(Segunda-feira) Midori no Hi¹
04. Maio (Segunda-feira) 07:49
Percebo que estou deitado em um colchão no chão com mãos e pés algemados. Mas ainda não consigo pensar normalmente, ainda sonolento. Estou sentindo uma angústia por dentro que não sei se veio de um sonho ou da realidade.
O sentimento é como o de afundar em um pântano sem fundo. Não importa o quanto me debata não tem resultado algum, apenas continuo afundando mais e mais fundo, e no final esqueço o motivo pelo qual estou me debatendo. Me torno incapaz até mesmo disso.
Apenas afundando na lama. Meu corpo se enche de lama. Me torno lama. Meu interior e exterior; ambos se tornam apenas lama. E assim perco noção de onde começo e onde termino já que no final tudo é coberto por lama.
Eu mesmo não posso mais me perceber.
… ‘Eu mesmo’², huh.
No começo quando assumi esse corpo, me referia a mim mesmo no masculino propositalmente, mas agora isso já é completamente natural. Não acho que esteja simplesmente me acostumando com isso, mas porque minha mente está sendo possuída pelo corpo de Kazuki Hoshino. É por isso que posso acreditar que vou conseguir me tornar Kazuki Hoshino … sendo possuído por esse corpo.
Finalmente acordo completamente e me sento. Reconheci esse lugar imediatamente pela fragrância de menta no ar. Não é o apartamento de Ryuu Miyazaki, aonde eu deveria estar… é o quarto de Maria Otonashi.
Ouço uma leve respiração de alguém dormindo. Olhando em direção à cama vejo Maria Otonashi dormindo virada para o meu lado. Sua expressão não estava dura como sempre. Sua face parecia a mesma de uma garota da minha idade dormindo. …Não, ela é de fato uma garota da minha idade.
— Por que você está me olhando?
Sua expressão inocente desaparece instantaneamente.
— Você fica linda enquanto dorme, Otonashi-san.
— Então é você [Ishihara Yuuhei].
Ela percebe imediatamente. Apesar do horário entre as sete e oito da manhã ter pertencido a [Kazuki Hoshino] até ontem. Ela se senta e olha em meus olhos.
— Parece que você está vivo afinal de contas.
— …Hah?
Essa declaração fora de contexto me deixa sem reação.
— Estou dizendo que o ‘portado’ ainda está vivo.
Ainda não consigo entender o significado imediatamente. Mas então lentamente percebo que ela acabou de fazer uma declaração ultrajante.
Mas que…?
Ainda com dificuldade de aceitar isso fico apenas olhando para o rosto de Maria Otonashi. Ela está olhando com uma expressão de desprezo para minha reação confusa e então se levanta.
— Bom, acho que é hora de ir. Não tenho tempo para ficar conversando com você.
Ela pega uma jaqueta do armário e se veste.
— Aonde você vai…?
— Que pergunta idiota. Vou procurar pelo ‘portador’. Aonde mais iria?
Se o ‘portador’ ainda estiver vivo então é uma ação plausível. Ela abre a porta e sai sem se virar para olhar em minha direção novamente.
O que? O que isso significa? O que diabos aconteceu? Nossa estratégia de ontem falhou? Só assim para estar nessa situação. Por hora preciso entender o que está acontecendo. Para tentar falar com Ryuu Miyazakicomeço a procurar pelo celular. Vendo o aparelho de Kazuki Hoshino sob a mesa. Estendo minhas mãos para alcançá-lo…
— …!
O celular toca com uma precisão tão incrível que parecia estar esperando minha reação e me faz encolher com o susto. De acordo com o relógio, acabou de dar oito da manhã. Esse horário é meu desde ontem. Certamente, Ryuu Miyazaki esperou por esse horário para ligar. Pego o celular em minhas mãos e checo o número na tela.
— …Eh?
Não era o número que esperava. Esse número certamente foi… não, isso é impossível! O dono desse número jamais poderia me ligar! Mas então, quem é?Meus dedos estavam tremendo levemente, mas tento agir como se não tivesse notado e atendo a chamada.
— …Alô?
«…»
O outro lado fica em silêncio.
— Alô? …Quem fala?
«Riko Asami.»
— Eh…
Fico sem palavras.
«Por que essa surpresa toda?»
— Vo…você…
«Achou que eu tinha morrido? Achou que eu tinha sido assassinada? Que azar, huh. Nós realmente estamos conversando, então definitivamente estou viva.»
A voz realmente pertence à Riko Asami.
— Isso é impossível! Você não pode estar viva! Ryuu Miyazaki deveria ter matado você!
«…hu, huhu, sei disso melhor do que você, mas é como você pode ver. Que idiota, você não entende? Ele jamais seria capaz de me matar. »
Ryuu Miyazaki não pode matar Riko Asami? …Não posso acreditar. Riko Asami deveria ser um problema na vida dele também.
«Você é incompetente por achar que matou alguém sem ter usado suas próprias mãos. Você é um pedaço de lixo desagradável até de olhar. Por que você não se enfia em um incinerador e se queima da forma como lixo deve ser?»
Riko Asami tira vantagem da minha confusão para me fazer de idiota. Finalmente aceito o fato de que ela está viva e percebo uma coisa.
— …Por que você está falando dessa maneira?
«A maneira como falo?»
— A maneira que você está falando é quase como se…
«Como eu falava no passado? Como falava antes de fingir ser melhor do que eu era? Como falava quando era depressiva e só podia aguentar tudo em silêncio? …Estou surpresa por você poder dizer isso…»
Ela ri silenciosamente antes de continuar a falar:
«…Considerando que você não foi capaz de mudar nem um pouco.»
Ela disse que não mudei? Eu, que trabalhei tão duro esse tempo todo? Eu, que admirei Maria Otonashi e me transformei em outra pessoa? Eu, que vou me tornar Kazuki Hoshino? …Eu não mudei? Não tente tirar uma com a minha cara! Você não é nada mais que Riko Asami!
— …Não me venha com essa! Você ligou apenas para me infernizar ou o que?
Ouvindo minha declaração, ela, que costumava ser tímida no passado, falou:
«Sim!»
— …Eh?
«Quer saber? Não consigo perdoar alguém que nem você que está tentando assumir o lugar de outra pessoa. …Honestamente, que porcaria é essa? Enxergue o seu lugar. Você deveria morrer. Portanto… »
Ela disse com uma voz fria.
«…Acho que vou esmagar essa ‘caixa’.»
— O que… você está dizendo…?
«Você sabe que posso, certo? Afinal, eu, Riko Asami, sou a ‘portadora’.»
Fico sem palavras até mesmo para responder e acabo em silêncio. Minhas mãos começaram a tremer.
Riko Asami ri silenciosamente e diz para mim³:
Novamente faço algumas alterações para tentar encaixar. Enfim, ela está se referindo a si mesma no feminino.
«Nem pense em tentar se salvar sozinha! Ok, [Riko Asami]-san?»
04. Maio (Segunda-feira) 10:01
«…me …ajude… Por favor, Nii-san, me ajude…!»
