Capítulo 1.1
Cidade Cyberpunk Shinjuku
E assim, quinhentos anos se passaram.
Foi o prenúncio de novos começos, seguido pelos choros de um recém-nascido. O momento da ressurreição havia chegado.
Renascimento parecia como emergir para a superfície da água. Sua consciência flutuou das profundezas sombrias, e após quinhentos longos anos, ele foi revivido.
Veltol Velvet Velsvalt: o Rei Imortal, o Lorde das Trevas, o Invencível. Ele tinha muitos nomes, todos simbolizando o mal absoluto e aterrorizante que representava para os mortais.
E havia um título em particular pelo qual ele era mais chamado: Lorde Demônio.
Quinhentos anos antes, ele havia criado o Reino Imortal, formado o Exército Imortal, e lutado contra os mortais em uma batalha para dominar o mundo, apenas para ser derrotado pelas mãos do Herói.
Seu corpo havia se desfeito em pó e retornado à escuridão. E ainda assim, após vários séculos, ele estava de volta.
Seu retorno só foi possível através do poder de Methenoel, um tipo de magia de reencarnação que o próprio Veltol criou para unir suas memórias e forma física com sua alma, convertendo tudo isso em dados e enviando-os ao futuro.
O éter usava esses dados para emular seu corpo e reconstruí-lo.
O éter era a maior forma de matéria, capaz de imitar qualquer fenômeno, e a magia era o método pelo qual se manipulava o éter para dobrar a lógica do mundo.
Teoricamente, não havia nada que não pudesse ser alcançado através da magia. Ressurreição, viagem no tempo, criação de universos… Não importava quão absurda fosse a ideia, desde que alguém possuísse a mana necessária, o poder mágico, isto é, e conhecesse a técnica correta, qualquer coisa era possível.
Entre essas possibilidades estava a reencarnação. Ela existia apenas na teoria, sem história de sucesso, até que Veltol aperfeiçoou essa arte proibida.
Veltol era um ser das trevas, todos os imortais, sem exceção, eram. Imortais, por natureza, estavam além do conceito de morte.
No entanto, até mesmo as almas se desgastavam. Não importa quão indestrutível fosse a carne, as almas não eram indestrutíveis. Uma alma eventualmente pereceria uma vez que todo o seu poder fosse exaurido.
O propósito de Methenoel era conquistar essa destruição. Era um empreendimento cósmico para reviver corpo e alma mesmo após ambos terem apodrecido e perecido.
Veltol havia evoluído. A conclusão dessa magia elevou sua alma de um mero imortal para um ser superior. Ele havia se tornado verdadeiramente invencível.
E agora, quinhentos anos depois, ele iria mais uma vez envolver o mundo em escuridão. Seu renascimento lhe traria a dominação mundial.
Então… funcionou?
Veltol ainda tentava assimilar sua segunda vida, seus pensamentos lentos, como se estivesse despertando de um sono profundo.
Era, claro, a primeira vez que ele usava Methenoel. Embora ele tivesse compreendido a lógica e completado a técnica, não tivera oportunidade de testá-la.
Veltol não renasceu como a criatura fantástica que o Herói enfrentara, mas sim como a forma humana que se desfez em pó após sua derrota.
Seu longo cabelo negro como azeviche, cativante como as penas molhadas de um corvo, contrastava com sua pele alva como neve. Ele era perfeitamente andrógino, possuindo partes iguais de beleza delicada feminina e virilidade masculina. Seus olhos eram da cor da escuridão. Seus membros eram longos e esguios, seu corpo totalmente proporcional: magro e tonificado, coberto de músculos duros como aço. Seu físico quase artístico estava completamente exposto, sem uma única peça de roupa.
Ele parecia exatamente como um humano. Não tinha presas como um orc, ou orelhas pontudas como um elfo, ou chifres como um ogro.
E isso era natural, pois Veltol originalmente havia sido humano.
Imortais eram seres sobrenaturais separados dos deuses ou criaturas vivas. Os mortais os chamavam de seres das trevas por medo, pois esses seres eram humanos, mas imortais, humanos na aparência, mas dotados de poderes sobre-humanos. Na verdade, todos os imortais eram considerados seres das trevas, fossem eles humanos, elfos, orcs ou de outra espécie.
Veltol parecia um humano em seus vinte e poucos anos, quando na verdade ele era um dos seres das trevas mais antigos, com mais de três mil anos.
Onde estou…?
Ele estava deitado em um altar feito de pedra branca. Sua visão estava embaçada, e ele estava tendo dificuldade em entender a situação, talvez um efeito colateral de Methenoel.
Ele respirou fundo, enchendo seus pulmões com ar frio e éter. O éter percorreu suas veias até seu coração antes de se transformar em mana. A mana então viajou para todas as suas veias, nervos, cada célula do seu corpo.
Mana, além de ser combustível para a magia, era um elemento indispensável para a vida.
Uma vez que seus olhos estavam cheios de mana, sua visão retornou. Ele podia ver que estava em um vasto espaço escuro.
“Lorde Veltol…”
Ele ouviu uma voz, uma que ele conhecia muito bem. Era clara e pura como o som de um sino. Mesmo após quinhentos anos de sono, não havia como esquecer ou confundir.
“Machina?”
Ele se virou para encontrar uma garota de joelhos.
Ela era linda e efêmera como a neve recém-caída. Sua pele era quase transparente, seu longo cabelo prateado, e seus olhos de um vermelho claro. Seu rosto, respeitosamente voltado para baixo, assim como sua pequena figura, talvez pudessem ser descritos como fofos em vez de bonitos, mas o charme que parecia emanar dela contradizia sua aparência juvenil.
