Youjo Senki – Volume 1 – Capítulo 3.1 - Anime Center BR

Youjo Senki – Volume 1 – Capítulo 3.1

FRONTE RHEIN.

Entre os feiticeiros sobrevoando pelos céus acima da fronte Rhein está a Segunda-Tenente Tanya Degurechaff. Se há algo que a separa dos outros, é que recebeu ordens para voar sozinha.

Por qual motivo me deram essas ordens?

Porque os superiores são uns imbecis.

Assim, estou voando pelas linhas de frente sem mais ninguém.

A triste história de como vim parar aqui pode ser contada em três palavras. Talvez seja até inesperado para o Império. Mas tendo sido escolhida às pressas para se mobilizar devido a um erro de cálculo por parte dos superiores, sinceramente, não posso deixar isso passar apenas como “uma reviravolta inesperada”.

Minhas experiências com a Aliança Entente na fronte Norden dizem que no céu não existe cobertura. As nuvens são as coisas mais próximas disto. E quanto à defesa, os feiticeiros têm sorte de serem resistentes.

Mas só porque sou resiliente não significa que seja imortal. Se alguém me pedir para ficar na frente de um fuzil de precisão ou de uma metralhadora com um calibre absurdo, minha resposta será um gigantesco não. Missões solo são piores para os feiticeiros do que para qualquer outra divisão do exército. Todavia, os mandachuvas mandaram Tanya voar sozinha na esperança de prolongar um atraso estratégico.

Como que uma mera Segunda-Tenente poderia escapar de uma ordem dessas? Tudo o que posso fazer é cumprir com as normas do meu patrão feito uma assalariada. A falta de um conceito tão nobre — o direito de um soldado de recusar — me faz querer chorar. Em relação às manobras de combate aéreo, o treinamento assíduo que tive na academia me rendeu a Insígnia de Habilidade ACM. Choramingar dizendo que não consigo voar bem não é uma estratégia válida neste momento.

Então, não importa o quão relutante estava, Tanya ainda assim teve que se embaralhar e sair para voar à frente das forças terrestres. Ela serviria como sistema aéreo de alerta e batedora da linha de alerta avançada. O Centro de Controle do Grupo de Exércitos do Oeste a deu o código de chamada “Hawkeye“. Bem melhor do que aquele “Fairy“.

— Hawkeye 03 para Posto de Comando. Responda, por favor.

Hawkeye 03 é o meu código de chamada temporário como membro da equipe de sistema de alerta. Com olhos de falcão, meu trabalho é voar adiante em busca de inimigos e notificar o avanço das tropas, caso eu encontre algum. Fora isso, devo manter uma distância fixa da aproximação do inimigo e continuar a coletar informações. Dependendo da situação, minhas funções podem incluir assumir o posto de Controlador Aéreo Avançado para orientar os grupos de apoio direto.

No entanto, infelizmente, preciso admitir que este trabalho é mais complicado do que eu tinha imaginado. Nunca pensei que teria que trabalhar tanto só para entrar em contato com o controlador da área pela qual fui designada.

— Hawkeye 03 para Posto de Comando… Responda, por favor.

Desde o ataque surpresa, as comunicações via rádio estão ficando cada vez mais caóticas. Tendo isso em mente, acho que tive sorte que o controle terrestre enfim tenha se conectado no meio de uma das repetidas — e indignadas — chamadas de Tanya.

— 7º Comando de Campo Provisório na escuta. Código de chamada Lizard 08. O sinal está fraco, mas não chega a ser problema. Hawkeye 03, prossiga.

No geral, o primeiro desejo de cada tipo de unidade direcionada às forças terrestres é derrubar os olhos do inimigo no céu; os feiticeiros. As circunstâncias são praticamente as mesmas que tive naquela missão em Norden. Um exército falhar em manter a supremacia aérea e mágica é igual a perder a capacidade de enxergar. Oficiais mágicos voando sozinhos são mais caçados do que qualquer outra unidade militar.

Em uma operação militar, é frequente a primeira linha de conduta ser eliminar a interferência, não que haja a possibilidade de desconsiderar as outras coisas.

— Entendido, Lizard 08. Também posso ouvi-lo de onde estou. Dando início à missão de suporte agora.

— Agradeço, Hawkeye 03. Prazer em tê-la conosco! Estamos precisando de outro par de olhos.

E isso torna o que está por vir ainda pior. Minha tarefa agora é acabar com o entusiasmo das tropas verdadeiramente empolgadas por enfim ter conseguido um apoio que preste.

— Hawkeye 03 para Lizard 08. Peço perdão por dizer isso tão cedo, mas creio que seja melhor não esperar muita ajuda de mim. Acabei de captar um grupo considerável se aproximando rapidamente à frente.

Sendo uma feiticeira solitária sob ataque inimigo, não há mais nada que eu possa fazer. Caso seja atacada no instante em que chegar, precisarei me defender antes de poder fornecer algum apoio de inteligência.

Pessoalmente, Tanya não tem nem um pouco de vontade de correr riscos desnecessários por um desejo qualquer de se sacrificar para o bem maior. Seja como for, se é preciso voar sozinha, no momento que a detecção do inimigo for confirmada, fugir vai ser a opção.

Portanto, embora eu odeie chamar a atenção, começo a ganhar altitude utilizando o poder do orbe operacional Arquétipo 95, que me entregaram no intuito de realizar testes de campo. Como de costume, tiro proveito das minhas habilidade de aceleração e ascendo até uma certa altura, onde posso subir de imediato para fora do alcance de qualquer aeronave inimiga enviada em meu encalço. Ao mesmo tempo, na expectativa de receber fogo antiaéreo advindo do solo, abaixo de mim, formo a melhor membrana protetora que sou capaz; é provável que um único ataque seja tudo o que consigo aguentar.

A altitude escolhida para minha sobrevivência é de cerca de dois mil e quinhentos metros; o limite máximo para operações de combate, viabilizado pela proteção do Senhor e do Arquétipo 95. Segundo o cientista maluco, esse é o fruto de uma colaboração entre as mãos de Deus e do homem, entretanto, os detalhes de como essa inovação tecnológica foi consumada são bastante desagradáveis para uma certa pessoa com espírito livre. Além deste dispositivo estar amaldiçoado, a parte mais irritante de tudo é que não há esperança de Tanya escapar da função de ser sua testadora exclusiva, já que ela é a única capaz de operá-lo.

Bem, dá para se interpretar a situação de outras maneiras; alguém pode descrevê-la como estar “sob os cuidados da providência” ou “abençoada”, porém Tanya se opõe com firmeza a pensar por essa perspectiva. Existem razões pelas quais nem faço questão de falar.

Em um mangá que li tempos atrás, um membro de uma organização criminosa sussurrou que segredos tornam uma mulher bonita, mas isso é uma mentira descarada. Quanto mais Tanya usa este orbe, mais profunda essa tal de “fé”, ou seja lá o que for, é encravada em sua mente. Sem escolhas a não ser louvar ao Senhor, não vejo a hora de meu eu interior se ver livre novamente dessa maldição.

No entanto, antes de começar a quebrar a cabeça pensando nessas coisas, devo pelo menos terminar o trabalho que me mandaram fazer. É tempo de pôr mãos à obra. Esse é o significado de ser acossado pela realidade até perder sua liberdade interior.

— Um grupo de feiticeiros com cerca do tamanho de uma companhia está se aproximando rapidamente às três horas.

Ganhando altitude, Tanya transmite o que consegue observar do inimigo para o controle terrestre enquanto faz ranger os dentes e solta pragas com veemência em sua cabeça quanto à incompetência dos superiores.

E ali estava Tanya com um alvo nas costas devido à falha deles em perceber a investida da República de François vinda do oeste. Seu erro mais grave foi enviar forças para esmagar com fervor a Aliança Entente. Haviam seguido atenciosamente as teorias de concentração de forças, indo atrás de batalha em seu anseio por conquistas militares cada vez maiores. Ao que parece, alguns até tinham ilusões de que houvesse uma anexação.

Graças a isso, eles deixaram sua própria nação desprotegida, convidando — feito uns imbecis — uma invasão do oeste. Só o que me resta é dar risadas.

A princípio, de acordo com o plano de defesa do Império, não há problema no fato do norte se concentrar apenas em operações de contenção. O Grupo de Exércitos do Norte é responsável pela fronte a nordeste da nação; ultimamente, tem havido discussões de que deveriam dar assistência ao Grupo de Exércitos do Leste contra o principal inimigo em potencial do Império, a Federação. Se cada grupo individual estivesse priorizando a defesa, os reforços só estariam disponíveis de forma esporádica e eles não teriam chances de obter uma vitória completa.

Assim, ao que tudo indica, o Estado-Maior planejou tirar vantagem de uma invasão inesperada em larga escala e derrubar a Aliança Entente com um único golpe, mobilizando reservas em massa.

Mobilizar tantas tropas, no entanto, mudou a situação num ritmo acelerado. “A arte da guerra é de vital importância para o Estado.” Mas a mobilização imprudente realizada pelo Império demonstrou falta de discernimento em um momento ao qual a estratégia nacional pedia por cautela; quer gostassem ou não, suas ações provocaram as nações vizinhas.

Da mesma maneira que o Império esperava acabar com a Aliança Entente o quanto antes visando ganhar futuras vantagens para sua defesa nacional, a República de François decidiu aproveitar a brecha e ela própria lançar um ataque surpresa. Somente um imbecil poderia afirmar que não esperava por isso.

Para o Império, a mobilização decerto significava resolver os problemas entre si e a Aliança Entente. Contudo, as nações vizinhas estão preocupadas com o interesse constante do Império em aumentar seu poderio militar e encaram a possibilidade de um rompimento no cerco algo aterrorizante. Sem contar que a República, a oeste, é incapaz de ignorar o objetivo principal de seu vizinho. As disputas fronteiriças ocorridas nos últimos tempos e as questões territoriais entre as duas nações por diversas vezes eclodiram em guerras locais no passado.

As correntes que prendem e encurralam o Império estão começando a se soltar, e se o dono não estiver em casa porque está tentando arrancá-las? Ciente da diferença do seu poderio militar e o do seu potencial inimigo, a República acreditou que jamais perderia essa oportunidade.