Esse pedido de ajuda foi feito por Riko Asami. Pensando nisso, no começo Miyazaki-kun apenas disse «irmãos», ele nunca disse que possuía um «irmão mais novo». Arbitrariamente o considerei como sendo um garoto já que ela falava com a minha voz, masculina, e se chamava de «Ishihara Yuuhei». É claro, ele provavelmente não me corrigiu de propósito.
Mas nunca teria imaginado que Asami-san era irmã de Miyazaki-kun. Afinal de contas, eles não têm o mesmo sobrenome e jamais ouvi tais rumores. Apesar de vir a nossa classe todo dia, ela jamais deu qualquer sinal disso. Provavelmente eles estavam escondendo a relação deles propositalmente por causa da complicada situação familiar dos dois. Talvez ela não tenha vindo a nossa classe regularmente apenas para encontrar a Maria, mas também para ver Miyazaki-kun.
Enquanto Maria, que havia chegado pouco antes de ‘trocar’, remove minhas algemas, pergunto:
— Desde quando você sabia que [Ishihara Yuuhei] era uma garota?
— Mh, comecei de fato a suspeitar que [Ishihara Yuuhei] era uma garota no momento em que nós entramos no banheiro feminino juntos.
— …Então [Riko Asami] entrou no banheiro feminino com o meu corpo, é isso?
— Por que você precisa perguntar algo tão óbvio?
Ela disse impressionada. …Uhm, não sou eu que deveria estar impressionado com você?
— Eu descobri a identidade dela durante a pesquisa que fiz depois. A maioria dos colegas de Miyazaki, do ensino fundamental, sabiam sobre a relação dele com Asami. E então descobri os corpos na casa dela e confirmei que Riko Asami é a ‘portadora’.
Maria também viu os corpos…
Ela termina de remover as algemas e deixa escapar um suspiro.
— Mas aonde é que ela está…?
Maria me conta que esteve procurando por Asami-san após ter descoberto que ela era a ‘portadora’, mas não encontrou nenhuma pista levando a ela. Maria se agacha, olhou debaixo da cama e remove algo de lá.
— O que você está fazendo?
— Coloquei um gravador em baixo da cama. Achei que Miyazaki ou alguém poderia ligar e deixar escapar algo que nós ainda não sabemos.
Maria pressionou o botão para reproduzir a gravação. Apertando repetidamente o botão de acelerar ela procurou por um trecho onde [Riko Asami] estivesse falando.
«…Alô?»
A voz tocou.
— …Ela fez uma ligação!
— Sim.
A voz do outro lado era praticamente inaudível. Mas parecia a voz de uma garota. Pelo menos sei que não é Miyazaki-kun. Tento olhar o registro de chamadas do meu celular que estava sobre a mesa. Ela limpou os registros tanto de chamadas recebidas quanto discadas pelo que parece, não encontro nenhum registro novo.
Pelo som da gravação parece que está havendo uma discussão. Maria conecta o gravador ao notebook dela, transfere o arquivo e tenta ouvir novamente com headphones. Acho que ela está tentando ouvir os detalhes da conversa.
Ela franze tanto a testa que foi quase assustador. Depois de algum tempo ela me passa os headphones.
«Alô? …Quem fala?»
«Riko Asami.»
Duvido dos meus próprios ouvidos. Ouço um pouco, mas começo a ter dúvidas. Essa é Asami-san? Mas ela não fala como a Asami-san que conheço. Ela não fala normalmente de forma tão calma e subjugada. A personalidade de Riko Asami que conheço é a mesma de [Ishihara Yuuhei]… não, [Riko Asami].
Isso me faz lembrar, Asami-san tem agido de forma estranha desde trinta de abril. Realmente, ela parece um tanto abatida. Então a atitude estranha dela não era necessariamente porque a Maria tinha feito o meu almoço. Pensando nisso, a ‘Sevennight in Mud’ já havia começado naquele dia. Isso significa que ela tem fingido sua personalidade até recentemente. …Por quê?
«Nem pense em tentar se salvar sozinha! Ok, [Riko Asami]-san?»
Me concentro em ouvir o resto da conversa.
04. Maio (Segunda-feira) 11:02
Me lembro da conversa que tive com Riko Asami.
«Nem pense em tentar se salvar sozinha! Ok, [Riko Asami]-san?»
Estremeci por um momento por causa da forma como ela disse aquilo, mas me recompus e respondi.
— …E como você planeja remover a ‘caixa’? Você por acaso sabe como?
«Não sei. Mas ainda posso destruí-la.»
Ao ouvir sua resposta acabo sem palavras.
«Quero fugir. Também quero te destruir porque te odeio. Posso fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Você sabe o que quero dizer, não sabe? Para fazer isso apenas preciso…»
Ela disse com uma voz quase inaudível.
«…cometer suicídio antes que o desejo da ‘caixa’ seja completo.»
De alguma forma reconheci essas palavras. Aah, entendo. Essas são as mesmas palavras que usei para ameaçar Kazuki Hoshino.
«Não me diga, você realmente achou que poderia roubar o corpo de Kazuki Hoshino? Sinto muito, mas isso é impossível! É impossível, você jamais vai derrotar alguém, é impossível para você obter felicidade! Afinal de contas você sou eu. Riko Asami. Você deveria saber seu lugar. Apenas morra. Alguém como você não serve para nada além de morrer.»
Da mesma forma que Riko Asami fez no passado, ela começa a amaldiçoar com uma voz baixa quase inaudível.
«Você deveria se enforcar, isso faria seu intestino se esvaziar e todos teriam que tapar o nariz por sua causa. Você deveria pular de um telhado, então todos seriam incomodados com seu cérebro esparramado. Você deveria morrer atropelada por um trem, assim todos os passageiros ficariam irritados com seus pedaços espalhados sob a plataforma… isso seria apropriado para você. Diga-me, o que você acha?»
Ela me perguntou.
«Que morte você acharia apropriada para Riko Asami?»
Ela me perguntou de qual maneira ela deveria morrer. Entendo. Quando a ‘portadora’, Riko Asami, morrer, vou inevitavelmente desaparecer. Estou completamente acuada agora.
— …Pare com isso!
Não consegui esconder meu nervosismo ao dizer essas palavras, Riko Asami se animou ao ouvir isso.
«Parar com o que? Com a ideia do suicídio? Por quê? Você não tentou me matar antes?»
— Isso foi porquê… não tinha percebido que iria desaparecer se você morresse.
«Hahaha, não seja idiota! Você acha que ainda não desapareceu? Brilhante. Isso é brilhante demais. …Por acaso você seriamente acha que pode se tornar Kazuki Hoshino?»
— Eu posso! Se você não me atrapalhar, posso me tornar Kazuki Hoshino! E então vou roubar a felicidade dele!
«Aha. Não importa. Vou cometer suicídio de qualquer forma.»
— Não te mandei parar com isso!?
«Por que deveria ouvir o que você pede? Sou sua inimiga, sabia?»
— Inimiga?
«Sim, inimiga. Você deveria saber que você mesma, especialmente a antiga você, seria sua inimiga.»
— Não me venha com essa! Se não fosse por você eu poderia me tornar Kazuki Hoshino, por que você é assim?! Horrível! Você é realmente horrível!
