Kill the Sun – Capítulos 101 ao 110 - Anime Center BR

Kill the Sun – Capítulos 101 ao 110

Vol. 5 Cap. 101 Percepção

Nick não estava acostumado ao peso extra em suas pernas e braços, mas estava se adaptando aos poucos.

Como ninguém podia vê-lo no momento, a velocidade de Nick era incrivelmente rápida, considerando que ele estava usando 20 kg em cada membro.

O metal era incrivelmente resistente, o que explicava o peso.

Sua densidade era algo impressionante.

Nick continuou socando e chutando o ar por algum tempo, e, gradualmente, seus movimentos mudaram.

Ele havia começado de maneira apática, mas, quanto mais atacava, mais raiva acumulava.

Depois de alguns minutos, seus ataques ficaram bastante agressivos, e ele até começou a respirar pesadamente.

Inicialmente, Nick só queria matar um pouco de tempo até Wyntor chegar, mas agora ele realmente queria ver quão fortes seus ataques podiam ser.

“Queria ter algo para golpear!”

“Faz tempo que não consigo dar um soco ou chute com toda a minha força.”

A frustração se juntou à raiva de Nick quando ele percebeu que não havia nada para bater.

Claro, ele poderia socar a Unidade de Contenção do Sonhador, mas havia dois problemas com isso.

Primeiro, embora as lâminas em seus pulsos fossem muito duráveis, perfurá-las em algo tão implacável quanto uma Unidade de Contenção de nível dois poderia desgastá-las.

Isso não era um problema para a parte de trás das lâminas ou para os suportes em suas canelas, mas uma lâmina era muito mais frágil perto de suas bordas.

O outro problema era o próprio Sonhador.

Embora fosse um prisioneiro, ainda era importante tratá-lo com certo respeito.

Não porque ele merecesse, mas porque trabalhar com alguém cooperativo era muito mais fácil do que lidar com alguém irritado ou resistente.

Se Nick começasse a golpear constantemente a Unidade de Contenção do Sonhador, ele poderia decidir ser menos cooperativo a partir de então.

Quanto às paredes do armazém…

Nick olhou para o aço inoxidável que compunha o armazém.

O aço era ótimo e muito duro, mas, se Nick o socasse com sua força e algo tão durável quanto suas armas, ele ainda poderia quebrar ou amassar o material.

Infelizmente, por enquanto, Nick só podia socar e chutar o ar.

— Uou! — exclamou Nick ao perder o controle de seus braços.

A força por trás de seu ataque foi tão grande que ele acabou sendo puxado junto, caindo no chão e deslizando um pouco.

Quando parou, Nick levantou lentamente o braço, mas movê-lo parecia muito mais difícil.

Era como se os pesos em seus braços tivessem se multiplicado.

Naturalmente, Nick sabia o que isso significava.

Ele se virou para a porta do armazém.

Como sua habilidade havia acabado de se desativar, isso significava que alguém tinha que estar observando-o naquele momento.

No entanto, surpreendentemente, não havia nada próximo à entrada do armazém.

Nick franziu o cenho e olhou ao redor.

Ele não conseguia ver ninguém.

Foi então que sua habilidade se reativou.

Nick sabia o que isso significava.

“Alguém estava me observando agora, mas recuou”, pensou Nick enquanto analisava o ambiente.

“Minha habilidade ficou desativada por quase dez segundos. Se algum dos Espectros tivesse me ouvido, ela teria reativado muito antes, já que localizar alguém pelo som é algo momentâneo.”

“Isso significa que estavam me vendo.”

Nick estreitou os olhos, pensando sobre quem poderia estar o observando.

Quem quer que fosse, não estava ali com boas intenções.

“Preciso contar a Wyntor depois”, pensou Nick enquanto voltava a socar o ar.

Nick não queria parecer que havia notado algo.

Sim, ele tinha olhado ao redor como se estivesse procurando por algo, mas isso poderia ser por qualquer motivo.

Talvez Nick estivesse planejando algo e quisesse se certificar de que ninguém estava observando-o.

Alguns minutos depois, a habilidade de Nick se desativou novamente, mas, dessa vez, ele foi cuidadoso para não usar muita força.

Por isso, ele não caiu, e seu soco se transformou em um movimento lento e desajeitado de suas mãos.

Claro, Nick agiu como se fosse intencional.

A vantagem da habilidade de Nick era que ninguém podia ver seu verdadeiro poder.

Sempre viam apenas ele se movimentando desajeitadamente com suas armas pesadas ou caindo.

Nick continuou a socar lentamente, sem olhar muito ao redor.

Ele estava agindo como se pensasse estar sozinho.

“Como esperado, minha habilidade ainda está desativada”, pensou Nick depois que 30 segundos se passaram.

Isso confirmou sua suspeita.

Alguém estava observando Nick naquele momento.

Após mais alguns segundos, Nick se inclinou para frente, apoiando os braços pesados nos joelhos enquanto respirava com dificuldade, exausto.

Nick poderia continuar, mas agiu como se não pudesse.

Nos segundos seguintes, seus olhos se moveram rapidamente pelo chão do armazém.

Ironicamente, Nick não estava procurando pelo observador.

Depois de respirar pesadamente por dez segundos, sua suspeita foi confirmada.

“Abaixando minha cabeça de exaustão e olhando ao redor, meu perseguidor teria recuado imediatamente se estivesse me observando debaixo do chão. Eles ficariam com medo de que eu os notasse acidentalmente.”

“Mas, como minha habilidade ainda está ativa, significa que eles não se sentem ameaçados pelo que estou olhando agora, que é o chão.”

“Portanto, eles não estão abaixo do chão.”

Um pouco depois, Nick se endireitou e esticou as costas, olhando para cima.

Assim que Nick deu sinais de que iria se alongar e olhar para cima, sua habilidade se desativou imediatamente.

“No telhado, talvez?” pensou Nick. “Embora também possa ser em algum lugar aqui dentro.”

Depois disso, Nick caminhou pelo local, olhando os consoles das Unidades de Contenção.

Dez minutos depois, sua habilidade se desativou novamente, e Nick estreitou os olhos.

— Você chegou cedo.

A expressão de Nick relaxou quando ouviu a voz de Wyntor vindo da entrada do armazém.

Virando-se lentamente, Nick olhou para o relógio central.

5:37h.

Wyntor olhou para Nick com uma sobrancelha levantada.

Mais uma vez, Nick estava agindo de maneira incomum.

Ontem, parecia muito inseguro, e agora, parecia bastante frio e sério.

— Precisamos conversar — disse Nick.

Vol. 5 Cap. 102 Espião

Wyntor ficou um pouco surpreso ao perceber a convicção com que Nick queria falar com ele.