Por ironia, fizeram exatamente o oposto do Império, com seu enorme debate sobre se deveriam ou não infringir a estratégia militar já existente. Na República de François, não tiveram outra escolha senão partir para a ofensiva e assegurar a eficácia da sua própria estratégia.

— Também captei uma unidade terrestre do porte de um batalhão à uma hora. Além disso, várias aeronaves não identificadas estão se aproximando a toda velocidade.

Por isso que Tanya terminou tendo que voar, forçada a utilizar este novo orbe pelo qual ela nem sequer queria, enquanto encarava uma horda de feiticeiros hostis a caminho.

— Lizard 08, entendido. Tome medidas evasivas de imediato.

A relação entre o Império e a República é de tal ordem que ambos possuem uma boa ideia das cartas que o outro tem nas mãos. Claro, a República de François pode prever que o Império irá combater o cerco por meio de linhas interiores. Por conseguinte, sua estratégia de defesa concentra-se firme em como derrubar a do seu potencial inimigo.

A solução é até simples. Antes que o Império concluísse sua mobilização em larga escala, o exército principal da República invadiria e subjugaria a região ocidental do inimigo, a fonte de grande parte de sua indústria e poderio, reduzindo significativamente o seu potencial militar. A estratégia deles também inclui tomar providências se o Império invadir uma terceira nação.

A rigor, a posição da François não lhes dá opção senão jogar todos os seus atos como forma de respostas ao Império. Se os líderes permitissem que a situação continuasse assim, eles acabariam tendo que enfrentar um inimigo livre da pressão a nordeste. Desse modo, precisam agir agora, enquanto ainda podem ganhar vantagem.

Ah, entendi. De uma perspectiva puramente histórica, dá para se dizer que a conjuntura na fronte setentrional vai ser decidida de uma só tacada. Isso mesmo, coisa de apenas um segundo. Qualquer pessoa dotada de bom senso, até um leigo, pode ver com clareza que a guerra vai acabar logo, logo.

A resistência da Aliança Entente não iria dar em nada e seriam forçados a se render ao Império. Esse retrato do futuro é deveras realista para que a análise esteja errada, porém um especialista diria que não era bem assim. Alguns meses é um tanto rápido para um país cair, mas, em termos estratégicos, também é tempo demais para deixar suas forças principais presas em um lugar.

Em algumas semanas, as mobilizações estariam completas e as tropas poderiam então marchar em grande número. Sob tais circunstâncias, uma ofensiva seria uma opção tentadora para a República de François; parecida com a convicção do Império em usar a fronte setentrional para se livrar das correntes que por tantos anos lhes prenderam à sua política de defesa. Igualmente, a República está convicta de que, com esta única jogada, será capaz de eliminar uma forte ameaça que tem atormentado a defesa nacional da pátria há muito tempo.

Já o Império está priorizando a vitória na fronte Norden. Em outras palavras, os superiores insistem que isso seja uma decisão estratégica… Sério, ou eles falharam miseravelmente em prever essa hipótese, ou se deram conta dela, mas subestimaram a probabilidade de acontecer.

A guerra foi conduzida de forma imprudente desde o ínicio. As estúpidas estações de rádio e jornais celebravam a vitória esmagadora na fronte Norden, soltando porcarias como: “Este é o plano secreto do Império para escapar de uma guerra em múltiplas frontes, o rugido da artilharia anuncia o nascimento de uma nova ordem”. E agora, graças ao ataque repentino, distribuem propagandas diárias sobre a diabólica República de François. Mas aqueles na linha de frente não dão a mínima para propagandas; essas só servem para tirar sarro dos superiores como um passatempo no meio das trincheiras.

Eles querem gritar: “Se vocês estão tão de boa assim para transmitir um monte de propaganda que chegam até aqui na fronte, mandem mais soldados e suprimentos, fazendo favor”. Pois são os únicos a ficar em apuros caso os superiores continuem discutindo sobre causas e ideais ao invés de encarar a realidade.

— Acredito que os feiticeiros da vanguarda me avistaram. Ainda estão vindo depressa.

A realidade é cruel, porém simples. As forças concentradas na fronte ocidental são, resumindo, um saco de pancadas até que as forças principais retornem. O Império chegou ao limite de seus recursos. A prova disso é o envio peculiar do esquadrão de instrução das tropas estacionadas em casa e a unidade de avaliação que avalia a praticidade dos modelos de pré-produção.

Digo, o objetivo das unidades orientadas a instrução e pesquisa na retaguarda é melhorar a qualidade geral do exército, não lutar na fronte. Enviá-los costuma ser levado como um tabu que apenas uma nação perto de seu fim violaria. Claro, essas unidades são bastante capacitadas, o que as torna excelentes solucionadoras de problemas. Daí então, com a nação em pânico devido ao desenvolvimento inesperado, Tanya foi jogada de um laboratório de pesquisa em casa para as linhas de frente.

— Lizard 08 para Hawkeye 03. Enviaremos reforços imediatamente.

— Hawkeye 03 para Lizard 08. Fico agradecida, mas não estarei esperando muito. — Tanya confirma enquanto começa a se retirar. Dessa vez, ela tem permissão para dar no pé. Não será preciso bancar a durona. — Deixando o espaço aéreo.

— Boa sorte, Hawkeye 03!

No campo de batalha, reforços a caminho podem parecer um raio de esperança, porém eu conheço bem por experiência pessoal e história que, na maior parte das vezes, eles nunca chegam a tempo. É o epítome da burrice contar com apoio pouco confiável e arriscar sua vida com doces ilusões, portanto, dedico minha total atenção à bater em retirada.

— Hawkeye 03, entendido.

A mão que me deram não é lá muito animadora, mas sei que preciso confrontar a realidade, mesmo que eu esteja relutante o suficiente para fazer careta. A impaciência e o conflito nos olhos azuis de Tanya têm os semblantes de um filósofo com anseio para explorar a sabedoria da humanidade; o gemido a escapar de sua boca delicada naquela voz imatura, sua indignação perante a injustiça da situação, engloba bem a inocência de uma criança.

— Ugh…

As preocupações de Tanya Degurechaff são básicas. Está furiosa pelo fato das funções que lhe foram jogadas excederem o que ela recebia e angustiada com seu local de trabalho malígno que ignora as normas de segurança. Ela até aceitaria a existência de sindicatos e é o desejo do fundo do seu coração que haja logo a criação de leis trabalhistas.

Devo dizer que parte do problema é o meu conflito pessoal com a lógica voltada aos fins do exército. Os exércitos geralmente fornecem ao pessoal da aviação dietas ricas em calorias como forma de aliviar a fadiga e manter a concentração necessária para suportar dias seguidos de combate intenso, o que é ótimo. No Império, também, feiticeiros e pilotos precisam receber dietas com alto teor calórico.

Mas não tenho certeza se quero que me obriguem a tomar Pervitin. E “indecisa” não chega nem perto de descrever como me sinto sobre utilizar meu orbe, ainda que seja como último recurso. O resultado da colaboração entre o Entidade X e o cientista maluco pode envenenar minha mente apurada de uma maneira de longe mais perversa do que qualquer droga. Eu deveria era ter me livrado desse treco.

Esse é o nível de desespero que me dá só de pensar em usar o Arquétipo 95. Odeio de verdade a ideia de depender desse orbe operacional impregnado com a tal graça de Deus. Porém, e se eu precisar dele para sobreviver? Na boa, que dilema maldito fui me meter.

Era para ser um dia como qualquer outro para a 228ª Companhia de Feiticeiros de Reconhecimento, comandada pelo Primeiro-Tenente Michel Hosman. O exército da República de François conduzira com sucesso um ataque surpresa, e esta unidade era uma das vanguardas mais a frente nas linhas. Ainda que o elemento “surpresa” estivesse começando a perder seu efeito e a missão passando para modo de assalto, as funções da vanguarda não mudaram.

Destruam a visão do exército imperial enquanto tentam se recuperar de todo o caos e, ao mesmo tempo, corte suas comunicações. Sua tarefa era isolar o inimigo e evitar a formação de uma linha de resistência organizada que ajudaria as próximas tropas a ampliar a brecha. Era a mesma missão que esses veteranos e o Primeiro-Tenente Hosman receberam no dia anterior. Todavia, em um real campo de batalha, diferente dos filmes de guerra ou romances, não havia como prever o que viria a seguir.

— Golf 01 para Posto de Comando. Encontrei um sentinela inimigo.

— Posto de Comando na escuta, recebido. É provável que seja o apoio direto local deles. Após sua eliminação, continue em busca das forças principais do inimigo.

Parece que a sorte não está do lado desse cara. Foi a impressão que o Primeiro-Tenente teve. Afinal, esse sentinela estava para defrontar uma companhia inteira de feiticeiros, e era a unidade de Hosman, a vanguarda de todo um exército. Era óbvio que não seria um combate justo. Essa foi a razão pela qual o feiticeiro havia se concentrado em fugir assim que detectara a aproximação da companhia.

Vendo a resposta imediata, Hosman logo reconheceu que seu oponente era bastante talentoso e excelente em tomar decisões rápidas; o feiticeiro solitário já havia se elevado a altitude inviável de dois mil e quinhentos metros. Por isso que o Primeiro-Tenente considerou o inimigo uma pessoa azarada; soldados sem sorte nunca viviam muito, por mais habilidosos que fossem.

— Golf 01, entendido. Mas aquele feiticeiro com certeza está querendo dar uma de atrevido, subindo para dois mil e quinhentos…

Ninguém conseguiria aguentar muito tempo lá em cima, porém era a sua única saída diante de uma companhia. Hosman também estava ciente deste fato. Para se livrar de perseguições em um confronto desses, as opções que lhe restavam era escapar para onde os perseguidores hesitariam em ir atrás ou voar desordenado na direção do chão e deixar tudo nas mãos do destino.

As unidades que percorriam longas distâncias normalmente não gostavam de desperdiçar a energia necessária para subir tão alto, então o sentinela presumiu que eles evitariam esta opção. Nada mau.

— “É muito alto! Não consigo!” Isso é papo de criancinhas. Homens, mãos à obra!

