Em suma, não havia nada para ele perder. Mesmo que Midas estivesse cheio de curiosidade e interesse, continuou sendo uma tarefa muito fácil separar o seu exterior dos sentimentos internos.
— Eu esperava que esta fosse a sua resposta. — Zich deu de ombros.
“Ele não é mesmo um golpista normal.” pensou Midas.
Ele ficou surpreso ao ouvir Zich desistir com tão facilidade e furioso por vê-lo beber o vinho que valia seis meses das despesas de uma família camponesa pela garrafa. Um bárbaro.
Tum!
Zich bateu a garrafa na mesa. Cerca de metade do conteúdo desapareceu.
— É dos bons! — Lambendo os lábios, procurou a marca — Pornine! Caríssimo! Hahaha, como esperado do dono de uma carruagem de ouro.
— Não queria me dizer algo? — perguntou o homem, o tom mais áspero.
— É, é, foi. Pra quê a pressa? — respondeu, mastigando um pedaço de queijo — Como adivinhou, me aproximei da elfa pensando que ela possuía um tesouro semelhante à Lágrima do Lago, e com o passar do tempo ganhei a confiança dela. E como você viu, ela é ingênua ao extremo. Não apenas ingênua, mas também ignorante. Mas mesmo aquela sem noção foi firme em proteger o seu tesouro.
O humor de Midas melhorou ao vê-lo fazendo uma careta de dor, o levando a baixar a guarda, porém desconfiado de que aquilo fosse mentira. Não havia nada melhor do que ver alguém que te irritava sofrer.
— Você não pensou em tomar o tesouro à força?
— Sabe como os elfos são fortes. Os meus companheiros e eu também somos, mas não pensávamos que seríamos capazes de capturá-la se ela fugisse. Nossos esforços se tornariam um desperdício.
— Ha. É por isso que voltou a Tungel? Porque não tinha como tomá-lo?
— Não é bem assim. Vim para encontrar outro método.
O homem parou na metade do caminho de pegar a garrafa de vinho, pois se lembrou de que Zich havia bebido nela. Chamou o garçom antes de se lembrar de que havia se livrado de todos eles para desfrutar da refeição em paz e não possuía escolha a não ser se levantar. A marca do vinho que pegou era barata, o irritando. Ainda assim, era caro para várias pessoas.
“Todos os meus preciosos estão no armazém.” pensou. “Vai ser um incômodo ir até lá.”
— O que aconteceu com o tesouro que disseram que levariam de volta para ela? — questionou, prestes a dar um gole na taça.
— Por que está mencionando isso? Não pensei que você acreditasse em nós.
— É verdade. O que você quer, afinal?
— Dinheiro. Sendo sincero, a única razão pela qual passei por todo esse trabalho foi por causa do dinheiro. Não estou tão interessado no tesouro em si.
— E por que diabos você jogou uma barra de ouro fora?
— Achei que a elfa poderia estar nos ouvindo de fora. Não sabe que eles têm uma audição afiada? Tenho que ter muito cuidado com coisas para manter a confiança dela. Mostrei que não ajo pela ganância.
“Ele é cuidado; perigoso, também.” ponderou Midas.
— O que ganho com isso?
— O tesouro dela.
— O que é ele?
— Desculpe, mas já te disse demais. Só quero que você responda se vai fazer parte disso ou não — retrucou, afastando o corpo da mesa.
— Não disse que me contaria tudo?
— Deixei claro que seria só o necessário.
— Tenho uma opinião diferente.
Uma guerra de nervos começou em meio ao longo silêncio, no qual se entreolharam. No final, quem levantou as mãos foi Zich, que tinha mais a perder com a troca.
— É chamado de “Lágrima da Terra”. Eu não sei direito do que se trata, só que ela valoriza demais. E não sei de mais nada.
— Então é impossível para mim colaborar.
— Mesmo depois do que te contei? Não tem jeito, então. Vou encontrar outra maneira. — Agarrou a garrafa na frente e engoliu o resto — Tenha cuidado, senhor dindim.
— Espere. Qual é o seu plano?
— Não tenho mais que te falar. Diga se vai participar ou não primeiro.
— Eu preciso de mais uns dias para pensar.
— Tudo bem. Se estiver interessado, envie alguém. Tome a sua decisão antes que o mercado negro abra, senão vou entender como uma rejeição.
— Certo.
Zich se levantou, satisfeito. Prestes a sair da sala, parou e se virou.
— Eu estava me perguntando…
— O quê?
— Se você poderia me dar aquela barra de ouro — disse, mais tímido.
Midas ficou atordoado por um momento, mas logo começou a rir e jogou uma barra. Vendo a expressão encantada de Zich, riu ainda mais.
Midas voltou e mergulhou na água quente da banheira, feita de ouro assim como todo o resto da sua mansão, e sentiu o estresse sair de si. Em vez de se concentrar nisso, a atenção dele estava em um assunto diferente.
“Posso ouvi-los pela barra de ouro.” Sorriu. “Foi tão engraçado vê-lo pegar com tanta alegria. Mas a minha visão está bloqueada.”
A julgar por isso, parecia que Zich havia posto a barra dentro de algum tipo de bolsa. Não foi em uma caixa mágica, pois, se fosse o caso, não daria para se conectar ao ouro.
“Posso ouvir as vozes deles.”
‘Como foi?’ A voz era de uma mulher, mas não da elfa. Devia ser daquela de cabelo branco.
‘Bem, eu fiz a minha oferta.’
“Momento perfeito para ouvir.” pensou ele.
‘Qual foi a reação dele?’
‘Ele demonstrou interesse. Só temos que ver como ele reage agora.’
‘Acha que ele virá até nós?’
‘Não sei.’
Focando toda a mente no som, ele pôde ouvir com clareza a conversa. Se esperasse mais um momento, parecia que começariam a falar a respeito do tesouro da elfa. E a previsão estava certa.
‘Merda! Não acredito que a Lágrima da Terra é um pedaço de metal inútil sem a Lágrima do Lago!’
Ele acabara de obter informações de alto nível; não pôde reprimir o sorriso. Dois bonecos estúpidos estavam dançando nas palmas das mãos dele.
‘Trabalhamos tanto para roubar a Lágrima da Terra só para ela se mostrar inútil!’
“Eles já roubaram a Lágrima da Terra. Tentaram me enganar também… Tenho que fazê-los sofrer em um ponto, mas depois. Agora, o foco é reunir informações.”
‘A Lágrima do Lago provavelmente seria bem cara, não é?’
‘Até Wips Midas parece estar de olho. É loucura tentar competir com ele por dinheiro.’
“Pelo menos ele sabe o seu lugar.”
‘Temos que tentar tudo o que pudermos para cumprir o nosso plano. Mas não se preocupe. Se funcionar, podemos conseguir a Lágrima do Lago e também tirar algum dinheiro dele.’
“Infelizmente para você, isso nunca vai acontecer.”
A água que escorria dos dedos seria o sangue que logo sairia de Zich.
Hans e Snoc ficaram no canto da sala, espantados com a peça cômica de Zich e Lyla na frente deles. Uma mesa estava no centro e, sobre ela, havia um saco espesso.
Apesar do assunto e do tom deles, os seus rostos estavam os mais calmos possíveis. Lyla inspecionava e quebrava os núcleos do golem, e Zich brincava com um pedaço de mithril jogando-o no ar e depois pegando com a mão.
Como Zich se assemelhava a um vigarista de tempos em tempos, era esperado dele. No entanto, foi chocante descobrir que Lyla também era proficiente em enganar as pessoas, o que assustou Hans e Snoc. Para os dois servos, pareciam um casal de golpistas.