“Parece que o dia de folga ajudou com os problemas dele”, pensou Wyntor.

— Claro, entre — disse Wyntor enquanto se dirigia ao seu escritório para abrir a porta.

Depois de abrir o escritório, Wyntor colocou suas coisas de lado e sentou-se à sua mesa.

Nick também se sentou, olhando para Wyntor com uma expressão séria.

— Alguém estava me observando do telhado, provavelmente há uns 30 minutos — disse Nick.

Ao ouvir isso, Wyntor franziu as sobrancelhas. — Explique.

— Cheguei mais cedo e estava entediado, então resolvi treinar um pouco com as armas — disse Nick, mexendo seus braços pesados.

— Depois de treinar por um tempo, senti minha habilidade se desativar e, após testar algumas coisas, concluí que alguém provavelmente estava olhando através de um dos muitos buracos no teto por onde entra luz do sol.

Wyntor assentiu. — Como descobriu que estavam olhando pelo teto?

— Eles não desviaram o olhar quando olhei para o chão, mas desviaram imediatamente quando olhei para o teto — respondeu Nick.

Wyntor assentiu com uma expressão interessada. — Nunca tinha pensado em usar sua habilidade dessa forma. Sempre vi isso como uma fraqueza, mas, de certo modo, você pode descobrir se alguém está te observando e até de onde.

— Na verdade, há muito potencial nesse tipo de habilidade.

Nick não parecia muito animado, mantendo a expressão séria e inalterada.

Depois do que havia acontecido nos últimos dias, Nick não estava mais tão interessado em brincar ou rir.

— E sobre o espião? — perguntou Nick.

— Certo — respondeu Wyntor com calma. — Tenho quase certeza de onde eles são, e você provavelmente também sabe.

Nick estreitou os olhos. — Ardum? — perguntou.

Wyntor assentiu. — Os outros Fabricantes ainda não se importam o suficiente conosco para nos espionar, e também não querem incomodar minha família. Ficaria muito surpreso se o espião fosse de outro lugar.

— Mas, se for Ardum, não seria surpresa — acrescentou Wyntor com um suspiro. — Cada herdeiro que consegue ganhar dinheiro suficiente para comprar uma parte da Kugelblitz é mais uma pessoa dividindo a herança da família Melfion.

— Três dos meus irmãos mais velhos já passaram em seus testes e estão trabalhando na Kugelblitz. Eles não são exatamente fãs da ideia de eu tentar conseguir uma parte da herança, mas também não são do tipo que agiria contra o irmão mais novo.

— Mas Ardum… — disse Wyntor, deixando a frase inacabada. — Ele sempre age como se fosse confiante e carismático, mas na verdade quase não tem nada que sustente essa confiança.

— Ele é arrogante e acredita que todos os outros estão abaixo dele. Quando alguém alcança sua posição, ele faz questão de colocá-los em seus lugares. Afinal, eles não merecem estar no mesmo nível que ele.

Nick escutava com uma expressão solene. — O que podemos esperar?

— Depende de nossas ações — respondeu Wyntor. — Se não fizermos nada, o espião continuará entregando informações a Ardum, e ele provavelmente tentará tornar nossas vidas mais difíceis.

— Se quebrarmos as leis, ele avisará os guardas. Se tentarmos capturar um Espectro, ele pode aparecer com sua equipe de Extratores mais fortes.

— Porém, ele não nos atacará diretamente — acrescentou Wyntor. — No momento, é como se estivéssemos discutindo. Numa discussão, a primeira pessoa a recorrer à violência admite que perdeu. Afinal, se pode se defender com palavras, por que precisaria usar as mãos?

— Mas, se decidirmos atacar o espião e matá-lo, seria como dar um soco no rosto de Ardum, e ele revidará com a mesma força.

— Justiça e equidade não importam nesse caso. Ele foi atingido, e mesmo que mereça, ele revidará.

Nick ouviu Wyntor com as sobrancelhas franzidas.

Então, pensou em Jenny e Trevor.

Eles tinham armas agora, mas ainda eram inexperientes em usá-las e, além disso, suas habilidades não eram adequadas para combate.

Se tivessem que enfrentar os Extratores de Ardum, estariam em grande desvantagem.

O único que realmente poderia lutar era Nick.

Nick havia enfrentado muitas pessoas nos Dregs e também já matara várias.

Ainda mais, desde que o inimigo não visse Nick, sua habilidade era incrivelmente poderosa.

Também era importante lembrar que os Extratores de Ardum provavelmente estavam na mesma situação.

Ardum tinha um Adolescente e apenas dois Filhotes.

Seus Extratores provavelmente eram tão inexperientes em matar humanos quanto os Extratores da Sonho Sombrio.

Todos ainda eram novos nesse trabalho.

— O que você sugere? — perguntou Nick.

— Já tenho uma espécie de plano — respondeu Wyntor calmamente. — Estou mais interessado no que você faria. Quero saber se chega à mesma conclusão que eu.

— Por quê? — perguntou Nick, desconfiado. Desde que Wyntor revelou que vinha testando Nick secretamente, ele ficara mais cauteloso com suas perguntas.

— Isso não é um teste — disse Wyntor, percebendo a desconfiança de Nick. — Só quero ver se meu plano é o mais lógico. Se você chegar à mesma conclusão, isso fortalece minha ideia.

Nick ergueu uma sobrancelha, mas sua desconfiança diminuiu.

Então, começou a pensar na coisa mais inteligente a fazer.

Numa batalha, eles perderiam.

Se tomassem a iniciativa e atacassem os homens de Ardum, também perderiam.

Se não fizessem nada, ficariam em desvantagem.

“O maior problema é que ninguém está acostumado a lutar contra outras pessoas. Os outros ainda são muito novos nisso.”

O olhar de Nick foi instintivamente para o teto.

“Mas eu realmente quero matar esse cara.”

— Não fazer nada até que todos se acostumem mais com suas armas. Preparar-se em segredo. Então, matamos o espião e observamos como as coisas se desenvolvem — disse Nick.

Wyntor assentiu, e um leve sorriso surgiu em seus lábios.

— Similar ao meu plano.

— Bom.

Vol. 5 Cap. 103 Escolha Difícil

— Por enquanto, não estamos prontos para enfrentá-los — disse Wyntor. — Precisamos ficar mais fortes primeiro.

— Mas também não podemos simplesmente ignorar o espião. Se o ignorarmos, ele pode fazer algo grave, como libertar o Sonhador.

— Por isso, vou começar a contratar guardas.

Nick franziu as sobrancelhas. — Guardas? Não acho que eles possam enfrentar um Extrator Zephyx.

