Capítulo 292
Dias estranhos (4)
Depois que Gi Gyu recebeu a mensagem de Heo Sung-Hoon, ele retornou ao Éden.
Sung-Hoon cumprimentou-o com um sorriso: — Olá.
— Você encontrou Tae-Oh? — Gi Gyu perguntou impacientemente.
Seu primeiro encontro com Kim Tae-Oh não foi há muito tempo, mas agora parecia uma memória muito distante. Tae-Shik o apresentou a Tae-Oh quando ele trabalhava como guia da Torre. Na época, Gi Gyu estava fraco e mal conseguia sustentar sua família.
‘Só confirmamos a identidade de Andras graças a Kim Tae-Oh’, pensou Gi Gyu sombriamente. Ele estava procurando por Kim Tae-Oh, que havia desaparecido, e a verdade sobre a guilda Caravan foi revelada no processo.
Tae-Shik costumava se culpar pelo que havia acontecido com o jovem jogador, então ele também queria encontrar Tae-Oh.
Sung-Hoon respondeu: — Sim, encontrei.
Infelizmente, ele não parecia muito feliz com isso.
— Onde? Onde está Tae-Oh? — Gi Gyu exigiu.
— Por favor, venha por aqui…
Tae-Oh, o homem que Gi Gyu procurava, estava no Éden. Gi Gyu seguiu Sung-Hoon rapidamente.
Enquanto caminhavam juntos, Sung-Hoon explicou: — Foi uma coincidência o termos encontrado. Nunca esperávamos que ele estivesse aqui, então nunca pensamos em olhar.
Sung-Hoon caminhou um pouco mais rápido e ficou quieto. Parecia que ele queria continuar assim que Gi Gyu encontrasse Tae-Oh.
Gi Gyu reconheceu a área para onde Sung-Hoon o trouxe. Após o ataque da Guilda de Ferro e da guilda Caravan, eles tentaram reabilitar o maior número possível de inimigos. Mas isso não significa que mataram todos que não conseguiram reabilitar. Alguns foram mantidos vivos para estudar os efeitos da Primeira Poção, enquanto outros foram usados para aprender como os demônios roubaram os corpos dos jogadores.
— Aqui. — Sung-Hoon parou diante da área com os jogadores inimigos vivos; Gi Gyu sentiu seu coração cair.
Sung-Hoon disse calmamente: — Eu me certifiquei de que ele está seguro agora. Ele estava prestes a ser eliminado. Se eu não o tivesse encontrado a tempo… Você deveria ir vê-lo agora.
Sung-Hoon entrou no prédio. Na entrada, Hart ficou esperando.
Hart curvou-se profundamente e sussurrou com tristeza: — Grande Mestre… peço desculpas. Eu não tinha ideia de que ele era seu amigo.
Gi Gyu bateu no ombro de Hart enquanto ele passava. Ele respondeu: — Está tudo bem.
Ele sabia que isso não era culpa de ninguém. Eles nunca suspeitaram que Tae-Oh pudesse estar entre o exército inimigo. E foi Gi Gyu quem ordenou a realização dos experimentos.
Hart seguiu silenciosamente atrás de Gi Gyu, que seguia Sung-Hoon.
***
— Akkkkk!
— Kekekeke.
— Hehehehe.
Ao entrarem mais fundo na área, ouviram gemidos e grunhidos horríveis. Alguns gritos soavam tão estranhos que não sabiam se eram de dor ou de prazer. Enquanto ouvia, Gi Gyu continuou a andar.
Quando chegaram ao final do corredor, Sung-Hoon explicou: — Ele não estava em boas condições, então não pudemos tirá-lo deste lugar.
Depois que todos os experimentos eram feitos e nada mais podia ser aprendido com um prisioneiro, eles era eliminados. Esses jogadores, que fizeram coisas terríveis, finalmente recebiam a morte verdadeira.
Sung-Hoon parou diante de uma porta de metal e anunciou: — Vai feder um pouco.
Creak.
Sung-Hoon abriu a porta de metal. Como avisado, um fedor horrível atingiu o nariz de Gi Gyu. Ele estava acostumado com o cheiro de cadáveres em decomposição, mas isso era tão ruim que o fez franzir a testa.