Ela parecia quase exatamente como um ser humano, mas na verdade era uma ignia.
“Sim, senhor. Sou eu, Machina Soleige, Duquesa do Brilho Deslumbrante, uma dos Seis Pares das Trevas. Estive esperando por este momento tempo suficiente para um dragão perder todas as suas escamas.”
Os Seis Pares das Trevas eram um grupo de aristocratas poderosos, seres das trevas, nomeados pelo Lorde Demônio Veltol. Machina era um dos súditos mais essenciais entre eles.
Ela parecia um pouco mais jovem que Veltol, mas ela também era uma imortal das trevas. Ela tinha mais de mil anos.
“Por favor, perdoe-me por recebê-lo com trajes tão rudes, meu senhor.”
Ela não estava vestindo sua habitual armadura formal vermelha magnífica, mas um casaco grosso branco e um chapéu.
Tanto sua roupa quanto a situação eram anormais. A realização de Methenoel, o renascimento do Lorde Demônio, deveria ser uma cerimônia grandiosa para todo o Reino Imortal celebrar. Machina deveria estar usando trajes cerimoniais, e todo o país deveria estar presente para receber Veltol.
E ainda assim, Machina era a única presente naquele lugar despojado e sem luz. O que havia acontecido?
Veltol não a repreendeu por sua vestimenta inadequada. Ele tinha absoluta confiança em sua lealdade. Havia uma razão lógica para ela estar vestida daquela maneira.
“Não importa. Você cuidou da minha ressurreição e da conclusão de Methenoel, e por isso, eu te parabenizo.”
“É meu dever como sua vassala, Lorde Veltol. Seus elogios são desperdiçados em mim.”
Havia alguns requisitos para restaurar uma alma via Methenoel. Tinha que haver um conjurador para ativá-lo no momento e lugar corretos. Methenoel, um feitiço ritual, não podia ser realizado sozinho. Uma pessoa tinha que conjurá-lo em sua alma enquanto outra ressuscitava essa alma.
Veltol se sentou.
“Então, onde estamos? Este altar subterrâneo fica em Readelm?” ele perguntou enquanto descia do altar feito de *skullia*.
Com um movimento de braço, o éter cobriu seu corpo nu com uma armadura negra e uma capa da mesma cor.
“Não, Lorde Veltol. Estamos na catedral subterrânea da masmorra de Nelldor, abaixo da antiga Estação Shinjuku.”
“Shin… juku…?” ele repetiu, confuso com a palavra desconhecida.
Veltol estava familiarizado com a catedral subterrânea de Nelldor. Ela foi construída em uma ilha ao extremo leste de Alnaeth com o propósito de adorar o Lorde Demônio e recebê-lo em seu eventual renascimento. No entanto, a palavra *Shinjuku* era nova para Veltol.
“Bem, de qualquer maneira…”
Ele não prestou mais atenção aos pequenos detalhes. Quinhentos anos haviam se passado, então seria perfeitamente natural que o nome do local tivesse mudado. Veltol não precisava se apegar a essas mudanças para realizar seu objetivo.
“O Lorde Demônio retornou, Machina. Vamos conquistar o mundo mais uma vez!”
Dominação mundial: sua missão e ambição, e o desejo mais querido dos imortais.
“Perdão, Lorde Veltol…” Machina interveio timidamente. “Se me permite…”
“O que foi?”
Machina estava lutando para dizer o que precisava. Depois de um momento de hesitação, ela se recompôs e olhou diretamente nos olhos de Veltol ao lhe dizer:
“O mundo que estávamos tentando conquistar… já pereceu.”
***
“Isso aconteceu cerca de oitenta anos atrás” começou Machina enquanto ela e Veltol caminhavam pelos corredores da masmorra. “Nosso mundo — Alnaeth, o planeta da civilização mágica, experimentou um desastre sem precedentes quando entrou em contato com outro mundo: a Terra, o planeta da civilização industrial.” Terra, janeiro de 2023. Alnaeth, Mês do Behemoth 2023 EC.
Curiosamente, os calendários de ambos os planetas coincidiram quando seus mundos se fundiram através de dimensões, ou melhor, através de universos.
“Eles… se fundiram?” disse Veltol.
“Sim. Os cientistas da Terra nomearam essa catástrofe como *Fantasion*.”
O *Fantasion*, naturalmente, causou uma variedade de problemas.
Os planetas e seus respectivos mundos se fundiram em um só, provocando mudanças em grande escala nos níveis geológico, celestial e climatológico. Em apenas três anos, a população agregada da Terra e de Alnaeth caiu para um décimo do número original.
E então veio o choque entre as espécies.
A Terra tinha apenas uma espécie dominante, os humanos *terráqueos*, enquanto Alnaeth abrigava uma infinidade de espécies além dos humanos nativos de Alnaeth: elfos, orcs, therianos, ogros, goblins, anões, entre outros, cada um com seus próprios territórios.
Tanto a Terra quanto Alnaeth tinham conflitos internos por causa de raça, religião e política, mas Alnaeth também enfrentava conflitos entre espécies.
“Esses seres de outro mundo não tinham apenas culturas e línguas diferentes, mas também aparências marcadamente diferentes” disse Machina. “E, do ponto de vista deles, nós aparecemos do nada em seu território…”
“Então o conflito era inevitável.”
“De fato…” Machina assentiu.
