Capítulo 262
Templo Shaolin (5)
A voz que Gi-Gyu ouviu em sua cabeça definitivamente pertencia a seu pai.
Por que ele estava ouvindo a voz de seu pai na sala secreta do Templo Shaolin?
E do que se tratava essa coisa de “número”?
Preparar para quê?
A voz não respondeu.
– Eu me preparei por muito tempo. Foi assim antes do meu tempo e será para as próximas gerações.
O palpite de Gi-Gyu estava certo. Quem falava não tinha consciência, o que fazia os diálogos parecerem uma gravação.
– Você me encontrou primeiro? Ou encontrou outro eu primeiro?
A voz continuou a falar em enigmas.
– Ou será que não tenha encontrado nada. Você coincidentemente me encontrou, ou…
– Será que era isso que Gaia queria?
Os olhos de Gi-Gyu se arregalaram.
– Talvez tenha sido guiado aqui por Gaia. Talvez Gaia tenha ajudado você e eu.
A voz continuou:
– Meu descendente, você deve estar preparado para um futuro de desolação.
Com um som crepitante no ar, a luz encheu o espaço novamente. Foi ofuscante, mas Gi-Gyu não fechou os olhos.
A voz acrescentou:
– Meu nome é Bodhidharma.
De repente, algo apareceu diante dele e Gi-Gyu se preparou para se defender.
A voz continuou:
– E Cronos.
O palpite de Gi-Gyu estava correto.
– Acho que você é como eu.
A luz desapareceu e Gi-Gyu encontrou um homem parado na frente dele.
O homem perguntou: — Eu pergunto de novo. Quantos Cronos existiram antes de você? Qual é o seu número?
O homem parecia diferente de como Gi-Gyu se lembrava de seu pai, mas a energia do homem disse a Gi-Gyu que ele era Kim Se-Jin.
— Eu não… — Gi-Gyu abriu a boca lentamente.
***
Gi-Gyu engoliu em seco, com a boca seca. O homem, que lembrava Gi-Gyu de seu pai, tinha consciência. Isso significava que Gi-Gyu poderia conversar com ele.
— Eu não sou Cronos.
O homem ficou quieto por um momento antes de responder: — No pode ser.
Outro silêncio caiu. Depois de alguns minutos, o homem continuou: — Somente o digno pode entrar neste lugar; portanto, você deve ser…!
Gi-Gyu tinha certeza de que o homem à sua frente era Bodhidharma. Bodhidharma aparentemente percebeu algo porque ele sussurrou hesitantemente: — Você está certo.
— Sim. — Gi-Gyu se curvou levemente e cumprimentou o homem. Ele não sabia a maneira correta de cumprimentar o homem, então decidiu fazer uma pequena reverência.
O homem pareceu surpreso.
Gi-Gyu se apresentou: — Eu sou o filho de Cronos… quero dizer, o filho de Kim Se-Jin. Meu nome é Kim Gi-Gyu.
— …
Gi-Gyu também não sabia como se dirigir ao homem, mas podia adivinhar a identidade do homem. Ele tinha que ser uma versão anterior do pai de Gi-Gyu.
Ele foi o primeiro Cronos que Gaia criou em seu mundo. Este homem manteve a história de todos os Cronos.
— Ahh…— Surpresa, prazer e desespero brilharam no rosto do homem. Ele murmurou: — Acho que finalmente chegou a hora.
Era hora de se preparar para o fim do mundo. O homem deu a Gi-Gyu um sorriso paternal e ofereceu: — Gostaria de conversar comigo?
O homem tinha traços marcantes, mas seu sorriso sugeria que ainda havia calor nele.
— Não temos muito tempo, mas gostaria muito de falar com você — informou o homem. De repente, uma pequena mesa e duas almofadas de assento apareceram na frente de Gi-Gyu.
***
— Não sei quando tudo começou. Mas repetidas coincidências nos ajudaram a encontrar algumas de nossas memórias — explicou Bodhidharma, uma versão anterior do pai de Gi-Gyu.
— Todas as muitas coincidências nos fizeram pensar que essa era a vontade de Gaia. Então nos preparamos. — O homem bebeu seu chá.
Bodhidharma, a versão anterior de seu pai, era um ser estranho. Ele tinha uma forma física, mas não tinha um corpo. Ele poderia manter uma forma física neste espaço, mas não era perfeito.
O espaço estava cheio de energia única e do poder de deus, que constituía o corpo e a mente de Bodhidharma.
— Quando o mundo finalmente acabar, meu verdadeiro eu encontrará você — disse Bodhidharma a Gi-Gyu.