— Hehehehe! — Os gemidos, risadas e gritos eram ainda mais altos no quarto escuro.
Sung-Hoon acendeu a luz e Gi Gyu viu uma criatura rindo grotescamente. Quase todo o seu corpo estava apodrecendo, pus aparentemente vazava de todos os orifícios e até seu rosto parecia estar derretendo, mas Gi Gyu o reconheceu.
Gi Gyu não frequentava a escola regularmente, então não teve chance de fazer amigos. Ele tinha alguns conhecidos, mas nunca foi próximo de ninguém.
No entanto, havia algumas pessoas que ele poderia chamar de amigos.
— Tae-Oh… — Gi Gyu chamou o nome do amigo.
— Hehehehe. — Apenas uma risada estranha saiu da boca da criatura.
Gi Gyu não tinha dúvidas de que a criatura era Tae-Oh, mas ele entendia porque os outros não conseguiam reconhecê-lo. As mudanças em sua aparência foram grandes demais. Foi uma coincidência verdadeiramente feliz que Sung-Hoon tenha encontrado Tae-Oh.
Sung-Hoon explicou como se estivesse tentando dar uma desculpa: — Ele não está assim por causa de nossos experimentos. Jogadores sob a influência da energia mágica acabam assim…
— Eu sei — Gi Gyu sussurrou. Ele sabia que os experimentos não eram totalmente culpados, mas Gi Gyu também sabia que usar jogadores como ratos de laboratório era desumano.
Mas ele não tinha outra escolha.
‘Esses jogadores não puderam ser reabilitados. Ou eram muito maus ou já perdidos por causa da energia mágica.’
Os jogadores capturados foram divididos em dois grupos. O primeiro continha jogadores demoníacos que cometeram assassinatos e estupros por conta própria e sem a orientação dos demônios.
O segundo grupo tinha jogadores muito sob a influência da energia mágica e além da recuperação.
O primeiro grupo foi usado para aprender como os demônios roubaram os corpos dos jogadores.
O segundo grupo era…
‘Estávamos tentando ajudá-los a voltar ao normal…’
Gi Gyu não conseguiu salvar todos eles. Mesmo ele não conseguiu salvar aqueles cujos componentes corporais, incluindo a medula óssea, foram envenenados com energia mágica. Se ele extraísse a energia mágica, esses jogadores morreriam instantaneamente. A sincronização com eles também não salvaria suas mentes corrompidas nem impediria a contaminação da energia mágica.
Hart explicou: — Se o deixarmos assim… não demorará muito para que ele morra.
Tae-Oh não tinha muito tempo sobrando. Gi Gyu tentou alcançá-lo, mas apenas balançou a cabeça. Ele não sabia como salvar Tae-Oh.
— Como vai a pesquisa? — perguntou Gi Gyu apesar de saber a resposta.
— Nós… ainda não sabemos como fazê-los voltar ao normal — Hart respondeu com tristeza.
De repente, um pensamento surgiu na cabeça de Gi Gyu. — Eu tenho uma ideia.
— …! — Parecia que Sung-Hoon percebeu o que Gi Gyu queria tentar.
Gi Gyu se virou para Hart e ordenou: — Traga Paimon aqui.
Paimon estava profundamente ligado a esta situação e Gi Gyu suspeitava que conhecia todos os segredos deste processo. Hart pareceu surpreso porque suas órbitas oculares tremeram, mas ele saiu silenciosamente.
Todos permaneceram quietos, exceto Tae-Oh, que riu enquanto arranhava a parede como um ghoul.
***
— Hyung. — Paimon – não, Min-Su entrou.
Quando Gi Gyu deu o sinal a Min-Su, a expressão nos olhos de Min-Su mudou quando Paimon apareceu.
— Você precisava de mim? — Paimon perguntou. Ele tinha ouvido a essência da situação. Teria sido melhor se ele estivesse envolvido nos experimentos desde o início, mas ele estava ocupado ajustando seu corpo.
Gi Gyu perguntou: — Hart explicou tudo para você?
— Sim… Então este é seu amigo. — Paimon caminhou em direção a Tae-Oh. Seu movimento de alguma forma parecia mais estranho do que antes. Ele olhou para Tae-Oh com indiferença, que continuou a arranhar o chão aparentemente sem vontade de lutar.
