Zich, Hans e Snoc compartilharam o jantar juntos em torno de uma fogueira e comer o mesmo de antes: produtos de caça, porém não de Zich. Já que os soldados não precisavam mais cuidar de pacientes, podiam caçar por si sós. A vida dele de ter que alimentar os outros acabou.
Pegaram um porco selvagem e o espetaram sobre o fogo, uma refeição superbásica existente desde a pré-história. Não possuíam tempero ou especiarias, tornando o desagradável. Zich não era exigente com comida; no passado, sobreviveu apenas com água por dias.
Mas…
“Eu tô de pouco em pouco me cansando disso.”
Não queria algo chique, e sim básico, que nem pão e sopa. Mas comeu tudo, de qualquer maneira. Hans e Snoc terminaram juntos, encerrando o jantar rudimentar.
Hans perguntou:
— Quanto tempo acha que vamos ficar aqui?
Nas últimas semanas, trabalharam duro para evitar a propagação de doenças. Embora não se arrependesse de se esforçar para ajudar as pessoas, queria dormir em uma cama confortável. Snoc também assentiu em concordância enquanto abraçava Nowem. Como não fazia muito tempo desde que se juntou ao grupo, estava mais exausto do que os outros dois devido à experiência difícil.
— Hmmm, não acho que será fácil sair.
— Será que é porque pensam que fomos infectados?
— Bem, pode ser uma explicação possível, mas não acho que seja a principal razão.
Os períodos de incubação para as doenças encontradas entre os aldeões eram todos muito curtos. Já haviam passado mais de dez dias desde que acamparam lá fora. Se estivessem doentes, teriam morrido há dias.
— Por que, então?
— Acho que é semelhante ao que aconteceu na nossa família. — Olhou para Hans e deu um sorriso furtivo.
Hans empalideceu quando lembrou do que aconteceu e baixou a cabeça, se afastando do olhar curioso de Zich, que riu da sua reação.
Snoc não conhecia o passado deles e não entendeu o que diziam.
Vendo isso, continuou:
— Sabe quem está no comando daqui, não sabe?
— Não é Joaquim Dracul?
— Sim. E este lugar faz parte da propriedade dos Dracul. Isso significa que ele é um dos descendentes que governam essa propriedade.
Até Snoc sabia disso, pois ouvira ajudando na aldeia. Entretanto, o que foi dito a seguir era algo que nunca aprendeu sendo um mineiro: brigas por poder dentro de uma família nobre.
— Quando doenças se espalham por uma aldeia, as famílias geralmente não enviam um de seus membros. Além disso, ele não é um primo distante deles, e sim o segundo filho do conde. Além disso, o conde não está muito saudável agora. Não importa como veja, não seria uma boa ideia para o chefe da família enviá-lo aqui.
— Como ele veio para cá, se não foi enviado?
— A explicação mais provável é que… — Deu um sorriso furtivo — o enviaram aqui para morrer.
— Eu não acredito.
Mesmo sabendo que existiam intensos conflitos por poder entre a nobreza, era difícil acreditar que pudessem enviar outro ser humano para matá-lo e entender esse tipo de comportamento a partir de sua perspectiva. Por outro lado, Hans concordou calado com a análise, afinal era um servo da condessa e tinha experiência prática. A relação entre Greig e Zich exemplificava isso.
“Mas para enviar ele a uma aldeia com um surto para matá-lo, o conflito deve ser enorme. Outras famílias chegariam a esse ponto?”
Por mais que a imagem de Zich na família Steelwall não fosse boa e muitas forças tivessem trabalhado duro para cassá-lo, ninguém tentou matá-lo de verdade.
— Por que você está assim? Comparados conosco, são muito extremos?
— Sim, um pouco… — Estava se acostumando com a maneira dura, entretanto divertida, de falar dele e aceitava as suas declarações sem relutar.
— Não sei como é dentro da família Dracul, mas tenho certeza de que é diferente da nossa. Todos pensavam que eu era inútil e apoiava o Greig, certo? Eu não valia a pena matar; não valia a pena se estressar para matar, para ser mais preciso.
Os dois do grupo sabiam a verdade sobre o passado dele congelaram. Comparado a eles, se manteve calmo e sem se importar tanto.
— Bem, não sei o que teria acontecido se eu não deixasse a família. Não sei sobre o pai e Greig, mas tenho certeza de que quem não gostava ou me apoiava queriam me assassinar.
Por adorar os Steelwall, Hans queria negar as palavras. Contudo, a sociedade aristocrática que conhecia era mais do que capaz e cruel o suficiente para fazer o que foi dito, então não podia dizer nada.
— É… — Snoc quebrou, hesitante e curioso, o silêncio tenso, se perguntando se poderia falar nessa atmosfera pesada — Senhor Zich, se posso perguntar, você é um nobre?
— Bem, para ser mais preciso, eu costumava ser um. Mas joguei tudo fora.
Ele ficou abalado por completo; não imaginara nem um pouco que o viajante com quem estava aprendendo muitas coisas era de linhagem nobre. Porém não foi apenas ele quem ficou surpreso.
Zich levantou a voz e disse:
— Senhor, por que não se revela?
“De quem ele está falando?” Os dois olharam ao redor, até encontraram Joaquim a poucos metros de distância deles com uma expressão tímida.
— Eu… peço desculpas. Só queria conversar com o senhor Zich…
— Está tudo bem. Eu não estava tentando esconder o meu passado, de qualquer maneira. — Abriu espaço ao lado.
Joaquim hesitou um pouco, entretanto aceitou a hospitalidade e se sentou ao seu lado.