Havia muitas formas de Cronos, mas havia principalmente duas: O original – que nasceu no início dos tempos e construiu a Torre, e o pai de Gi-Gyu – uma versão inferior criada por Gaia.
— Só há uma razão para você estar aqui. Você… — O rosto de Bodhidharma se contraiu em uma expressão grotesca. Gi-Gyu não sabia se o homem estava sorrindo ou chorando.
— Você deve ter encontrado meu filho. Júpiter… Esse era seu único propósito. Você é Júpiter ou… Não, peço desculpas. — Bodhidharma se corrigiu. — Você se apresentou como Kim Gi-Gyu.
— Sim está certo. Eu não sou… Júpiter. — Gi-Gyu não tinha certeza, mas não elaborou.
— Não temos muito tempo. Acho que dei muito da última vez. Agora, é difícil para mim até mesmo manter uma forma física.
— Última vez? — perguntou Gi-Gyu.
— Não sei muito sobre isso porque não consigo me lembrar. Minha consciência experimenta o renascimento toda vez que alguém entra neste lugar. A minha é uma psique temporária criada e mantida pela energia deste espaço. Existo apenas para transmitir a mensagem aos meus descendentes.
O sorriso nunca deixou o rosto de Bodhidharma. Ele pediu: — Posso pedir um favor?
— Por favor, vá em frente.
— Conte-me sua história. O fato de você ter nascido significa que o fim do mundo está se aproximando. Com base no que posso sentir de você, posso dizer que muita coisa já aconteceu.
Bodhidharma continuou: — Acredito que devo ter falhado nesta vida também. — Ele parecia deprimido.
Gi-Gyu respondeu: — Não foi um fracasso completo.
Gi-Gyu contou a ele sobre sua vida. Era uma longa história, então Gi-Gyu a manteve concisa.
Ele falou sobre a Torre e a aparição dos jogadores, a derrota de Cronos nas mãos de seu pai e como aquele Cronos acabou sendo uma mera cópia.
— Eu gostaria de ouvir sobre você — Bodhidharma insistiu. Ele estava mais interessado em aprender sobre Gi-Gyu do que nos acontecimentos do mundo.
Então, Gi-Gyu obedeceu.
A morte de seu pai.
A doença de sua mãe.
Como ele cresceu como jogador.
A confusão e o desespero que ele havia sentido.
Como ele conheceu Lou.
Gi-Gyu contou a ele tudo o que havia acontecido em sua vida. Enquanto ouvia, o rosto de Bodhidharma mudava continuamente. Ele sorriu e chorou enquanto tristeza e alegria constantemente passavam pelo seu rosto. Bodhidharma aparentemente abandonou suas emoções para se concentrar em contemplar o mundo. No entanto, Gi-Gyu podia ver todas as emoções possíveis em seu rosto hoje.
— Ahh! — Bodhidharma exclamou depois que Gi-Gyu terminou sua história. — Você cresceu e se tornou um bom jovem.
Lágrimas rolaram pelo rosto de Bodhidharma, e Gi-Gyu não conseguia entender o porquê.
Bodhidharma era uma versão de seu pai, mas…
‘Eu não sou filho dele.’
Essa situação era tão estranha que Gi-Gyu ficou confuso.
Gi-Gyu perguntou: — Agora, você pode me contar sua história?
— Claro. — Bodhidharma assentiu com um sorriso satisfeito.
***
— Tivemos muitas vidas, mas não tivemos filhos com frequência — começou Bodhidharma.
— Na maior parte de nossas vidas, não podíamos nem ter filhos. Ou mesmo que conseguíssemos tê-los, eles morriam cedo.
Gi-Gyu assentiu de forma séria.
Bodhidharma continuou: — Também foi difícil para nós conseguir esposas. Sempre nos sentimos vazios por dentro. Era algo verdadeiro para mim e tenho certeza que foi o mesmo para todas as minhas outras formas também.
— …
Era uma longa história. Aparentemente, todos os clones de Cronos tiveram dificuldade em ter filhos. E se conseguissem ter um, o poder de Júpiter garantia que não sobreviveriam por muito tempo.
Além disso, como só podiam amar uma versão de Gaia, eles não conseguiam encontrar uma esposa facilmente. Afinal, quais eram as chances de sua alma gêmea estar sempre no caminho em todas as muitas vidas que viveram?
— Eles só tinham permissão para certas coisas — explicou Bodhidharma.
Mas a busca por respostas os ajudou com frequência. Sem saber o que deveriam procurar, muitos se dedicaram a vários campos, incluindo acadêmicos, religiosos e artes marciais. Muitos deles se tornaram especialistas em suas respectivas áreas.