Paimon estudou Tae-Oh e Gi Gyu perguntou: — Você acha… que consegue fazer isso?
— Por favor, me dê um momento. Ainda não terminei de sintonizar, então estou demorando mais para me concentrar.
Gi Gyu acenou com a cabeça e o tempo passou na sala silenciosa. Depois de um tempo, Paimon finalmente se levantou.
— A Primeira Poção foi usada aqui — anunciou Paimon.
— …
— Eu já falei um pouco sobre a Primeira Poção antes… Hmm… — Paimon parecia estar pensando profundamente sobre algo.
Gi Gyu perguntou novamente: — É possível?
— Não — Paimon respondeu rapidamente. — Não é possível. Não podemos devolver este homem ao que era antes. A Primeira Poção atingiu sua medula óssea e também o cérebro. Este homem não pode mais ser curado. Na verdade, estou mais curioso para saber por que ele… ainda está vivo.
Paimon se virou para Tae-Oh e continuou: — Eu entendo como você deve se sentir agora, mas deixá-lo ir seria a coisa mais gentil aqui. Se eu já tivesse terminado a sintonização e este homem ainda tivesse cerca de um mês de vida, talvez tivesse sido diferente. Mas…
Paimon olhou para Gi Gyu novamente e acrescentou: — Um dia, no máximo.
— …
— Este homem não sobreviverá mais de 24 horas.
Gi Gyu implorou: — Tem certeza de que não há como…?
— Não, não há. Por favor, não me pergunte novamente. .— Paimon caminhou até Gi Gyu. — Sinto-me parcialmente responsável por isso. Posso ver que causei dor a muitas pessoas.
Paimon parecia infeliz e Gi Gyu observou Tae-Oh com tristeza nos olhos. Paimon murmurou: — Não podemos salvá-lo, mas… se usarmos o tempo que resta, você poderá falar com ele por um momento.
— Isso é possível?
— É um processo complicado, mas talvez. Extrairemos a energia mágica deste homem e daremos um último impulso à sua força vital restante. Isso pode ser suficiente para ele falar normalmente por um momento. Mas é claro que ele morrerá imediatamente depois. Ele tem um dia para viver, o que significa cerca de um minuto de conversa.
Paimon olhou nos olhos de Gi Gyu e perguntou: — Então, o que você gostaria de fazer? A propósito, não se preocupe em tentar sincronizar com ele. Mesmo se você fizer isso, nada vai mudar. A sincronização é uma conexão, não uma habilidade de cura todo-poderosa. Mesmo se você matá-lo e egofizá-lo para sincronizar com ele, você terá um Ego muito danificado para funcionar normalmente. Sua alma e mente ficarão presas no momento da egofização. Você não pode curar mentes arruinadas, não pode fazer isso como alguns outros.
Gi Gyu não teve que pensar muito. Neste ponto, ficou claro que Tae-Oh não poderia voltar ao normal. Em um dia, ele morreria nesta forma monstruosa. Portanto, Gi Gyu só tinha uma escolha.
— Por favor, vá em frente.
— Tudo bem. — Paimon se aproximou de Tae-Oh novamente. Ele colocou a mão no topo da cabeça de Tae-Oh e começou a resmungar.
— Ackkkkkkk! — Pela primeira vez, Tae-Oh gritou em vez de rir.
O rosto de Gi Gyu se contraiu desconfortavelmente. Era difícil ouvir um amigo gritar daquele jeito.
— Ackkkkk! — Tae-Oh continuou a gritar. Sung-Hoon e Hart foram embora, mas não porque não pudessem tolerar os gritos. Eles só queriam dar privacidade a Gi Gyu para conversar com Tae-Oh.
— Este homem tem muita angústia dentro dele — Paimon sussurrou enquanto tirava a mão da cabeça de Tae-Oh. — O ressentimento e a obsessão dele o mantiveram vivo por tanto tempo. Você terá mais tempo do que eu pensava, mas… ainda não vai demorar mais do que dois minutos. Não é muito, mas tente dar um descanso à mente perturbada dele. Ah, e você tem que saber que ele não pode te ver.
