“Acabou!”
Snoc colocou as mãos nos joelhos e sentiu-se aliviado. Um ar refrescante que contrastava com a atmosfera sufocante dentro da mina acariciou suavemente o seu corpo. Não poderia ter se sentido mais feliz ao ver a lua prateada ou ouvir os chilreios de insetos sem nome lá fora.
— Você fez bem. — Com essas palavras descuidadas, Drew saiu e desceu a montanha sozinho. Passava um ar de pouco sociável ali, então Snoc não disse nada e distraído o observou desaparecer de vista.
— Ai! — Sentiu dor por todo o corpo machucado e ferido. Sentou-se e tocou as áreas feridas.
Koo?
— Hum?
Um som familiar.
O menino parou de prestar atenção na toupeira quando tentou se concentrar no controle de mana, então não percebeu que ela o havia seguido para fora da mina.
— O quê? Você me seguiu até aqui?
Tentou colocar a mão no seu rosto. A maioria delas teria se afastado da mão de um humano, mas ela esfregou o rosto na mão dele.
— Não tem família?
Koo.
— Você está sozinha?
Koo.
Continuou a falar com a besta que provavelmente nem conseguia entendê-lo. Ela soltava um pequeno barulho após cada frase, mas Snoc não pensou que o animal estava respondendo. No entanto, tinha que admitir que era adorável e o lembrava de si mesmo, pois não possuía família e se agarrava a um estranho.
— Quer vir comigo?
Parou de dar tapinhas nela e virou a mão e a colocou na frente das suas patas. Ela cutucou a borda do dedo com o nariz e, então, rastejou à mão dele.
— Haha! Oh, acho que você quer vir comigo!
Sentiu uma pequena quantidade de calor nas mãos. O seu corpo estava todo machucado, mas naquele momento, não sentiu nenhuma dor. Abraçou firme o bicho no peito, e ela, que tirou a cabeça da camisa dele, farejou e se situou em um local confortável.
— Qual será o seu nome?
Abraçando o novo e inesperado familiar, desceu à mina.
Não havia uma presença humana na mina, e um silêncio sombrio abrangia a área. Era tarde, logo, a aparência vazia era típica para a hora. Mas logo depois, o silêncio quebrou e uma figura apareceu. Surpreendentemente, era Drew, que deixara Snoc descer a mina sozinho. Olhou para o caminho que o garoto tomou e disse:
— Está tudo indo de acordo com o plano.
Seu tom baixo soava mal feito um demônio recitando os planos perversos.
— Satisfeito agora?
Com quem é que estava falando? Na verdade, ele parecia estranho falando só ali.
— É.
Escutou uma resposta de dentro do local coberto de escuridão. Uma figura saiu dela e apareceu à vista. Qualquer um que a visse provavelmente teria o mesmo pensamento: “suspeito”.
A pessoa não tinha uma característica ou traço distinto; um manto opaco e escuro fazia o rosto e físico parecerem um saco, apenas sua voz baixa indicava que era um homem. E de dentro do manto, conversava com Drew.
— Obrigado pelo seu trabalho. Como esperado de Drew, famoso até mesmo entre os aventureiros. Seus talentos são excepcionais…
— Vá direto ao ponto. — Cuspiu no chão. Não parecia feliz com os elogios voltados a ele — Não quero ouvir sua lisonja mentirosa. Sei que nem pensa isso. Conheço mais dos aventureiros do que qualquer outro.
Eram humanos ambíguos de moral, bem no vão de criminosos e ladrões. Drew era o pior tipo. Claro que não se sentiu culpado por isto, pois se tivesse, não teria se rebaixado tanto.
— Só uma coisa é o que quero: dinheiro. — Drew estendeu a mão.
Era a verdade absoluta que o movia e sempre o motivaria.
— Não me diga que não pode me dar o dinheiro agora. Eu não vou aceitar esse tipo de merda. — A sede de sangue perfurou as costas do homem vestido, mostrando a obsessão pelo verde e dourado.
— Claro. De verdade, eu queria elogiar do fundo do meu coração as suas habilidades. E não é como se eu não fosse te dar o que prometi. — Vasculhou os pertences e tirou uma bolsa cheia e pesada — Pegue.
Drew apanhou o saco. Assim que abriu, ouviu um tilintar alto! Com apenas o luar escuro, as abundantes moedas de ouro mostravam sua luz brilhante. A maioria das pessoas olharia a cena com admiração, mas ele não fez isso. Como era um aventureiro há muito tempo, sabia que não devia baixar a guarda.
— Espere. — Aumentou a distância entre ele e o vestido. Daí, colocou um dos joelhos no chão e começou a contar cada moeda de ouro, sem esquecer de verificar os movimentos do homem de vez em quando. — Tudo certo. — Depois de contar a última moeda de ouro, puxou as cordas da bolsa e a fechou.