Ouvindo essas palavras, Riko Asami começou a rir histericamente do outro lado da linha.
— O que é tão engraçado?!
«”Horrivel”, huh!»
Sem parar de rir, ela disse:
«Não exagere tanto quando estiver falando mal de si mesma, ok?»
Essa foi minha conversa com Riko Asami.
— Uh, ghu…
Seguro meu peito para impedir a náusea. Nojento. Por quê, por quê… Por quê tive que falar com Riko Asami …? Ryuu Miyazaki me disse que havia matado ela, por que ele mentiu para mim?
— … Eu vou morrer.
Aquilo não foi uma ameaça. Sei disso porque conheço Riko Asami melhor do que qualquer um. Ela, que odeia a si mesma, mais do que qualquer um, jamais aceitaria que essa que ‘caixa’ fosse completa. Ela provavelmente vai destruir a ‘caixa’ na noite de cinco de maio. Porque ela quer me deixar desesperada me fazendo esperar até o último momento.
Para impedir isso, nós tivemos que matar Riko Asami. …Mas mesmo que Ryuu Miyazaki tivesse matado ela, eu teria desaparecido por causa da destruição da ‘caixa’. Então o que? Isso significa que estava destinada a desaparecer não importa o que faça?
— …O que eu deveria…
Estou sem opções. Fui presa por Maria Otonashi, não posso contatar Ryuu Miyazaki e estou prestes a ser eliminada por Riko Asami. Por que tudo acabou dessa forma…?! O tempo de espera para a caixa ser completa era originalmente apenas para atacar Kazuki Hoshino e fazê-lo se render!
— O que deveria fazer…
…Espere um momento. Reparo no meu próprio murmúrio. O que acabei de dizer?
Eu⁴?
Não tinha parado de me referir a mim mesma dessa forma desde que entrei nesse corpo? Não tinha mudado isso naturalmente? Não me diga que estou ciente? Ciente de ser «Riko Asami»?
Não, nãonãonãonãonãonão! Não sou «Riko Asami»! Não sou ninguém, sou uma fabricação que eventualmente se tornará Kazuki Hoshino…
— Você realmente acredita que pode escapar dos seus pecados apenas com isso? Acho esse seu lado infantil terrivelmente adorável.
Que voz é essa?
Uma voz incrivelmente charmosa, que já ouvi antes em algum lugar, invade meu corpo. Não. Isso não é verdade. Eu posso… fugir de Riko Asami.
E mesmo assim…
— Ah, AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHH!
Uma enorme quantidade de memórias me veio à mente de uma vez só. Memórias que deveriam ter sido esquecidas quando entrei nesse corpo. Mesmo não sendo capaz de processar todas essas memórias ao mesmo tempo, elas inevitavelmente encheram minha mente.
O que vejo é a cena da primeira vez em que Ishihara Yuuhei usou força bruta contra Riko Asami.
Ela com treze anos estava berrando, apavorada diante daquele bruto com um rosto completamente vermelho. Aah, sim. Foi assim no começo. O primeiro ato de violência dele foi repreender Riko Asami pelo comportamento dela. Aos treze anos, Riko Asami o odiava porque ele não era seu verdadeiro pai e o considerava como um inimigo abertamente. Ishihara Yuuhei não aceitou isso por muito tempo e no final acabou usando violência.
Aquilo desencadeou um dia a dia de violência. Bom, talvez isso seja plausível já que aquela criança indesejada e problemática ficava obediente e em silêncio quando ele usava força bruta. Então violência contra Riko Asami se tornou um método efetivo e prazeroso para aquele bruto.
Também era agradável para a mãe que ficava envergonhada do comportamento de Riko Asami. A filha tinha tentado destruir aquela família com seu comportamento incontrolável. Esse era o problema que tinha incomodado o velho casal todo esse tempo.
Morais mudam dependendo do ambiente. A oposição de Riko Asami contra a violência e contra sua própria família foi aos poucos desaparecendo. Todos, incluindo a própria Riko Asami, pararam de questionar o motivo daquela violência.
Eles deixaram de questionar o motivo daquilo, mas isso não mudou o fato de que o coração de Riko Asami continuou sendo destruído pouco a pouco.
Ela conseguia ouvir o som do coração dela se partindo em diversas ocasiões. Não era um som forte, mas um som modesto como se alguém estivesse jogando uma pedra em um lago. No começo ela apenas pensava “Aah, se partiu de novo” ao ouvir o som, mas com o passar do tempo percebeu que estava faltando algo importante.
A violência daquele homem, que era mais baixo do que um bruto, certamente não interessaria os que não estavam envolvidos já que não era algo incomum. Isso seria classificado como “violência doméstica” ou outro termo simples. E com essa pequena expressão traria a quem soubesse da situação um sentimento de compreensão.
Portanto, Riko Asami não classificou essa violência com um termo qualquer. Os vazios do coração já acabado de Riko Asami foram tampados com violência. O que significa que Riko Asami passaria a aceitar aquela violência se aceitasse a si mesma. Por isso, Riko Asami não admite sua própria existência.
A próxima coisa que vejo é a cerimônia de abertura do ensino médio.
Ela, que estava sob a plataforma como a melhor aluna… Maria Otonashi.
Riko Asami a viu e ficou sem ar. Apenas por olhar para Maria Otonashi e ouvir sua voz, Riko Asami não conseguiu mais respirar e se agachou em dor.
Isso sim é algo. A mais perfeita ferramenta. Ela parecia a obra prima de um artesão. Com tanta objetividade e intencionalidade, parecia quase artística. Esse é o tipo de ser absurdo que ela era.
Riko Asami começou a chorar sem perceber. É isso. É isso o que ela precisa para escapar de si mesma. Ela precisava criar uma personalidade perfeita, como Maria Otonashi fez. Riko Asami começou a se soltar mais. Ela se livrou daquela personalidade depressiva e criou uma personalidade neutra e forte. Mas ela não fez tão bem quanto Maria Otonashi.
Quanto mais Riko Asami a conhecia, mais ela percebia que não seria possível imitá-la. Maria Otonashi foi capaz de criar uma máscara perfeita porque ela é fora de padrão. Ninguém jamais conseguiria imitar isso.
Maria Otonashi definitivamente… não é humana.
Enfim vejo a cena de «28 de Abril».
O dia em que Riko Asami obteve a ‘caixa’.
Ela estava segurando um coelho de pelúcia surrado em suas mãos. Sangue cobria a superfície do brinquedo de pelúcia que seu irmão ganhou para ela em um fliperama, uma de suas orelhas estava faltando.
Haviam dois corpos. O irmão estava gritando sob a poça de líquido vermelho. Riko Asami havia sido completamente destruída por Ishihara Yuuhei. Não havia nada nessa casa que não estivesse quebrado. Tudo havia acabado. Tudo o que havia sobre Riko Asami foi abaixo naquela cena, estava tudo destruído de uma vez por todas.
Eu estava chorando.
A ilusão finalmente desapareceu, levada pelas minhas lágrimas.
