Uma lembrança de muito tempo atrás veio à mente dele: uma mulher. Antes de Nowen ser selada, ela foi a primeira e última pessoa com quem fez um contrato. Não apenas isso, e sim foi a primeira pessoa que conheceu logo após seu nascimento, sua preciosa amiga, que mostrou a ela um mundo novo ao todo.
O fim deles foi trágico.
A fim de protegê-la e formar uma relação mais especial, sem perceber formou um contrato com ela. Porém, a mana especial de uma besta mágica era o mesmo que veneno para uma pessoa normal. E sucumbindo ao imenso poder da terra, a mulher adoeceu, e de tempos em tempos perdia a cabeça, visto que o corpo dela rejeitava a mana da besta.
Logo, se tornou um símbolo de medo entre os humanos. Era impossível quebrar o contrato absoluto, decidido desde o seu nascimento, e só poderia acabar se uma delas morresse. Ainda assim, não tinha ressentimentos.
Por outro lado, Nowem tentou suicídio muitas vezes por pensar que deveria morrer para salvá-la, mas foi impedida. A sua amiga a ameaçou, dizendo que se mataria para acompanhá-la logo depois. Assim, viajaram por todo o mundo procurando uma maneira de quebrar o contrato.
Após passarem por todos os tipos de sofrimento e provações, enfim descobriram um método: um selo; um imensamente forte que poderia destruir o contrato. Embora selar a si mesmo significasse que sua separação era inevitável, era o único jeito que encontrariam. Além disso, não tinham tempo suficiente, pois a pele da humana parecia a casca de uma árvore velha, os cabelos estavam quebradiços; os olhos, enlameados. Não havia vestígios da energia vibrante e brilhante que costumava carregar. A única coisa que era a mesma era o sorriso dela.
— Está na hora de nos separarmos.
Não possuía muito tempo. Era contra a vedação, mas Nowem insistiu e queria que ela desfrutasse de um tempo de paz, mesmo que fosse por um curto período.
O sorriso dela não desapareceu mesmo após as lágrimas derramadas.
— Com certeza vai conhecer a sua alma gêmea no futuro — sussurrou — E não será alguém sem habilidades que nem eu. Vai ser uma pessoa capaz de aceitar todos os seus poderes. Por isso, não desista. Por favor, seja feliz por mim.
Os sentimentos sinceros dela tocaram o coração da besta-toupeira. Ela a abraçou e acariciou o pelo macio daquele corpo pequeno e sentiu a temperatura um pouco mais alta do que a de um humano. Então, cantou uma música suave. Não sabiam quando começou, mas existia uma se espalhando pelo mundo que a criticava, a letra repleta de medo e raiva.
— Se resolvermos este problema, vamos andar o mundo. Quem sabe fazer coisas boas e mudar essa letra?
Entretanto falharam. Assim como antes, permaneceram sendo símbolos de medo. Sua melodia não era longa, então terminou rápido o canto, e ela falou:
— Que tal eu criar uma versão que conta aos outros um pouco sobre você? Embora não possa mudar a música no mundo inteiro, vou fazer saberem que você não faz medo. — Fez o juramento com a voz rouca — Mesmo que não acreditem em mim ou a música não se espalhe, irei tentar. Se eu tiver uma família e filhos, ensinarei para eles. Mesmo que só haja um cantando, quero garantir que ela traga amor e esperança em seu nome. E ela vai tocar em todo o mundo!
Começou a cantar de novo a sua versão oposta àquela que falava criticava a toupeira. As letras pareciam capturar todas as suas emoções e esperança, e com um sorriso, ela se encaixou em um canto profundo do coração de Nowem. Assim, a besta foi selada.
Quando dormia, sonhava os mesmos sonhos: o que aconteceria se não estivesse selada e continuasse a viver uma vida pacífica com sua amiga? E estava plenamente ciente de que era um sonho e um futuro que nunca viria. Talvez foi por isso…
“E não será alguém sem habilidades que nem eu. Vai ser uma pessoa capaz de aceitar todos os seus poderes. Por isso, não desista. Por favor, seja feliz por mim”.
… Essas palavras ecoaram dentro da sua mente.
A vermelhidão nos olhos de Nowem começou a desaparecer. Seus dentes afiados e unhas se retraíram e ele parou de rosnar direto. Apenas olhou para Snoc, que cantava impotente uma música sem parar.
Embora muitas partes tenham mudado ao longo dos anos, era, com certeza, o que ela ouviu antes da vedação. O começo era igual à versão popular.
Era uma música que ela nunca se acostumaria. Assim, mesmo sem os sentidos, sentiu uma sensação familiar de ódio e rosnou. Todavia, a aversão parou ao continuar da canção. Não era como lembrava; as letras e melodias foram alteradas, embora o ritmo geral e a fissura por ele, boa ou não, tenham continuado.
— Eu não te prometi?
Por mais que tenha passado muito tempo desde a morte dela, era como se ainda estivessem juntos. A voz, seu calor, o sorriso…
— Eu disse que a espalharia mesmo que tivesse que usar os meus filhos para isso.
A energia violenta que se espalhou na besta logo diminuiu. Seus olhos loucos refletiam a figura à frente: Snoc, o humano que conheceu depois de romper o selo e que possuía a mesma energia que ela. Pela visão embaçada, viu ele se sobrepor às imagens que tinha da prévia amiga.