— Você não acredita em mim?
— Você está desapontado?
— De jeito nenhum. Confiar em uma pessoa totalmente suspeita como eu é tolice e inocência. Sagaz, como esperado de você.
O que foi isso? Não importa quantas vezes ouvisse, as palavras não pareciam elogios, mas sim piadinhas de mau gosto. No entanto, não começou uma briga por uma razão tipo essa. Já que lhe deram uma fortuna por uma pequena ação, — mesmo com a pior personalidade de sempre — Drew não tinha malícia, somente cautela.
— Enfim, acho que você não tem mais motivos para ficar perto daquele ingênuo que admira aventureiros. Pretende continuar a agir como instrutor? — perguntou o homem.
Zombou: — Por que eu continuaria com aquele lixo?
— Oh, céus. Você não, sei lá, formou nem um laço com ele?
— Ele é cabeça dura, e isso é visto só de ver quanto tempo levou para despertar a mana. Se eu tiver que continuar a cuidar dele, posso matá-lo de tanto aborrecimento.
— Não é porque ele tem talento?
Drew olhou para ele.
— Ah, meu Deus, eu estava brincando. Só pensei que talvez não quisesse aceitá-lo como discípulo porque tem inveja do talento dele.
— Hmph! Admito que a mana dele é rara. — Ficou chocado quando tentou libertar a sua mana. — Mas quanto mais rara é, mais restrições existem. Não me falta tanto para sentir inveja disso.
— Entendo. Sinto muito pela piada.
O homem vestido curvou-se até a cintura, mas os movimentos lentos fizeram Drew se sentir ainda mais desagradável. Não queria mais falar com ele e se virou sem se despedir.
— Obrigado pela sua ajuda. Se algo acontecer de novo, eu vou procurar por você.
Ouviu a voz por trás, mas a ignorou.
No dia em que estavam descansando após lutar contra monstros, ocorreu um incidente. Zich estava levando Hans para tomar um ar fresco, e vagaram pelo mercado para matar algum tempo.
Viram uma pessoa correr pela estrada ofegando. Parecia alarmado, visto o suor excessivo e respiração áspera. Quando se aproximou deles, Zich e Hans se moveram um pouco para o lado a fim de sair do seu caminho. Ele estava prestes a passar por eles quando seus olhos encontraram os de Zich.
— Ah! — De repente parou e se aproximou e agarrou os ombros dele com força — Você estava aqui! Graças a Deus que consegui encontrá-lo!
Era alguém que Zich conhecia?
“Espere, é o mineiro que estava com Sam.”
— Aconteceu algo com o Sam?
Essa era a única razão pela qual o homem a quem conversara uma vez durante algumas bebidas pareceria tão urgente para ele. O palpite foi certeiro.
— Sim! Sam correu para o Caça-Monstros logo pela manhã! Disse que tinha que fazer uma reclamação sobre o cara que tava com Snoc!
— Que idiotice é essa dele?
Reclamações não funcionavam com aventureiros. A menos que alguém possuísse poder, riqueza ou autoridade militar, eles exerceriam violência contra outros, mesmo que estivessem errados.
— Você não tentou impedi-lo?
— Tentei, mas ele não me ouviu! Eles são mesmo irmãos! Sam é tão teimoso quanto Snoc quando se concentra em algo!
— Mas sobre o que é a reclamação?
— Parece que o cara jogou fora Snoc!
— Você está dizendo que o aventureiro não está mais mantendo Snoc como seu discípulo?
— Sim!
— Isso não é bom? Pensei que ele não gostasse da ideia de Snoc se tornar um aventureiro.
— Não sei o que aquele cara disse ao expulsar Snoc, mas ele se trancou dentro de casa. Também parece que ficou com todas as poupanças dele enquanto agia como seu instrutor! E aquele desgraçado não vai devolver!
Isso era possível. Não era surpreendente uma fraude de um aventureiro.
— Por causa disso, Sam explodiu e saiu correndo!
— Então, você veio pedir a minha ajuda?
— Sim, você também não é forte o suficiente para matar monstros? Eu pensei que você seria pelo menos melhor do que nós, então tenho procurado por você em todos os lugares!
Foi por pura sorte que encontrou Zich e Hans.
— Por favor! Você não disse que era amigo do Sam? Estou tão preocupado que algo possa acontecer com ele!
Zich ficou perdido em pensamentos. Teria simplesmente ignorado o assunto se a pessoa envolvida fosse um completo estranho. Contudo, na cidade, manteve um relacionamento até que próximo com Sam.
“Ele é meu amigo e eu disse que o vingaria se algo acontecesse com ele. Eu também acho que isso também está dentro dos limites da bondade.”
— Deixa eu ver isso direito.
Com a sua resposta, a expressão do mineiro se iluminou.
