. E-Eu não ousaria entrar no Palácio Imperial. Apenas os honrosos escolhidos podem entrar no Palácio Imperial, e você provou suas qualificações ao abrir essa porta sozinha. P-por favor, me puna pelo comportamento ímpio que mostrei anteriormente.
Cada palavra vinda da boca do Sacerdote Negro era sincera. Ele tinha ouvido o rumor de que a Santa era extraordinária, mas o poder absoluto da Igreja era mantido pelo Papa. Os Sacerdote Negros eram um grupo privado que apenas seguia as ordens do Papa dentro da Igreja, e a Santa não era muito diferente deles, considerando que ela não passava de uma ferramenta do Papa.
Mas essa Santa era diferente. Uma Santa que poderia abrir o Véu da Benevolência por conta própria nunca havia aparecido na história. O Sacerdote Negro não teve escolha senão implorar por perdão enquanto se curvava por ter tido más intenções em relação a ela.
— Não serei contra mesmo se você tentar me executar. Mas se me der uma segunda chance, eu gostaria de servi-la e sacrificar minha vida por você, Santa. Com misericórdia e perdão, por favor, me mostre a Graça de Sua Majestade e…
O Sacerdote Negro levantou inadvertidamente um pouco a cabeça quando não sentiu mais a presença. Não havia ninguém na frente dele, a Santa já tinha saído, e o Véu da Benevolência já havia se fechado novamente.
O Sacerdote Negro tentou se levantar ao ver a praça vazia, mas se sentou novamente. Era como se estivesse sonhando.
***
O Palácio Imperial era exatamente o mesmo que antes de Juan morrer, até o ar parecia o mesmo.
Naquela época, o Palácio Imperial era barulhento e tinha muitos nobres, chefes, oficiais contratados por Harmon, cavaleiros durões e muitos outros. No entanto, agora não passava de um espaço morto onde o fluxo de ar havia parado e não tinha nenhum traço de vida humana; era um espaço completamente alheio a vida atual.
Juan podia sentir onde seu corpo estava, no meio do Palácio Imperial, onde ficava o trono. Juan se dirigiu ao trono como se estivesse possuído pela voz de seu corpo o chamando.
‘Kennosis.’
Juan podia ver as esculturas e murais gravados com a história feita pelo imperador entre as grandes e magníficas colunas de pedra; os murais dos deuses, das bestas demoníacas e dos demônios tinham todas histórias ligadas a eles. Todos olhavam para os humanos com olhos arrogantes e os perseguiam, mas acabaram sendo horrivelmente assassinados pelo imperador.
Deus decidiu destruir o homem e o homem se rebelou contra Deus em retaliação.
Um imperador surgiu nesta terra como resultado da rebelião.
O imperador cortou os deuses em pedaços e os espalhou pelas montanhas, rios e campos.
A história do massacre estava gravada no mural. Lendo a epopeia na parede que elogiava o grande imperador, Juan continuou a andar como se tivesse se tornado um cão sendo arrastado por uma corrente.
Quem poderia resistir a esta glória.
Quem poderia renunciar a este poder.
Venha!
Ao ler até o final a epopeia na parede, Juan chegou a um enorme portão de ferro. Era o lugar onde se encontrava registrado o final do imperador, o lugar onde o Regime Eterno começou.
Um portão de ferro como esse não estava lá durante a era em que Juan ainda estava vivo. Parecia que tinha sido construído após o início do Regime Eterno, e parecia mais um portão de castelo do que uma porta comum considerando seu tamanho. Juan não sabia se a porta se abriria ou não, mas estava tão bem cuidado que nem um grão de poeira poderia ser encontrado.
Juan sentiu uma mana forte e poder além do portão de ferro. Ele achou o poder mais confortável e aconchegante do que ameaçador. Ele sentiu que cairia no sono, quase como se estivesse deitado em sua própria cama. Havia um enorme portão de ferro entre ele e o corpo original, mas isso fez Juan começar a perder o controle.
Ele queria entrar.
Ele queria entrar na sala e se tornar um só.
Ele queria se tornar parte dessa enorme quantidade de mana.
Juan olhou para a pintura gravada no portão de ferro, era uma pintura representando o imperador. Era o rosto de um homem de meia-idade que estava sentado no trono e olhava para o chão com uma expressão pesada.
O rosto solene e autoritário de alguma forma parecia muito distante para Juan. Juan percebeu que algo que parecia um galho preto estava perfurando o peito do homem na pintura, e assim Juan se recordou daquele dia.
O dia em que Gerard o apunhalou, e a lembrança de uma lâmina negra que penetrou em seu peito e se estendeu como um raio. Juan se lembrou de tudo, incluindo o sangue que jorrou de seu corpo, bem como o rosto de Gerard Gain que o olhava com desespero. Juan colocou a mão no portão de ferro como se estivesse possuído.
Foi então que…
— Quem é você?
Juan ouviu uma voz vinda de trás dele e rapidamente voltou a si. Ele ficou surpreso pelo fato de não ter sido capaz de perceber a presença de alguém se aproximando. Quando voltou a si, sua mana estava vazando do corpo da Santa em uma taxa rápida. Um suor frio escorria pelas costas de Juan.
Venha.
Vamos nos tornar um.
‘Quer que meu espírito e corpo se tornem um novamente.’
O corpo e o espírito de Juan queriam se fundir, e Juan teria sido sugado para seu corpo se tivesse perdido a cabeça e acabado entrando no portão de ferro. Mesmo agora, Juan sentia como se estivesse sendo puxado e que era difícil escapar. Seria apenas uma questão de tempo até ser pego pela atração se ele não cortasse imediatamente sua conexão com Ivy. Mesmo que o espírito de Juan entrasse em seu corpo original em seu estado atual, ele não seria capaz de recuperar seu corpo. Havia uma alta possibilidade de se perder e se tornar apenas uma massa de mana.
— Eu perguntei quem é você.
Ao virar a cabeça para a pessoa que fez a pergunta, Juan viu um homem desalinhado segurando um balde e um esfregão na mão. O homem parecia estar vestindo algo mais próximo de um trapo do que de roupas.
‘Ele é um faxineiro?’
Juan tentou identificá-lo, mas era difícil manter a consciência que havia mantido a conexão com Ivy. Mesmo agora, seu poder estava sendo sugado para o corpo original. Seria apenas uma questão de tempo até ele perder cada pedacinho de mana que havia mantido seu novo corpo se continuasse a resistir nesse estado.
— Se não responder, vou assumir que está aqui para prejudicar Sua Majestade. — Perguntou novamente aquele homem maltrapilho.
No entanto, Juan não tinha muito tempo para ter uma conversa longa com ele. Justo quando ele tentou se desconectar de Ivy, lembrou que a Santa poderia ser suspeita por outros por entrar no Palácio Imperial. Embora tenha feito um dos Sacerdotes Negros se submeter, não estava claro se ele continuaria a proteger Ivy.
Sem outra escolha, Juan usou suas últimas forças para falar antes de se desconectar do corpo de Ivy.
— Proteja… esta mulher.
O homem arregalou os olhos com a voz do imperador saindo da boca da Santa.
Juan logo perdeu sua conexão.