— Esse não é o motivo principal — respondeu Wyntor. — Um guarda só precisa sobreviver tempo suficiente para alertar alguém da Sonho Sombrio.

— Embora o espião possa estar planejando algo, como libertar o Sonhador, ele não ousará iniciar abertamente uma guerra com a Sonho Sombrio ainda.

— Você não sabe como os Fabricantes interagem, mas atacar alguém diretamente é algo malvisto. Oficialmente, atacar outro Fabricante é considerado como atacar a humanidade, já que os Fabricantes são responsáveis por conter os Espectros.

— Claro, em segredo, todos os Fabricantes estão em conflito entre si, e, se um confronto acontecer, os investigadores geralmente agem como se ambos os lados estivessem errados ou simplesmente ignoram, a menos que seja óbvio demais o que ocorreu.

— Se o espião for descoberto e capturado, as forças da Cidade Fungo Carmesim ficarão do nosso lado, e Ardum terá que abandonar seu peão ou pagar uma multa pesada.

— Por isso, Ardum não se atreverá a enviar suas forças para nos perturbar, desde que tenhamos alguns guardas.

Nick ouviu atentamente. — Quando você contratará os guardas?

— Hoje mesmo — respondeu Wyntor. — Com o aumento na produção de Zephyx, graças ao Caixão Gritante, posso me dar ao luxo de contratar alguns guardas. Custará pouco mais de mil créditos por dia.

Nick assentiu.

Então, respirou fundo, mas não disse nada.

Wyntor ergueu uma sobrancelha.

Nick parecia querer falar algo.

— Sim? — perguntou Wyntor, num tom expectante.

Nick fechou os olhos e respirou fundo novamente.

— Acho que não consigo mais cuidar de Horua — disse Nick. — Tem sido tão difícil, e percebi que isso começou a interferir com minhas responsabilidades.

— Sei que sou o responsável, e que Horua ficou assim inteiramente por causa do meu erro, mas não posso continuar dessa forma.

— Preciso de alguém que possa cuidar dele — concluiu Nick, com um tom cheio de vergonha.

Nick sentia como se tivesse desistido.

Sentia como se estivesse fugindo de sua responsabilidade.

— É bom que tenha tomado essa decisão — disse Wyntor. — Para ser honesto, eu preferiria que outra pessoa cuidasse do garoto em vez de você.

— Preciso de você completamente focado em sua posição.

Nick soltou um suspiro, mas não estava aliviado.

Ele apenas sentia vergonha.

— Nick — acrescentou Wyntor, fazendo Nick levantar o olhar novamente. — Mas acho que você ainda não está considerando o quadro completo.

Nick franziu as sobrancelhas.

— Quantos anos o garoto tem? — perguntou Wyntor.

— Ele fará doze em breve — respondeu Nick.

Wyntor assentiu. — E ele está nesse estado há quanto tempo?

— Uns três meses, mais ou menos — disse Nick.

— Três meses — repetiu Wyntor. — E ele tinha onze anos quando ficou assim.

— Nick, três meses para um garoto de onze anos é muito tempo.

— Ele provavelmente cresceu alguns centímetros nesse período, e seus músculos também atrofiaram bastante.

— Só para se recuperar desses três meses levaria mais alguns meses.

— No total, ele já perdeu meio ano com isso.

Nick ficou nervoso. — O que está tentando dizer?

— Estou dizendo que o tempo de ser passivo acabou, Nick — disse Wyntor. — Por quanto tempo você vai deixar o garoto nesse estado? Um ano? Dois anos? Três anos?

— Quanto tempo até que ele nem reconheça quem é ao se olhar no espelho?

— Você vai deixá-lo passar toda a infância nesse estado? — perguntou Wyntor.

Nick estreitou os olhos. — Eu o ajudaria se pudesse! — gritou. — Não aja como se eu me recusasse a ajudá-lo!

— Nick — disse Wyntor. — Já se passaram três meses. Não fazer nada não vai ajudá-lo. Você quer que ele passe o resto da vida assim?

— O que você quer que eu faça? — perguntou Nick, com medo e irritação.

Mas, na verdade, Nick já sabia o que Wyntor queria.

Ele só não queria aceitar fazer isso.

— O Sonhador foi quem o colocou nesse estado — disse Wyntor. — Talvez o Sonhador possa ajudá-lo a sair disso.

— O Sonhador vai matá-lo! — gritou Nick. — Espectros não têm empatia, e, se o Sonhador vir uma oportunidade para matar Horua, ele o fará!

— Então, por que o Sonhador recuou antes de o garoto começar a ter convulsões? — perguntou Wyntor. — Você me disse que o Sonhador se afastou antes que as coisas ficassem ruins.

— Parece que o Sonhador não queria matá-lo.

— Nick, embora seja verdade que os Espectros não tenham empatia, também é verdade que eles são inteligentes e fazem o que é melhor para eles.

— Se o Sonhador souber que despertar o garoto é a melhor coisa a fazer, ele o fará.

— Ele tem trabalhado conosco por três meses e não quer arruinar nossa confiança nele matando uma criança aleatória.

— Ele vai fazer o melhor que puder. Mesmo que seja só para ganhar mais confiança de nossa parte, na esperança de conseguir uma oportunidade de escapar da Unidade de Contenção algum dia.

Nick rangeu os dentes.

O Sonhador havia causado o estado de Horua.

Mandar Horua de volta ao Sonhador só poderia ser ruim.

Nada de bom poderia sair disso.

No entanto, Nick também não podia negar as palavras de Wyntor.

Horua não podia viver assim.

“Se Horua pudesse falar, o que ele escolheria?”, pensou Nick.

Silêncio.

Wyntor apenas olhou para Nick, enquanto este olhava para a mesa com uma expressão ausente.

Alguns segundos depois, Nick colocou a cabeça entre as mãos.

Ele sabia o que Horua escolheria.

Vol. 5 Cap. 104 Arriscando

“Ele iria querer correr o risco”, pensou Nick.

“Mas, se algo acontecer…”

Nick não conseguia imaginar como se sentiria se Horua realmente morresse.

Nesse ponto, tudo o que Nick havia feito seria em vão.

Ele cuidou de Horua por três meses, mas, se Horua morresse agora, todos os esforços de Nick seriam inúteis.

Isso significaria que corrigir seus erros do passado seria impossível.

Se Horua acordasse, Nick poderia, ao menos, tentar compensar seus erros anteriores.

Mas, se ele morresse, isso se tornaria impossível.

E ainda assim, Wyntor estava certo.

Essa não era uma vida que Horua gostaria de viver.

Se Horua pudesse se ver, provavelmente diria a Sentença.

Todos os dias, Horua urinava e defecava nas calças, dependia de outras pessoas para tudo.