— …Uma, uma coisa dessas…
Não posso admitir isso. Não posso admitir ser Riko Asami! …Portanto, vou me tornar Kazuki Hoshino.
Não vou perdoar [Kazuki Hoshino]. Não posso perdoá-lo por ficar tagarelando sobre seu dia-a-dia ser cheio de alegria, e nem todos aqueles que não sabem que só podem rir porque estão roubando a alegria de alguém.Vou rir por último. Você vai ver [Kazuki Hoshino], você irá pagar por não entender o que é azar de verdade.
Vou te usar. Maria Otonashi não me confunde mais com [Kazuki Hoshino]. Portanto não posso mais enganá-la. Então eu só preciso usar o original. Eu vou ameaçar [Kazuki Hoshino] e fazê-lo me obedecer para enganá-la.
Ele deve ser o responsável pela própria destruição e cair em desespero. Ele não vai mais poder dizer que os dias normais são felizes.
Pegando o celular de Kazuki Hoshino, comecei a gravar.
— [Kazuki Hoshino], vou matar toda a sua família. Eu vou massacrar eles um por um brutalmente. Vou esquartejá-los de uma forma tão horrenda que você não vai nem ser capaz de reconhecer os corpos. Então é melhor fazer o que eu mandar. Se você fizer, posso poupá-los dependendo do meu humor. Absolutamente não deixe Maria Otonashi ouvir essa mensagem. Muito bem então, essas são minhas instruções…
04. Maio (Segunda-feira) 12:06
«… Vou matar. E então vou me tornar Kazuki Hoshino. E novamente, não diga nada para Maria Otonashi!»
— …Que tolice.
Maria murmurou ao ouvir a mensagem e ficou com uma expressão séria.
— Estando sem saída, ela perdeu completamente a noção da própria situação. Não tem como não ouvir essa mensagem da forma que as coisas estão.
Vários insultos e “Dê um jeito de enganar Maria Otonashi e fugir!” estavam contidos na gravação. Não estava assustado por essa ameaça. Não importa o quanto [Riko Asami] tente apelar, agora que estamos trabalhando juntos, é impossível para ela cometer assassinato usando esse corpo.
A atitude dela é digna de pena. Maria, que estava com a boca pressionada em linha reta, com certeza tem a mesma impressão. Ela pesquisou as circunstâncias de [Riko Asami] durante os últimos dois dias.
O que ela descobriu, apesar de serem rumores, é terrivelmente cruel. Além disso… aqueles corpos, que são um erro que não podem mais ser corrigidos, realmente existem. A menos que ela complete a ‘Sevennight in Mud’, um futuro sem qualquer esperança a aguarda.
É por isso que [Asami-san] está desesperada.
— …Oh?
— Por que você está fazendo um som estúpido do nada?
— Não, estava apenas um pouco confuso. Uhmm, [Asami-san] e [Riko Asami] conversaram, o que significa que as duas existem separadamente, certo? …Isso pelo menos é possível?
— Isso apenas significa que [Asami] tinha algum senso comum. Ela estava tentando tomar o seu lugar, mas não conseguia acreditar fielmente na possibilidade de assumir o corpo de alguém. É por isso que as coisas ficaram assim.
— …Então, a [Asami-san] que é a ‘portadora’ é a verdadeira…?
— Não é sobre qual é verdadeira e qual é falsa. Mas [Asami] continuou sofrendo sem alteração quando [Riko Asami] foi criada pela ‘Sevennight in Mud’.
[Asami-san] não conseguiu se libertar mesmo após obter a ‘Sevennight in Mud’. Sendo deixada para trás, ela está planejando cometer suicídio… levando [Riko Asami] com ela.
— Nós absolutamente precisamos prevenir o suicídio dela. Essa é mais uma razão para a encontrarmos. Mas onde ela pode estar? … Droga, só temos um dia restando!
Maria está obviamente nervosa. Afinal, Maria coloca os outros em primeiro lugar. [Asami-san] morre e a ‘Sevennigh in Mud’ desaparece… ela não pode permitir tal fechamento.
— …Maria, que tal usarmos essa ameaça?
Ela franze a testa e me encara ao ouvir minha sugestão.
— O que você quer dizer?
— …Ah bem, apenas me veio à mente. Estava pensando que as coisas podem se desenrolar se nós propositalmente respondermos à ameaça e deixarmos [Riko Asami] agir…
— Claro, as coisas também podem continuar da forma que estão.
Maria cruza os braços e começa a pensar.
— Vamos assumir que nós aceitamos a ameaça e libertamos [Riko Asami]. Então… claro, ela provavelmente visitaria Ryuu Miyazaki.
— Sim, também acho.
— …Espere, talvez Miyazaki saiba do paradeiro da [Asami]?
— …Não acho isso possível. Se ele soubesse, jamais ajudaria a completar a ‘Sevennight in Mud’.
— Você tem um ponto… mas então, ele nos disse que nós jamais encontraríamos Asami. Então esse argumento não teria mais fundamento. …Será que Miyazaki se enganou em algum ponto…?
Maria franze a testa e pensa por um tempo.
— …Não adianta pensar sobre isso. Por hora, vamos assumir que Miyazaki não sabe da situação atual da [Asami].
Concordo.
— Mas então tem algum sentido em deixar [Riko Asami] agir por conta própria? Nós não precisamos de [Riko Asami] mas de [Asami] a ‘portadora’, você percebe isso?
— …Err, acho que tem sentido. Pelo que ouvimos no gravador, acho que [Riko Asami] sabe como entrar em contato com [Asami-san].
— Cooperar com [Riko Asami] e deixar ela fazer contato, huh? Impossível. É difícil de acreditar que uma garota que faz ameaças vazias daquela forma poderia responder suas expectativas.
…isso certamente é verdade.
— Ou você planeja destruir os sentimentos dela, fazê-la se render e forçar com que ela te obedeça?
Maria ri de leve da própria piada. Respondo a essa piada.
— Boa ideia.
A expressão dela enrijece. Também estava surpreso pelas minhas próprias palavras frias. Mas fora minha surpresa, percebo um método. Estando em uma situação similar a [Riko Asami], percebo um método de destruí-la emocionalmente e fazê-la nos obedecer. Se nós deixarmos [Riko Asami] ir, ela vai entrar em contato com Miyazaki-kun. Para ela, Miyazaki-kun é como Maria para mim. Portanto…
— Nós só precisamos fazer Ryuu Miyazaki trair [Riko Asami].
Dizendo isso penso, posso realmente fazer isso?
Envolver Miyazaki-kun, fazer [Riko Asami] cair em desespero e destruir o ‘Sevennight in Mud’. O que significa que [Asami-san] irá voltar a ser ela mesma, a mesma que cometeu um crime que não pode mais ser reparado. Não acho que haja felicidade no futuro que aguarda por ela. O que eu estou prestes a fazer significa sacrificar [Asami-san].
…Vamos deixar de bancar o indeciso para parecer uma boa pessoa.
De fato, já decidi a muito tempo. Já havia decidido no momento em que anunciei «Não vou permitir a sua existência.» para ela, no momento em que eu passei a vê-la como minha inimiga.
