Após Zich e Lyla desaparecerem, Hans e Snoc, praticando o aprendido, vasculharam os corpos à procura espólios úteis. Recuperaram vários bens, como uma quantia considerável de dinheiro, poções e pequenos itens. Usando o manto do líder, fizeram um pacote e puseram as coisas dentro para Zich.
Quando terminaram, se sentaram em frente à plataforma onde estava Estellade e esperaram comendo a carne seca e bebendo. Então, olharam para a escuridão. Não sabiam quanto tempo Zich queria dizer, porém, ficariam até que acabassem a pouca comida e água que ele não guardou na sua caixa mágica.
“Foi bom ter trazido comigo. Bem que ele falou que precisávamos de suprimentos de emergência para caso ocorresse.”
— Onde acha que o senhor Zich está? Provavelmente voltará ileso, certo?
Koo!
Snoc e Nowem conversaram um com o outro para matar o tempo. Hans estava olhando pro outro lado, onde ficava a Estellade. Sua lâmina branca se destacava demais naquele escuro e fez Zich se assemelhar a um herói de contos de fadas.
“Estellade…”
A espada sagrada que escolhia seu dono. Hans gostou bastante do som disso.
“Eu não devo conseguir retirá-la.”
Mesmo que não tivesse tentado, Snoc falhou. De acordo com o que foi dito, o contrato aparentava ser o problema. Pelo menos parecia ter um padrão para escolher seu dono.
“E se eu tentar?”
Queria ao menos tocar nela. Não teria outra chance de mexer numa espada sagrada e não tinha nada para fazer, então se levantou.
— Qual é o problema?
— Vou ver se consigo tirá-lo.
— Ah, aquela Es… Este…
— Estellade.
— Sim, essa!
Snoc havia perdido todo o interesse assim que não conseguiu tirá-la. Mas ele observou com atenção e abraçou Nowem enquanto Hans se aproximava. Hans estendeu a mão, e então…
Stomp!
Ouviram passos empurrando o ar úmido. Ele tirou as mãos da Estellade e olhou a direção do som, e Snoc se levantou.
— Acha que é o senhor Zich?
— Não tenho certeza. Não pareceram os dele.
Hans estava em um estágio alto o suficiente para diferenciar as pessoas por seus passos. Claro, suas habilidades sensoriais não se comparavam àquelas do mestre, porém, ainda era impressionante.
A parte preocupante foi que o som não veio da passagem que chegaram, e sim daquela que Lyla e os assassinos saíram. Logo, escutaram mais outros.
— Não é só um…
— E se ele estiver com mais algumas pessoas?
— Seria ótimo, mas…
A probabilidade desse cenário era muito baixa, então levantaram as guardas e esperaram.
Stomp!
Um grupo de pessoas saiu. Não Zich ou Lyla, e sim figuras encapuzadas.
“Inimigos.”
Olharam ao redor para avaliar. Havia quatro cadáveres no chão; três usavam as mesmas vestes e um usava seu uniforme de batalha. Todos decapitados. Com as suas cabeças rolando perto, podiam ver com facilidade quem eram: seus companheiros. Perto de Hans e Snoc, avistaram o manto de seu líder, que havia sido transformado em um suporte de bagagem.
— Ei. Eu vi os defuntos.
Apesar de falarem baixo, Hans e Snoc ouviam com clareza a conversa.
“São cinco deles.”
Havia mais desta vez. Mesmo que ninguém entre eles fosse forte como o líder, um subalterno era suficiente para representar uma grande ameaça para os dois. Entretanto, ambos os lados hesitaram em agir primeiro.
— Devemos atacar?
— Mas nosso chefe foi derrotado.
Pensavam que aqueles dois haviam derrotado todos sozinhos. Então, Hans e Snoc esperavam que pudessem evitar a luta.
— Lembrem-se de nossa missão. Mesmo correndo o risco de perder nossas vidas, temos que terminá-la. Eles são as únicas pistas que temos, já que todos os nossos companheiros estão mortos.
Com essas palavras, os inimigos se encheram de determinação.
— E se, de fato, tiver sido eles, podem estar cansados.
— Tem razão.
Os assassinos terminaram sua discussão e ficaram lado a lado antes de se aproximarem.
— Snoc.
— Sim!
— Corra!
Hans tomou a sábia decisão de darem meia volta e correrem.
— Vão atrás deles!
Hans e Snoc eram rápidos, contudo, os asssassinos eram ainda mais. Antes que pudessem sair, os encurralaram, iniciando a batalha. Espadas e pedras colidiram uma contra a outra. Faíscas voaram e iluminaram o quarto escuro por um momento.
Swish!
Uma espada arranhou o braço de Hans, o queimando. Os assasssinos de agora eram mais fortes que os anteriores. Snoc estava usando uma armadura pesada de pedras e atacando por todos lugares que podia. Todavia, mesmo ela estava se deteriorando. Seus ataques não estavam atingindo os alvos, e ele lutava para sobreviver.
Os assassinos não deixaram o nervosismo de lado ao perceberem que os dois oponentes sequer chegavam perto deles.
— Não os mate. Tenho algo a perguntar a eles — disse um deles.
— Droga! — Hans foi atingido no estômago e tropeçou.
Tuck!