Se estivesse consciente, Horua acharia essa monotonia, humilhação e tédio eterno pior do que a morte.

Essa não era uma vida que ele gostaria de viver.

Mas, se Horua morresse, isso recairia sobre Nick.

Afinal, Nick estava, essencialmente, tomando decisões por Horua.

Se Nick não concordasse, Horua não seria levado ao Sonhador.

— Não faça a coisa errada porque é fraco demais para fazer a coisa certa — disse Wyntor.

O peito de Nick estremeceu.

“Está certo”, pensou Nick com dor. “Sei que Wyntor está certo, e também sei o que Horua escolheria.”

“Ainda assim, continuo hesitando.”

“Por quê? Porque não suporto pensar em como me sentirei se Horua morrer.”

Nick respirou fundo.

— Você está certo — disse, olhando para Wyntor.

Nick tentou demonstrar que havia tomado sua decisão com convicção, mas sua ansiedade e nervosismo ainda transpareciam.

Wyntor assentiu. — Bom — disse. — Nick, essa não é uma vida que o garoto gostaria de viver. Você tomou a decisão certa.

Nick respirou fundo e assentiu novamente. — Só espero que ele não morra.

— E, mesmo que morra — disse Wyntor — você ainda terá tomado a decisão certa.

— Mesmo que o garoto morra por causa do Sonhador, você saberá que, ao menos, tentou melhorar a vida dele.

Nick rangeu os dentes, mas assentiu.

Sabia que aquilo era o certo, mas a ideia de Horua morrer ainda o assustava.

— Quando você quer fazer isso? — perguntou Wyntor.

Nick respirou fundo novamente. — Não importa. Para Horua, não faz diferença quando isso acontece. A vida dele é perfeitamente monótona.

— Melhor fazer isso agora mesmo — disse Nick, com a voz trêmula.

— Tudo bem — respondeu Wyntor. — Então vá buscá-lo. Vou acordar Trevor.

Nick assentiu, rangeu os dentes e saiu do escritório.

Seus sentimentos estavam à flor da pele, mas sua determinação os mantinha sob controle por enquanto.

Nick sentia que estava fazendo a coisa errada.

E se algo acontecesse?!

E se Horua morresse?!

E se Nick tivesse, essencialmente, matado Horua?!

Ainda assim, sua racionalidade continuava dizendo a seus sentimentos que aquilo era o certo, independentemente do resultado.

Mas isso não tornava a decisão mais fácil.

Nick subiu as escadas distraidamente até o quarto de Horua.

Nick desejava que houvesse mais escadas.

Depois de abrir a porta e atravessar o corredor, ele entrou no quarto de Horua.

Agora, Horua estava dormindo e limpo.

Quem quer que Wyntor tivesse contratado cuidara bem dele durante a noite.

Quando Nick viu Horua, respirou fundo e caminhou até ele.

— Horua, acorde — disse Nick, enquanto o sacudia levemente.

Depois de abrir um pouco as pálpebras de Horua para acordá-lo, Nick lentamente ergueu o corpo frágil e leve de Horua.

Horua havia perdido muito peso nos últimos três meses.

— Hoje, vamos mudar sua vida — disse Nick suavemente. — Para melhor ou para pior.

— Viver assim não é o que você quer, e eu sei que, se pudesse falar comigo, você também faria essa escolha.

— Precisamos correr um risco. Nesse estado, você pode muito bem estar morto. Deixá-lo assim não seria muito diferente de matá-lo.

— Você merece uma chance, e nós vamos te dar uma!

Nick abriu a porta do quarto de Horua enquanto saía com cuidado.

— Só espero que eu possa ter uma conversa real com você quando o dia acabar.

Nick respirou tremulamente. — E também espero que, um dia, você possa me perdoar pela minha estupidez.

Enquanto descia as escadas, sentia como se estivesse caminhando em direção à sua execução.

Seus sentimentos gritavam que ele estava fazendo a coisa errada, mas sua racionalidade gritava de volta que era o certo.

Os humanos não são máquinas, e muitas vezes seus sentimentos estão em oposição direta à lógica.

Todo ser humano enfrenta batalhas entre o que a mente acredita ser certo e o que o coração acredita ser certo.

Nick saiu do hotel, e o corpo de Horua sentiu o contato com o exterior pela primeira vez em três meses.

Mas, poucos momentos depois, Nick entrou na Sonho Sombrio com Horua.

Ao entrar no armazém, viu Trevor ao lado da Unidade de Contenção do Sonhador com uma expressão preocupada.

Nick apenas caminhou até a Unidade de Contenção.

— Nick, você está fazendo a coisa certa — disse Trevor, e Nick parou de caminhar. — Eu não gostaria de viver uma vida assim.

As sobrancelhas de Nick relaxaram um pouco. — Obrigado, Trevor.

Trevor assentiu. — Não se preocupe. Vai dar certo. O Sonhador não vai se atrever a matar o garoto.

Nick assentiu sem dizer nada e atravessou a entrada dos funcionários.

Ao entrar, viu Wyntor parado em frente ao Sonhador.

Assim que Nick entrou, o Sonhador se virou para olhar para ele.

E então focou em Horua.

Nick franziu as sobrancelhas, respirou fundo e caminhou em frente.

— Sonhador — disse Nick, parando em frente a ele.

O Sonhador não respondeu, apenas continuou olhando para Horua.

— Estou pedindo sua ajuda — disse Nick.

— Este garoto não consegue mais interagir com o mundo exterior, e eu sei que você pode entrar em sua mente.

Nick respirou fundo e colocou Horua no chão, diante do Sonhador.

O Sonhador continuava olhando para Horua.

— Por favor, salve-o — disse Nick, com a voz trêmula.

— Mostre-me que minha confiança em você não está equivocada.

— Por favor, faça-o acordar.

— Traga-o de volta para mim.

O Sonhador apenas continuou olhando para Horua.

Vol. 5 Cap. 105 Acorde!

Nick olhou para o Sonhador com um olhar implorante.

Ele apenas esperava que Horua não morresse.

Se Horua morresse…

Nick não sabia o que faria.

Nos últimos dias, ele já vinha se sentindo péssimo, e ser a razão da morte de Horua só pioraria as coisas.

Nick deu alguns passos lentos para trás, mostrando ao Sonhador que não tinha a intenção de atacá-lo.

O Sonhador lentamente se virou para olhar para o garoto deitado à sua frente.

Em seguida, virou-se novamente para olhar para Nick.

— Por favor — repetiu Nick.

Depois disso, o Sonhador olhou para Wyntor.

— Faça — disse Wyntor com um aceno de cabeça.

Por fim, o Sonhador focou novamente no garoto.

