Histórias Bônus
A Noite dos Homens
— É tudo questão de comunicação, sabe?
Ron balançou a cabeça, concordando com profundidade. Quando olhou para trás, viu Renji e Adachi seguindo-o. Adachi ajustava os óculos de aro preto com uma expressão azeda, mas era impossível decifrar o que Renji estava pensando ou sentindo. Ele é difícil de ler, pensou Ron. Já estavam juntos desde que chegaram a Grimgar, mas Ron ainda não fazia ideia do que se passava na cabeça de Renji.
Por isso, naquela noite, quando voltaram a Altana depois de um bom tempo, ele o convidou para beber.
Ou melhor, bem, ele já tinha feito esse convite várias vezes antes, mas Renji continuava recusando. Como ele finalmente cedeu, os três caras puderam sair juntos para beber.
— …Caramba, eu sou incrível.
Com um sorriso secreto, Ron se sentou em um dos bancos de uma barraquinha. Ele havia decidido deliberadamente que, em vez de irem para o Beco Celestial, os três iriam para a vila de barraquinhas perto da cidade dos artesãos, no distrito sul, para um drinque tranquilo com um prato de oden. Mulheres só atrapalhariam esse tipo de ocasião. Essa era a “pilosofia” de Ron. Pilo…? Não era isso? Bem, tanto faz.
— Senta aí onde quiserem — disse Ron, generoso.
Adachi sentou ao seu lado com cara de poucos amigos, e Renji sentou ao lado de Adachi. Ron queria colocar o líder da Equipe Renji no meio, flanqueado por ele, o comandante de ataque, de um lado, e Adachi, o cérebro do time, do outro. Mas tudo bem. Não ia ser tão rígido. A noite estava só começando.
— O de sempre, chefia.
Quando Ron levantou três dedos, o dono da barraquinha—um sujeito com uma cara que fazia parecer que ele já tinha matado pelo menos três pessoas—assentiu em silêncio. Imediatamente, serviu três copos de um licor transparente. Ron pegou um deles para si. Renji pegou outro, mas Adachi encarou o copo como se desconfiasse dele.
— O que foi, Adachi? Tá com medo, cara?
— …Não. Não é medo. Só não sei o que tem aqui dentro.
— Pelo menos não é veneno. Precisa que eu “eludique” mais sobre isso?
— Elucide, você quis dizer?
— Qual é a diferença?
— Nenhuma. Mas você tem tentado usar palavras difíceis ultimamente.
— C-Cala a boca.
Se dissesse algo como: dá uma impressão de que sou inteligente, tinha certeza de que Adachi zombaria dele. Aquele cara de óculos era rápido para menosprezar os outros. Falando sério, tinha uma péssima personalidade. Além disso, era horrível para acordar cedo. Incrivelmente horrível.
— Tá dizendo que não consegue beber da minha bebida?
— Pra ser honesto, não quero muito, mas vou fazer isso por você. Não tenho escolha.
— Se vai até esse ponto, então não bebe.
— Beleza, então não vou.
— Bebe! Anda!
— Tá bom, tá bom.
Adachi bufou e pegou o copo. …Caramba, esse cara tinha uma personalidade terrível. Totalmente podre. Se não fossem companheiros, Ron já teria espancado ele até a morte. Mas, bem, eles eram companheiros.
— Certo, indo em frente, saúde!
Mesmo quando Ron chamou, nem Adachi nem Renji repetiram. Também não beberam de seus copos… Oh, fala sério, de verdade?
— Saúde…!
Tentou dizer de novo, desta vez mais alto.
Nenhuma resposta.
…Estavam tirando uma com a cara dele?
Tirando uma.
Ah, era isso.
Uma piada, né? Eles estavam fazendo isso como uma piada. Uma daquelas internas. Bem, nesse caso, ele achava que podiam ter sido mais óbvios, mas o senso de humor de Adachi e Renji era… deficiente. Ou melhor, inexistente. Diferente de Ron, eles não tinham nenhum.