A infraestrutura existente foi destruída, seguida por escassez de alimentos, epidemias, disputas territoriais e de residência, disparidades tecnológicas e, finalmente, discriminação entre as espécies. Os problemas se acumularam, e não demorou muito para que a guerra eclodisse.
O caos do *Fantasion* misturou espécies e territórios, tornando qualquer fronteira nacional anterior irrelevante. Os países se tornaram obsoletos, e foi apenas uma questão de tempo até que as cidades começassem a agir como nações autônomas.
Conflitos surgiram entre as cidades, e ao longo de quarenta anos, ocorreram duas grandes Guerras das Cidades.
“Faz pouco mais de duas décadas desde o fim da Segunda Guerra das Cidades. Essas cicatrizes estão finalmente começando a cicatrizar… E isso nos traz ao estado atual do mundo. Em termos de Alnaeth, estamos na antiga catedral subterrânea de Nelldor, no arquipélago Myrd, que também corresponde ao antigo bairro especial de Shinjuku, em Tóquio.” explicou Machina enquanto guiava o Lorde Demônio pela masmorra.
Veltol não conseguia entender tudo. Ou melhor, ele não conseguia acreditar. Era algo tão repentino e bizarro que parecia mais uma história de fadas. Sua incredulidade o impediu de notar os portões enferrujados e as máquinas pelas quais eles passaram.
“O mundo que você conhecia pereceu, Lorde Veltol. Um novo foi construído em seu lugar.”
Eles estavam em uma fusão do que antes era a Estação Shinjuku e a catedral subterrânea da masmorra de Nelldor. A antiga estação de trem havia se transformado em um labirinto completo.
As escadas rolantes quebradas se estendiam por mais de cinquenta metros. Machina e Veltol subiram até o topo, a saída do labirinto.
“Agora é o ano de 2099 da Era Fundida.”
A pesada porta de metal à sua frente estava fechada.
“Este é o novo mundo.”
Quando Machina abriu a porta, a luz inundou o ambiente, fazendo Veltol semicerrar os olhos.
E foi então que ele viu o mundo.
A paisagem superava sua imaginação. Era avassaladora.
Luzes de néon de éter tão vívidas que doíam em seus olhos.
Luzes das janelas dos prédios.
Luzes das enormes telas holográficas cobrindo os edifícios.
Luzes das lanternas vermelhas penduradas nas beiradas dos edifícios.
O brilho das luzes traseiras dos veículos terrestres correndo pelas ruas.
Luzes indicando as posições dos drones e dos veículos voadores que cruzavam os céus.
Luzes, luzes, luzes sem fim…
Era noite, e ainda assim parecia que as estrelas haviam caído na superfície do planeta, suas luzes deslumbrantes eliminando qualquer escuridão.
Veltol não conseguia absorver tudo aquilo. Era infinitamente mais iluminado do que a Capital Real Imortal ou a cidade ao redor da Capital Imperial Astrica. Essa era a luz de uma cidade que nunca dorme.
O céu frio e sombrio estava distante. Nuvens grossas e negras obscureciam a escuridão da noite enquanto neve poluída caía sobre a cidade, iluminada pelos tons vivos das luzes, mas esparsa o suficiente para não disparar os alarmes dos alto-falantes próximos.
“O quê..?”
Os olhos e a boca de Veltol estavam igualmente abertos enquanto ele observava a paisagem, incrédulo.
Do centro da cidade se erguia um gigantesco pilar de 243 metros de altura, o reator de éter. Ele extraía o éter das linhas subterrâneas de éter, convertendo-o em mana e eletricidade para o consumo da cidade, assim como para a zona de criotolerância que protegia Shinjuku do frio. A barreira não era perfeita, no entanto, pois ainda havia pontos pela cidade que atingiam temperaturas abaixo de zero, mesmo durante o dia. Apenas um passo fora da zona era inabitável.
Ao redor do reator de éter, havia novos prédios de calcário, com arquitetura esbelta e neoélfica, misturados com estruturas baixas feitas de concreto armado. Estas últimas foram claramente construídas de maneira barata; não havia sinal de que um único pensamento tivesse sido dedicado à sua integridade estrutural. A expansão desenfreada levou ao aumento da construção vertical com estruturas improvisadas de aço empilhadas umas sobre as outras. As casas resultantes eram tão frágeis quanto tofu, todas agrupadas em aglomerados como lápides.
A cidade era uma floresta, e os postes de eletricidade eram suas árvores, com cabos se estendendo por todos os lados como uma enorme teia de aranha. Humanos, elfos, goblins e muitas outras espécies falavam uma mistura de língua, élfico, japonês, inglês, chinês, anão, orc, enquanto caminhavam pelas ruas sob enxames de drones de vigilância.
“O quê…”
Placas de néon de éter em várias línguas se destacavam nos edifícios mal construídos, cujas superfícies eram cruzadas por canos fumegantes e calhas que lembravam veias.
As ruas estavam cheias de todo tipo de lixo: panfletos velhos, bitucas de cigarro, latas vazias, garrafas de bebidas caseiras. Abaixo de um pôster que dizia PAREM COM A FALTA DE MORADIA! AS PESSOAS ESTÃO MORRENDO DE FRIO NAS RUAS! em élfico, a língua comum, jazia um mendigo envolto em trapos sujos, era difícil dizer se a pessoa estava viva ou morta.
Tudo isso era decididamente diferente da cultura de qualquer país que Veltol conhecia.
“O que diabos é isssooo?!”
O Lorde Demônio gritou para o céu em espanto.
Esta era a Cidade Cyberpunk Shinjuku. Uma das maiores cidades do mundo, com uma população de mais de três milhões de pessoas.