Um momento depois, deu um passo à frente e abaixou a cabeça para olhar diretamente nos olhos de Horua.

Os olhos de Horua estavam entreabertos, encarando o teto de forma vazia.

O Sonhador continuou focado em Horua.

Alguns segundos depois, os olhos de Horua se fecharam sozinhos.

Ao ver isso, Nick ficou animado.

Horua não conseguia fechar os olhos por conta própria, mas, agora, ele os havia fechado!

Horua ainda estava vivo!

O fato de ele conseguir fechar os olhos significava que ainda estava ali, de alguma forma.

O coração de Nick começou a bater mais rápido conforme o tempo passava.

Alguns minutos de silêncio se arrastaram.

Para Nick, esses minutos pareceram horas.

— Ugh…

Os olhos de Nick se arregalaram ao ouvir um gemido vindo de Horua.

A voz de Horua soava incrivelmente rouca e áspera, o que era esperado após mais de três meses sem falar.

Mas o importante era que Horua tinha realmente emitido um som!

— Argh… — gemeu Horua, dessa vez de dor.

Enquanto o gemido anterior era de desconforto, este era claramente de sofrimento.

Parecia que Horua estava tentando conter um grito.

Infelizmente…

— AAAAAAAHHHH!

Os olhos de Nick fixaram-se intensamente em Horua enquanto ele gritava de pura agonia.

Em toda sua vida, Nick nunca havia ouvido um humano gritar com tanta dor!

O único grito mais intenso vinha do Caixão Gritante.

Preocupado que Horua pudesse morrer, Nick avançou.

— Nick, pare! — gritou Wyntor, colocando o braço à frente de Nick.

Nick mal conseguia ouvir a voz de Wyntor por causa do grito alto e aterrorizante de Horua.

— Ele sabe o que está fazendo! — gritou Wyntor. — Confie que ele sabe qual é o curso de ação ideal para sua sobrevivência!

O corpo de Nick tremeu.

— AAAAAAHHHHH!

O grito de Horua era aterrorizante, e Nick sentia vontade de socar o Sonhador ou simplesmente fugir.

De qualquer forma, ele sentia que precisava fazer algo!

De repente, sangue jorrou da boca de Horua enquanto suas cordas vocais se rompiam, deixando escapar mais sangue.

— PARE! — gritou Nick com toda sua força.

Nick estava prestes a empurrar Wyntor para o lado quando o Sonhador finalmente virou a cabeça para olhar diretamente para Nick. Seu corpo ainda estava inclinado sobre Horua.

O olhar intenso, mas morto, do Sonhador focou nos olhos de Nick enquanto Horua continuava gritando em agonia.

— Nick, pare… ugh!

Wyntor foi empurrado para o lado por Nick, que correu em direção ao Sonhador.

Quando o Sonhador viu Nick se aproximar, ele saltou rapidamente para trás e pousou em um canto da sala.

Num instante, Nick se colocou entre Horua e o Sonhador.

Nick queria muito atacar o Sonhador, mas, como ele já havia recuado, o problema imediato parecia resolvido.

Então, ele se virou e focou em Horua.

Foi quando Nick viu os olhos de Horua se arregalarem de terror e agonia.

Os olhos de Horua estavam completamente vermelhos de sangue, e seu corpo inteiro estava rígido, com todos os músculos contraídos.

Seu grito havia se tornado silencioso, mas sua boca ainda estava aberta, refletindo perfeitamente alguém gritando de dor.

Mas o mais chocante de tudo foi que Nick viu as pupilas de Horua se movendo rapidamente.

Ele estava acordado!

— Horua! — gritou Nick enquanto se ajoelhava ao lado de Horua para segurar sua mão. — Está tudo bem! Você está acordado!

No entanto, Horua não percebeu Nick e continuou focado no teto enquanto todo seu corpo permanecia rígido.

— Horua! — gritou Nick novamente, apertando a mão de Horua com mais força.

Isso pareceu funcionar, e as pupilas de Horua pareciam lutar e se esforçar para focar em Nick.

O tempo parecia ter parado enquanto Nick olhava nos olhos de Horua.

Depois de uma eternidade aparente, a boca de Horua se moveu lentamente.

Nenhum som saiu.

No entanto, Nick conseguiu entender o que Horua estava dizendo, e seu coração quase se partiu.

— Me… desculpe…

Foi isso que Horua disse, com os lábios.

Nick sabia o que isso significava.

Como criança, Horua acreditava que Nick estava causando aquela dor a ele, e a única coisa que ele podia fazer para impedir que Nick causasse mais dor era se submeter e pedir desculpas.

O puro terror nos olhos de Horua dizia isso claramente.

— Não, Horua! Você vai melhorar! — gritou Nick, afrouxando o aperto no braço de Horua.

Horua parou de mover os lábios e olhou para Nick com pupilas tensas.

Uma eternidade parecia se passar.

— Horua! — gritou Nick novamente.

E então, as pupilas de Horua subitamente se moveram para cima, perdendo todo o foco, enquanto seu corpo perdia toda a força.

— Horua! — gritou Nick mais uma vez, enquanto começava a sacudir os ombros de Horua.

Horua não se mexeu.

Em seguida, Nick colocou o ouvido na boca de Horua para ouvir.

Silêncio.

Cinco segundos de silêncio.

— Ele não está respirando! — gritou Nick em pânico. — O que eu faço?!

— O coração dele está batendo? — perguntou Wyntor, urgentemente.

Nick colocou o ouvido no peito de Horua.

Nada.

— Não está! — gritou Nick.

— Dê espaço! — gritou Wyntor enquanto empurrava Nick para o lado.

Nick rapidamente se moveu e olhou para Wyntor com esperança.

Wyntor imediatamente começou a pressionar o peito de Horua em um ritmo constante.

— Vá ao meu escritório e pegue o Líquido de Recuperação na gaveta mais baixa! — ordenou Wyntor.

Nick assentiu e imediatamente correu para fora da Unidade de Contenção.

Ao entrar no escritório de Wyntor, Nick abriu a gaveta mais baixa e rapidamente encontrou o pequeno frasco verde.

Nick voltou correndo com o frasco e viu Wyntor ainda realizando a RCP1.

— Dê-me isso — disse Wyntor.

Nick entregou o frasco a Wyntor.

Wyntor o abriu e derramou algumas gotas na cabeça de Horua e outras em sua garganta.

Wyntor já havia parado a RCP e apenas observava Horua ao lado de Nick.

Aquele momento decidiria se Horua viveria ou não.


Nota:

[1] Reanimação Cardiopulmonar.

Vol. 5 Cap. 106 Acabou

Nick e Wyntor olhavam para Horua, prendendo a respiração.