Ron pigarreou educadamente, então mandou sua melhor piada.
— Saúde…! Ops… Por algum motivo, minhas calças caíram, e minha cueca também. Ah, cara, meu “cleitinho” tá dando oi. Hahaha!
Houve um longo silêncio…
…Será que esses caras eram idiotas?
Ron sentiu como se seus olhos fossem revirar. Sua piada não funcionou… Que droga? Impossível. Enquanto propunha um brinde, ele habilmente expôs sua metade inferior. Não importa como você olhe, aquilo deveria ter sido garantia de risadas.
Bem, tanto faz. Ron virou o copo, respirando fundo. Se perdesse a calma agora e decidisse desistir, a noite estaria arruinada. Já fazia tempo que ele tinha percebido que Renji e Adachi eram pessoas difíceis de lidar. Eles podiam ser habilidosos, mas, ao contrário de Ron, eram fracassos como seres humanos. Dois pedaços de lixo.
Eu, pensou Ron, vou transformá-los em seres humanos decentes. Renji e Adachi, os dois. Há uma tendência de separar trabalho e vida pessoal, como se camaradas fossem apenas isso, nada mais, nada menos. Mas não é assim que funciona. É mais como… somos todos pessoas. Humano contra humano. Homem contra homem. Temos que nos encarar abertamente e criar laços com paixão. É assim que fortalecemos o vínculo como parceiros de trabalho.
— Então? — Ron colocou o copo no balcão e perguntou: — Como andam as coisas ultimamente?
Nenhuma resposta.
…Sério?
Eles não conseguiam responder uma pergunta tão simples? Que nível de incompetência social era aquele? Ron suspirou, colocou o braço em volta do pescoço de Adachi e o puxou para perto.
— Estou te fazendo uma pergunta, sabia? E então?
— …Pode parar?
— Parar com o quê?
— De ser tão pegajoso. É nojento.
— Nojento, é?
— Sim. Extremamente.
— Hah! O quê? Você prefere mulheres, é isso? Seu virgem, bancando o sexy.
— Que conexão existe entre eu não querer que você me toque e minha falta de experiência sexual?
— …T-Tem que haver alguma.
— Não tem. Mesmo que eu começasse a sair com uma mulher, Ron, eu ainda não gostaria que você me tocasse. Só de você chegar perto já é desagradável, então pode, por favor, se afastar?
— Droga! Que se dane vocês, caras ineficazes!
— Você quis dizer intelectuais?
— É a mesma coisa!
— Não, são completamente diferentes.
— Tá bom! Eu só tenho que me afastar, certo?!
Ron se afastou de Adachi e, enquanto bebia, ficou um pouco chocado. Imaginar que existia um homem que não se abalava nem um pouco quando sua virgindade era zoada. Será que Adachi era gay? Mas, se fosse, ele não deveria reagir mais ao toque de Ron? O que era aquilo? Ron não entendia nada.
— …Já sei. Mulheres. Qual é o seu tipo? É isso! Bem, Adachi, responde aí.
— Inteligentes, talvez. Não quero conversar com uma idiota.
— Resposta imediata?! Droga… R-Renji! E você?!
Renji ficou em silêncio.
…Sério?
Estava ignorando eles? Inacreditável.
— E-Ei, Renji! Seu tipo! Ou, sei lá, apenas uma mulher que você goste! Quem é?! Que tipo de mulher você curte?!
Renji não respondeu.
Eventualmente, respirou fundo e virou de uma vez seu copo de saquê.
…Sério?
Era uma bebida destilada bem forte. Ele conseguiu virar de uma vez? Isso era completamente insano. Ele era louco.
Mas Ron não podia desistir agora. A noite deles tinha acabado de começar.
— Renji! Que tipo de mulher você gosta?! Fala logo!
— Por que você não diz primeiro? — sugeriu Adachi.
