Prólogo: Mal sob a luz do luar
A luz fraca da lua atravessava as finas nuvens que cobriam o céu noturno.
Com a exceção de algumas estrelas piscando aqui e ali, o grande e sombrio vazio acima parecia vasto o suficiente para atrair os habitantes da terra para as suas profundezas.
A maioria das pessoas já estavam dormindo a está hora.
Já no centro da cidade, as tavernas estavam completamente vivas com o barulho dos aventureiros. Contudo, nesta escura área residencial o som deles parecia distante.
Uma garota se mantinha nas sombras enquanto caminhava em meio as construções em seu caminho para se encontrar com um <Kami>
— Por favor, Kami-sama. Permita que Lilly deixe está <Família>… — Sua voz tremulou enquanto suplicava.
O corpo de Lilly estava coberto por um robe surrado conforme se ajoelhava em frente a ele, e abaixava sua cabeça, com seus grandes olhos cor de castanha focados em um ponto no chão.
A deidade com a qual ela estava falando, encontrava-se no canto da sala, segurando seus joelhos contra seu peito.
Conforme uma nuvem se moveu no céu noturno, a luz da lua que atravessou a janela preencheu toda a sala. A luz iluminou também uma serie de prateleiras alinhadas em uma parede. Elas suportavam inúmeros vasos com plantas e também garrafas contendo um licor claro. As duas figuras estavam paradas no quarto privado do <Kami> da <Família Soma>.
Lilly veio para pedir diretamente a Soma a permissão para deixar a <Família>.
Isso tudo para que ela pudesse se libertar da amaldiçoada <Família Soma>… Assim ela poderia ficar junto de Bell e dos outros com orgulho. Ela viu uma chance e aproveitou a oportunidade de ter uma audiência privada com o próprio Soma.
Deixar a <Família>—implicava na rescrita da <Benção> entalhada sobre suas costas—requeria a permissão de seu <Kami>, Soma.
— Lilly sabe que isso veio sem aviso, e pede perdão por todas as ofensas que causou. Mas por favor, Lilly implora pela sua misericórdia…
Ela não fez contato ocular ou mesmo levantou sua cabeça.
Os pequenos ombros da garota tremiam, mostrando o quão grande era o medo por seu <Kami> que ainda existia dentro dela. Lilly não podia apagar as memorias sobre o vinho de Soma, sobrepujando ela. E aquele que o criou estava sentando no canto deste quarto.
Porem a deidade não respondeu.
Ele possuía a aparência de um jovem rapaz de grande estatura. Seu corpo e membros eram esguios e de aparência delicada. Ele usava um robe folgado, com as mangas e bainha sujas de terra.
Sentando no canto do quarto, Soma murmurava alguma coisa enquanto olhando para a parede
— Regulamentações Operacionais… Punição… Minha paixão, minha razão.
O longo, e despenteado, cabelo de Soma escondia parcialmente seu rosto. Ele parecia estar envolto em um miasma de depressão e desespero.
Soma não se moveu, mantendo-se de costas para Lilly.
E então, uma voz que não pertencia a Lilly ou Soma preencheu o quarto.
— Kami-sama está muito ocupado no momento. Mas eu vou escutar o que tem a dizer, Erde.
Um homem humano se aproximou da deidade sentada no chão.
Marcas de óculos eram nítidas em suas feições. Seus olhos negros estreitos tinham um ar de inteligência, mas o sorriso vulgar em seus lábios contrariava isso.
— Eu estou surpreso em ver que ainda está viva. Eu fui informado que Kanu pereceu.
Lilly lutou desesperadamente contra a vontade de responder.
Zanis Lustra, o comandante da <Família Soma>, um aventureiro de alta classe de Level 2.
Ele havia recebido o título de Gandharva, o Guardião do Vinho. Sua mente era forte o bastante para não ser manipulado pelo Vinho Divino, já que o desejo poderia domina-lo.