O Líquido de Recuperação podia curar todos os tipos de lesões físicas e, se houvesse algo fisicamente errado com Horua, seria resolvido rapidamente.

Esses líquidos foram desenvolvidos para Extratores, o que significava que eram projetados para funcionar em pessoas várias vezes mais fortes que um humano comum.

Usar várias gotas em uma criança era um enorme desperdício, pois ela não poderia absorver tudo, mas Wyntor usou assim mesmo.

Os segundos passaram.

Nick aguardava, rangendo os dentes.

Seus sentimentos estavam fora de controle.

Horua não podia estar morto!

Tinha que funcionar!

Após cerca de 30 segundos, Wyntor colocou a mão no peito de Horua novamente.

— Nada — disse Wyntor, suspirando.

Nick sentiu o pânico e o medo aumentarem enquanto continuava olhando para Horua.

— Ainda pode funcionar! — disse Nick.

— Teoricamente, sim, mas algo assim é muito raro — respondeu Wyntor, levantando-se. — Sinto muito.

Ao ouvir o pedido de desculpas de Wyntor, Nick sentiu como se tivesse entrado em um pesadelo.

Era como se nada disso fosse real.

Isso não podia ser real, certo?

Nick continuava olhando para Horua.

Logo, Horua abriria os olhos, certo?

Seu coração voltaria a bater e sua respiração retornaria, certo?

Nick simplesmente olhava para Horua.

Os olhos de Horua ainda estavam abertos, mas haviam rolado para trás.

Seu corpo estava completamente relaxado.

“Ele vai acordar, certo? O Líquido de Recuperação ainda pode funcionar!”, pensou Nick.

Wyntor moveu-se para o canto da sala e se encostou na parede, com uma expressão triste.

Um minuto de silêncio passou.

Nick continuava olhando para Horua.

— Deixe ir — disse Wyntor. — Acabou.

— Ainda não — disse Nick, com urgência, enquanto continuava olhando para o corpo de Horua.

— Nick, já se passaram mais de dois minutos sem batimentos cardíacos. Acabou — disse Wyntor, suspirando.

Nick continuava observando o corpo de Horua sem responder.

Alguns segundos a mais se passaram.

— Você fez o seu melhor — disse Wyntor. — Mesmo que tenha terminado assim, você ainda fez a coisa certa.

Nick não respondeu.

— Talvez ele tivesse preferido a morte ao estado em que esteve nos últimos três meses — acrescentou Wyntor.

— Talvez seja melhor assim. Se ele tivesse sobrevivido, o que quer que ele tenha passado poderia ter sido demais para suportar.

— Se ele realmente tivesse sobrevivido, talvez até tivesse falado a Sentença.

— Talvez realmente não houvesse nada que pudéssemos ter feito.

Silêncio.

— Talvez o garoto tenha morrido há três meses — disse Wyntor lentamente.

— Ele tem um nome — disse Nick.

— Hã? — repetiu Wyntor, confuso.

— Ele tem um nome, sabia? — repetiu Nick, franzindo as sobrancelhas enquanto olhava para Wyntor. — Você sempre o chama de ‘o garoto’. Por que se recusa a chamá-lo pelo nome?

Wyntor ergueu uma sobrancelha com pena. — Você quer saber isso agora?

Nick rangeu os dentes enquanto sua raiva explodia.

No entanto, rapidamente percebeu que estava apenas desabafando.

Wyntor não havia feito nada de errado.

— Me desculpe — disse Nick, com a voz contida, enquanto olhava novamente para o corpo de Horua.

Vários segundos de silêncio se passaram.

Nick continuava olhando para Horua com esperança.

Logo, ele acordaria.

Mais dois minutos se passaram.

— Você não precisa ficar aqui — disse Nick. — Provavelmente tem algo para fazer.

— Não vou sair sem você — respondeu Wyntor.

Nick suspirou. — Não precisa se preocupar comigo.

— Não estou — respondeu Wyntor.

Nick franziu as sobrancelhas em confusão e olhou para Wyntor.

Wyntor fez um gesto na direção do Sonhador, que ainda estava parado no canto.

— Estou preocupado com ele. Não quero que você o ataque por raiva — disse Wyntor. — Confio na sua capacidade de superar isso, por isso não estou preocupado com você.

Ao ouvir isso, Nick rangeu os dentes enquanto olhava para o Sonhador.

Nick ainda se lembrava de como o Sonhador havia olhado para ele enquanto Horua gritava.

Era quase como se o Sonhador estivesse zombando de Nick!

Nick cerrou os punhos com tanta força que quase começou a sangrar.

— Nick — disse Wyntor, com uma voz séria. — O Sonhador não fez nada de errado.

— Como você sabe?! — disse Nick em voz alta.

— Porque não há razão para ele matar o garoto — respondeu Wyntor. — Além disso, ele não mostrou nenhum sinal de ataque a Horua.

— Mas você não viu como ele…

— Porque você gritou com ele! — interrompeu Wyntor, antes que Nick pudesse terminar.

Wyntor sabia muito bem o que Nick estava prestes a dizer.

— Ele zombou de mim! — gritou Nick, furioso.

— Ele olhou para você com confusão! — respondeu Wyntor, com uma voz séria. — Você gritou com toda sua força. É claro que ele olharia para você!

— Ainda mais, quando você avançou agressivamente, ele apenas recuou, sem nem se preparar para atacar! Caso contrário, o alarme teria disparado!

— O Sonhador tem sido cooperativo esse tempo todo!

— Embora ainda precisemos ter cuidado, já que é um Espectro, ele não fez nada de errado desta vez! — gritou Wyntor, com uma voz de reprimenda.

Nick rangeu os dentes.

Ele sentia que o Sonhador estava zombando dele.

Sentia que o Sonhador havia matado Horua deliberadamente.

Ainda assim, não conseguia argumentar contra a avaliação de Wyntor.

Wyntor estava certo.

Não parecia que o Sonhador havia matado Horua de propósito.

Nick só podia ranger os dentes e olhar para o corpo de Horua com choque, raiva, frustração e esperança.

Talvez, Horua ainda acordasse.

Cinco minutos de silêncio se passaram.

Horua não se mexeu.

Seu corpo estava ainda mais pálido do que antes.

Ninguém disse uma palavra.

— Deixe isso, Nick — disse Wyntor. — Não há razão para continuar aqui.

Nick cerrou ainda mais os punhos.

Não estava disposto a sair.

Não podia acreditar que Horua estava morto.

Depois de tudo o que havia feito nos últimos três meses, Horua ainda morreu?

Nick cuidou de Horua tão bem.

E agora, ele estava morto.