«Vou derrotar [Riko Asami].» «Não vou permitir a existência dela.»
Enquanto estive ganhando alguma determinação, Maria continuou me observando com sentimentos complicados em seu rosto.
— Eu…
— …Você não pode me ajudar?
— Não… não é isso. Sei que não tem outra maneira já que você desapareceria de outra forma. Contudo, não consigo aceitar as dificuldades que [Asami] inevitavelmente vai enfrentar.
Ela diz e morde os lábios.
— Porque você não pode aceitar o azar dos outros…
— …Não é só isso. Se fosse, ainda daria um jeito de aguentar. Mas sabe? Eu percebi…
Ela diz olhando para o chão.
— Percebi que [Riko Asami] e [Aya Otonashi] são iguais.
— …Iguais?
— …
Maria não responde minha pergunta. Mas entendo por causa do silêncio dela.
Maria, que está tentando se tornar uma ‘caixa’ e que ainda é [Aya Otonashi], e [Riko Asami], que foi criada com uma ‘caixa’, são iguais no aspecto de que são entidades separadas do seu original.
Maria, estando em uma posição semelhante, conhece os sentimentos de [Asami-san]. Não sei qual a melhor atitude a se tomar nessa situação. Só posso declarar o que entendo para a Maria.
— Mas [Asami-san] não quer isso.
Eu continuo.
— Ela não desejou desaparecer!
— …Sim, eu sei.
Maria murmura e ergue o rosto. Mesmo assim nós não podemos mudar o destino da [Asami-san].
04. Maio (Segunda-feira) 12:35
Paro em frente à porta do apartamento de Miyazaki-kun e respiro fundo. Maria entra no apartamento ao lado, ela já havia confirmado que o quarto era desabitado da última vez que veio. Solto a respiração e apertei a campainha.
Não há reação. Como esperado. Mas tenho certeza. Miyazaki-kun está aqui.
— Responda.
Bato na porta.
— Responda, por favor, responda…
O que estou para fazer vai feri-lo terrivelmente. Estou ciente disso, mas vou fazer de qualquer forma.
— Por favor, responda… Nii-san.
Chamo Miyazaki-kun da mesma forma que Riko Asami o chamou pelo celular.
— Me ajude, Nii-san!
Miyazaki-kun provavelmente estava planejando permanecer o resto do tempo até o dia seis de maio isolado em seu quarto sem contatar [Riko Asami]. Mas sei que ele não pode ignorar um pedido de ajuda dela diretamente. A porta abre. Miyazaki-kun parece ainda pior do que ontem.
— …Otonashi está por perto?
— Não.
— …O que você fez até agora?
— Fui preso pela Maria Otonashi … mas consegui enganar [Kazuki Hoshino] e fugir de lá! De qualquer forma, por que você não atendeu o celular, Nii-san?
— …Bem… não importa! Por que você está me chamando de “Nii-san”? Você não tinha parado com isso?
— Err…
Asami-san o chamou de «Nii-san» na mensagem, então ela mudou isso?
Suprimo meu nervosismo e respondo rapidamente com a primeira coisa que me veio à mente.
— Achei que seria estranho não te chamar de «Nii-san» já que Maria Otonashi tem me chamado de «Riko Asami »… Deixando isso de lado, por que fui pego, Nii-san? O que faço agora?
Faço uma pergunta antes que ele possa duvidar da minha explicação. Miyazaki-kun se mantém em silêncio para essa questão e morde os lábios. A expressão dele me convence. Miyazaki-kun acredita que no momento sou [Riko Asami].
— Você vai me ajudar, Nii-san?
É claro, não quero ver Miyazaki-kun nesse estado. Quero que ele diga que não vai mais ajudar [Riko Asami] e que vai nos ajudar. Assim não vou mais precisar atormenta-lo.
— Sim, vou te ajudar!
Mas Miyazaki-kun me mostra um sorriso cansado e diz isso. Parto para o próximo passo.
— Vai ajudá-la? Da para você, por favor, parar com isso?
Sem poder compreender a situação, ele arregala os olhos ao ouvir isso.
— …Huh?
— Estou dizendo para você parar de ajudar [Riko Asami]!
Ele, contudo, ainda não parece entender a situação e fica congelado. Resolvo esclarecer as coisas para ele.
— Sou [Kazuki Hoshino].
— Hoshino…?
Ele murmura, mas continua com uma expressão pasma por um momento, mas enfim compreende que [Kazuki Hoshino] estava imitando [Riko Asami] e me segura pela gola da camisa com raiva emanando de seus olhos.
— O que você quer fazer, seu maldito?! É divertido me provocar?! Você faz ideia de quão repugnante é a sua atitude, HUH?!
— Eu sei…
— Então o que é isso?! Tente se explicar!
Hesito em abrir minha boca. Porque as palavras que vou dizer a ele agora podem facilmente feri-lo.
— Miyazaki-kun, você apenas tenta ajudar [Riko Asami] reflexivamente quando ela pede ajuda. Maria te disse, não foi? Você não teve escolha alguma.
A expressão em seus olhos não muda, mas a força dele na minha gola diminui um pouco.
— …Não te disse? Só estou ajudando minha irmã.
— Você estava prestes a ajudar ela novamente afinal de contas. Mas não foi sua irmã, mas eu quem pediu ajuda, não é mesmo?
Ouvindo essas palavras, Miyazaki-kun arregala os olhos.
— Diga, Miyazaki-kun. Um ser misterioso que você não pode sequer diferenciar de mim é tão importante?
Tenho certeza que ele quer rejeitar isso. Mas sem argumentos, ele apenas continua mordendo os lábios até eles perderem a cor.
— Sinta-se livre para ajudar sua irmã. Não posso fazer nada quanto a isso! Mas quer saber? [Riko Asami] não é sua irmã. Vamos, Miyazaki-kun, me diga de novo…
E então pergunto.
— Quem você vai salvar?
Ele me olha com uma expressão enraivecida. Eu o encaro da mesma forma.
— …Droga!!
Ele ruge e larga da minha camisa.
Enfurecido ele ergue o braço para acertar a parede… mas para e abaixa o punho.
— …Apenas, faça o que quiser.
Ele disse olhando para o chão.
— Faça o que você quiser! Se quiser impedir a ‘Sevennight in Mud’, faça isso longe de mim. Não me incomode mais. Não vou mais interferir.
- Sinto dizer que… isso não é o bastante.
Ele levantou o rosto para olhar minha expressão.
— …O que não é o bastante?!
— É exatamente o que disse. Sua determinação não é o bastante. Você vai ter que destruir a ‘Sevennight in Mud’ para nós.
A raiva chega a contorcer seu rosto.
— Seu maldito… você tem noção do que você está dizendo?! Você seriamente quer que eu te ajude a atormentar ela?!
— É, acho que sim.
— Não me venha com essa!! Não tem como eu fazer isso! Eu não vou interferir… você devia saber que esse é o meu limite!
— Bem, sim, você sabe. Afinal de contas, você estava para ajudar ela há alguns instantes atrás, não é verdade?