— Senhor, é verdade?
— Eu costumava ser um.
Realmente queria saber de que família era, todavia recuou sua curiosidade, pois ele afirmou que não era mais parte da nobreza. Nesse caso, não tinha certeza se poderia perguntar a família.
— Posso saber por que os deixou?
Com o passar do tempo, ele queria fazer a mesma coisa mais e mais e obter alguns conselhos.
— Para resumir, foi por causa de problemas com a sucessão. Meu pai e todo o resto não queriam que eu, e sim meu irmão mais novo, me tornasse o herdeiro, daí deserdei.
Não havia nada de errado com a declaração. Todavia Hans sabia o que aconteceu antes e se perguntou se estava tudo bem resumir os “problemas” assim.
— Suas circunstâncias são semelhantes às minhas…
— Você também está lutando porque toda a sua família está se unindo contra o senhor? E quer desistir do seu direito de herança?
Antes de regredir, costumava chamar Joaquim apenas pelo nome, porém agora, a relação era mais formal. Portanto, seguiu o protocolo e o chamava de senhor. No entanto, à medida que se aproximassem mais, falaria menos educadamente.
— Não é esse o ponto. Já que sou o segundo filho, meu irmão tem mais legitimidade e mais seguidores. Sendo honesto, é meio risível falar sobre os meus, porque são apenas pessoas que sou pessoalmente próximo.
— Pessoas obcecadas pelo poder se sentiriam ameaçadas por isso.
— Sim, é verdade, mas não tenho interesse em me tornar o conde.
— Falou isso para eles?
— Sim, claro. Falei e demonstrei por ações. Até me distanciei de alguns dos meus amigos íntimos.
— Então posso pensar em dois cenários possíveis: primeiro, é porque você é uma pessoa muito talentosa e seu irmão mais velho se sente ameaçado por isso; ou segundo, ele é traiçoeiro.
Parecia difícil de responder.
— Acho que as duas opções. Na verdade, não. Meu irmão está muito estressado por causa do problema da sucessão, e também não sou tão talentoso.
— Beleza. — Embora tenha dito isso, a expressão ou tom dele parecia discordar.
Joaquim iria dizer mais, contudo desistiu ao perceber que era inútil continuar a dar desculpas para o irmão. Em vez disso, mudou de assunto e perguntou como Zich vivia depois de deixar a família, porque queria ouvir um relato pessoal de um desertor, caso decidisse seguir os passos. E Zich, pensando no relacionamento deles em sua vida passada, deu vários conselhos até Joaquim sair e se sentir mais confiante sobre o futuro.
Mais uma vez, restaram apenas os três. O olhar de Hans seguiu as suas costas enquanto se afastava.
— Será que ele quer deixar a família?
— Capaz. Mas sair e viajar pelo mundo não é uma má ideia.
Zich era a prova dessa afirmação. Se ele de fato decidiu deixar os Dracul, Zich estaria disposto a dar mais dicas e ajudá-lo.
Após muitas conversas longas, o jantar finalmente acabou. Então, depois de uma semana, uma ordem de retorno chegou para os soldados.
Os soldados dirigiram-se à propriedade com passos leves. Levou muito tempo para voltarem. Os que tinham parentes em casa sentiam falta deles, e o restante sentis dos amigos. De volta, podiam dormir em uma cama em vez de um avental fedorento e comer uma refeição normal, amorosa e caseira.
Foi o mesmo para Snoc e Hans. Ambos ficaram muito felizes por poderem voltar à normalidade de novo.
— Eu posso ver! — gritou alguém.
Chegaram na capital da propriedade dos Dracul, Ospurin.
O quarto era luxuoso, cheio de móveis caros e decorações. Todavia, não tentaram decorá-lo com delicadeza, e dava a impressão de que as coisas eram enfiadas ali apenas para exibi-las. A colocação aleatória dos móveis aumentava ainda mais essa impressão.
O design poderia ser resumido em uma palavra: barato. Por outro lado, o dono deste quarto, um jovem, não demonstrava vergonha a respeito disso e recostou-se no seu sofá, fazendo uma careta para o velho à frente.
— Aquele desgraçado conseguiu voltar? É sério?
Em contraste com as roupas elegantes, possuía más maneiras e atitudes. Era fácil ver a personalidade dele. Como seu quarto, suas roupas refletiam o exato tipo de pessoa que era.
— Peço minhas sinceras desculpas.
— Leve as suas desculpas insinceras para outro lugar. Vai fazer o quê? Deixar ele voltar? Por que não ataca ele e os soldados no caminho e mata todos? Não quero ver o maldito do Joaquim aqui nunca mais!
O irmão mais velho de Joaquim e o primeiro filho do atual conde Dracul, Biyom. Por mais compartilhassem os mesmos pais, não considerava ele como família.
— Assassinato é muito óbvio. Com certeza desconfiariam de você. Se encontrarem provas, usarão elas para acabar com a sua sucessão.
— Porra! — Perdeu a paciência — Como caralhos aquele cara sobreviveu? Você me disse que a doença lá era tão forte que destruiu uma aldeia inteira e até uns médicos e soldados! Eu enviei a menor quantidade possível de recursos! E aquele magricela de merda sobreviveu!
— Só posso dizer que ele tem muita sorte.
Fazendo birra, chutou a mesa e bateu no sofá diversas vezes para se acalmar depois de um bom tempo e falou, com olhos cruéis:
— Faça logo um novo plano. Um que definitivamente mate ele!
O velho se curvou e saiu da sala. Um momento depois, gritos puderam ser ouvidos de novo.