Zich, Hans e o homem, Crysin, correram até o Caça-Monstros. Era improvável que Sam e Drew se conhecessem. Mesmo que Sam fosse ao lugar com raiva, Drew não morava ou trabalhava lá. O edifício era simplesmente um lugar onde recebiam dinheiro em troca de monstros. No entanto, é o que diz no ditado: “se o urubu estiver de azar, não há pau que o escore”.
— Ah, ei! Chegou na hora certa! — Depois de correr para fora do prédio, Paul Chenu avistou Zich e se alegrou — Sacerdote! Por favor, chame um sacerdote!
— O que aconteceu?
— Uma pessoa pode morrer neste ritmo!
A expressão de Zich endureceu. Empurrou Paul para o lado e entrou na loja. Depois de abrir a porta e entrar, sentiu um fedor meio metálico. Não era estranho, afinal, em um lugar cheio de cadáveres, sempre haveria um cheiro espesso de sangue. Todavia, não era de monstro.
— Aam.
No meio do lugar, Sam estava deitado no chão em um estado terrível: seu rosto ensanguentado estava tão inchado que seus traços foram arruinados além do reconhecimento. Seu nariz, achatado de modo que assobiava cada vez que respirava, e metade dos dentes desapareceram. O braço direito e a perna esquerda estavam torcidos em direções estranhas, e, depois de levantar a parte superior, Zich viu hematomas por todo o corpo.
“As costelas dele devem estar quebradas.”
— O-o que aconteceu? — Crysin correu para o lado do amigo com pressa, hesitante em colocar a mão nele. O corpo parecia tão horrível que pensou que poderia piorar as feridas por engano.
— Hans.
— Sim! — respondeu, sentindo-se nervoso. Também pensou que a situação era grave.
— Vá para os nossos aposentos agora. Há poções na minha bolsa. Traga o saco inteiro.
— Sim! — Desapareceu feito uma flecha, os movimentos rápidos ao extremo devido à mana.
— P-poções? Uma coisa tão valiosa? — Crysin e até mesmo Paul, que ficou quieto, se surpreenderam.
— Elas não são tão valiosas para mim, não ligo. De qualquer forma, foi Drew quem deixou ele assim?
— Ah, sim — respondeu — Ele entrou na loja enfurecido, dizendo que tinha algo a resolver com Drew. Eu disse para ir ao Magistrado em vez disso, uma vez que eu sabia como eram os aventureiros, especialmente gente como aquele cara. Mesmo que ele estivesse no emocional, eu ainda conseguia falar com ele. Depois que continuei a persuadi-lo, ele entendeu e estava prestes a sair. Daí, pensei que o assunto estava resolvido, até…
— Que aquele filho da puta entrou.
Após confirmar que Drew era o autor, Zich usou as palavras “filho da puta” para descrevê-lo. Paul não negou, pois achava o mesmo.
— Ele sabia da situação antes de entrar no prédio; deve ter escutado de longe. Tentei deixar Sam ir, mas Drew o provocou primeiro.
— O que ele disse?
— Por causa de tudo o que aconteceu, não lembro de tudo, mas foi algo assim: “dei a um pedaço de lixo o gosto de um sonho desesperado. No lugar de ser insultado, eu deveria ser agradecido. Considerando o que fiz, devia ter recebido mais do que o troco que recebi daquele merda. Eu sofri uma perda, na verdade”.
O “pedaço de lixo” devia ser Snoc, e, em suma, Drew afirmou que não fez nada de errado.
— É mesmo?
Inesperadamente, a voz de Zich era indiferente. Paul, que pensou que ele iria pular de raiva, inclinou surpreso a cabeça. Conseguia ver os cantos virados um pouco para cima dos lábios dele. Se tivessem o conhecido em seus dias de Lorde Demônio, teriam se ajoelhado ou fugido com tudo o que tinham.
— Cadê ele?
— Eu não sei. Ele foi embora depois de deixar alguém neste estado — reclamou — Eu sei como as personalidades dos aventureiros são ruins, mas deixar uma pessoa assim!?
Paul possuía senso comum como pessoas normais, mas para Zich, essa quantidade de violência não era motivo de preocupação. Embora Sam estivesse quebrado, não era como se tivesse sido dividido em dois; ainda estava vivo. A parte importante não era o nível da violência, mas o alvo.
“Ele ousou atacar um amigo meu?”
Com isso, a história mudou, o tornando altamente envolvido neste caso. Antes de sua regressão, começava brigas por qualquer motivo, porém as coisas eram diferentes agora.
“Além disso, ele não é um cara mau?”
Enganou alguém, pegou a sua fortuna e violentou quem tentou apresentar uma queixa sobre ele.
— Em outras palavras, isso significa que, mesmo que eu o estraçalhe, não estarei fazendo uma má ação.
“Desgrace ele.”
Um sorriso sádico apareceu em seus lábios.