Não podiam deixar um feiticeiro escapar para lutar outro dia. Considerando a missão, sem chances que eles iriam recuar agora.

— Estão me ouvindo? Certo, o pelotão Mike dará cabo do sentinela. Todos os outros vão partir para o reconhecimento de força comigo. Vamos atravessar direto pelas linhas deles.

Com a linha de alerta do Império tão espalhada, a República tinha uma boa chance de vitória. Essa era a luz a orientar todos aqueles que estavam participando da operação, independente do posto. Não dava para perder tempo em uma linha de defesa provisória quando as principais forças do inimigo podiam recuar.

Por este motivo as unidades de feiticeiros de reconhecimento eram fundamentais para romper as linhas inimigas. Começariam com o reconhecimento de força usual, que implicava iniciar o contato com o adversário para reunir inteligência, mas também era esperado que criassem outras aberturas para invadirem. Sabendo que a vitória da República estava em suas costas, eles firmaram sua determinação de não serem derrotados.

— Entendido, logo vamos alcançá-lo.

Após a confirmação do líder, o pelotão Mike ascendeu. Naturalmente, operar a dois mil e quinhentos metros de altura seria cansativo até para os soldados de elite da República. O padrão para a altitude normal de combate era de mil e duzentos, mas se eles forçassem, poderiam aguentar uns mil e oitocentos.

Nesse sentido, o inimigo se mostrou duas vezes mais esperto ao escolher dois e mil quinhentos. Primeiro, a perseguição deixaria o pelotão Mike esgotado, reduzindo o nível de força da missão de reconhecimento para dois pelotões. Além disso, o sentinela estava fazendo contribuições significativas do ponto de vista da batalha em geral ao distrair o oponente e tomar mais do seu tempo. Estamos lidando com um oponente de respeito.

— Entrando em combate. Fox 01, Fox 01!

O silêncio dentro dos pensamentos do Primeiro-Tentente Hosman foi subitamente interrompido pela comunicação do rádio de um de seus homens. Como comandante da companhia, ele acompanhou os chamados para disparos de fórmula mágica de longa distância. Em simultâneo, o soldado inimigo à frente deles realizou uma manobra distinta ao perceber que não daria para fugir. De repente, deu a volta e avançou para cima do pelotão Mike feito uma fera caindo sobre a presa. Pelo jeito, o feiticeiro solitário estava partindo para a ofensiva.

— Fox 02, Fox 02! É sério isso? Ele desviou daquilo?!

A voz confusa de seu subordinado através do rádio continha tanto surpresa com o ataque inimigo quanto choque de ver o disparo que havia lançado errar. À medida que Hosman estudava quais as intenções de seu oponente, a distância entre o pelotão Mike e o feiticeiro ia diminuindo de forma considerável.

Hosman se encontrava em uma posição mais afastada, no entanto, quando confirmou que o pelotão havia começado as manobras de combate, teve certeza de que terminariam o trabalho. O inimigo estava tentando tomar mais tempo deles ao engajar de perto? Como uma tática possível de ser aplicada imediatamente, foi uma escolha interessante. Porém a unidade Mike era um pelotão, não uma companhia. A coordenação de um pelotão era difícil de se romper, e a diferença no potencial de combate tornava impossível para um feiticeiro sozinho enfrentá-lo. Hosman respeitava sua coragem e determinação, mas era uma manobra imprudente.

— Inimigo se aproximando! Dispersar! Dispersar!

Bem naquele momento, o pelotão Mike se espalhou no intuito de mudar para uma formação mais adequada para combates corpo a corpo. O objetivo era eliminar a visão aérea do inimigo a fim de dar suporte aos ataques seguintes da República. Seu corajoso oponente não poderia ter adivinhado isso, mas a missão da companhia de feiticeiros de reconhecimento estava praticamente cumprida no instante em que eles fizeram contato visual. Tirar a visão do inimigo. Se conseguissem, mesmo que fossem atrasados um pouco, tudo daria certo.

— Três rodadas de fogo cruzado! Preparem suas fórmulas! Atirem! Fox 03, Fox 03!

A coordenação e habilidade dos subordinados de Hosman eram ideais conforme eles mantinham uma certa distância de propósito visando interceptar a investida do feiticeiro e sustentar o fogo cruzado. O inimigo adentrou a linha de fogo constituída de balas infundidas com fórmulas. Ainda que tivesse uma velocidade superior, os homens de Hosman estavam preparados e à espera. Não seria difícil derrubá-lo.

Mas o que aconteceu depois foi algo que ninguém teria imaginado. Decerto havia sido um golpe certeiro. Os disparos regulados de fórmulas explosivas de nível militar, capazes de remover com facilidade a membrana protetora de um feiticeiro e até perfurar seu sólido campo de defesa, atingiram o alvo em cheio.

— Fox 03! Fox 03! Droga! O desgraçado é resistente demais!

No momento em que as fórmulas dentro dos vários projéteis lançados foram ativadas, sem dúvidas era para as chamas terem engolido o feiticeiro inimigo. Porém…

Aquela coisa prosseguiu seu avanço inabalável, encurtando a distância sem problemas como se estivesse voando por um céu vazio. Por intuição, em vez de lógica, eles sentiram que algo ruim estava acontecendo. No entanto, com o avanço da civilização, a humanidade enquanto espécie perdeu seu contato com os instintos animais.

— Mike 03! Olhe para trás! Atrás! Ahh, maldição!

Em um piscar de olhos, o inimigo arremeteu na direção do subordinado de Hosman. De forma absurda, mas indiscutível, uma lâmina mágica brotou do peito do homem. Em seguida, num único e apático movimento, tão requintado quanto alguém cortando os ingredientes de seu jantar, a lâmina o atravessou completamente.

— Pan-pan, pan-pan, pan-pan!

— O que é isso?! Quê?! Está…! ArghFox 04!

Uma confusão de chamadas de rádio. O que foi aquilo? O que diabos foi aquilo? O Primeiro-Tenente observou os acontecimentos através de seu binóculo. Não conseguia acreditar no que estava vendo. Em termos de manobras de combate aéreo (MCA), o pelotão Mike era o melhor em sua companhia. E estavam levando a pior?

— O que é isso?! Quê?! Está…! ArghFox 04!

Uma confusão de chamadas de rádio. O que foi aquilo? O que diabos foi aquilo? O Primeiro-Tenente observou os acontecimentos através de seu binóculo. Não conseguia acreditar no que estava vendo. Em termos de manobras de combate aéreo (MCA), o pelotão Mike era o melhor em sua companhia. E estavam levando a pior?

— Impossível… — Ele murmurou contra a sua vontade.

Um feiticeiro podia se mover tão rápido assim…?

— Mike 01? Mike 01?

Quando Hosman se deu conta, o pelotão estava meio paralisado. Mike 01 e 03 caíram, e o motor do orbe operacional de Mike 04 parecia ter morrido. O homem ficou imóvel e estava caindo. Mike 02 segurava as pontas com dificuldade ao dar cobertura para 04 e não duraria muito também.

— Merda, BravoGolf, voltem! Agora! Precisamos dar cobertura ao pelotão Mike!

De jeito nenhum que o Primeiro-Tenente Hosman ficaria de braços cruzados enquanto seus homens estavam em apuros. Ele logo mandou os pelotões sob seu comando retornarem a toda velocidade de combate para apoiar a unidade Mike.

Mas por dentro, ele se perguntou: Como? Não importava o quanto as habilidades individuais dos feiticeiros diferissem, era possível haver uma embate tão desequilibrado? Tinha ouvido falar que alguns feiticeiros imperiais estavam armados com orbes operacionais melhorados e tinham uma saída de mana naturalmente elevada.

Porém, mesmo assim, o máximo que eles podiam enfrentar era uma equipe de dois. Supostamente, até aqueles monstros, os Intitulados, costumavam focar em táticas de operações-relâmpago. Uma pessoa fazer frente a um pelotão — e de modo hábil — ao invés de derrubar os feiticeiros um por um era algo inconcebível.

— Inimigo ao nosso alcance!

Enquanto comandante da companhia, Hosman não tinha tempo para se perder nesses pensamentos. O inimigo já estava na área de disparo. O questionamento em sua mente não tinha nada a ver com a luta, então ele o jogou fora e gritou para que conjurassem fórmulas de tiros de precisão a longa distância usando formações de voo. Estavam um pouco longe, mas com uma chuva de projéteis atirados de dois pelotões, não dava para errar.

Seu oponente devia ter previsto isso e começou a executar as clássicas medidas evasivas, o que era de se esperar. Só que havia um problema. Como esse feiticeiro continuava se movendo pelo ar com tanta destreza a fazer a gravidade parecer nem existir?

— Fox 01! Fox 01!

Contudo, o mais inacreditável — não, o mais apavorante — era a resistência da membrana protetora do inimigo. Embora a companhia de reconhecimento escolheu dar prioridade à precisão devido aos seus tiros serem de longa distância por natureza, eles combinaram, ainda que de modo imperfeito, as fórmulas explosivas com as teleguiadas. Mesmo que seu alvo desviasse de todos os projéteis, não havia ninguém capaz de evitar por completo as explosões preenchendo o céu.

Mas o inimigo não aparentava sequer estar sentindo dores e contra-atacou com disparos imperturbáveis. Hosman questionou se era tudo uma piada.

— Vou para cima dele! Me dêem cobertura!

Muito provável que Golf 02 inferiu que eles chegariam a lugar nenhum se continuassem assim, portanto, arremeteu com uma lâmina mágica na mão. Não importava o quão resistente alguém fosse, era impossível não sofrer dano algum do corte a curta distância de uma lâmina mágica. Se os pelotões não conseguiam eliminar o oponente de longe, concentrar o fogo também servia.

— Deu certo! Fox 02! Fox 02!

Eles concordaram e avançaram, preparados para uma luta mais de perto onde seria difícil tomar medidas evasivas. Ao mesmo tempo, executaram a Assassino de Intitulados, uma tradição mundialmente conhecida da República e o epítome da disciplina de fogo. O suporte de fogo foi composto por seis fórmulas de tiro de precisão com uma fórmula explosiva servindo de cortina de fumaça, e todos acertaram em cheio — ou melhor, deveriam ter acertado.

