— Mas você ficou melhor mesmo. Até consegue lidar com os deveres certinho.
Brod riu em voz alta. Ele estava muito feliz que Joaquim, a quem serviu toda a vida, estava saudável. Porém, logo trocou o sorriso por uma expressão séria.
— Como está sua sede de sangue?
— Está bem. Eu também fiquei preocupado, mas não tenho nenhum tipo de desejo. Eu só quero uma saboreada rápida uma vez por semana; essa fome desaparece na hora. Contanto que não controle o sangue alheio, acho que vou ficar bem.
Ele mordeu o polegar, formando uma pequena gota de sangue que veio a escorrer. Entretanto, o rastro de repente mudou seu caminho e devagar flutuou no ar, dando origem a outras gotas.
— É uma habilidade estranha sempre que eu olho para ela.
— Comigo é igual, mesmo que seja eu quem controle.
Dobra de Sangue.
— Senhor, seu controle está melhorando.
— Pensei que deveria pelo menos usar o suficiente para me proteger. Já que o senhor Zich disse que não tem efeitos colaterais com meu próprio sangue, tenho praticado.
— Não é ruim ter uma arma secreta à disposição. Não, é muito bom que você tenha. Contudo, senhor, precisa tomar cuidado para não ser consumido.
— Sim. Se acontecer, o superassustador Zich virá me matar.
— Uhum, o superassustador senhor Zich vai voltar. Me pergunto se ele está fora do condado agora. — Sorriu.
— Não sei. Já que ele tem um espírito livre, pode ter ficado um pouco mais ou ter saído há tempos.
— Pensando melhor… Ele nunca revelou quem era.
— Não acho que é necessário sabermos. Ele é o herói que nos salvou. Neste território, esse é o único status que devemos nos conformar.
— É, tem razão.
— Enfim…
A atmosfera leve ficou pesada e sombria, mudando a face feliz de Joaquim para uma mais séria.
— Pôde descobrir a identidade deles?
— Infelizmente, não… — Brod baixou a cabeça em desculpas. Todavia, Joaquim não o culpou.
— Mesmo que Shalom estivesse trabalhando com eles, aqueles desgraçados se moveram pelo território sem que ninguém notasse. Se descobríssemos sobre eles tão rápido, talvez seria uma armadilha.
Enquanto reorganizavam e arrumavam o condado Dracul, reservaram um pequeno número de recursos para achar informações a respeito dos assassinos. Porém, como esperado, foi difícil investigar e encontrar qualquer coisa deles.
— A recuperação do condado é nossa prioridade agora. Não devemos ficar ansiosos se não encontrarmos nenhum vestígio deles. Isso é o mesmo para a mulher de cabelos prateados.
O território também estava rastreando a misteriosa assassina da Bargot, que sumiu do nada. Ela não causou nenhum dano direto a eles; poderia ser considerada uma benfeitora por ter ajudado. Entretanto, isso não mudou o fato de que ela era suspeita ao extremo.
— Manterei isso em mente.
— Algo mais para relatar?
— Não, senhor.
— Então, dispensado.
Joaquim voltou para sua montanha pilha de relatórios e documentos na mesa após Brod se inclinar e sair da sala. Da pilha, o conde escolheu o papel do topo. Não importava o quão pesado fosse o trabalho, era impossível para ele negligenciá-lo.
Começando a ler o papel, seus olhos se agitavam conforme lia mais. Contudo, depois de ler cinco linhas, o pôs no local original e olhou para o lado, chegando a avistar a lua brilhando depois da janela.
— Acho que eu não me transformo em um monstro durante a lua cheia ou algo assim.
Com esse pensamento aleatório, ele sorriu e observou o astro celeste. Sua situação atual era o completo oposto da última vez que focou na lua. No passado, podia somente sonhar um futuro no qual escapava da família e viajava o mundo com seu corpo frágil. Agora, saudável e crendo que inúmeros perigos e problemas viriam, era o chefe de uma casa nobre.
“Ele me salvou.”
Se não fosse por Zich, morreria pelas mãos do irmão ou de Shalom; talvez se tornasse um monstro ao ser enganado pelo assassino.
“Se algo acontecer com ele, com certeza vou ajudá-lo.”
Nunca esqueceria da sua dívida, nem quando voltasse à tarefa anterior de ler o documento que estava segurando.
Ao mesmo tempo, Zich também estava olhando para a lua. O calor escaldante da fogueira superou um pouco a sua luz sutil e graciosa, mas não ofuscou.
Vários dias se passaram desde que deixaram o território dos Draculs e voltaram à rotina maluca onde apenas andavam na floresta sem seguir um caminho. Em contraste, ele olhou para o céu como se não tivesse passado por muitos problemas.
Porém, só ele.
— Ugh…
— Argh…
Hans e Snoc estavam deitados, e só os seus gemidos fracos indicavam que viviam.
Koo…
Nowem também deitou nas costas do garoto. Se os vissem, seriam confundidos com zumbis.
Zich estalou a língua.
— Deixei brincarem demais em Ospurin? Da próxima vez, vou pelo menos fazer vocês terem um treino básico…
— E-estou bem! — Hans logo se levantou.
Snoc, abraçando Nowem, fez igual e endireitou as costas. Se ajeitaram tão rápido que era difícil imaginar que estavam largados somente um segundo atrás.
— Descansem numa boa. Eu só estava brincando.