Veltol estava na Rua Kabukicho, a avenida principal do extremo sul de Shinjuku e o maior distrito comercial da cidade.
A civilização havia avançado demais nesses últimos cinco séculos.
Multidões de pessoas e veículos terrestres navegavam pelas ruas, enquanto veículos voadores e drones de vigilância e entrega lotavam os céus.
O Lorde Demônio estava pasmo diante daquela paisagem fantástica.
“Essa é a extensão da prosperidade daquela pequena ilha a leste…” ele murmurou.
O arquipélago japonês que Veltol conhecia, o arquipélago Myrd, ou seja, era uma terra subdesenvolvida, usada apenas como destino de exílio. Criminosos lá viviam em cavernas, e esse estado primitivo era o último que ele conhecia sobre o local.
“O país localizado na versão terrena deste arquipélago já era altamente desenvolvido. Uma mudança de paradigma ocorreu depois que a tecnologia científica avançada da Terra se entrelaçou com a magia de Alnaeth, e o desenvolvimento disparou.”
“A civilização dos mortais está tão avançada e ainda assim os deuses não tomaram medidas?”
“Os deuses estão mortos.”
A catastrófica fusão planetária afetou mais do que apenas a humanidade. Surgiram novos habitantes de um mundo diferente, um influxo de religiões desconhecidas. Os valores das pessoas mudaram; várias filosofias apocalípticas surgiram; a moralidade e a ética foram subvertidas. Tudo isso barateou o divino e enfraqueceu a fé.
Os deuses caíram na degradação.
“As civilizações existentes regrediram fortemente logo após o *Fantasion*, o que levou muitos estudiosos a acreditar que esse havia sido o último ato de ira dos deuses.”
“Entendo… Então o mundo realmente acabou…” As palavras de Veltol tinham um tom de tristeza. Sua luta na antiga Alnaeth não era apenas contra os mortais, mas contra o destino que os deuses haviam criado. E tudo havia terminado sem que ele soubesse. Ele abaixou o olhar.
As pessoas que andavam pelas ruas pareciam absolutamente bizarras para ele.
“Eu vejo que muitas pessoas aqui têm braços e pernas que são bastante… inorgânicos.”
Suas extremidades pareciam ser feitas de aço ou algum misterioso material preto.
“De fato, elas estão usando membros artificiais.” disse Machina.
“Artificiais…? São mesmo? Eles parecem bastante realistas.”
Próteses existiam até no tempo de Veltol, mas de formas muito mais simples e rudimentares, geralmente apenas pedaços de madeira ou osso esculpidos para parecer com o membro desejado.
“Essas são chamadas de magipróteses. Elas usam uma estrutura de metal para os ossos, que é coberta por músculo artificial feito de fibra sintética de mithril. O éter é usado para simular os nervos, então esses membros funcionam exatamente como braços ou pernas reais quando conectados ao corpo.”
“Tantos assim, porém? É por causa das guerras?”
“As guerras têm algo a ver com isso, mas acredito que a principal razão é que a maioria dos trabalhos por aqui envolve trabalho físico.”
“Então os acidentes são comuns?”
“Essa é uma parte, mas é principalmente por causa da gangrena. Muitas dessas pessoas trabalham fora da barreira, e é realmente congelante lá fora…”
O clima da cidade era certamente frio o suficiente até para Veltol.
Mesmo dentro da zona de criotolerância, era necessário proteção suficiente contra o frio se você não quisesse que seus dedos, orelhas e nariz doessem. Uma pessoa comum certamente congelaria até a morte se ficasse parada por algumas horas.
“Aliás, chamam as pessoas com magipróteses de magiborgs, embora alguns considerem o termo discriminatório ultimamente.”
“Hmm… E quanto a eles?”
Aqui e ali havia pessoas usando algum tipo de tubo metálico ou capacete na cabeça. Seus corpos, sob as roupas, também eram metálicos.
“Aqueles são full-borgs, pessoas que suplementam suas funções corporais com máquinas. É uma versão de corpo inteiro das magipróteses.”
“…Espere, espere, espere. Suplementam suas funções corporais? Você quer dizer seus órgãos também?”
“Correto. Não é incomum encontrar pessoas que substituem tudo, exceto o cérebro e a espinha.”
As máquinas que Veltol conhecia eram muito mais simples e primitivas. Era fácil para ele imaginar como funcionavam os membros artificiais, mas ele não conseguia conceber como um órgão artificial era possível.
“Também existem autômatos, que se parecem exatamente com humanos. Eles têm avançado tanto ultimamente que é difícil distingui-los dos reais.”
Veltol também notou que todos tinham um pedaço de metal preso na nuca. Machina também tinha um, embora Veltol não pudesse vê-lo, pois estava escondido sob seu capuz e cabelo longo.
Ele se perguntou se aquilo também era algum tipo de prótese enquanto ficava perplexo, observando os pedestres indo e vindo. Estava tão absorto em seus pensamentos que demorou para perceber alguém vindo em sua direção.
“Ah, Lorde Veltol, você vai..!”
“Tsc! Não fique aí bloqueando o caminho, idiota!”
O ogro grande com um braço artificial estalou a língua ao esbarrar em Machina, que havia se colocado na frente de Veltol.
“Desculpe, eu estava pensando em algo. Você está bem?”
“Oh, sim, estou bem. Me perdoe…”
“Francamente, aquele idiota não percebeu que acabou de esbarrar em um dos Seis Pares das Trevas?”
Veltol olhou para as grossas nuvens cobrindo o céu noturno.
“…”
Então ele sorriu.