— Ele ainda está vivo?! Como é que…!

— Golf 02! BreakBreak!

O feiticeiro ainda estava de pé, mesmo depois da combinação das táticas de contenção e de cobrir o oponente com disparos de médio alcance. Aquelas fórmulas de precisão têm o poder de perfurar um campo de defesa com facilidade. Como é que alguém ainda consegue voar depois disso? Embora ele quase não tivesse assimilado todos esses acontecimentos de uma vez, seu tempo era curto demais para refletir sobre a questão.

Quanto a Golf 02, que havia tentado lançar uma investida de perto, conseguiu escapar por pouco graças ao fogo de cobertura de Mike 02, para então o inimigo disparar através de duas membranas protetoras como se não fossem nada e derrubá-los do campo de batalha.

— É uma armadilha! Seu desgraçado!

Hosman havia sido enganado. O que não foi nem um pouco do seu agrado, porém sabia que era verdade.

Voar até os dois mil e quinhentos metros para escapar foi um truque visando dividir nossas forças. Todos sabem que não dá para manter manobras de combate nessa altitude… Mas acabamos de descobrir que isso não é verdade. Caímos direto na armadilha. Agora meus homens estão sendo eliminados um por um e é tudo minha culpa. Mordendo o lábio inferior, ele estava tendo dificuldade para acalmar sua fúria perante a morte de seus subordinados, entretanto, compreendia a situação em que estavam. Haviam encontrado um monstro: um Intitulado desconhecido.

— MaydayMaydayMayday! Encontramos um novo tipo de inimigo!

— Merda! E ainda disseram que seria fácil. Golf 01 para Posto de Comando, isso é uma situação de emergência! Registramos um Intitulado desconhecido! Solicitando reforços e permissão para retorno à base!

 

JUNTA REVISORA DO LABORATÓRIO DE PESQUISA TECNOLÓGICA DO EXÉRCITO IMPERIAL.

 

Quando se construía uma nova arma, implementar a tecnologia mais recente não era a única coisa a se levar em conta. Custo de produção, manutenção e eficiência de operação eram questões de vida ou morte. Mesmo assim, uma série de elementos se mostravam difíceis de avaliar sem utilizar a arma em reais condições de combate.

Para o Estado-Maior, o embate com a República de François que eclodiu no oeste foi uma verdadeira tragédia, mas para a equipe de desenvolvimento do Arquétipo 95, significava uma chance bastante antecipada de testar o orbe no campo de batalha. Uma multidão de engenheiros aguardaram os resultados e o Arquétipo 95 provou seu valor superando as expectativas.

— Como correu a batalha?

— Foi explêndida. Seis abatidos, três derrotados e três desaparecidos. De acordo com o esquadrão de observação, é improvável que os três desaparecidos consigam voltar para a base deles.

Suas suposições eram de que seria impossível. Afinal, o experimento só deu certo graças a um milagre. Porém, o teste produziu resultados surpreendentes. Os feitos do Arquétipo 95 foram dignos de todos os elogios que o pessoal de tecnologia jogava com tanta euforia para cima dele. Mal conseguiam parar de sorrir.

Claro, a habilidade do usuário fazia uma grande diferença. A Segunda-Tenente Degurechaff decerto tinha a perícia de um portador da Insígnia de Ataque de Asas Prateadas, mas apenas isso não deveria ter sido o suficiente para contornar toda aquela situação de tamanha desvantagem e ainda obter resultados tão impressionantes.

— Ela derrubou praticamente uma companhia inteira sozinha.

Não chegara a derrotar todos os feiticeiros, porém havia conseguido repelir a unidade inteira. Ela tinha uma superioridade esmagadora a nível fundamental, nada além disso. Os valores teóricos indicaram possibilidades, mas a tenente tornou-nas reais.

— Pois é. E pensar que até agora deu tudo certo…

Pelo senso comum, os resultados só poderiam ser descritos como incríveis. O orbe era simplesmente revolucionário. Esta inovação tecnológica abriu as portas para um novo universo abrangendo combates em geral.

— Sim. A julgar pelo seu histórico na Armamento Elíneo, eu esperava que houvesse problemas maiores.

Os oficiais que haviam questionado sobre a continuidade do desenvolvimento agora se encontravam perplexos, fazendo comentários quase pejorativos. Suas preocupações eram enormes, mas quando viram que os resultados foram magníficos, o sentimento de deixar passar todas as falhas anteriores veio à tona. Se o orbe era capaz de funcionar tão bem, então estava tudo ótimo. Eles poderiam até reduzir o custo através de uma produção em massa.

— Bem, há problemas, sim.

O departamento de tecnologia tomou o papel de abaixar seus ânimos. Eles compreendiam o que esse pessoal do Departamento de Operações sentia. Estavam empolgados com a tecnologia revolucionária, por isso esperavam uma melhoria também revolucionária na qualidade. No entanto, isso não passava de uma fantasia.

E eles tinham que acordá-los deste sonho.

— Como assim? Basta olhar para os resultados da batalha, que foi além do que esperávamos de um feiticeiro voando sozinho.

— Exatamente. Esse orbe tem o potencial de mudar aquilo que conhecemos do combate de feiticeiros.

Sem dúvida a performance do Arquétipo 95 foi impressionante. Era a realidade. Em termos de desempenho, estava tão acima dos outros que dava para ser chamado de orbe de duas gerações seguintes. Isso foi possível graças à sincronização quádrupla de núcleos. A demonstração da mana em estado permanente oriunda do motor de quatro núcleos em reais condições de combate e as possibilidade acarretadas eram bastantes para fazer o pessoal de operações babar.

Afinal de contas, a tecnologia para estabilizar a mana e armazená-la como se fosse munições trazia um imenso valor tático. Na prática, poder utilizar livremente a energia armazenada eliminava de uma vez a barreira da capacidade de mana.

— É do meu entendimento que todas as preocupações e críticas levantadas anteriormente foram provadas falsas quando se fala em combate — murmurou um oficial do Estado-Maior.

Os feitos já diziam tudo. A sincronização quádrupla tornava realidade uma saída quatro vezes maior, aumentando o potencial de combate a um novo patamar. Após verificar que a tecnologia era utilizável, o departamento de operações tinha que obtê-la.

— Só temos um caso indicando sucesso. Verdade seja dita, o projeto foi um grande fracasso, a menos que a gente considere o objetivo como nada mais que uma verificação da tecnologia.

Mas os engenheiros não decidiram implementar o Arquétipo 95 no intuito de convencer o exército a adotá-lo. Apenas queriam ver qual tipo de problema surgiria ao usá-lo em campo, então quando a guerra começou no oeste, eles o enviaram para a fronte. Concentraram-se somente na tecnologia e nem sequer consideraram produzi-la em massa.

— E o que aconteceu nos outros casos?

O caso mais bem sucedido também foi o único. Se alguém perguntasse sobre a expectativa de produção em massa, teriam que levantar questões quanto à possibilidade de reproduzir o mesmo resultado. Pessoas capazes de usar a tecnologia mágica já eram poucas, mas ainda assim, um orbe com um único operador satisfatório não teria muita chance como arma para produzir em massa.

— Se querem saber, em um dos piores testes houve uma explosão no laboratório e perdemos um pelotão inteiro.

As coisas explodiam a todo momento; apenas um circuito defeituoso faria com que se autodestruissem. De acordo com os testes reais de combate, se uma pessoa conseguisse revestir o orbe em mana, ele até aguentaria algumas porradas. No entanto, a taxa de sucesso dessa etapa fundamental era de causar desespero.

O pior acidente ocorreu durante uma falha de sincronização; quatro vezes a mana usual havia detonado e atirado o pelotão que fazia os testes aos ares. Este que era um grupo de elites incluindo instrutores da Central e membros do Corpo de Inspeção de Tecnologia Avançada.

— Mas… ele pode disparar impulsos de mana, não? Isso faz dele um atrativo grande demais para ignorar.

— A única pessoa que consegue usá-lo é a Tenente Degurechaff. Os outros tiveram sorte de não explodir.

Por serem desenvolvedores e engenheiros, eram obrigados, pela ética que tinham, a contestar. Os próprios engenheiros que haviam pedido para continuar a pesquisa só ligavam para o aspecto revolucionário da tecnologia. Após suas mentes impulsivamente inquisitivas terem sido estimuladas, o doutor von Schugel e sua equipe passaram os dias concentrados apenas em testar os limites do que era possível. Porém quando pararam para pensar com mais calma, eles eram aqueles que melhor entendiam os perigos e dificuldades do orbe.

Isso era óbvio, foram eles que o construíram.

— Mas há um caso com sucesso, certo? Não dá para simplesmente recriá-lo?

— Foi o que eu disse… a Armamento Elíneo quase desapareceu da face da terra! Inclusive, esse caso de sucesso que aconteceu com a Tenente Degurechaff foi por pura sorte; apesar disso soar meio ruim vindo de um engenheiro. Ainda nem sequer sabemos o que de fato aconteceu.

Uma análise dos valores observados deixava claro que a fixação da mana em estado permanente através da sincronização quádrupla de núcleos era algo mais perigoso do que qualquer um poderia imaginar. O sucesso do experimento foi um milagre, mas a mana que eles captaram era o suficiente para afirmar que, se o teste tivesse falhado, só teria sobrado as cinzas do que um dia fora a Fábrica de Armamento Elíneo. Era nítido para uma pessoa com o mínimo de juízo que não podiam arriscar um bando de falhas em um experimento capaz de causar uma destruição daquela dimensão.

— Sorte?

— Justo quando houve uma reação de descontrole da mana que por pouco não provocou o derretimento dos núcleos, as ondas de interferência entraram em harmonia, e momentos antes de se liquefazerem, os núcleos sincronizaram.

Para os engenheiros, o resultado foi frustrante. Não sabiam como, mas de alguma forma conseguiram. Por um maravilhoso golpe de sorte, a mana que estava fora de controle do nada se acalmou; ou, pelo menos, isso foi até onde puderam compreender. Mesmo se tentassem procurar mais explicações, tudo o que podiam fazer era deixar como coincidência.