— …
— É por isso que estou dizendo que isso não é o suficiente. Nada vai mudar se sua resolução permitir apenas isso! [Ela] ainda iria vir depender de você sem dúvidas. E você eventualmente estenderia sua mão para ela, basicamente voltaria a suportar a ‘Sevennight in Mud’!
Ouvindo minhas palavras, Miyazaki-kun desvia os olhos e murmura.
— Mas… não posso simplesmente abandoná-la.
— Mas você tem que fazer uma decisão. [Riko Asami] virá aqui em breve.
— …O que?
— [Riko Asami] tentou me ameaçar para fugir da Maria. Decidi fingir que concordei com ela. [Ela] definitivamente vai vir até você quando achar que eu cumpri as exigências dela.
— …A próxima troca acontece as 13:00, heh.
— Sim. Até lá você tem que decidir como vai tratá-la. Se você salvar [Riko Asami] e a ‘caixa’ se completar, apenas [Riko Asami], que não é ninguém, apenas uma imitação, vai permanecer. Se você a rejeitar, nós vamos trazer Riko Asami de volta.
— Você quer que eu acredite em você? Haha… essa é uma negociação estúpida.
— Então você não se importa se apenas [Riko Asami] restar?
Miyazaki-kun cerra os punhos ao ouvir isso.
— …É claro que me importo! Sei de tudo isso mesmo que você não me diga! Mas rejeitá-la… isso é impossível, não acha…?
Ele pode dizer isso, mas ainda não me deu uma resposta decisiva. Isso é problemático. Miyazaki-kun deve rejeitar [Riko Asami]. Ele deve fazer com que ela entre em desespero. Portanto, parto para o último passo.
— Estava pensando. Por que você, Miyazaki-kun, acredita na existência do ‘Sevennight in Mud’? Quero dizer, não é algo inacreditável, para alguém que jamais obteve uma ‘caixa’, que [Riko Asami] esteja dentro de mim?
Ele ergue a cabeça e me encara.
— Me conte! Como você pôde acreditar nessa situação absurda?
— …O que você está tentando insinuar?
— Você não consegue dar um motivo? Ok, eu te digo! Só posso pensar em uma possibilidade para alguém acreditar na existência da ‘caixa’. Me diga, Miyazaki-kun, você…
Fiz uma pergunta que não havia combinado previamente com Maria.
— …se encontrou com ‘O’, não é mesmo?
A face dele fica toda tensa.
— Não sei como você se encontrou com ele. Mas sei que ‘O’ quis que você ajudasse [Riko Asami].
— …
O rosto dele fica pálido e é incapaz de dizer qualquer coisa. Bom, é possível que ele não entenda imediatamente o que quis dizer com ‘O’. ‘O’, originalmente não pode ser percebido por ninguém além do ‘portador’. Só pude perceber a existência dele quando ouvi o seu nome. E então me lembro do que ele havia feito comigo.
— …Ah.
Miyazaki-kun leva as mãos à cabeça com os olhos ainda arregalados.
— Sei o que você está sentindo já que conheço ‘O’. Não é como se você tivesse se esquecido dele. Você não consegue se lembrar. Portanto, você não deve se lembrar do que ele te disse, mas seja o que for entrou em seu subconsciente. É por isso que você foi capaz de acreditar na ‘caixa’. Ele o fez acreditar que você deve ajudar [Riko Asami].
— …Es…Espere um momento. Por quê… Por quê você sabe sobre isso, Hoshino?!
Ele ergue a cabeça ao perguntar, sem poder esconder o medo em sua voz.
— Como disse: não sei! Mas sei que ‘O’ não vai conseguir cumprir seu objetivo se você não ajudar [Riko Asami].
— O objetivo dele…? O que diabos é o objetivo dele…?
— O objetivo dele é me observar. …Bom, você provavelmente não consegue entender, mas é a verdade. Mas essa ‘caixa’, enquanto é interessante de se observar, também é bastante frágil. [Riko Asami] está em uma desvantagem grande demais. Se manter no corpo de outra pessoa é sem dúvida algo doloroso. Ela não seria capaz de se opor a mim se não tivesse pelo menos alguma informação do que está acontecendo ao redor dela quando não é seu turno. Ele precisava ajeitar as coisas para permitir que nós pudéssemos lutar, caso contrário, essa ‘caixa’ seria destruída sem nenhum entretenimento para ele. Portanto, ‘O’ te usou para balancear os lados.
Ao ouvir essas palavras, Miyazaki-kun abaixa a cabeça levemente. E então para completamente de se mover.
— …Isso é tudo que posso te dizer!
Esse é o último feitiço que está prendendo ele. Um feitiço implantado sem que ele pudesse perceber e que o fez proteger a ‘caixa’. Agora que esclareci as coisas para ele, esse feitiço deve sumir.
— Ok, estou indo. Já são quase 13:00. deixo para você a decisão de como lidar com [Riko Asami] quando ela vir te encontrar. Já que [eu] não vou estar aqui, não posso te impedir.
— …Vou salvá-la. Você não me ouviu?
Não respondo. Porque percebo que ele apenas não quer admitir a própria derrota. Fecho a porta sem confirmar a expressão dele.
— …
Ando em direção as escadas. Imediatamente ouço alguém correndo em minha direção do apartamento ao lado. Mas não me viro.
— Kazuki… por que você não me disse que ‘O’ estava interferindo!
Não é como se estivesse escondendo dela. Isso apenas me ocorreu pouco antes de chegarmos. Não havia tempo de explicar a ela.
— Por que você não respon… Kazuki???
Mas a irritação dela de alguma forma é prazerosa para mim. Apoio minha mão sobre o ombro dela. Sou o inimigo de [Riko Asami]. Portanto preciso fazer [Riko Asami] se render, mesmo que isso signifique usar Miyazaki-kun. Não tenho outra escolha. Preciso fazer isso. Mas ainda assim…
— Angustiar alguém é bastante… angustiante.
Sussurro isso, sem conseguir erguer o rosto. Mas escolhi recuperar meu cotidiano. Estou prestes a sacrificar alguém pelos meus próprios interesses. É por isso que quero que alguém me culpe. Que me repreenda dizendo “Você é repulsivo!”.
Contudo, Maria fica em silêncio por alguma razão. Pior ainda, ela passou a mão gentilmente em meu cabelo.
— …
Me pergunto: por quê? Por que isso é tão reconfortante, apesar de ser o exato oposto do que queria que ela fizesse?
04. Maio (Segunda-feira) 13:00
Não havia fragrância de menta. Estava segurando uma revista de mangá semanal em minhas mãos de uma forma familiar. Consegui fugir do quarto de Maria Otonashi.
— Haha!
Sucesso! Minha ameaça foi um sucesso! O sentimento de estar encurralada desaparece. Tudo está certo. Ainda posso lutar. Primeiro preciso encontrar Ryuu Miyazaki.
Deixo a loja e confirmo minha localização. Conheço essa rua. O apartamento de Ryuu Miyazaki deve ser próximo daqui. Vou até a residência dele e aperto a campainha.
Ryuu Miyazaki abre a porta instantaneamente. Seu rosto está pálido. Os anéis negros em baixo de seus olhos estão ainda mais escuros. E ele não fala nada. Apenas me encarou silenciosamente.
