Zich e Lyla foram trancados dentro de uma mansão isolada. Não era um lugar enorme e chique como a Dwayne, porém era bela. Cada um estava trancado em quartos separados cheios de móveis, sendo a única inconveniência o tédio. Todavia, o interrogatório ocasional era bastante irritante.
— Então, tenho certeza de que há uma razão para vocês dois terem ido lá! — gritou com Zich um grande homem.
Ele tinha uma cicatriz na diagonal de seus largos ombros até o queixo e as bochechas. Seu cabelo era áspero como o de um javali e suas sobrancelhas grossas lembravam lagartas de pinheiro. Ficou claro que a principal tática do interrogador era extrair informações esmagando o espírito do alvo com sua aparência assustadora; esse método, que teria funcionado com a maioria das pessoas, não funcionou com Zich.
— O padrão, né? Rolezinho, tal.
Com as costas apoiadas na cadeira e cruzando os braços e as pernas, Zich repetiu a mesma resposta que vinha dizendo. As sobrancelhas do homem se contraíram.
— Você acha que eu tô brincando?
— Você acha que eu tô brincando? Que inesperado. Estou cooperando da melhor maneira possível.
— Como pôde de repente dar um passeio em uma área deserta fora da cidade? Você acha que isso faz algum sentido?
— Quão cabeça-dura você pode ser? As pessoas têm personalidades diferentes. Existem aqueles com personalidades extrovertidas e também pessoas com personalidades introvertidas. Assim como há pessoas que gostam do estilo de vida sofisticado das cidades, outras gostam do estilo de vida simples e humilde do campo.
— Então, você está dizendo que gostam de passear em uma floresta deserta?
— Não, deu vontade e nós foi. Serião, pô.
O homem bateu com o punho na mesa, a balançando e deixando uma marca. Zich fez uma careta.
— Tá com o ouvido onde? Por favor, diga quando for bater na mesa da próxima vez. Quero tampar meus ouvidos de antemão.
— Você está transbordando de confiança, não está?
— Imagina. Sem ela, o que eu seria? O que seríamos? Filosofia!
— Ei, arrombado. — Puxou Zich pelo colarinho. — Ouça minhas palavras com atenção.
O cheiro do hálito do homem inundou seu rosto, então Zich tapou seu nariz. Isso fez a expressão do interrogador ficar ainda mais sombria. No entanto, não houve mais violência, e o homem simplesmente rosnou enquanto cuspia:
— Acorde para a realidade se está agindo assim por causa de Dwayne. Ninguém está do seu lado agora.
— Quem fode é os outros e quem se fode é a gente? Desgraça, esse povo da torre não vale o pão que come.
— Quem vai acreditar em você? Seu oponente é uma das principais famílias da torre mágica. E seus olhos estão virados de cabeça para baixo agora por causa do que fez com o herdeiro deles. Comparado a isso, vocês são apenas andarilhos. Parece que têm algumas habilidades, mas é isso.
— Então, eles vão nos transformar em peões de sacrifício?
O homem sorriu.
— Não importa quem começou essa luta. Mesmo que o jovem mestre da família Jaewick tenha os emboscado como afirmam, é certo que serão punidos. Quer dizer, vocês torturaram o herdeiro deles. Se não tivessem feito isso, a situação poderia ter sido um pouco melhor.
— As outras pessoas na torre mágica pensam o mesmo?
— Eu não tenho certeza. Alguns podem considerar vocês uma pedra no sapato dos Jaewicks e alguns podem simpatizar. Porém, o que quero dizer é que ninguém estaria disposto a enfrenta-los por andarilhos como vocês.
— Ué? E tu tá fazendo o quê agora? Quer me torture ou manipule minhas palavras, não pode simplesmente me colocar no corredor da morte?
O rosto do homem se distorceu um pouco. Ele claramente tinha a aparência de uma pessoa frustrada porque as coisas não estavam indo do seu jeito. Zich sorriu.
— Ah, parece que a dona Elena está fazendo um grande esforço para sua professora e amiga.
— Mesmo que isso seja verdade, nada vai mudar. É só uma questão de tempo. Vocês não podem ficar sob a proteção deles para sempre. Além disso, o único que pode proteger vocês é apenas Orland Dwayne. A torre permanece neutra, mas não vai durar muito.
— Então, o que está pedindo? Parece que não vou conseguir escapar da execução, não importa o que eu diga.
— Só estou dizendo que nós dois deveríamos nos divertir.
— Mesmo se ficar de boca fechada assim, a única coisa esperando por vocês é uma tortura terrível. Em vez de suportar isso, não é preferível deixar este mundo sem dor?
— Entendo. Faz sentido.
O rosto do homem se iluminou de leve quando Zich pareceu mostrar sinais de aceitação. No entanto, as próximas palavras dele fizeram seu rosto se enrugar de novo.
— O problema é que sou muito honesto, e se eu estiver mentindo, que minha mãe se aleije, porque é verdade. Como consequência, não posso aceitar a oferta. Mas você tá guardadinho no meu coração. Amo pessoas educadas.
O homem cerrou os dentes e empurrou Zich que caiu para trás como se tivesse perdido o equilíbrio e caiu na cadeira. Então, ele cruzou os braços e as pernas como fazia antes.
— Você é um cara durão. Suponho que seja por isso que torturou Mawin em nome da coleta de informações.
— Rapaz, vou falar pra você: estou refletindo sobre isso. Ele era tão covarde que tagarelava sobre coisas que eu nem perguntei. Eu não posso acreditar que um cara assim anda por aí agindo como se fosse alguém importante. Não posso deixar de me preocupar com o futuro da torre.