Até dava para considerar a possibilidade de duplicar os resultados caso perdessem o controle da mana e ajustassem-na em conformidade… Porém isso era uma hipótese. Não era possível tirar conclusões definitivas em cima desses resultados. Eles simplesmente não podiam ser duplicados. Era como presenciar uma descarga elétrica que, por obra do acaso, esculpira uma belíssima escultura, para então vir alguém e tentar recriá-la com suas próprias mãos.

— Em suma, a mana que estava fora de controle se estabilizou sozinha. Ou seja, uma coincidência milagrosa.

Só o fato de que o engenheiro-chefe Schugel havia deixado: “Devemos nossa vitória ao poder de Deus.” Como observação no relatório do experimento, já mostrava o nível desse milagre. Uma coisa que era efetivamente impossível ocorrera e, querendo ou não, fora algo além da compreensão humana.

O próprio engenheiro-chefe, responsável pela criação do Arquétipo 95, havia desistido de continuar com o desenvolvimento, dizendo: “Prosseguir com isso seria uma blasfêmia, um completo desrespeito a Deus.” Até mesmo os técnicos mais ferrenhos chegaram à conclusão de que era preciso ter sido escolhido por Deus ou algo do tipo para usar aquele orbe operacional, o que provava o tamanho da dificuldade.

— Então, o que isso significa?

— Que no momento estamos usando uma coisa que não entendemos sem entendê-la, e não está sendo fácil.

Em resumo, isso era tudo que eles sabiam. Fosse desvendar o princípio por trás do orbe ou reproduzi-lo, seria preciso uma quantidade absurda de tempo e esforço, além do mais, não valia a pena colocar suas esperanças numa mísera probabilidade de êxito, não importava o quão calculassem.

— Acho que é melhor apenas glorificar a Tenente Degurechaff como uma heroína.

— Tem razão… Talvez isso nos seja de grande ajuda.

Felizmente, a Segunda-Tenente Degurechaff ganhara sua Ataque de Asas Prateadas ainda bem jovem. Na verdade, jovem até demais. Aplaudir suas habilidades seria muito mais simples para se fazer propaganda do que sair exibindo um orbe defeituoso.

 

DORMITÓRIO DO CORPO DE CADETES.

 

Eu, Viktoriya Ivanovna Serebryakov, sou uma pessoa que acorda cedo.

— Vamos, Visha! Levanta!

— Urgh, bom dia, Elya.

Bem, isso é porque minha amiga maravilhosa sempre faz esse trabalho por mim. A Elya de bom coração é mais alta do que eu e com todas as curvas nos lugares certos, apesar de tão magra. Não bastasse, ela também não sofre de pressão arterial baixa quando está de manhã, afinal sempre a vejo cheia de energia.

Minha altura é só um centímetro a menos e sou tão magra quanto! Parece que Deus não foi justo comigo. Nós duas temos o mesmo estilo de vida, então eu não consigo entender como que certas partes do corpo dela são bem mais desenvolvidas do que as do meu.

É o desejo de qualquer pessoa recém-saída do Corpo de Cadetes ficar dormindo o máximo de tempo que puder. Pois uma das únicas coisas divertidas que se tem para fazer é ficar acordado a noite toda batendo papo com seus colegas de quarto. Elya, inclusive, é uma das garotas que adora fazer isso. Já eu na maioria das vezes acabo dormindo antes dela.

Não sei o porquê, mas ela sempre se levanta mais cedo. Qual a lógica disso? Talvez seja apenas as diferenças que existem entre as pessoas. Não posso fazer nada a respeito, não importa o quanto eu tente.

Talvez isso soe como se eu odiasse minha querida amiga, mas sério, não é o caso.

De modo geral, ingressar no Corpo de Cadetes é coisa voluntária, porém qualquer um qualificado para se tornar feiticeiro acaba sendo forçado a se alistar e jogado no meio do resto, tendo que obedecer às regras mais estritas e aguentar os sermões sem fim daqueles sargentos malignos. Óbvio que culpei Deus na época, mas não dava para continuar com raiva quando conheci uma amiga tão boa.

Infelizmente, meu tempo com ela está marcado para terminar hoje. Ainda não caiu a ficha, porém hoje vamos ser enviadas para nossas respectivas unidades de combate. Espero que fiquemos juntas, só que aí seria bom demais para ser verdade.

Parece mais que os nossos uniformes estão vestindo a gente do que o contrário, mas ainda somos verdadeiros soldados. Por alguma razão, o destino nos deu potencial mágico.

E por essas e outras nos tornamos feiticeiras do Exército Imperial, orgulho do Reich. Bem, tecnicamente, somos novatas. Quando dei por mim, estava no dormitório do Grupo de Exércitos do Oeste servindo de reforço para a fronte Rhein.

Sendo uma soldada, meu dever é servir no oeste até a última gota como um escudo para a amada pátria nesse momento crucial… ou algo do gênero. Também sou uma súdita imperial, eu acho, então acredito que talvez deva lutar por minha grande nação, mas não sei se isso está certo. O que faz sentido visto que nasci na bela e branca como a neve Moskva, apesar da pouca memória que tenho ser dominada apenas por tons vermelhos; nada de divertido. Meus pais tiveram que pedir ajuda a parentes, conseguimos escapar do país e essa é a minha história. Era jovem demais para me lembrar de muita coisa, porém é mais provável que eu tenha menos qualificações nesse sentido se comparado ao soldados imperiais nascidos aqui.

Dito isso, sou primeiro bastante grata aos meus tios por terem me acolhido e depois a Deus por me dar o pão de cada dia.

— Bom apetite!

Nossa alimentação aqui é diferente daquela da retaguarda, mas já me acostumei com os vegetais nem um pouco frescos e os enlatados que você encontra nos refeitórios de oficiais não comissionados perto da fronte. No primeiro dia, chorei porque a comida tinha um gosto tão ruim quanto as rações de combate. No entanto, ultimamente não chega a ser mais um problema para mim.

— Ei, Visha. Ouviu que vai entrar um novo líder no pelotão que você está agora?

— Será? Não é uma hora meio estranha para apontar alguém novo não?

— Estou falando a verdade!

— Está bem, Elya, tenha calma.

Claro, boa parte da conversa é fofoca. Ouvi dizer que quando você se torna um veterano, pode ficar sabendo da sua própria missão e da de seus colegas, e aposto que seja verdade. Mas, como é de se esperar, feiticeiros que acabaram de sair do Corpo de Cadetes, meros oficiais não comissionados, não sabem nem para onde vão no exército.

Mesmo assim, estou interessada sobre qual vai ser minha função dessa vez e minha amiga tem uma habilidade sobrenatural em ouvir coisas.

— Mas é sério isso? Somos só reforços. Será que eles realmente formariam um novo pelotão nas linhas de frente?

— Logicamente, não, porém deve ser verdade, Visha. O que escutei veio de oficiais.

Queria saber onde Elya ouviu todas essas notícias. Não é como se eles fossem professores do ensino fundamental conversando sobre suas aulas; oficiais do Departamento de Pessoal fazem esse tipo de coisa? Discutir novas tarefas na frente de outras pessoas…? Melhor não pensar muito nisso.

— Elya… às vezes eu me pego pensando se você é uma ninja do Extremo Oriente.

— Hahahaha. Uma mulher tem seus segredos, minha querida senhorita Serebryakov.

— Que seja. Quer dizer que você sabe para onde esse novo pelotão vai ser enviado?

— Ah, então… não é bem um novo pelotão, mas um substituto para um que foi eliminado. Você vai ficar bem, claro. Ao que parece, o líder é um veterano portador da Asas Prateadas.

Por um segundo, fiquei sem entender o que ela tinha falado. Apesar de eu ser mais tranquila, quando enfim entendi, fiquei tão chocada que não consegui conter uma reação instintiva.

— Como é…? Está se referindo à Insígnia Ataque de Asas prateadas?!

— Olha só, seus olhos estão parecendo dois pratos.

— Quê?!

— Visha, suas caras e bocas são as melhores.

Mais tarde terei que agradecê-la por prender a risada o bastante para não chamar a atenção dos outros. Mas, nossa, alguém que ainda está vivo ganhou a Ataque de Asas Prateadas… Um soldado imperial espetacular? Está mais para um ser humano espetacular, isso sim.

— Você deve saber qual vai ser sua função também, né?

— Uhum. Vou dar apoio à artilharia como parte de um esquadrão de observação. O que obviamente significa que vou estar fazendo chá na retaguarda.

— Ei, nunca se sabe o que vai acontecer se você não tomar cuidado.

Ainda assim, a notícia de que minha amiga estará em um lugar seguro me deixa com inveja, mas também estou aliviada.

— Uh-oh, se a gente continuar enrolando desse jeito nosso tempo vai acabar. Anda, Visha, coma logo!

— Verdade… Ué, cadê meu caramelo?

— Oh, como você ainda não tinha comido, resolvi te ajudar.

É, sem dúvidas essa cretina que ama pregar peças é minha querida amiga.

 

(ALGUNS DIAS ANTES)

CAPITAL IMPERIAL.

 

— Uma realocação?

Estou partindo de uma testadora cobaia do orbe operacional Arquétipo 95 no departamento de pesquisa tecnológica para uma melhor. Era o comunicado que a Segunda-Tenente Feiticeira Degurechaff mais ansiava em receber — os dias de espera pareciam anos — e sua satisfação ao aceitá-lo foi aparente. Seu pedido finalmente foi aprovado. Minha mente ficará livre. Vou cair fora desse lugar e ir direto para o meu novo posto.

— Isso. Parece que os superiores não pretendem deixar um ás por aí à toa. Você será a líder do Terceiro Pelotão sob a 205ª Companhia de Feiticeiros de Assalto.

Considerando que os recursos estão tão em baixa que até a unidade de instrução se juntou à guerra, não há nada que eu possa fazer quanto a ser mandada para as linhas de frente. Na verdade, por ser alguém que acabou de sair da academia, liderar um pelotão, mesmo no meio da batalha, é bem melhor do que ser abusada como uma cobaia.

Por fim, ao que tudo indica, terei subordinados. Agora vou poder delegar um bando de tarefas que antes precisaria fazer sozinha. E caso o pior aconteça, há a possibilidade de usá-los como escudos humanos, embora isso me faça perder pontos com os superiores. Só espero que eles não sejam incompetentes, mas de qualquer forma, é um motivo para comemoração.