— …Ei, o que aconteceu?
— …Nada.
Contudo, a negação dele apenas confirma que alguma coisa definitivamente aconteceu.
— Maria Otonashi fez alguma coisa contra você?
— Não… ela não fez nada.
A resposta dele não possui qualquer entonação e parece quase mecânica. Alguma coisa obviamente está errada. Bem, ele já parecia estranho antes, mas agora está ainda pior.
— Enfim, não quer entrar?
Ele me apressa sem mais delongas. Entro como solicitado ainda com um pouco de suspeita.
— …O que houve aqui?
Percebo assim que entro que a janela do quarto estava destruída.
— Aah, Otonashi a quebrou.
Nii-san respondeu desanimado. Maria Otonashi deve ter feito algo a ele. Não tem outra explicação.
— …Nossa estratégia de ontem falhou?
— Sim.
Novamente uma resposta sem qualquer emoção. …Sério, qual o problema?
— Por que você não atendeu minha ligação? Estava preocupada.
— …«Preocupada», huh.
— Hah?
— Você não estava se referindo a si mesma no masculino?
…Certo, preciso corrigir isso novamente.
— …Apenas um pequeno erro. Afinal não sou ninguém, apenas um farsante.
— …Já passa das 13:00, huh.
Ele disse com o olhar distante.
— Bom, sim, por que diz isso do nada…?
— Você roubou esse tempo no terceiro dia. Portanto é você sem dúvida. É por isso que posso ter certeza. Mas se fosse durante as 14:00… provavelmente assumiria que Hoshino está tentando me enganar e não seria capaz de te reconhecer. Diferente de Maria Otonashi, não posso distinguir entre vocês apenas olhando para os movimentos dos seu rosto.
— …Não faço ideia do que você está falando.
— Me diga, como você me chama?
— Hah? «Ryuu Miyazaki» é claro, não tenho te chamado assim o tempo todo?
— É, acho que sim. Certo.
— Deixe dessa conversa estranha e me diga logo o que aconteceu ontem!
— Ok.
Após concordar, Ryuu Miyazaki se senta na cadeira e foca seu olhar no monitor escuro.
— Executei nossa estratégia. E como você pode ver, foi um fracasso.
Esperava que ele fosse continuar, então permaneço em silêncio enquanto ele encara o monitor sem qualquer movimento. Contudo, ele não fala mais nada.
— Eh? Só isso…?
— Não sei de mais nada! Nossa estratégia falhou e Kazuki Hoshino foi levado por Maria Otonashi. Não sei nada do que aconteceu depois disso. Não sei o que aconteceu entre eles!
— …O que? Isso não me ajuda em nada.
— É, acho que não.
Ryuu Miyazaki disse friamente sem olhar para mim.
— …Você está pensando em me abandonar?
Mesmo assim, ele ainda não olha para mim. Entendo. É isso o que ele está tramando. Ele vai novamente apenas cobrir os ouvidos e ignorar tudo.
— Você se arrepende, não é mesmo?
Finalmente ele olha em minha direção ao ouvir essas palavras.
— Você se arrepende por ter percebido o sofrimento de Riko Asami quando você foi salvá-la depois de ter ouvido aquela mensagem… e que ela te envolveu nisso tudo, certo? Exato! Se você tivesse continuado sem saber de nada, você poderia ter continuado a viver sem preocupações, apenas lamentando seu próprio sofrimento. Se você não tivesse respondido ao apelo de Riko Asami naquele momento…
— Não me arrependo daquilo!
Ele me interrompe.
— A única coisa da qual me arrependo é não ter percebido mais cedo. Se tivesse, poderia ter impedido tudo isso. Portanto, esse incidente é minha culpa do início ao fim. Não quero cometer o mesmo erro novamente!
Ele finalmente se vira totalmente em minha direção.
— É por isso que decidi continuar ajudando Riko. Não importa o que aconteça, essa decisão não vai mudar.
— …Nii-san.
Sinto meu peito esquentar. Nii-san está dizendo isso honestamente.
— Obrigado, Nii-san… Continue me ajudando!
— “Nii-san”, huh.
Ele assente levemente.
— Ei… deixe-me confirmar o seu objetivo.
— Por que agora? … Bom, não me importo! Meu objetivo é atormentar Kazuki Hoshino o suficiente para fazê-lo arranhar o próprio pescoço, fazer ele sucumbir tão miseravelmente ao ponto de submeter seu próprio corpo dizendo “Por favor, seja meu mestre” enquanto se retorce em desgraça.
— …Entendo, então é isso sem dúvida?
— É claro. Já não te disse várias vezes?
Nii-san murmurou algumas vezes — Disse, disse. — e olhando para o chão para de falar. Isso me pareceu estranho então tento ver o rosto dele.
— …Eh?
Ele está chorando. Nii-san está chorando.
— Ni …Nii-san, por que você está chorando?
Ele não deve ter percebido até eu ter dito. Nii-san confirma que estava chorando ao tocar o próprio rosto, e surpreso limpa as lágrimas com o braço.
Quanto tempo faz desde a última vez que o vi chorar? A última vez, provavelmente foi quando nós percebemos a decepção dos nossos pais. Nii-san nunca mais chorou depois daquilo. Para poder continuar lutando contra um inimigo invisível dentro de si mesmo, ele para completamente de mostrar fraqueza para os outros.
Essa pessoa está chorando.
— …Eu vou salvá-la.
Ele murmura.
— Fiz essa decisão. Vou ajudar a minha irmã. Minha pobre Riko. Decidi ajudá-la pelo menos dessa vez, já que falhei em salvá-la por estar ocupado demais com meus próprios problemas. Eu decidi. Salvá-la. Salvá-la, salvá-la, salvá-la, salvá-la, salvá-la, salvá-la.
Eu realmente decidi isso, mas…
Ele ergue o rosto e me encara.
— …Quem é você?
Minha respiração para.
— Decidi ajudar a Riko e mais ninguém. Mas… quem é você? Me diga, quem diabos é você!?
— …O… O que você está dizendo, Nii-san? Eu sou…
— Ninguém. Você mesmo disse isso há alguns minutos atrás, não foi?
…Eu disse. Realmente disse.
— Exato. Você não pode ser Riko. Se você fosse ela, por que você teria a aparência de Kazuki Hoshino? Mas você também não é Kazuki Hoshino. Então quem é você? Me diga… porque deveria ajudar alguém que não faço ideia de quem seja? Não estou nem aí para você!!
Isso está errado. Eu sei que esses não podem ser os verdadeiros sentimentos do Nii-san.
— Para mim você é apenas uma cópia falsa da minha irmã, que não posso nem distinguir de [Kazuki Hoshino]!
Essas palavras tinham o único propósito de me ferir. E ferir ele mesmo.
— Ni…Nii-san…
— Pare com isso!
Ele disse com o propósito de suprimir suas próprias emoções.
— Não me chame de “Nii-san”, seu maldito estranho!!
E assim ele deixou o próprio coração em pedaços e…
— Aah…
… o meu também.