Ele caiu na plataforma da Estellade. Antes que percebessem, ele e Snoc foram conduzidos para lá, a fim de que facilitasse a captura por não terem escapatória.
— Ugh!
Hans se levantou, subiu na plataforma e manteve sua postura, ouvindo eles rindo enquanto se aproximavam. Tentou se mover para trás, no entanto, havia outro assassino no caminho. Snoc estava sendo atacado unilateralmente à distância — era difícil esperar ajuda dele.
Tap!
Enquanto ia para trás, sentiu algo bater em sua cintura: a Estellade. Embora estivessem em perigo, ela soltou um raio de luz sutil. De repente, ele se lembrou de Zich parecendo um herói que mudou a trajetória de uma batalha perdida.
Olhando para seus inimigos se aproximando, percebeu que não podia parar e pôs a espada antiga na mão esquerda e agarrou Estellade com a direita.
Seus inimigos riram ao verem a cena. Até ele próprio sabia que não conseguiria tirá-la; porém, se lembrou de algo que Zich o ensinou.
“Dê tudo de si até o fim e até morrer. Use qualquer meio possível para que possa resistir, mesmo que a esperança pareça uma impossibilidade.”
Ao colocar força nas mãos, surpreendentemente, ela se encaixou muito bem.
Vrrrr!
Uma agradável vibração passou pela sua mão, e ele arregalou os olhos. Não foi um engano, ela com certeza estava em movimento. Da mesma forma, os assassinos não conseguiram esconder o choque — idênticos aos primeiros quando foi a vez de Zich.
Vrrrrrrr!
Com esse som, ela saiu por completo da plataforma e se revelou. Desesperados, correram à sua direção, mas a enorme força da Estellade encheu o corpo dele de confiança.
Ele estava exultante com a espada sagrada que nunca pensou que usaria brilhando intensamente. Seu sonho infantil, que começou a se tornar real a partir da orientação de Zich, estava se concretizando ainda mais com a Estellade. Não tinha mais por que hesitar.
Zich e Lyla abriram os olhos, e a primeira coisa que fizeram foi checar os arredores.
— Sou só eu ou estamos no mesmo lugar de antes? Parece a mesma ruína.
Ela apertou os olhos com força antes de balançar a cabeça.
— Errado, é um lugar diferente. Mas também não posso usar magia de teleporte.
— Acho que temos que continuar vagando por aí. Espero que não seja um labirinto como a antiga ruína em Violuwin.
Porém, ele logo se arrependeu de ter dito aquilo, pois no mesmo instante uma encruzilhada apareceu. Após ela, outra.
— As pessoas não dizem muitas vezes que deve ter cuidado com o que diz?
— Apenas me deixe em paz. — Acenou com as mãos.
Eles partiram à procura de uma entrada. À medida que avançavam em silêncio, somente os seus passos podiam ser ouvidos, apesar de não por muito tempo.
— Tenho muitas perguntas para fazer a você — falou Zich, andando — Mesmo que eu não tenha reclamado muito quando você não respondeu adequadamente a nenhuma das minhas perguntas antes, quero que pelo menos me dê uma explicação vaga sobre por que estava na passagem secreta de uma ruína antiga e as identidades daqueles caras.
Ela ficou calada.
— Não vai dizer nada de novo? Por que não tenta falar um pouco? Se pensar melhor, não acabei de salvar a sua vida?
— Eu também não sei…
— O que quer dizer com não sabe? Se lembra aí.
— Sim… as minhas memórias.
Não foi uma resposta tão satisfatória. Ela soltou uns suspiros profundos e parecia ter algo a dizer antes de se virar e olhá-lo. Embora esperasse que ele estivesse a observando com antecipação ao pensar nas respostas, ele estava franzindo a testa e olhando para o dedo.
— O que foi?
— Tá doendo — contou ele.
— Pensando bem, você não falou que seu dedo doeu antes? Mas sem ferimentos?
— Sim, esse é o problema.
— Dói muito?
— Bastante.
Na realidade, era como se a sua mão estivesse queimando. Se não fosse pela sua alta tolerância à dor, qualquer pessoa comum estaria rolando no chão.
— Se o lado de fora está bem, talvez seja dentro. Tem algo dentro da sua mão?
— Eu não me lembro de algo assim acon…
Enquanto balançava a cabeça, ele de repente parou.
— Pensou em alguma coisa?
Não houve respostas. Ele tirou a espada, cerrou o punho e apenas esticou o dedo que doía para cortá-lo. O sangue espirrou, fazendo Lyla estremecer por não acreditar que ele se corotu de imediato por pensar que havia algo dentro dele. Contudo, ele não prestou atenção à surpresa dela e levantou o dedo ensanguentado. Foi uma visão grotesca vê-lo se abrindo, e até ela deu um passo para trás.
— Tem uma coisa presa…
Lyla parou de falar, e os dois olharam com atenção para o que saiu. Os olhos dele estavam tão arregalados que era difícil descrever sua expressão com palavras. Ao tirar, o objeto estava encharcado ao todo de sangue e mostrava a mesma nitidez da última vez que o viu.
— A Chave que Distorce o Destino…?
Aquilo que ele nunca deveria ter visto desde regredir estava preso dentro do seu dedo.