— E devo parabenizá-la, Tenente. Não é muito se compararmos com a Asas Prateadas, mas em reconhecimento às suas conquistas mais recentes, decidimos premiá-la com a Insígnia de Assalto Aéreo.

— Estou grata, senhor. — Tanya presta uma continência bem-disposta e deixa escapar um sorriso que a faz parecer a garotinha que é.

Satisfeita, retorno ao dormitório e começo a fazer as malas. Claro, não é como se soldados tivessem lá muitos pertences pessoais. Mesmo sendo biologicamente feminina, Tanya defende que muito limpo e arrumado só vai até as roupas. Inclusive, seus uniformes são as únicas vestimentas que possui. Já que nenhum dos tamanhos existentes servem, ela precisa apenas solicitar um subsídio para roupas e encomendá-las.

Devo demorar menos de uma hora para fazer minha mala de viagem para oficiais. Alegre, conto ao gerente do dormitório, onde fiquei hospedada durante minha missão temporária, sobre a transferência, mostro para ele as ordens que recebi e o agradeço por ter cuidado de mim por todo esse tempo. Com isso pronto, meus preparativos para a mudança estão finalizados.

Em seguida, vou direto para a unidade a qual fui designada. Essas são ordens da linha de frente, exigindo que eu abra mão de obrigações sociais impertinentes, tais como festas de despedida, e assuma minha posição o mais rápido possível. Portanto, após receber a permissão para voar da Zona de Identificação de Defesa Aérea, pego minha mala no mesmo instante e zarpo pelos céus rumo ao ponto de encontro estabelecido.

Felizmente, apesar do exército estar em meio a uma crise, só estou me movendo entre bases da retaguarda. Menos de duas horas depois de minha partida, com um voo curto e tranquilo, chego no local e me apresento ao meu novo comandante de companhia.

— Segunda-Tenente Feiticeira Tanya Degurechaff, líder do Terceiro Pelotão da 205ª Companhia de Feiticeiros de Assalto, a suas ordens.

— Obrigado por ter vindo, Tenente. Primeiro, permita-me lhe dar as boas-vindas. Sou o comandante da companhia, Primeiro-Tenente Ihlen Schwarkopf. — Ele confirma que cheguei conforme ordenado e conclui os procedimentos de atribuição ao passo que me recebe. Ao mesmo tempo que mantemos o ar de profissionais de acordo com os regulamentos militares, também damos uma avaliada um no outro de forma casual.

Ambos somos soldados, e estes não podem escolher quem serão seus aliados. Assim, é lógico supor que não sobreviverão muito tempo no campo de batalha sem ao menos se conhecerem melhor.

— É um prazer poder servir sob seu comando, senhor.

— Ótimo. Vamos direto ao ponto então. Você tem alguma experiência em liderar um pelotão, Tenente?

Algo que deixa Tanya feliz de imediato é o fato do seu comandante aparentar ser um feiticeiro bastante ortodoxo. Ele é um Primeiro-Tenente. A julgar pela idade, provavelmente está a serviço por um bom tempo. E pelas medalhas que porta, percebe-se com facilidade que o homem tem uma vasta experiência de combate.

As condecorações que exaltam sua participação em vários conflitos menores, sobretudo, servem para aumentar o nível de confiança que ele passa. Portanto, minha primeira impressão dele é de sua competência como superior, o que poderia ser pior do que um inimigo, caso contrário. Já que não tenho escolha quanto a quem será o meu oficial comandante, se essa pessoa acabasse sendo que nem aquele soldado lendário por arruinar a fronte entre a Birmânia e Infal¹, só o que eu poderia fazer era lamentar o “infeliz acidente” que se seguiu.

— Não, senhor. Essa será minha primeira vez.

Schwarkopf também está analisando Degurechaff. Ele não pode negar que ficou um tanto intrigado quando se deparou com uma garotinha na frente de sua mesa no escritório de comando da companhia. Tudo o que ouviu dos superiores é que iriam mandar uma feiticeira de uma unidade de instrução da Central que tem experiência de combate na fronte setentrional.

Ele imaginou que lhe entregariam uma veterana experiente. É normal pressupor que um Segundo-Tenente da unidade de instrução adquiriu a atual patente se esforçando desde um suboficial, sem falar que um vetarano deveria ser confiável em qualquer situação. Além disso, como portador da Ataque de Asas Prateadas, quem quer que os superiores enviasse teria que ser um soldado competente com grande experiência. Por isso que quando Schwarkopf pôs os olhos nessa criança mais nova do que sua filha, se viu perguntando o que faria com aquele pelotão problemático. A sua intenção inicial de deixá-la no comando vinha de sua expectativa de que a pessoa em questão fosse uma veterana…

— Serei franco… Tenente.

Se os registros não mentem e não há enganos, a Segunda-Tenente aguardando sua palavra é um importante recurso que mostrou resultados excelentes em batalha e foi despachada para ajudar a lidar com a situação preocupante na fronte ocidental. Porém ser um bom atleta é diferente de ser um ótimo instrutor, e Schwarkopf teme que a analogia seja semelhante.

— Era para a 205ª Companhia de Feiticeiros de Assalto ser constituída por três pelotões, mas durante os primeiros dias da guerra, o número caiu para menos de dois, e desde então estamos operando com menos homens do que o normal.

Para substituir as baixas, um novo líder e novos integrantes foram designados para a companhia. Schwarkopf tinha noção de que não podia reclamar, mesmo se cada membro do pelotão fosse um recruta inexperiente. Mas exatamente por isso que ele esperava que pelo menos o líder fosse um veterano.

— Acha que pode comandar um pelotão de recrutas que vieram direto do Corpo de Cadetes…?

Em termos que representam bem o cenário pessimista atual, o pelotão consistirá em uma criança liderando um bando de novatos. O que não contribuiria em nada e eles ainda seriam um peso morto. Pior do que peso morto, na verdade. Obviamente, se as forças do Império tivessem a capacidade de se fazer de babá e ao mesmo tempo travar uma guerra, não estariam passando tanta dificuldade.

Ele fez essa pergunta em parte porque estava curioso; se uma mudança imediata de integrantes será ou não necessária dependerá de como a menina responder.

— Estou a suas ordens. — E a resposta dela é curta em um tom neutro e direto ao ponto. Contudo, seus olhos brilham de volta para Schwarkopf com um orgulho quase arrogante, rejeitando quaisquer dúvidas que ele tivesse sobre suas habilidades. — O que o senhor ordenar, eu trarei resultados.

A firmeza com que respondeu também mostra uma confiança inabalável em si mesma. Dessa vez, superou suas expectativas. O primeiro passo que ela deu para estabelecer a confiança entre os dois foi lhe fazer acreditar que, se essa veterana de combate diz: “Estou a suas ordens.” Então elas serão cumpridas.

— Bem, você realmente carrega a Insígnia Ataque de Asas Prateadas. Estou esperando muito de ti!

— Sim, senhor!

Um portador vivo da Ataque de Asas Prateadas da unidade de instrução é digno desse nível de confiança.

Tanya, por sua vez, deduz que Schwarkopf só aceitou sua resposta por causa da condecoração que porta. Em outras palavras, o valor total da Segunda-Tenente Tanya Degurechaff pode ser resumido pela insígnia.

Nesse sentido, ela está grata por tê-la recebido. Tirando o fato de vir junto com um apelido “Argenta” — que eu nunca quis, diga-se de passagem, e não vejo a hora de me livrar — e os controles de sanidade que me obrigam a fazer, nada sobre minha situação atual chega a ser prejudicial, e tenho uma boa reputação

É, eu provavelmente deveria dar as boas-vindas a isso. Por baixo do rosto de um soldado, Tanya é uma pessoa calculista. Boa vontade e elogios são melhores do que hostilidade e insultos, pelo menos.

— Certo. Vou continuar a explicar a situação.

— Sim, senhor.

Após terem obtido impressões mais ou menos boas, eles decidem, por enquanto, confiar um no outro o suficiente para que possam se concentrar em suas respectivas funções. Agora é hora de trabalhar.

— Como você sabe, as principais forças do Grande Exército estão sendo reorganizadas e reunidas com urgência.

O Império caiu em desordem logo depois do ataque surpresa da República de François, mas no geral, manteve-se firme nas primeiras batalhas. As tropas continuam sob pressão, porém a política de defesa nacional exige que seja aplicada a estratégia de linhas interiores. Nesse aspecto, embora o Grupo de Exércitos do Oeste tenha recebido reforços das unidades que restavam na Central, conseguiram cumprir sua tarefa de atrasar o inimigo.

— Apesar disso… ainda vai levar um tempo para que cheguem na fronte ocidental.

O problema é apenas um: as reservas e as tropas permanentes, que deveriam servir como contra-ataque, foram todas mandadas para o norte. Os das altas patentes do Estado-Maior pretendiam resolver a questão de Norden com um empurrão, porém o plano original de defesa nacional está desmoronando.

— Tudo o que o Grupo de Exércitos do Oeste pode fazer é esperar que eles cheguem logo, mas precisamos ter em mente que isso vai demorar um bocado.

Inicialmente, o plano apelava para que a Central enviasse três divisões dentro de vinte e quatro horas a partir das ordens de mobilização, incluindo uma divisão da Guarda Imperial como vanguarda, e dentro de setenta e duas horas, mais sete divisões em seguida. No prazo de uma semana, o próprio Grande Exército investiria uma força esmagadora; vinte divisões de suas nobres tropas regulares com reservas suficientes para sessenta.

Daí o motivo do Grupo de Exércitos do Oeste jamais ter imaginado que precisaria retardar o inimigo sozinhos por um mês. E, claro, já que o plano deu errado e estão sem reforços, ainda que continuem atrasando o adversário, terão que fazer isso de uma forma que minimize suas baixas.

A única saída que o exército do ocidente preparou é travar uma batalha defensiva focada em resistir em grande escala.

O Estado-Maior deixou nítido seu deslize ao enviar as tropas do Grande Exército para Norden, e o preço a se pagar foi mais caro do que qualquer um havia pensado.