Os pensamentos de Nick, que se moviam rapidamente, pareciam se dispersar, deixando para trás fragmentos indistintos, mas calmos.

Isso não era real, certo?

Mais um minuto passou enquanto Nick continuava olhando para o corpo.

Como as coisas chegaram a esse ponto?

Vol. 5 Cap. 107 O Corpo

Após alguns minutos, Nick se levantou.

Já haviam se passado mais de dez minutos.

O coração de Horua não havia voltado a bater.

Ele estava morto.

Não havia mais como negar.

— Ele tinha algum parente próximo? — perguntou Wyntor, do canto da sala.

Nick balançou a cabeça lentamente. — Não. Seus pais morreram, e ele não tinha amigos ou família…

— Exceto eu — completou Nick, em um tom quase inaudível, enquanto olhava para baixo.

Silêncio.

— O que você quer fazer com o corpo? — perguntou Wyntor.

Ao ouvir isso, Nick sentiu o vazio em seu peito retornar, mais escuro do que nunca.

Naquele momento, Nick sentia que nunca mais seria feliz.

Por um lado, parecia que ele havia sido esvaziado, mas, ao mesmo tempo, sentia como se o peso do mundo estivesse esmagando-o.

Nick sentia que a realidade queria destruí-lo.

O corpo?

Essa pergunta parecia tão surreal.

Nick tinha que decidir o que fazer com o corpo de Horua?

Era tão estranho.

Como isso tudo podia ser real?

Como algo assim realmente havia acontecido?

Por um tempo, Nick não respondeu.

Não havia cemitérios nos Dregs.

Quando alguém morria, o corpo precisava ser entregue às autoridades.

Ninguém sabia onde os corpos acabavam.

Provavelmente, os corpos eram dados como alimento a um Espectro.

Parecia cruel, mas qual era a alternativa?

Não havia terra na cidade, o que tornava impossível enterrar o corpo.

Cremar o corpo também não era uma opção, já que os materiais disponíveis não permitiam gerar calor suficiente para reduzi-lo a cinzas. Restaria apenas um corpo carbonizado, o que seria ainda pior.

Manter o corpo era igualmente inviável, já que ele apodreceria.

Além disso, o Parasita provavelmente consumiria o corpo quando ninguém estivesse olhando.

Era melhor alimentar um Espectro útil.

Nick queria manter o corpo de Horua, mas sabia que isso não era realista.

— Entregue ao Caixão — disse Nick, com a respiração trêmula.

Parecia cruel, mas era a única coisa que Nick conseguia pensar.

Wyntor assentiu.

— Quer se despedir? — perguntou.

Nick olhou para o corpo de Horua.

Um garoto de quase doze anos.

Horua estava tão magro e pálido.

Nick ainda se lembrava de como havia defendido Horua das gangues quando seus pais morreram e de como eles viveram juntos por quase um ano.

Embora tudo tivesse começado como uma relação de negócios, eles rapidamente se tornaram amigos.

Nick também se lembrou de como Horua estava esperançoso quando Nick lhe contou que poderia transformá-lo em um Extrator Zephyx.

E então, a tragédia aconteceu.

“É tudo culpa minha”, pensou Nick, enquanto olhava para o corpo com dor.

— Sinto muito — disse Nick em voz baixa, ajoelhando-se ao lado do corpo.

Nick segurou suavemente a mão de Horua.

Ela estava gelada, macia e fina.

Uma mão de criança.

— Sinto muito, Horua — disse Nick, com a voz trêmula.

— Onde quer que esteja agora, espero que não encontre alguém como eu.

— Tudo isso é culpa minha.

— Se eu não tivesse sido tão estúpido, você ainda estaria vivo.

— Me desculpe.

Vários segundos de silêncio se passaram.

— Obrigado por ser meu amigo.

— Sentirei sua falta, mesmo que você provavelmente não quisesse me ver.

— Vou deixá-lo em paz agora.

— Adeus.

Nick respirou fundo, de forma trêmula, e se levantou.

Wyntor deu um passo à frente e colocou a mão no ombro de Nick.

Nick permaneceu imóvel por um tempo.

Eventualmente, respirou fundo.

— Obrigado — disse, enquanto gentilmente afastava a mão de Wyntor de seu ombro. — Vou precisar de um tempo para lidar com isso.

Wyntor assentiu. — Pode tirar os próximos três dias de folga. Sei que isso é difícil para você.

Nick não respondeu.

Então, virou-se e deixou a Unidade de Contenção em silêncio.

Depois que Nick saiu, Wyntor olhou para o corpo por um momento antes de colocá-lo sobre o ombro.

Em seguida, Wyntor se virou para olhar para o Sonhador.

O Sonhador olhou de volta para Wyntor.

Três segundos depois, Wyntor desviou o olhar e deixou a Unidade de Contenção.

Quando Wyntor saiu, viu Trevor olhando para ele com tristeza.

— Nick foi embora? — perguntou Wyntor, em um tom neutro.

Trevor assentiu. — Sim. Estou preocupado com ele.

— Nick é forte — disse Wyntor. — Ele já passou por coisas piores nos Dregs.

— Alguém que viveu nos Dregs a vida inteira consegue lidar com a morte.

Trevor ergueu uma sobrancelha.

Ele não parecia acreditar totalmente em Wyntor.

Afinal, Trevor também havia vivido nos Dregs.

Para Trevor, parecia que Wyntor estava fazendo suposições.

No entanto, Trevor não corrigiu Wyntor.

Afinal, eles não eram amigos.

Trevor era um funcionário, e Wyntor, seu empregador.

— Espero que esteja certo — disse Trevor.

Wyntor assentiu.

— E o Sonhador? — perguntou Trevor.

— Nick não estará aqui pelos próximos três dias — respondeu Wyntor. — Vou acordá-lo pela manhã. Por enquanto, apenas você e Jenny trabalharão com ele. Seus turnos não mudarão.

— Certo — respondeu Trevor. — Precisa de algo?

— Não, pode ir. Bom trabalho hoje — disse Wyntor, enquanto passava por Trevor.

— Tudo bem. Pelo que vale, desejo um bom dia de trabalho — disse Trevor.

Wyntor deu um leve sorriso, assumindo que Trevor estava brincando.

Enquanto Trevor saía, Wyntor caminhou até outra Unidade de Contenção.

Ao abrir a porta, Wyntor olhou para o Caixão Gritante.

Agora, ele estava apenas deitado silenciosamente no centro da sala.

Aparentemente, estava digerindo um corpo.

A Unidade de Contenção já começava a ter um leve cheiro de cadáveres.

Afinal, os corpos nem sempre eram consumidos imediatamente pelo Caixão Gritante.

Além disso, a ventilação da Unidade de Contenção não era das melhores.