“Algum problema?” perguntou Machina.
“Acho que é hora de sacudir esses mortais tolos até a essência… Fazer com que saibam bem do meu retorno triunfal.”
“L-Lorde Veltol?”
Machina sabia muito bem que Veltol só fazia aquela expressão quando estava prestes a fazer algo absurdo.
“Ah!”
A mana interna de Veltol se ativou e construiu uma técnica que se expandiu em um grande e elaborado círculo mágico.
“Ell Stunna!”
Assim que ele pronunciou essas palavras, um pilar de luz emergiu do círculo, perfurando as nuvens espessas e abrindo um grande buraco no céu. A luz da lua e das estrelas iluminou Shinjuku pela primeira vez em quinze meses.
Veltol havia realizado um método de modificação de fenômenos baseado em éter. Em outras palavras, magia.
A magia envolvia a ativação da mana interna, seguida da construção de uma técnica usando um feitiço. Depois, a técnica se expandia na forma de um círculo mágico, então vinha a invocação, pronunciar o feitiço em voz alta, e, finalmente, a proclamação do *maginom*, ou o nome da magia.
Esses eram os cinco processos necessários para a magia.
Os nomes dos feitiços em élder pertenciam à magia suprema usada por governantes desde os tempos antigos para demonstrar seu poder real.
E Veltol não precisava de um dos cinco processos, a invocação.
Nem mesmo um Lorde Demônio deveria ser capaz de pular as etapas necessárias para ativar a magia. Mas Veltol, com sua enorme capacidade de mana, afinidade natural para a magia e processamento mágico em ultra-alta velocidade, conseguia comprimir a etapa mais demorada em outra. O resultado: uma quase omissão do processo de invocação.
Isso era o que tornava o Lorde Demônio tão poderoso. Sua técnica secreta proibida: magia sem invocação.
“…Hmm?”
Veltol olhou para o céu e franziu os olhos, insatisfeito com a luz que brilhava através das nuvens. “Estou muito mais fraco.”
A magia suprema manipulava o clima em uma escala grande o suficiente para se livrar de todas as nuvens da área, mas, no estado atual, ele mal conseguia abrir um buraco em uma delas.
“Isso é…?”
Veltol olhou através do buraco para uma estrela vermelha escura que brilhava ao lado da lua. Ela simbolizava um mau presságio na antiga Alnaeth.
“Parece que eu não sou bem-vindo neste mundo.” A estrela brilhava misteriosa e sinistramente. “O que—?!”
“O céu…”
“Quem seria tolo o suficiente para manipular o clima com magia nos dias de hoje?”
Naquele momento…
…uma sirene aguda soou.
A magia de Veltol havia acionado os sensores que detectavam anomalias em mana nas proximidades. A comoção começou a se espalhar ainda mais.
“Que barulho é esse? Está arruinando meu retorno triunfante. O conceito de respeito desapareceu enquanto eu estive ausente?”
“Oh, não! Você não pode usar magia suprema dentro da cidade!” Machina agitou os braços, desesperada. “A Guarda da Cidade virá! Precisamos sair daqui!”
Ela agarrou o braço de Veltol e o puxou.
“Espere, Machina, por que eu deveria ser o único a fugir?”
“Por favor! Eu insisto!”
Veltol afastou suas preocupações crescentes e permitiu que Machina o conduzisse pela rua principal, em meio à multidão.
Foi então que ele avistou algo impossível na multidão. Um homem encapuzado se aproximava, e seu rosto ficou momentaneamente visível quando o vento levantou ligeiramente seu capuz.
“O quê?!”
Veltol não pôde evitar parar e olhar para trás enquanto o homem passava, mas ele já havia desaparecido entre as pessoas.
“Algum problema?” Machina perguntou, intrigada com o motivo de Veltol ter parado.
“Não, não é nada,” ele respondeu, balançando a cabeça. Não havia como aquele homem estar ali neste mundo após cinco séculos.
Veltol tentou se convencer disso. Ele apertou a mão, abrindo e fechando, para se livrar da sensação incômoda e para avaliar seu próprio poder.
“Hmm… Minha mana certamente enfraqueceu muito em comparação com quinhentos anos atrás, tanto em termos de produção quanto de capacidade. Além disso, meu corpo não parece estar à altura dos meus padrões. Parece que entrei no campo de batalha sem armadura, embora me doa admitir.”
“Deve ser porque a fé em você diminuiu, Lorde Veltol…”
“Sim, eu também senti isso. Não sou mais forte que um humano comum. Meu poder como imortal também está enfraquecido. Parece que quase ninguém nesta era sabe quem eu sou.”
A fé era o que seres incorpóreos superiores, como os deuses, precisavam para intervir no mundo material. Esse poder era derivado dos pensamentos ou emoções que uma pessoa despertava nas massas; quanto mais fortes essas emoções, mais poder elas forneciam.
Havia dois tipos de fé: positiva e negativa. Emoções negativas como raiva, tristeza e medo alimentavam seres incorpóreos inferiores, como demônios. Apesar de seus objetivos opostos, ambos os tipos de fé se baseavam nas observações e sentimentos de terceiros em relação a um sujeito.
Veltol, que havia elevado sua alma enquanto mantinha um corpo corpóreo, estava entre deus e demônio, então ele era fortalecido por ambas as formas de fé, positiva e negativa.
Quinhentos anos antes, durante seu reinado como Lorde Demônio, ele recebia fé positiva dos imortais e seus irmãos que o adoravam; os mortais, que espalhavam sua infâmia e terror pelo mundo, forneciam-lhe fé negativa. Ele havia alcançado o tipo de poder que os deuses só podiam sonhar.