Faz sentido, pensou ele. Agora que ele mencionou, sim, eu deveria.
— Eu, hein? Bem, para mim… é a bunda. É isso. Quero uma mulher com uma bunda redonda e macia. A bunda é importante, sabe. Ah, também os braços. Não quero que sejam muito finos. Precisam ter a espessura e a maciez certas. É isso… Ei, o que foi, Adachi? Por que essa cara?
— Nada… — foi o que ele disse, mas Adachi olhava para Ron com claro desprezo. Se ele não entendia a importância da bunda e dos braços, talvez o cara fosse realmente gay? Bom, tanto faz. Ele fazia o que quisesse. O problema era Renji.
— Vamos lá, Renji! Eu já falei! Que tipo de mulher você gosta?! Desembucha…!
— Atrapalhadas.
A resposta de Renji foi curta e direta.
…Atrapalhadas.
Ron e Adachi trocaram olhares. Adachi parecia surpreso também.
Isso… é meio inesperado, né?
É…
Parece que, no momento em que seus olhos se encontraram, essa conversa aconteceu mentalmente.
Atrapalhadas, hein.
— Pensando bem, Yume, da party do Haruhiro, não era meio atrapalhada? Renji gostava de mulheres assim?
— A propósito. — Renji permanecia inexpressivo enquanto pegava o novo copo que lhe serviram e, claro, virou de uma vez. — Foi uma piada.
Ron e Adachi quase caíram para trás ao mesmo tempo.
Uma Carta com Mais Letras do que Podem Ser Contadas
Querido Haruhiro,
Você está bem? Eu não estou. Porque não posso te ver. Quero te ver, Haruhiro.
Anna-san me diz: “Esquece ele de uma vez, tá, caramba,” mas eu não sou boa nesse tipo de coisa, e não quero forçar a mim mesma a esquecer, então não estou tentando. É por isso que escrevo cartas como esta. Mas eu não sei onde você está, então não há como você lê-las, e isso me faz sentir um pouco sozinha. Não, nem é só um pouco, é muito. Mas, enquanto antes eu chorava o tempo todo, ultimamente não tenho feito isso tanto. E isso também me faz sentir um pouco sozinha.
Acho que chorei demais. Por causa disso, estou bem mais magra, e ficou difícil segurar uma espada. Ultimamente, estou me dedicando à magia. Acho que seria bom se existisse um feitiço que me permitisse te encontrar. Perguntei a alguém na guilda dos magos, mas disseram que magia não funciona assim. Então, para que serve a magia, afinal? Não tem tanta utilidade, então estou pensando em entrar para outra guilda. Eu já fui guerreira antes, então talvez outra coisa seja melhor. Anna-san e Tada são sacerdotes, Tokimune é paladino, e Inui é caçador, então talvez ladrão seja uma boa escolha. Você é um ladrão, então talvez seja bom se eu me tornar uma também.
Estive pensando em você por um tempo, e acabei chorando pela primeira vez em dias. Mas talvez eu não seja uma boa ladra. Porque sou alta. E também não sou rápida.
Quando lembro do seu rosto olhando para mim, fico com uma vontade enorme de te ver. Não que eu pudesse algum dia te esquecer, mas só de pensar na possibilidade de que isso possa acontecer, fico enjoada.
Desculpa por ter pensado que você era patético no começo. Você não é. Você nos ajudou, é incrível. Quero poder te dizer isso, então odeio o fato de que não podemos nos encontrar. Eu sei que amo você, mas você não me ama. Tudo bem, mesmo assim quero te ver. Mesmo que seja só de vez em quando, quero te ver. Quero te dizer que te amo.
Onde você está? Está bem? Se você não estiver, eu nem sei o que farei. Quero te ver.
Por favor, fique bem.
Não importa onde esteja, e não precisa ser tão cedo, mas por favor volte algum dia.
Com carinho,
Mimori.