O fato de que os superiores mobilizaram a unidade de instrução na tentativa de estabelecer uma defesa no ocidente, mostra o quão desesperados estão. Eles até enviaram o Arquétipo 95, um segredo militar que não era para ter saído do laboratório, dando uma desculpa de que estava sob avaliação contínua nas mãos de Tanya; a verdade é, só queriam o músculo.

Talvez as circunstâncias da guerra, que vivem mudando, não lhes deram escolha, porém, se estão tão agitados a ponto de não priorizar a confidencialidade, sem chances que vão conseguir executar o plano de defesa do jeito que ele foi concebido.

O Grande Exército, a principal força de ataque imperial, foi inteiramente mobilizado para o norte por conta de um erro de julgamento estratégico. Mesmo que não demorasse muito para reorganizar e reposicionar as tropas, era tempo demais do ponto de vista militar.

— Como anda o processo de agrupamento do Grande Exército?

É óbvio que a dificuldade deles vem da falta de um plano para essa necessidade inesperada de mobilizar as tropas. Até uma operação calculada nos mínimos detalhes está fadada a encontrar problemas no decorrer de sua execução, assim, improvisar e acertar numa situação dessas parece quase impossível.

Inevitavelmente, o ritmo atual de mobilização está longe de ser ideal. Nessas circunstâncias, o atraso dos reforços e o impacto que resultou na fronte são questões de vida ou morte para o Grupo de Exércitos do Oeste, bem como preocupações cruciais para os soldados imperiais que têm de sofrer as consequências do ataque antes da chegada do Grande Exército.

— Péssimo. Estão em falta de veículos no norte, eles vão precisar de umas duas semanas para reposicionar as unidades a oeste.

Schwarkopf aparenta estar duvidando que consigam chegar com apenas duas semanas de atraso. A experiência o ensinou que o QG sempre dá estimativas otimistas quando o assunto é número de reforços e seu tempo de chegada.

Um reposicionamento parece simples, porém envolve mais do que apenas reorganizar as unidades e estabelecer uma nova linha de comando; as unidades precisam ser reabastecidas antes de irem a qualquer lugar. Tarefa nada fácil. Transportar um exército por si só consome recursos, não somente combustível e suprimentos, mas também coisas intangíveis como o vigor dos soldados.

Por isso que Tanya não se sente surpresa quando seu superior continua a explicação de forma natural.

— Desistimos de retardar o inimigo ao longo da linha ocidental. Vamos mudar para uma defesa móvel.

Uma vez determinado que ganhar tempo não vai adiantar, adotar uma estratégia de defesa visando maior mobilidade é uma decisão compreensível. O normal seria colocar as tropas em bases da retaguarda reforçadas contra artilharia inimiga de longa distância e então usar o espaçamento proveniente da retirada durante a batalha de contenção para aplicar uma defesa em profundidade².

— Você já deve imaginar, Tenente… mas estamos diante do clássico exemplo “é mais fácil falar do que fazer”.

— Sim, senhor, eu entendo.

A estratégia original das linhas interiores requer que a linha de defesa bloqueie o avanço do inimigo e que os reforços do Grande Exército cerquem e aniquilem as forças que penetraram fundo no território imperial. No entanto, essa linha já entrou em colapso, e agora foram lançados numa corda bamba tendo que travar uma batalha defensiva, o que não é nem um pouco divertido. Talvez a única que chegava perto de ser agradável foi a que aconteceu atrás da famosa Linha Maginot³, perfeita para aqueles que vivem dentro de casa. Dava para ficar enfurnado lá dentro, só esperando a guerra acabar.

Para Tanya, esse é um problema que vai além de uma falha de nível estratégico. Se uma pessoa tinha a intenção de lutar usando táticas de contenção desgastando o oponente, então devia ter percebido que era preciso reforçar sua fronteira com fortes em vez de seguir uma estratégia condenada ao fracasso antes da batalha sequer começar. Se o comando tivesse mesmo assumido que a República de François ficaria contente em negligenciar a possibilidade de sua estratégia de linhas exteriores colapsar após a derrota da Aliança Entente, ela ficaria sem palavras com o tamanho da ingenuidade. Resta aos soldados de baixo escalão como Tanya e Schwarkopf pagar o preço desse erro de cálculo com sangue, algo que ambos não estão dispostos a engolir.

— Somos soldados. Seja lá o que os superiores nos mandem fazer, é isso o que faremos.

Um patriota pode argumentar que os principais estrategistas da nação estão indo contra o país devido aos erros que cometeram. Tanya não tem a menor intenção de se sacrificar pelo Império. Toda vez tenho que fazer comentários exemplares que batem de frente com o que realmente sinto, fingindo desempenhar o papel esperado de modo que eu saia triunfando no final. Para tal, eu até faria um discurso ao estilo Tsuji⁴, apesar de desprezar sua incompetência. Caso fosse necessário, poderia até gritar: “Ser patriota não é crime!”

Sou capaz de tagarelar sobre essas coisas de forma tão natural quanto respirar, e isso somado à minha aparência de boneca é o bastante para mostrar o meu “patriotismo” a quem quer que esteja ouvindo.

Acima de tudo, a maioria dos soldados costuma detestar os idealistas que abrem a boca para falar de patriotismos e lealdades corajosas estando na retaguarda, mas para eles o sentimento de amor à pátria é sagrado. Os veteranos que fizeram por merecer no campo de batalha juram defender sua nação. Em casos extremos, levam esse voto como uma declaração de fé.

— Tem razão, Tenente Degurechaff… — Assim, o exemplar de um soldado imperial é aquele que cumpre com indiferença suas missões conforme a doutrina de guerra. E essas qualidades são elogiadas. — Muito bem. De volta ao assunto em questão.

— Sim, senhor!

Ele pelo menos deve perceber que não sou incompetente.

Satisfeito, Schwarkpof por fim consegue relaxar um pouco. A situação com certeza está desagradável, mas ali lhe aparecem boas notícias.

Precisam organizar as unidades que foram mobilizadas de última hora sem rumo estratégico algum e ainda travar uma batalha defensiva. Ele perdeu um grande número de suas tropas já atormentadas, os reforços são um amontoado de peso-morto e o líder deles é uma garotinha? Por um momento, sua vontade é de olhar para o céu em desespero. Entretanto, para Schwarkopf, o simples fato de Degurechaff ser uma oficial capaz de trazer resultados a torna um de seus poucos recursos valiosos.

— A 205ª Companhia de Feiticeiros de Assalto foi escolhida para servir como uma força de ataque rápida na próxima batalha defensiva móvel.

A performance e a perspicácia de Schwarkopf e sua companhia durante os primeiros confrontos os colocaram no dever de conduzir o ataque móvel. Seu trabalho é ajudar os lugares que precisam de reforços; será preciso desempenhar mais funções do que as unidades normais.

— Somos a chave do contra-ataque. É uma grande responsabilidade que compartilhamos. Mal posso esperar para ver do que você é capaz.

— Agradeço, Primeiro-Tenente. Vou fazer o meu melhor para proteger a pátria.

Tanya encara Schwarkopf com seus olhos azuis inocentes, e de seus lábios infantis sai uma resposta cheia de ideias nobres e desejo de contribuir para a nação.

Claro, as suas palavras não têm um pingo de sinceridade; eu apenas sei que é algo que uma pessoa como ela diria.

Tanya conhece a brutalidade das trincheiras — mesmo que esse conhecimento venha de livros e filmes de guerra de outro universo — então está contente por ser uma reserva de contra-ataque ao invés de ficar presa em uma delas.

Sem dúvida, esconder-se por trás de alguns trabalhos de campo fortificados com concreto de início parece ser a opção mais segura. Também entendo o porquê de os amadores pensarem assim. A invenção da metralhadora deu vantagem à defesa e, para quem sabe disso, a posição defensiva é inegavelmente forte. Ninguém que recebesse ordens do General Nogi Maresuke para capturar o Porto Artur com espadas hesitaria em deixar um “acidente” acontecer. Os humanos são muito mais frágeis do que ferro e concreto.

Por outro lado, é importante lembrar que a base de Porto Artur foi destruída por artilharia naval pesada. As fortificações num campo de batalha possuem uma falha fatal em sua estrutura: são imóveis. A história nos ensina que não importa o quão resistente seja o forte, diante da artilharia de cerco, não passa de outro alvo. Portanto, Tanya sabe que é mais seguro fazer parte de uma unidade móvel onde, na hora do aperto, podem correr para qualquer lugar.

Até um feiticeiro não pode atacar de perto uma fortaleza bem defendida e sair com facilidade, porém, eu tenho a certeza de que tal fortaleza será trabalho da artilharia. E também estou ciente de que é melhor atacar a vanguarda inimiga, mesmo que somente em comparação, já que estarão exaustos após romper a linha de defesa.

Desse modo, Tanya exibe falsas declarações de lealdade, enquanto que a única coisa que ela agradece com alegria é o seu trabalho. Aumentar um pouco suas chances de sobrevivência é, sem sombra de dúvida, um evento para se comemorar.

— Excelente. Alguma pergunta?

— Sim, senhor. Queria saber se vamos mobilizar a partir da linha de defesa ou da retaguarda.

Há um ponto que vale a pena ressaltar. As forças de ataque móveis podem ser de dois tipos. Primeiro, estar posicionado na retaguarda e responder rapidamente no intuito de fechar os rompimentos nas linhas causados pelo adversário. Segundo, partir de uma posição mais à frente para apanhar o inimigo pelas costas. A diferença entre ambos é que um você serve como força de contra-ataque na retaguarda, então dá para correr de volta e relaxar, e o outro acaba tendo que cavar trincheiras e construir fortificações sob a ameaça constante de ataque inimigo. São dois contextos completamente distintos.

Sim, a unidade responsável por fechar os rompimentos será afetada pois precisam avançar até as linhas de frente, mas, em geral, o próprio ato de lançar uma contraofensiva costuma significar que eles podem contar com uma superioridade numérica. Ou seja, não terei que me preocupar em ser enviada caso a situação esteja perdida.

— Ora, parece que hoje é seu dia de sorte, Tenente. Estaremos na linha mais adiante.

— Que honra.

Que horrível.