“Mesmo os elfos vivem apenas trezentos anos, então aqueles que eram crianças durante seu reinado há muito morreram,” disse Machina. “Você só é mencionado como parte da história, meu senhor. Até os deuses estão começando a ser esquecidos.”
O oposto da fé era o esquecimento, ou até mesmo a apatia.
A fé era determinada por quantas pessoas reconheciam e tinham sentimentos por um indivíduo. A perda de reconhecimento se traduzia em um grande déficit de poder.
Esse era o motivo principal do estado enfraquecido de Veltol. Com quinhentos anos passados, ele havia sido tão esquecido quanto os deuses.
“É o que é,” disse ele. “De qualquer forma, agora tenho vida eterna, é apenas uma questão de recuperar minha fé gradualmente. Agora, Machina, o que os outros Seis Pares das Trevas e nobres estão fazendo? E o Exército do Lorde Demônio?”
Enquanto perguntava, ele olhou para a entrada de um beco estreito no final da rua. Ele viu um ogro, um orc e um teriano envolvidos em uma briga ao redor de um tambor de aço, iluminados como uma fogueira.
“Pelo que vejo, parece que os membros da Aliança de Sangue coexistem em paz,” ele continuou. “O que aconteceu com o tratado?”
A Aliança de Sangue era um tratado que o Exército do Lorde Demônio havia formado com orcs, ogros e terianos. O objetivo era dar tratamento favorável a essas três espécies para que pudessem prosperar juntas.
É claro que esse era apenas um pacto temporário, nascido de interesses alinhados. Tanto os imortais quanto as três espécies planejaram matar os outros enquanto dormiam.
Os mortais eram muito mais numerosos do que seus equivalentes imortais, e a Aliança do Sangue foi formada para preencher essa lacuna.
“A Aliança foi desfeita após a derrota do nosso exército. Os líderes morreram durante a Revolução das Três Lâminas em 1616 d.C., e a população restante se submeteu aos mortais,” disse Machina.
“Entendi.”
“As espécies aliadas ao nosso exército sofreram um tratamento horrível. Ouvi dizer que foram forçadas a trabalhar em escravidão brutal. A discriminação ainda é muito prevalente até hoje, só que não é tão explícita quanto antes.”
“Mm, eu esperava isso.”
Uma característica comum entre as três espécies da Aliança do Sangue era que nenhuma possuía uma grande aptidão para magia. As razões eram muitas: os reservatórios de mana dos orcs, ogros e terianos eram pequenos e sua magitech era rudimentar, um subproduto dos seus padrões educacionais baixos. Como resultado, os outros mortais sempre os desprezaram. Além disso, essas três espécies eram mais robustas e resistentes do que as demais, o que alimentava medo e um senso de inferioridade nos outros mortais. Esses sentimentos apenas serviram como uma prova adicional entre os mortais de que a magia era superior à destreza física.
Foi por isso que Veltol acolheu os orcs, ogros e terianos na Aliança do Sangue. Ele podia imaginar facilmente que acabariam sendo submetidos a outros mortais se ele fosse derrotado e a Aliança fosse desfeita.
“O Reino Imortal concordou com um cessar-fogo com os mortais,” explicou Machina. “Os Seis Lordes das Trevas se reuniram sob Ralsheen da Tempestade Azul e decidiram esperar escondidos até que você fosse revivido. E bem quando restavam menos de cem anos antes da sua ressurreição, os Fantasion destruíram o mundo como o conhecíamos. Também fomos muito afetados pela catástrofe, os cidadãos do Reino Imortal se dispersaram por várias cidades. Então, um ano após a Primeira Guerra das Cidades, várias corporações começaram a liderar um grande movimento em toda a cidade.”
“Que tipo de movimento?”
Machina segurou a língua por um momento. Seus lábios trêmulos sinalizavam que era difícil para ela dizer isso.
Finalmente, ela conseguiu expressar as palavras:
“…A Caça aos Imortais.”
“Caça aos Imortais…?”
“O objetivo era aniquilar ou aprisionar todos os imortais espalhados pelo mundo. Vários imortais produziram diversas conquistas militares durante a Primeira Guerra das Cidades; nosso tipo não morre e tende a ser muito experiente em batalha, então, entre os Earthoids que não conheciam nossa existência e os Alnaethoids que haviam esquecido em grande parte a ameaça que poderíamos representar, nossas conquistas de guerra foram um enorme choque. Durante o período entre guerras, os darklings eram considerados um mal desumano a ser exterminado.”
Essa também era a concepção comum quinhentos anos antes, e mesmo na antiga Alnaeth. Os darklings, sendo imortais, eram temidos pelos mortais como monstros por causa de seu extraordinário poder.
“Resistimos o quanto pudemos, mas os avanços na engenharia mágica levaram à produção em massa de armas anti-imortais. Uma vez que essas se tornaram cada vez mais comuns, os mortais se tornaram imensamente poderosos, e fomos derrotados.”
“O que… aconteceu com os Seis Lordes das Trevas?”
“Eles foram… aniquilados…” respondeu Machina melancolicamente. “Não sei onde May do Firmamento Lamentoso, Sihlwald do Dragão Negro ou Ralsheen da Tempestade Azul estão. Não tenho certeza se foram mortos, ou se estão prisioneiros em algum lugar, ou se ainda estão escondidos. Não consegui confirmar se eles sobreviveram à Caça aos Imortais. Quanto a Zenol, Duque da Espada Kármica, como apenas Ralsheen e eu sabíamos como ativar Methenoel, Zenol atuou como um isca para que eu pudesse escapar da prisão… e ele ficou sozinho no acampamento inimigo…”
May, Sihlwald, Ralsheen, Zenol… Todos eram vassalos de Veltol, imortais que o haviam servido por muito tempo.