Os dois olharam um para o outro. Entretanto, a julgar pelo sorriso dele, não aparentava estar mentindo. Os dois reprimiram sua raiva por ele ter feito uma piada tão assustadora e deitaram de novo.
— Por que parecem estar tão descontentes?!
— C-claro que não, senhor!
— Sim, sim! Nós não temos nenhuma reclamação!
Pálidos, negaram o palpite dele, o fazendo rir.
— Mas o treinamento teve efeito. Vocês dois devem ter percebido na batalha.
Como ele falou, ambos tiveram um desempenho brilhante; Hans ajudou Zich enquanto Snoc lutava contra o líder dos assassinos sozinho.
— Claro, não estão perfeitos. — Seus olhos se tornaram frios — Deveriam pelo menos ter as habilidades para lutar com aquele cara.
— M-mas, senhor, eu ganhei.
Koo!
Com calma, ele, confiante após lutar e vencer, afirmou sua opinião com o apoio de Nowem.
— Tudo bem. Então, da próxima vez que encontrarmos alguém parecido, vou te jogar mais uma vez. Mas você não terá a vantagem de estar no subsolo.
Snoc fechou a boca.
— É sério, o que você tinha na cabeça? Quase que não conseguiu derrotá-lo mesmo depois de ter destruído tudo. Pode se orgulhar só após vencer na luz do dia.
Em resposta, ele encostou a cabeça no cobertor, e Nowen se deitou nas suas costas. Mas as reclamações de Zich não se dirigiram apenas aos dois.
— Hans, você é outro. Mesmo que Snoc tenha uma companhia apelona que nem Nowen, treinou por mais tempo que eles. Já quer deixar seu júnior te superar?
Zich tentou atiçar o espírito competitivo de Hans ao ferir seu ego. O servo também não se sentia muito confortável sobre seu júnior estar o ultrapassando, contudo, na hora, tinha mais coisas com o que se preocupar.
— Senhor Zich…
— O quê? Quer perguntar algo?
— O que você disse antes… Você sabe, que deveríamos priorizar a morte da Bargot acima das vidas em Ospurin…
— Ainda está pensando nisso? — Se ajoelhou e colocou mais lenha no fogo, soltando faíscas que afastaram mais a escuridão antes de sumirem — Não está satisfeito com a resposta que te dei?
Hans não respondeu, todavia Zich podia adivinhar o que ele estava pensando.
— Você pode entender com a razão, mas é difícil aceitar com o coração, certo? Eu entendo. A maioria das pessoas não conseguiria ignorar aqueles na frente deles independentemente de quantas vidas pudessem salvar no futuro. Mas, Hans — Diferente de antes, deu uma resposta séria — … Mesmo que sua decisão leve a um caminho inesperado, tem que tomar a escolha certa na hora certa. Especialmente se quer ser um herói.
— S-se você é um herói, não tentaria resolver a situação sem sacrificar ninguém?!
Ele era muito imaturo e não conhecia o mundo ainda, o bastante para frustrar o mestre. No entanto, a atitude de Zich não mudou.
— Você quer se tornar um herói ou um deus?
Até o incrível Lorde Demônio da Força falhou em ter a vida que queria, e talvez o Herói do Sol, Glen Zenard, que o matou, também.
— Nem um supergênio como eu pode ter tudo o que deseja. E no futuro também. Não importa o quão espetacular alguém seja, enquanto for “humano”, não conseguirá cumprir tudo o que quer. Pense nisso com cuidado, mas não ao ponto de não poder mais tomar decisões; é melhor uma errada do que deixar passar.
— Senhor Zich, acha que posso me tornar um herói?
Apesar de Zich repreender seus sonhos de tempos em tempos, estava o ensinando como se tornar um herói. Hans achou que estava sendo zombado, porém notou que havia sinceridade além das palavras cruéis.
— De qualquer jeito, não sei.
Era a primeira vez que Zich falava seriamente sobre a possibilidade de Hans virar um herói realista. Sabendo disso, Snoc escutou a conversa com brilho nos olhos.
— Se quiser, vá em frente. Você é quem decide o seu destino. Não resta atenção no que os outros acham dos seus sonhos. Um herói? Não ligo. Já que é meu servo, farei o que for possível para ajudá-lo.
— Então, posso perguntar mais uma coisa, senhor?
— E o que é?
Ele pensou que poderia ser punido por fazê-lo repetir palavras tantas vezes.
— Aquela decisão que você falou, senhor…
— Sim?
Já que Hans estava nervoso, Zich prestou atenção sem reagir muito.
— Tinha um jeito de salvar algumas… mais algumas pessoas?
— Tinha.
Os seus dois aprendizes arregalaram os olhos.
— É simples. Sabe por que te questionei se queria virar um deus? É porque, se tiver poderes divinos, o impossível se tornará possível. Caso pense assim, a melhor forma de superar um problema é ficando mais forte. Conforme melhora suas habilidades, poderá salvar mais gente e resolver mais problemas.
— Então, o que está dizendo é…
— Tô te dizendo para treinar mais.
Pei!
Hans ouviu algo cair e olhou para trás, avistando Snoc de cara na coberta de novo. Era engraçado ver Nowem assumir a mesma posição que o menino nas costas dele.
Pensando nos treinos torturantes e demoníacos de Zich, empalideceu. Mas, ao ponderar a respeito da recompensa do seu trabalho duro, guardou as palavras no fundo do coração.