Com a total falta de interesse de Soma em sua própria <Família>, não era incomum para Zanis dar ordens em seu lugar. De fato, como o líder, e usando o nome de sua deidade para seus próprios propósitos, ele manipulava os outros membros para seu próprio ganho. Nem um pouco diferente do homem que jogou Lilly de encontra a uma horda de formigas assassinas, Zanis não tinha problema algum em tirar proveito dos mais fracos.
Após esconder sua própria morte e bolar planos cautelosos para invadir os aposentos de Soma, Lilly havia sido descoberta pela única pessoa que ela mais queria evitar.
— Pensando sobre isso, não tenho visto os camaradas do Kanu por aí ultimamente… Você não tem nada a ver com isso, tem?
A garota respondeu honestamente para homem a qual o sorriso não havia mudado desde que entrou no quarto.
— … Lilly não sabe.
Sua resposta foi curta e direto ao ponto. Ela se esforçou para segurar sua língua para esconder sua raiva e desgosto de virem à tona.
— Zanis-san… Lilly está aqui por uma razão. Ela está esperando pela resposta de Soma-sama.
— Oh, claro. Voltemos ao assunto — Zanis falou de maneira estravagante e acenou com sua cabeça de uma forma exagerada, quase como se estivesse atuando em uma peça. Ele lentamente e cuidadosamente proferia cada uma de suas próximas palavras.
— Claro que, uma grande soma de dinheiro será necessária para deixar nosso grupo. Esta é a única forma de aliviar a dor de Soma-sama… ele dedicou tanto tempo criando você. Ele irá querer no mínimo dez milhões de varis.
Lilly ficou imóvel por vários segundos.
Seu espirito pareceu deixar seu corpo no momento em que entendeu as palavras de Zanis.
— O que me diz, Soma-sama?
— …você decide.
Soma não se virou ou olhou para eles enquanto respondia. A deidade era pouco diferente de uma rocha no canto do quarto, não se mexendo nem um centímetro.
— D-dez milhões… — exclamou Lilly conforme seu rosto perdia toda a cor.
Seu próprio deus não a conhece, ou ao menos responde à sua voz. Zanis ria de forma sombria enquanto olhava para Lilly, sabendo que qualquer tentativa de contestação seria inútil.
Lilly colapsou em direção ao chão como uma marionete ao ter suas cordas cortadas. Seus braços finos impediram-na de cair. Vagarosamente mas decida, a garota se levantou.
Com sua face desprovida de qualquer emoção, Lilly seguiu seu caminho para fora do quarto com suas pernas ainda tremendo.
No momento em que sua silhueta desapareceu, uma larga figura surgiu na entrada do quarto em seu lugar.
— Ei, os caras do Apolo estão aqui. — Disse um anão carrancudo com uma cabaça presa atrás de suas costas.
— Ótimo, Chandra. Leve eles para a pequena sala no final do corredor.
— Esse não é meu trabalho, faça isso você mesmo.
O anão chamado Chandra falou de forma rude e monótona enquanto virava suas costas para Zanis, e desaparecia conforme andava em direção ao corredor como se tentasse evitar uma conversa sem sentido. O homem encolheu os ombros como se achasse a situação mais divertida do que irritante.
Ele se virou para o deus no canto do quarto e falou — Soma-sama, eu vou conduzir uma negociação, qual é a sua vontade?
— Você decide.
Soma estava completamente desinteressado. Zanis deu uma risada baixa anasalada.
Seus olhos pareciam esconder uma malicia conforme andava em direção ao corredor.
O silencio tomou conta no momento em que Zanis fechou a porta atrás dele.
— …
O deus parou de murmurar agora que estava sozinho em seu quarto.
A luz azul acinzentada da lua iluminava as plantas e as garrafas nas prateleiras.
Soma se levantou, pegou uma garrafa, e abriu a tampa, e então.
Ele a virou em seus lábios e a secou em poucos goles rápidos.