— Acho que a primeira vez foi uma coincidência.
Foi quando Cronos despertou pela primeira vez. Este primeiro homem que tinha as memórias originais de Cronos se concentrou apenas em fazer os preparativos. Depois desse primeiro homem, os outros que se seguiram encheram seus filhos de amor. Talvez fosse porque Gaia os havia criado.
— Todos nós pensamos que Cronos acordaria e retornaria ao nosso mundo. Nós éramos ele, então poderíamos adivinhar seu plano e objetivo.
Então eles se prepararam para o dia em que teriam que receber Cronos. Eles estudaram seu poder e aceitaram que o dia de sua chegada seria o fim do mundo. Portanto, toda vez que renasciam, eles se preparavam.
— Mas nem todas as nossas vidas continuaram sem problemas. Alguns viveram vidas dispersas, mas… Na minha própria vida, ganhei muitas coisas.
Cada cópia de Cronos lembrava uma parte diferente das memórias do original. Cada cópia herdou essas memórias; infelizmente, muito também se perdeu no tempo.
— A energia que enche a sala… Você sente? Tenho certeza que pode — perguntou Bodhidharma.
— Sim.
O poder de deus enchia a sala.
Clack.
O som da xícara de chá sendo colocada na mesa ecoou no espaço.
— Não sei se foi a vontade de Buda, mas consegui o fragmento que Cronos mais queria. Então o escondi. Era uma parte do poder que Gaia espalhou neste mundo quando ela o criou. Eu o trouxe aqui porque suspeitava que você nasceria e me encontraria aqui em um futuro distante.
Bodhidharma sorriu e Gi-Gyu se perguntou se esse homem era um adivinho. Afinal, Gi-Gyu nasceu na Coreia, o país mais próximo deste lugar, e encontrou o caminho para esta sala secreta.
Bodhidharma continuou: — Tentei protegê-lo e acho que, de certa forma, consegui. Ainda assim, não fiz um trabalho perfeito.
Como um verdadeiro monge, Bodhidharma fez uma pergunta retórica. Com um sorriso paternal no rosto, ele perguntou: — Então, isso responde à sua pergunta?
— Sim. — Gi-Gyu manteve sua resposta curta. Ele estava mais interessado naquele que veio aqui antes dele. Gi-Gyu não sabia quando isso aconteceu, mas o último digno havia levado muito do que estava aqui.
Bodhidharma estava ficando mais fraco, mal mantendo sua forma física.
— Não resta muito do que preparei aqui, mas acho que posso lhe dar o tesouro mais importante. Eu o mantive seguro só para você.
O sorriso de Bodhidharma desapareceu lentamente. Sua forma se espalhou como fumaça e Gi-Gyu fechou os olhos.
— …
Gi-Gyu sentiu o amor de seu pai por ele neste lugar; era algo que ele nunca havia sentido antes. Durante toda a sua vida, ele interpretou mal a verdadeira intenção de seu pai. Mas agora, ele sabia melhor e se perguntou se deveria agradecer a Gaia por isso.
Vida após vida, as cópias de Cronos nunca perderam o amor por seus filhos. Eles se preocuparam e se sacrificaram por ele.
— Uma última coisa — a forma de desaparecimento de Bodhidharma sussurrou.
Gi-Gyu ainda podia ver seus lábios se movendo.
— Um e dois, e dois e um. Todas essas coisas vêm dele, então… — Até o final, Bodhidharma falou em enigmas, fazendo Gi-Gyu sorrir.
A maior parte da forma de Bodhidharma havia desaparecido agora; de repente, os olhos de Gi-Gyu começaram a brilhar em cinza.
— …!
***
Sun Won parou de andar no meio da rua.
— …?
Em um canto vazio do Templo Shaolin, ele viu alguém meditando. Os visitantes foram proibidos de entrar no templo há muito tempo. E Sun Won se lembrava do rosto de cada jogador visitante.
Ele não se lembrava de ter visto esse homem antes, ainda assim…
‘Ele me parece familiar.’
A energia que Sun Won podia sentir desse homem era extraordinária. Não era magia, mas era estranhamente espessa. Incapaz de controlar sua curiosidade, Sun Won se aproximou do homem e perguntou: — Quem é você?
O homem estava meditando no chão e mantinha os olhos fechados. Ele finalmente abriu os olhos.
— Eu sou o pai…
As feições faciais do homem eram nítidas, mas um sorriso paternal apareceu em seu rosto enquanto ele continuava: — De uma criança.