Ele pensou que a tristeza de perder alguém era algo que havia deixado no passado. Que sua capacidade de pensar com carinho em alguém havia morrido há muito tempo. E agora, a perda e o vazio pareciam insuperáveis.
“Mas a Caça aos Imortais agora é coisa do passado. O medo dos imortais tem diminuído desde que as Guerras das Cidades terminaram, então não há mais necessidade de ser tão cauteloso hoje em dia. Era muito pior, houve muita traição, e alguns mortais foram até mesmo rotulados arbitrariamente como imortais…”
“A Caça aos Imortais, hein…?”
Então Veltol percebeu que havia uma pessoa sobre a qual Machina não havia falado. Os Seis Lordes das Trevas eram, naturalmente, seis darklings. Os quatro mencionados por Machina, mais ela, totalizavam apenas cinco.
“E quanto a Marcus?”
Marcus, Duque das Artes Sanguinárias.
Ele e Ralsheen ajudavam Veltol em questões políticas. Um elfo negro, Marcus também supervisionava a pesquisa em magitech do Reino Imortal.
“…H-hm… L-Lorde Marcus… é…”
Machina desviou o olhar e começou a mexer os dedos. Era muito claro que ela estava escondendo algo, mas antes que Veltol pudesse dizer uma palavra, Machina gritou:
“E-em todo caso, Lorde Veltol! Você não está com sede?!”
“Huh? Não, não realmente…”
“O ar da cidade pode ser inofensivo, mas é muito sujo para você, senhor! Então! Vou buscar uma bebida para umedecer sua nobre garganta! Por favor, espere aqui um momento!”
“E-espere um segundo, Machina…”
Machina cortou a conversa e correu para a multidão.
Veltol não conseguia dizer se havia algo errado com Marcus ou se Machina simplesmente não queria falar sobre isso, mas ele sabia que ela não mentiria para ele. Ver ela mudar de assunto indicava que ela preferia não dizer nada do que mentir, algo que ele sentia que vinha de seu senso de lealdade.
“Suspiro. O que eu farei com ela?” murmurou Veltol. “Machina não mudou nem um pouco em quinhentos anos.”
Ele se sentiu aliviado por pelo menos ela ter permanecido constante neste mundo que mudara tão drasticamente.
Veltol ficou debaixo de um lampião e olhou ao redor. Ele podia ouvir as pessoas conversando e até mesmo os vendedores gritando para vender suas mercadorias.
Ao norte da rua principal estava o marco sempre visível: o reator aético.
Uma tela holográfica que cobria um lado de um prédio estava exibindo um anúncio de um veículo voador. A música era alta, mas cativante.
“Torne-se um com o vento e deixe o tempo para trás. Sempre pronto para enriquecer sua vida, a IHMI apresenta o vencedor do prêmio Shinjuku FVotY: o Vagen 07.”
A tela mostrava os adoráveis avatares do trio de ídolos virtuais mais populares andando no veículo voador em um túnel cheio de luzes psicodélicas.
“Huh… Então é o mesmo princípio que a projeção de imagem…? Mas algo tão grande e detalhado… Com certeza deve ser um desperdício de mana…?”
Veltol observou pasmo, quando uma viatura policial preto e branco, com as palavras “Polícia de Shinjuku” escritas em japonês, passou, com sirenes tocando e luzes vermelhas piscando.
“Hmm…?”
Então ele olhou ao redor. Sentiu uma leve distorção no aether.
Era uma variação pequena o suficiente para que uma pessoa normal não percebesse. Mesmo com seu poder reduzido, a sensibilidade aetherial do Lorde Demônio não havia perdido seu fio.
Ele se virou para ver uma garota com uma roupa estranha, embora, para ele, todos estivessem vestindo roupas estranhas.
Seu cabelo preto era curto, e uma mecha de suas franjas estava tingida de vermelho. Ela usava um qipao vermelho com bordados dourados e uma jaqueta curta de anão, junto com um par de sapatos confortáveis. Em sua cabeça, usava um par de óculos de sol redondos.
O cabelo dela era preto, os olhos marrons, as orelhas arredondadas e a pele pêssego, características de humanos do Oriente. Ela parecia ter cerca de dezessete ou dezoito anos. Seus traços graciosos, olhos fortes e a postura geral lhe davam uma aura enérgica.
A garota estava encostada em uma cerca de ferro, olhando fixamente para o anúncio exibido no display holográfico.
Os cantos de sua boca se curvaram em um sorriso.
De repente, a tela ficou preta. Um logo funky de um crânio de coelho apareceu por um segundo antes que a tela voltasse a ficar preta. Então começou a tocar algo totalmente diferente do que antes: um anúncio de um site de vídeo pornográfico.
“Ahn! Mmm! Ah! Ahhh!”
Gemidos sensuais ecoaram pela cidade em alto volume, acompanhados de nudez sem censura.
Os transeuntes não puderam deixar de parar e olhar, devido à repentina mudança. “Uau, o que foi isso?”
“O que é essa pornografia? O vídeo bugou?”
“Acho que foi hackeado.”
“Mamãe, o que eles estão fazendo?”
“Não olhe!” As multidões estavam agitadas.
Enquanto isso, uma pessoa em particular não estava assistindo ao vídeo, mas aplaudia e ria da confusão resultante: a garota que Veltol acabara de olhar.