O dia clareou. Os pássaros cantavam, e o céu brilhava em um azul, repleto de nuvens. Em contraste com a natureza matinal de costume, os humanos estavam barulhentos e caóticos devido aos barulhos de antes.
Para resumir, ninguém em Suol teve um sono agradável. Uma equipe de apoio foi rapidamente estabelecida e enviada para investigar a mina. Vários funcionários do governo, especialistas e tropas subiram, e aqueles com nervos fortes e curiosidade os seguiram atrás. Claro, bloquearam os arredores do local, então os de fora não podiam entrar e passear.
Os serviços dos mineiros congelaram. Mesmo que a mineração fosse o negócio mais importante da cidade, não poderiam avançar com os restos de uma intensa batalha presentes. Considerando a posição da cidade, não podiam fazer isso por muito tempo, e mobilizaram um grande número de recursos e mão de obra para investigar o incidente.
Se soubessem que Zich e Snoc estavam envolvidos no caso ontem à noite, as coisas ficariam apertadas ao extremo para ambos. Poderiam até se unir contra Nowem e tratá-lo como uma ameaça à segurança da cidade. Assim, Zich tomou sua decisão sem qualquer hesitação: agir como se não soubessem de nada.
— Senhor, voltamos!
— Voltamos.
A entrada se abriu e Sam e Hans entraram. Pareciam cansados, mas também aliviados.
— E aí?
— Fiquei dizendo que não sabia nada do que aconteceu — respondeu Sam. Hans acenou com a cabeça forte, que nem faz ao completar uma missão.
— Vai mesmo ficar tudo bem?
A equipe de investigação tinha solicitado a cooperação deles. Ao contrário de Zich ou dos assassinos, os dois receberam permissão do porteiro na noite passada para passar pelos portões do forte, então havia evidências de que estavam na mina durante o incidente. Essa foi a razão pela qual solicitaram ajuda no testemunho deles. E embora “pedissem” ajuda, não era um pedido que pudessem recusar, em especial Sam, que precisava continuar a viver lá. Portanto, ambos cooperaram, porém não disseram a verdade, pois prometeram a Zich que manteriam a boca fechada.
— Falou para eles o que mandei dizer?
— Sim. Falei que ouvi um barulho alto quando estava subindo e parei de andar no meio da mina. E que me escondi de medo em um arbusto até o barulho parar, também.
— Isso é bom. Mas de qualquer maneira, perguntaram a vocês de uma forma retórica, até. Não sei quanto a Hans, mas por que suspeitariam de um mineiro? E Hans foi protegê-lo. Também limpei uma parte depois.
Pôde não ter sido capaz de apagar todos os vestígios, mas foi uma tarefa fácil dar uma arrumada geral. Tinha muita experiência com isso antes da regressão.
— Tem isso, também.
— Espalhei os corpos dos caras que causaram isso tudo. E o Drew, que encontrei por acidente, para criar um cenário plausível. Não podem nos seguir.
Depois que explicou o seu trabalho em detalhes, Sam se sentiu aliviado. Contudo não ficou completamente aliviado e pegou uma cadeira trêmulo.
— Não quero fazer algo assim nunca mais.
— É divertido se você se acostumar.
Havia altas chances de a equipe de investigação chegar a Zich. Já que deixou o cadáver de Drew esparramado na cena do incidente, talvez descobririam sobre o problema dele com os presentes no quarto. Mesmo que fizessem isso, Snoc e Sam foram as vítimas e eram mineiros comuns, e só desconfiariam de Zich.
— Não pense que sou que nem você. Eu vou viver uma vida normal onde eu só tenho que cavar minas.
— Plebe.
— É a vida perfeita que eu quero.
Por conta das conversas paralelas, a ansiedade de Sam desapareceu por completo. Ria mais do que roía as unhas. E vendo que ele se acalmou, Zich passou para o próximo tópico.
— Enfim, vamos falar sobre esses daí. — Os olhos dele pousaram em Snoc, que estava sentado com Nowem nos braços.
Os olhos dela circularam e sentiram a atmosfera circundante. Seus sentidos sensíveis, que eram as características das bestas mágicas, decifraram o humor de seu entorno, e sentiu que uma conversa muito importante para ela aconteceria em breve.
Koo.
Soltou um grunhido baixo e olhou para o garoto, que o abraçava, e viu o seu rosto determinado, como se tivesse decidido firmemente algo.
— Primeiro de tudo, não parece que ela vai sair do controle mais. O que resta são os probleminhas entre vocês dois e seus planos com ela.
— Já te disse antes que a perdoei. — Sam falou sem hesitar em sua resposta e nem um leve tremor no tom.
— Sim, estou impressionado com a resposta, mas o problema é o que você sente.
O rosto de Snoc não era muito bom no momento. A culpa estava estampada em toda a sua face.
— Sou muito grato pelas palavras de perdão dele, mas é verdade que ela causou a morte de nossos pais. Também acho que não podemos superar isso com apenas palavras. — A voz dele era suave e minúscula.
Todos entenderam o que ele quis dizer. Sam parecia estranho e, embora não sentisse nenhum arrependimento por dizer que a perdoava, entendia os sentimentos de Snoc. As emoções humanas eram muitíssimo complexas.
Foi aí que Zich interveio:
— Que tal ser bonzinho de agora em diante?