Nii-san não vai me ajudar. Por que não sou a irmã dele. Sim, isso está certo. Eu não sou Riko Asami. Então quem sou eu? Kazuki Hoshino? Não. Ainda não. Espere um segundo… em primeiro lugar, eu realmente queria me tornar Kazuki Hoshino?
— Aah…
O que é que eu realmente queria? Na verdade, provavelmente sabia desde o momento em que obtive a ‘caixa’.
Me lembrei da época em que meus pais se divorciaram. Achava que nós éramos uma família feliz comum. Nos feriados, nós frequentemente íamos comprar coisas, assistir filmes ou restaurantes familiares. Esse era o tipo de família que nós éramos. Meu pai sempre visitava meu quarto assim que chegava do trabalho, e eu insistia, sem sucesso, para que ele batesse na porta antes de entrar. Minha mãe costumava preparar meu almoço para levar com pratos refinados e arranjados de uma forma bonitinha. Eu brigava o tempo todo com o Nii-san, mas mesmo assim nós sempre brincávamos juntos.
Achava que no geral nós estávamos todos em bons termos. Nunca duvidei que nós pudéssemos continuar sempre juntos como as outras famílias. Mas tudo aquilo era uma mentira. Nossa família não se destruiu. Ela tinha sido uma mentira desde o início. Lembro que o Nii-san disse uma vez para mim depois de nos contarem sobre o divórcio:
«Ótimo. Agora nós finalmente podemos parar de fingir que somos uma família feliz. E finalmente não preciso mais suportar esses sentimentos de culpa.»
Não entendi o significado daquelas palavras imediatamente. Mas depois de um tempo compreendi. Afinal, por que meus pais iriam se divorciar agora se eles pareciam estar se dando bem antes? Por que eles sorriam de forma estranha depois de me tratar com carinho?
Era tudo uma atuação para me enganar e me convencer de que nós ainda éramos uma família feliz. Mas não pelo meu bem… eles apenas queriam amenizar os próprios sentimentos de culpa.
Por isso comecei a acreditar que «felicidade» só pode ser obtida ao ser roubada dos outros. Mas isso é realmente algo que possa ser roubado?
Então o que queria fazer? Não sei. Não faço a menor ideia. Nem uma pista. Não quero saber. Não tenho mais a ‘caixa’ afinal de contas.
Mas agora, devo escapar. Preciso escapar.
Devo fugir desse quarto rapidamente. Apenas tenho que sair daqui. Então ainda posso fugir. Tento fugir rapidamente, mas tropeço. Levantar de alguma forma parece perda de tempo agora, então continuo indo em direção à porta quase que rastejando.
Por alguma razão, pernas bonitas e magras, como as de uma modelo, apareceram na minha frente. Olho para cima.
— Por… Por quê…
A pessoa parada ali é… Maria Otonashi.
Nesse momento… não me diga…?! Me viro e olhei para o Nii-san. Ele esta segurando a cabeça com as mãos e ignorando tudo o que acontece ao seu redor. Nii-san sabia que Maria Otonashi estava por perto. Ele já tinha decidido me abandonar. Sabendo que viria, ele já tinha decidido me entregar para Maria Otonashi.
— …É inútil de qualquer forma.
Ela diz com uma voz sem entonação.
— Ninguém pode jogar fora a si mesmo. E mesmo que pudesse, seu verdadeiro eu voltaria para te assombrar. Você sabia disso desde o começo. É por isso que você não pôde jogar a si mesma fora mesmo usando a ‘caixa’. O que você pode alcançar com o seu ‘desejo’ dessa ‘caixa’ não pode ir além da forma que as coisas estão agora. Você não pode ganhar nada da ‘Sevennight in Mud’. Você está apenas lentamente afundando na lama.
Ela, a quem admiro, me diz isso. Para mim que sou incapaz de me tornar igual a ela. Então e quanto a você? Você também não pode ganhar nada porque jogou fora a si mesma? Olho para o rosto dela. Seu olhar de alguma forma parecia triste para mim.
Preciso fugir. Mas para onde? Esse quarto não é mais meu refúgio e Maria Otonashi está bloqueando a saída na minha frente. Ainda estou me arrastando no chão e não posso fazer nada. Não posso ir a lugar algum.
Não posso ir… a lugar algum.
— Deixe me fazer uma pergunta. Já te perguntei isso antes, mas me responda de novo. Diga…
Ela me questionou:
— …Quem é você?
Eu sou…
— Quem sou eu…?
Eu sou aquela que quer saber isso.
Ela pegou o próprio celular por alguma razão e o entregou a mim ainda sentada no chão.
«Deixe-me contar quem você é.»
Era a voz [dele], que não duvida da própria identidade, não importa o quanto atrapalhe sua própria existência. [Kazuki Hoshino] responde minha pergunta.
«Você não é ninguém. Você é apenas um inimigo que existe com o único propósito de ser derrotado por mim.»
— Não…
Não sou isso. Não existo pelo seu bem! Como se eu fosse aceitar um absurdo desses!
— …Eu sou Riko Asami!!
Admito, mas logo em seguida percebo o grande erro que acabo de cometer. Afinal, eu não posso mais possivelmente me tornar Kazuki Hoshino, não agora que admiti ser Riko Asami. Não posso mais me convencer do contrário. Minha fuga foi bloqueada com isso.
No momento que entendo a situação…
— Aa, aaaAAAAAAAAAAAAAAAAH!!
A ‘caixa’ começa a inchar subitamente. Ela correu em minhas veias como uma bala ferindo meu corpo todo, dói, aah, não consigo aguentar! Pare com isso, dói, pare, alguém me ajude! Quero tirar isso! Mas não posso removê-la, não posso, não posso. A ‘caixa’ não existe dentro desse corpo! Mas então por que dói? Pare, pare, pare!!
— Já entendi… Já entendi, então pare…
Tudo porque compreendi que não posso ser ninguém além de mim mesma. Cometi um erro. Errei o ’desejo’ que fiz para a ‘caixa’. Não preciso desse corpo. Isso não faz nenhum sentido. Eu… Eu apenas…
— Apenas queria ser feliz!
Mas isso não é mais possível. Felicidade não pode mais ser obtida desde que pisei em um caminho manchado por sangue. Me agarro à garota que conseguiu com sucesso se tornar outro alguém, e que chama a si mesma de ‘caixa’.
Não vou errar de novo. Não vou cometer o mesmo erro, então, por favor!
— Me ajude!
04. Maio (Segunda-feira) 14:00
Estranhamente, percebo de imediato que meu campo de visão está embaçado por causa de lágrimas.
Eu as limpo e vejo Maria parada em frente a mim, contendo suas emoções.
Notas:
1 – Midori no Hi (Dia do Verde): dia destinado em respeito à natureza, no qual as famílias passam o tempo ao ar livre relaxando ou participando de eventos em Parques e Jardins.
2 – Em japonês há várias formas de dizer ‘eu’, no caso o autor usa ‘boku’, pronome comumente utilizado por homens.
3 – O pronome usado é ‘atashi’, geralmente usado apenas por mulheres.
4 – Ela está se referindo a si mesma no feminino usando ‘ataashi’.