Paimon foi embora. Ao passar, Gi Gyu pôde sentir sua forte conexão e ficou feliz com o que sentiu. As palavras de Paimon podem ter sido frias, mas ele era genuinamente culpado. Gi Gyu também pôde sentir a determinação renovada de Paimon.
— Dói… — Palavras começaram a sair dos lábios de Tae-Oh.
— Tae-Oh… — Gi Gyu sussurrou.
A cabeça de Tae-Oh se moveu. Seus olhos pareciam turvos, mas agora ele estava de frente para Gi Gyu.
— G… Gi Gyu? — Parecia que Tae-Oh reconheceu a voz de Gi Gyu. — Gi Gyu, não consigo ver nada… Meu corpo dói tanto… Por que… Por que…?
— …
— Oh… — Tae-Oh murmurou para si mesmo por um tempo antes de fazer uma pausa. Parecia que ele se lembrava do que havia acontecido. Sem dizer uma palavra, Gi Gyu segurou as mãos de Tae-Oh.
— Hng… Hng… — Lágrimas e pus vazaram dos olhos de Tae-Oh.
Gi Gyu não sabia o que dizer a ele.
— Gi Gyu… O que eu fiz…? Eu… — Tae-Oh soluçou. — Eu só queria viver feliz com minha mãe… Nunca tive um verdadeiro talento e pensei que era assim que iria fazer…
Um sorriso feio apareceu no rosto arruinado de Tae-Oh, mas foi rapidamente substituído por culpa e preocupação.
— M-minha mãe?! Você sabe o que aconteceu com minha mãe? Por favor, diga. Por favor, eu estou te implorando!
Gi Gyu não soltou as mãos de Tae-Oh e se perguntou o que deveria dizer.
A verdade, talvez?
A mãe de Tae-Oh estava morta. Como Tae-Oh estava profundamente envolvido na guilda Caravan, sua mãe foi negligenciada e morreu de fome.
Gi Gyu deveria contar a verdade a ele? Ou ele deveria mentir?
— Ela morreu. — Gi Gyu escolheu contar-lhe a verdade, mas não a verdade completa. — Ela morreu de doença. Quando a encontramos, já era tarde demais.
— Ahh…
Sua doença também foi resultado de ter sido negligenciada, mas parecia melhor do que morrer de fome.
— Ah… Ugh… M…Mãe… — Tae-Oh parecia estar com dificuldade para respirar. — A guilda Caravan… Ahh… O que eu fiz…?
Tae-Oh apertou as mãos de Gi Gyu. Ele agarrou com força suficiente para fazer Gi Gyu estremecer um pouco.
Tae-Oh implorou: — P-por favor, vingue-me. Estou te implorando, Gi Gyu… Ouvi falar de você… Ouvi dizer que está ficando mais forte… Quando ouvi falar de você, fiquei esperançoso… Não… fiquei com ciúmes… Não… eu… eu queria estar poderoso como você… Era isso que eu queria… Ohh… Ahh… Você tem o poder de fazer isso, certo?
Gi Gyu apertou as mãos de Tae-Oh.
Tae-Oh continuou: — Você não poderia… me vingar…? Eu sei… não tenho o direito de perguntar, mas… eu…
A voz de Tae-Oh ficou mais baixa e fraca.
Gi Gyu respondeu: — Eu irei. Vou me vingar. E eu juro que será doloroso.
— Obrigado… — Tae-Oh parou de respirar. Ele durou muito mais tempo do que Paimon havia previsto.
Quando Gi Gyu soltou as mãos, Tae-Oh caiu no chão. Gi Gyu se levantou e cerrou os punhos. Isso o lembrou de que ele estava fazendo a coisa certa. Ele estava lutando pela paz mundial e não precisava de um motivo especial para fazer isso.
Era tudo para a segurança de seus amigos e familiares.
E…
‘Vingança…’
Ele estava fazendo isso para vingar tantas pessoas. Gi Gyu não precisava que outros reconhecessem suas conquistas ou sacrifícios.
‘Eu…’
Ele estava apenas fazendo o que sabia que era certo.
Creak.
Gi Gyu deixou o cadáver frio de Tae-Oh para trás e saiu.