Fazer papel de força de ataque móvel na frente de batalha? Quer dizer que teríamos que defender as linhas e funcionar como distração durante o contra-ataque? Nenhum número de vidas seria o suficiente. Se estivesse defendendo no meio das trincheiras, poderia usar as pessoas mais próximas como escudos, porém isso foi para o espaço se ela tiver que deixar a linha para servir de isca. Atacar o inimigo com o pessoal da retaguarda atrás como ajuda pode até ser uma boa ideia, mas seríamos apenas alvos fáceis.

— Sabia que isso seria perfeito para você. Dependendo da situação, pode ser que precisemos ajudar a defender as fortificações.

Nada mais que o esperado. Devo ficar feliz? Não curto a ideia de que eu estava certa sobre meu mal pressentimento. Isso pode vir a calhar para melhorar minha resposta a situações de risco, mas prefiro nunca ser levada a usar uma habilidade dessas.

— Então nosso trabalho é dar prioridade aos ataques rápidos visando maior mobilidade e apoiar a linha de defesa?

— Isso mesmo.

Só o que resta é aceitar meu destino? Ser explorada como parte da força de ataque móvel depois de me enfiar nas linhas de defesa? Devia existir um limite para o quanto alguém pode sobrecarregar outra pessoa. Exijo melhores condições de trabalho ou, ao menos, um aumento de salário.

Naturalmente, não tenho problema algum em cumprir as funções constatadas no meu contrato, mas isso aqui já é demais. Gostaria de ser compensada.

— Contudo, nossa missão não é eliminar o inimigo, apenas repeli-los. Não precisaremos passar pelo trabalho de cercá-los e aniquilá-los.

— O que indica que a mobilização do Grande Exército não está indo bem, imagino.

— Previsível, não é?

— Sim, afinal, se nosso plano fosse atrasar as forças inimigas sem adotar uma defesa móvel com objetivo de desgastá-las, não viveríamos para ver a chegada dos reforços. Até o oficial novato mais lerdo que existe seria capaz de enxergar isso.

Seria impossível conduzir uma defesa visando retardar o oponente que envolva toda a gigantesca fronte e dar certo. Sem uma estratégia de defesa móvel que esgote as forças adversárias, não daria para conter o inimigo; as coisas estão tão graves que o Império teria que correr o risco de deixar alguns dos invasores adentrarem por um local e atacá-los lá. Pelo menos seremos organizados, então provavelmente o desastre não vai ser como foi nos últimos anos na fronte oriental da Primeira Guerra Mundial, mas ainda tenho que estar preparada.

— Isso é verdade… Bem, outra verdade é que não há um jeito agradável de se travar uma guerra. Seja como for, aqui está quem vai ficar no seu pelotão.

— Obrigada, senhor. — Tanya respira fundo em sua mente e dá uma olhada na lista de seus primeiros subordinados. No entanto, seu cérebro para ao ver o conteúdo ridículo escrito ali, e logo percebe que quase tropeçou. O único motivo pelo qual ela não agiu por instinto e atirou o documento para longe foi devido ao tremendo choque que teve, não porque a razão ganhou ou algo do tipo. Pondo em palavras, seus pensamentos seriam: “Assim não dá né!” — Eu tinha entendido que, por uma falta geral de militares importantes no Grupo de Exércitos do Oeste, os únicos substitutos que conseguiríamos arrumar para o terceiro pelotão eram novatos com zero de experiência, mas devo me corrigir… Talvez fosse melhor chamá-los de recrutas não treinados?

— É bem por aí mesmo. O que significa que você vai pegar um pelotão enferrujado, por assim dizer. Então quero que sua tarefa principal seja defender a posição.

Esses feiticeiros chegaram a concluir apenas o treinamento básico do Corpo de Cadetes, e estamos mandando eles para uma unidade de combate? Qualquer um com metade do conhecimento de como funcionam as batalhas de feiticeiros entenderia isso como uma piada de primeiro de Abril e cairia na gargalhada. Com quatro pessoas formando um pelotão e doze uma companhia, diferente da maioria, as equipes de feiticeiros priorizam mais as habilidades do que os números. Até alguém com potencial inato para magia só iria atrapalhar por ser um novato com quase nenhum treino. É tipo apanhar um cara que não sabe nada além das regras e regulamentações básicas do exército, colocá-lo num avião e mandar ele pilotá-lo. Se pegarem a gente, vai ser pior do que servir de tiro ao alvo.

Estou vendo. Por nos deixar a cargo de manter a defesa, ele está afirmando que não os considera aptos para o combate. De fato uma conclusão lógica, seria absurdo esperar qualquer coisa desta unidade.

— Se me permite, senhor, como líder do pelotão, tenho uma humilde sugestão…

— Eu sei que lutar uma guerra tendo que dar uma de babá é pedir demais, Tenente, apesar de soar estranho dizer isso para você…

— Bom, sendo sincera, eu seria mais útil sozinha do que nesse pelotão.

Já dá para perceber que a unidade falta treinamento, mas está me dizendo que devo torná-la uma força estacionária? Eles não estão preparados para lidar com batalhas rápidas, então querem que eu os treine e reeduque enquanto defendemos alguma base? É a mesma coisa que mandar um monte de incompetentes me atrapalhar! Indignada, Tanya protesta contra essa maldita situação. A menos que os regulamentos que ela aprendeu na academia foram alterados, cuidar de crianças definitivamente não faz parte da função de um soldado.

Seria mais seguro tacar esses novatos na terra de ninguém⁵ e me livrar desse fardo. Talvez eu deva fazer isso se tiver a chance. Não, não posso julgá-los sem nem ter conhecido eles…

— Como oficial, minha intenção não é abandonar meus deveres de comando, mas espero que o senhor leve em consideração a maneira mais eficaz de usar nossas forças.

— Esse pessoal é substituto. Se as circunstâncias exigirem e o momento for o certo, nós a enviaremos em missões de guerrilha.

Mesmo que o Primeiro-Tenente queira que ela ponha o pelotão em forma, está insinuando desde o início que a enviará por conta própria, caso necessário.

— Entendido. Temos permissão para abandonar nossa posição, se for preciso?

— Infelizmente, não podemos recuar as linhas mais que isso.

— Somos obrigados a mantê-la, então?

— O comando diz que devemos escolher entre a vitória ou Valhalla.

Vitória ou Valhalla? Isso sequer é uma escolha? É apenas uma indireta nos mandando lutar até a morte. Na verdade, não chega nem a ser uma indireta; é só um amontoado de asneiras narcisistas.

Por que eu deveria morrer por outras pessoas? Se alguém quiser morrer por mim, é o direito dele, porém me obrigar a morrer infringe completamente meu livre arbítrio.

A liberdade é o que predomina. Podemos ser democráticos, nacionalistas ou até imperialistas, desde que eu seja livre. Então, por favor, parem de emitir títulos de guerra. Não interessa como a guerra termine, financiá-la imprimindo títulos sob a premissa de que o Império vencerá apenas resultará em hiperinflação.

Ganhando ou perdendo, quero nem imaginar o futuro “maravilhoso” à espera. Que merda.

— Que bom. As duas opções me parecem ótimas.

— Maravilha. Que tal conhecermos seu pelotão?

Ok, partiu cumprimentar meus aliados nesta guerra infeliz. Se acontecer de eles estarem no lugar certo e na hora certa, posso usá-los como escudos humanos. Não nego que estou esperando muito deles.

E assim, embora nenhuma delas quisessem, a jovem e a garotinha beberiam da mesma água barrenta e beliscariam de bolachas duras a ponto de ser preciso cortá-las com baionetas para conseguir comer, batalhando lado a lado na fronte ocidental, debaixo de uma chuva de chumbo e latão.


Notas:

1 – Aqui faz referência a chamada Batalha de Infal que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial. O exército imperial japonês tentou destruir os exércitos aliados em Infal para invadir a Índia, mas foram rechaçados de volta à Birmânia com pesadas perdas em homens e material.

Foi o militar Renya Mutaguichi que decidiu continuar seu plano de avançar para Assão (um estado da Índia), que eclodiu na Batalha de Infal. Após terem perdido a ofensiva, Mutaguichi se recusou a deixar que seus comandantes de divisão recuassem e, em vez disso, dispensou os três. No final, ele cancelou o ataque depois de milhares de baixas, muitas das quais por causa de doenças e fome.

2 – Defesa em profundidade, ou defesa elástica, é uma estratégia militar desenvolvida pelas forças alemãs na Primeira Guerra Mundial que visa adiar — em vez de fazer frente — o avanço do inimigo, ou seja, ganhar tempo e diminuir as baixas. Ao invés de derrotar o inimigo com uma única e forte linha defensiva, a defesa em profundidade é baseada na ideia de desmotivar o ataque tendo em vista a distância criada entre o atacante e o atacado.

3 – Foi uma linha de fortificações e de defesa construída pela França ao longo de suas fronteiras com a Alemanha e a Itália, após a Primeira Guerra Mundial. O custo total para fazer esse “forte” foi de 5 bilhões de francos franceses, porém, por erro estratégico, a linha Maginot não evitou a derrota da França no começo da Segunda Guerra Mundial, pois as divisões alemãs simplesmente decidiram contorná-la e atacar outra região.

4 – Tsujiinkyū em Japonês, serve como uma piada que se refere ao péssimo estrategista Masanobu Tsuji. Usada para quando uma pessoa é bastante incompetente em certas áreas. Por causa de sua habilidade em tomar atitudes e seu orgulho inflado, ele passava a impressão de uma pessoa “tóxica”. Suas muitas atitudes arbitrárias mostram o quão a disciplina é importante para uma organização militar. E, entretanto, ele não foi punido, na verdade até subiu de patente.

5 – Na Primeira Guerra Mundial e em outras guerras que envolveram combates de trincheiras, esse termo indicava o espaço entre as trincheiras de duas ou mais forças em guerra. Esse território não era controlado por nenhum dos lados combatentes, era um lugar neutro no campo de batalha. Era uma área muito perigosa pois não fornecia nenhuma cobertura que as trincheiras proporcionavam. No entanto, soldados eram forçados a cruzá-la quando avançavam, e os responsáveis pela evacuação de feridos precisavam atravessar ela para transportar os soldados precisando de tratamento.

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