Ele se aproximou da garota enquanto ela se segurava de tanto rir, e a cumprimentou em élfico com um forte sotaque Elderish:
“Ei, senhorita.”
“Huh?” Seus ombros se mexeram e ela olhou ao redor. “Você, com o cabelo preto.”
“E-eu?”
“Exatamente.”
Ela apontou para o próprio rosto, e Veltol assentiu magnanimamente.
Seus olhos se moviam de um lado para o outro enquanto ela perguntava, claramente muito desconfiada, “O que é?”
“O que você acabou de fazer?” Ele cruzou os braços e apontou para a tela com o queixo.
“Huh? O que você quer dizer? Não tenho ideia do que está acontecendo! Provavelmente é apenas um bug ou algo assim.”
Ela colocou as mãos atrás da cabeça, cruzou as pernas e olhou para o horizonte assobiando uma melodia monótona.
“Não diga tais falsidades na minha presença. Esse vídeo mudou após uma perturbação no éter na sua proximidade. Você foi a única cuja aura de éter vacilou, e a única que direcionou sua atenção para aquela tela. Claro que você deve ter feito algo.”
A garota parecia ainda mais suspeita e chocada. “…Você pode dizer que eu hackeei a partir de uma perturbação no éter…? De jeito nenhum. Nem mesmo os magos conseguem sentir tanto… O que exatamente você é?”
“Hmph. Não é óbvio? A ignorância é um pecado, mas eu te perdôo. Hoje é um feriado nacional, celebração do meu renascimento.”
“Uh, tenho certeza de que é apenas um dia comum da semana…”
“Portanto, eu te concedo perdão.”
“Ok, ok, tanto faz. Apenas me diga quem você é.” ela exigiu, obviamente muito irritada.
Veltol não prestou atenção à maneira como ela o encarava. Ele levantou os braços para o céu, com os olhos fechados, e anunciou:
“Eu sou o Lorde Demônio.”
“Você está falando sério agora?”
“Certamente você ao menos reconhece meu rosto.”
“Uh, não…” Veltol olhou para ela incrédulo, então imediatamente suspirou e deu de ombros.
“Então você vai me denunciar à Guarda da Cidade?” a garota perguntou. “Salve-se do vazio senso de justiça. Aqueles bastardos não te darão nada em troca.”
“Não estou muito certo se entendi, mas pode ficar tranquila que não vou te entregar a nenhum tipo de aplicação da lei.”
A garota parecia aliviada ao ouvir isso. “Então o que você quer?”
“Que tipo de magia foi aquela agora há pouco? Posso dizer que você usou o éter para mudar a imagem projetada naquela tela, mas não entendo o princípio envolvido. Você usou uma técnica mágica além da minha compreensão, então despertou meu interesse. Você deve ser bastante habilidosa para eu não conseguir descobrir como funciona à primeira vista. E posso dizer que você está confiante em suas habilidades pela maneira como se comporta.”
As bochechas da garota relaxaram em um sorriso desajeitado, satisfeita com o elogio de Veltol. “Ah, não é tão grande coisa. Eu apenas fiz um pequeno hacking!” ela disse.
“Hacking…?”
“Sim. Hacking de éter. Isso pode te surpreender, mas eu sou na verdade uma hacker de éter, o que significa que estou sempre arriscando minha vida pelo meu trabalho. De qualquer forma, aqueles holodisplays da IHMI são super comuns aqui em Shinjuku, e todos eles têm uma falha de segurança fatal na lógica técnica. Eu apenas aproveitei isso para trocar o vídeo por um pornô. O truque real é bem simples, o que é difícil é encontrar essa vulnerabilidade no sistema porque você basicamente precisaria ser um gênio como eu, sabe? Ah, mas não me entenda mal, eu não fiz isso só por curiosidade ou tédio ou como uma brincadeira ou qualquer coisa. A questão é que a IHMI está sempre tentando censurar a internet ou colocar filtros nela, e eu, acho que a internet é o único lugar verdadeiramente livre por aí, então a IHMI é basicamente meu inimigo. Quero dizer, sim, eu faço essas coisas como parte de um protesto social maior. Eu sou praticamente a personificação do punk, rebelando-me contra essa sociedade podre em que vivemos.”
“Eu… eu entendi…”
“Sim. Então, como eu disse, um hacker médio não encontraria esse ponto fraco, mas essa super gênio hacker conseguiu localizá-lo e explorá-lo. Além disso…”
A garota continuou falando a mil por hora. Veltol estava cada vez mais confuso, então tentou interromper: “Ah, a propósito…”
“Então o algoritmo de flutuação técnica… O quê? Eu estava apenas chegando à parte boa.” Veltol teve que fazer ela parar, caso contrário, ela nunca calaria a boca. “Você conhece um homem chamado Marcus?” ele perguntou.
“Marcus?” Considerando toda a situação da Caça aos Imortais, Marcus ainda poderia estar escondido em algum lugar se estivesse vivo. Não que Veltol tivesse grandes esperanças de que essa garota aleatória que ele acabara de conhecer soubesse sobre o homem.
Então, contra todas as probabilidades, ele recebeu uma resposta inesperada:
“Oh, você quer dizer o diretor da IHMI? Sim, eu sei sobre ele.”
“O quê…?”
“Olhe ali.”
Ela apontou para uma grande torre de calcário de arquitetura neo-élfica à distância.
“Aquela é a sede da IHMI. Você pode encontrá-lo lá. Quero dizer, ele é o chefe da empresa, então é um cara bastante famoso.”