— Não há necessidade de você se preocupar com a torre mágica. Seja o que for que o futuro reserva para a torre, você não poderá testemunhar.
O homem se virou e se dirigiu para a porta.
— Já acabou por hoje? Não havia nada demais, até menos do que eu pensava. Venha brincar comigo da próxima vez também. Brincar com você foi mais divertido do que eu esperava.
— Da próxima vez que eu vier…
O homem virou a cabeça com a mão na maçaneta. Ele olhou para Zich com um olhar frio.
— Não haverá mais nenhum poder te apoiando. Estou mesmo ansioso por esse dia.
A porta se fechou. Zich ouviu o som da fechadura sendo fechada com firmeza, o som alto dos passos se afastando.
— Ah, eu me diverti! — Cruzou os dedos, se inclinando para trás. — Gastar esses caras é bom demais, bicho. Vou fazer mais vezes.
Apesar da intensa frustração do interrogador enquanto tentava ao máximo permanecer no poder e obter informações, esse interrogatório nada mais era do que um jogo para ele.
— Embora seja um passo necessário, é muito chato.
Zich soltou um grande bocejo. Ele colocou o pé em cima de uma mesa e deixou os braços relaxarem para o lado. Qualquer um podia ver que estava apenas tentando matar o tempo.
— Eu me pergunto o que Lyla está fazendo.
Zich infundiu mana em seu ouvido. Ele agora podia ouvir sons além das paredes de seu quarto. Mesmo que os fossem separados um do outro, isso não era um obstáculo.
— Parece que eles ainda não terminaram o interrogatório.
Contudo, parecia que o interrogatório não estava indo bem. O interrogador gritou suas perguntas, mas não obteve respostas. Zich gargalhou quando terminou de avaliar a situação.
— Ela está o ignorando completamente. Dá até pra imaginar.
O som dos gritos durou mais alguns minutos. A casa balançou um pouco; algo caiu no chão. Zich caiu na gargalhada.
— Ela fez isso mesmo!? Ela deu só uma!
O interrogador ficou bravo com a atitude dela e deve ter avançado, somente para ser jogado no chão. A julgar pelos gritos terríveis, a dor era extraordinária.
Zich ouviu uma porta se abrir e sentiu uma pessoa fugindo em desespero. Ele riu por um bom tempo.
“Na moral, que ceninha boa.”
Entretanto, essas eram todas as coisas divertidas que ele podia fazer. Seu interrogador se foi e o de Lyla fugiu. Seus arredores estavam quietos outra vez, e ele habilmente inclinou sua cadeira para que apenas uma de suas pernas ficasse no chão.
“Acho que vou ter que ficar entediado assim por um tempo”, pensou, se virando.
Se a previsão for correta, ele não teria que ficar assim por muito tempo.
“Bem, comecem a se mover, meus amigos. Vocês têm que aprofundar a divisão entre a família Dwayne e Jaewick.”
Zich tinha certeza de que o instigador de todo esse esquema logo começaria a se mover novamente. Ele se levantou para encontrar algo para fazer para passar o tempo.
Depois que foram capturados, o humor de Elena ficou muito melancólico. Ela pensou que foram capturados por causa dela. Além disso, seu coração ficou ainda mais azul, porque seu avô, que achava que usaria seus poderes para tirá-los de lá, assumiu uma postura tão neutra.
Snoc também parou de ir à mansão. Mesmo que o contratante de feras mágicas de Snoc, Nowem, tenha desempenhado um papel importante em seus alunos de magia recentemente, era ridículo continuar seus estudos nesse tipo de situação. Além disso, mesmo que ele viesse à mansão, Elena se sentia culpada demais para ver seu rosto.
“Tudo vai acabar bem.”
Mantendo essa esperança desesperada, Elena ficou na mansão o tempo todo. Desde que Zich e Lyla foram levados, seu avô não voltou. Com tão poucas pessoas naquele lugar, agora parecia assombrada. A única fonte de conforto que tinha era seu pai, que às vezes vinha para checá-la.
Ela não tinha apetite, então mexeu nos talheres algumas vezes e voltou para o quarto. Ela folheou o livro de magia que Lyla comprou para ela e soltou um grande suspiro. Não conseguia se concentrar nos livros que tanto gostava.
Elena olhou para fora de sua janela e olhou para a lua no céu noturno. Como o tempo passou tão rápido? Ela fechou seu livro e se sentou na beira da cama e continuou a olhar para o céu noturno.
“Foi muito divertido naquela época.”
Alguns dias atrás, houve um dia em que suas aulas de magia terminaram um pouco mais tarde do que o normal. Quando o céu estava começando a escurecer, Lyla, Zich, Snoc, Nowem e Elena olhavam para o céu noturno. Lyla havia contado mitologias mágicas e constelações no céu com sua voz gentil e carinhosa, e Zich intervinha de vez em quando e ria alto como de costume. Snoc ouviu em silêncio, e Nowem adormeceu em seus joelhos.
Era uma lembrança feliz que parecia que apareceria se ela apenas virasse a cabeça para o lado. No entanto, essa memória parecia uma ilusão que aconteceu no passado distante; como uma memória distante da infância quando sua mãe, pai e avô estavam todos juntos, ela acreditava que sua mana seria despertada em breve. Elena enxugou as lágrimas que se formaram um pouco ao redor de seus olhos e estava prestes a se deitar na cama quando…
“Hã?”
Descobriu a sombra de uma figura misteriosa parada ao lado dela.