Wyntor olhou para o Caixão Gritante por um momento.

Bang!

Então, ele jogou o corpo de Horua diante dele, sem cerimônias.

Sua expressão era neutra.

Por um instante, Wyntor olhou para o corpo com uma expressão fria.

Aquele garoto havia sido um fardo para Nick por tempo demais.

Finalmente, Nick poderia seguir em frente.

Então, Wyntor se virou e deixou a Unidade de Contenção.

Vol. 5 Cap. 108 Arrependimento Eterno

Nick caminhou de volta para o hotel, perdido em seus pensamentos.

Por algum motivo, parecia que tudo o que havia acontecido naquele dia não era real.

Ainda assim, ele sabia muito bem que era.

Ele sequer questionaria se aquilo era um sonho caso realmente fosse um?

Provavelmente não.

No entanto, Nick sentia como se nada tivesse mudado.

Sentia como se estivesse prestes a voltar ao quarto de Horua para verificar como ele estava.

Ao entrar no hotel e subir as escadas, Nick parou em frente ao seu quarto e olhou para a porta do quarto de Horua.

Por alguns segundos, ele apenas observou.

Então, caminhou até o quarto de Horua e entrou.

Ao abrir a porta, tudo o que viu foi uma cama vazia.

O cobertor ainda estava na mesma posição de quando Nick havia saído.

Mas não havia Horua.

Por muitos segundos, Nick apenas ficou parado no quarto, olhando para a cama de Horua.

De vez em quando, um leve cheiro de sangue chegava ao seu nariz.

Desde que Nick havia matado Pator, um leve odor de sangue parecia surgir no quarto de tempos em tempos.

Naturalmente, toda vez que sentia o cheiro, Nick se lembrava do dia em que matou Pator.

“Outra criança”, pensou Nick.

Horua era uma criança.

Pator era uma criança.

“Eu matei duas crianças”, pensou Nick.

“Ainda que a outra fosse morrer de qualquer forma.”

Nick suspirou.

“Mas o destino de Horua foi culpa minha.”

“Se eu não tivesse envolvido Horua na Sonho Sombrio, ele não estaria morto. Provavelmente, ele continuaria vivendo em algum lugar nos Dregs.”

“Claro, não seria uma vida fácil sem mim por perto, mas ele teria sobrevivido. Afinal, eu também consegui sobreviver.”

“Mas eu simplesmente tinha que fazer Horua se tornar um Extrator Zephyx, não é?”

Nick olhou para a cama vazia com uma expressão cheia de arrependimento.

Ao mesmo tempo, sentiu o vazio negro em seu peito retornar com ainda mais intensidade.

Era como se os músculos e órgãos em seu peito estivessem se contraindo com toda a força.

Arrependimento e culpa.

Nick estava tomado por tanto arrependimento e culpa.

Ele havia cometido erros horríveis, e não havia como consertá-los.

Ele nunca teria a chance de corrigir as coisas.

Horua estava morto.

E ele o havia matado.

Sua estupidez havia causado a morte de Horua.

Ele deveria ter sabido.

Mas não soube.

E agora, Horua pagou o preço.

“Eu não posso consertar isso.”

Silêncio.

“Eu não posso acertar as coisas.”

Nick continuou olhando para a cama de Horua.

“Se pudesse, eu daria tantas coisas para ter a chance de corrigir tudo.”

“Mas eu não posso.”

“Com os poderes dos Espectros, muitas coisas impossíveis se tornam possíveis, mas a morte ainda é definitiva.”

Nick queria desesperadamente corrigir seus erros.

Ele estava disposto a fazer qualquer coisa.

Mas era impossível.

“Sinto muito, Horua”, pensou Nick, enquanto passava levemente a mão pela cama de Horua.

“Eu não consegui consertar.”

“Eu não consegui te ajudar.”

“Desculpe.”

Os olhos de Nick começaram a marejar, mas ele rapidamente balançou a cabeça e rangeu os dentes.

Ele se lembrou do que aconteceu da última vez que chorou.

Da última vez que permitiu que suas emoções transbordassem, aquele vazio negro apareceu em seu peito, e ainda o assombrava.

Se ele chorasse novamente, as coisas apenas piorariam.

Então, Nick empurrou toda a tristeza para longe, enterrando-a profundamente.

Ainda assim, o vazio negro em seu peito não foi embora.

Ele continuava ali, tão perceptível quanto antes.

Por quase uma hora, Nick ficou no quarto de Horua, apenas olhando ao redor e se lembrando de coisas.

Eles só se conheciam há pouco mais de um ano, mas ainda assim eram amigos.

Horua nunca poderia descobrir o que exatamente havia acontecido com seu pai, que desapareceu em um certo momento.

Nick tinha quase certeza de que o pai de Horua provavelmente havia sido jogado nos esgotos por alguém, mas nunca foi uma certeza absoluta.

Horua também nunca poderia, verdadeiramente, ser dono de sua casa.

Sim, ele era essencialmente o proprietário, mas assim que Nick saísse, as gangues tomariam a casa, já que Horua era apenas uma criança incapaz de proteger um bem tão valioso.

Talvez, no futuro, Horua pudesse se tornar um homem grande e forte que lutaria contra as gangues por sua casa de infância.

Mas agora, nada disso aconteceria.

Todos os sonhos de Horua morreram com ele.

Eventualmente, Nick saiu do quarto de Horua e entrou no seu próprio.

Ao entrar, colocou suas armas de lado e apenas caiu na cama.

Ele havia acordado há apenas algumas horas, mas já queria voltar a dormir.

Por que a vida era assim?

Por que uma coisa ruim acontecia atrás da outra?

Problemas, problemas, problemas.

Ele estava tão cansado de todos esses problemas.

“Se eu não fosse tão estúpido, não teria tantos problemas”, pensou Nick, enquanto olhava sem vida para o teto acima de sua cama.

“Se eu fosse forte o suficiente para conter ou isolar minha empatia, não teria tantos problemas com a morte de Pator.”

“Se eu não fosse tão idiota, Horua não teria morrido.”

“Talvez a vida não seja realmente cruel.”

“Talvez seja apenas minha incompetência e idiotice que a tornam cruel.”

“Talvez eu seja apenas burro demais para ter uma vida boa.”

Todas as memórias que Nick associava a emoções negativas passaram por sua mente.

Quando se está cercado pela escuridão, muitas vezes nem se tenta buscar a luz.

Nesse momento, não havia momentos felizes nas memórias de Nick.

O intenso arrependimento e a culpa coloriam os momentos brilhantes de cinza, tornando-os insignificantes.

Quando Nick conseguiu seu emprego, não importava, já que sua vida só piorou a partir de então.

Quando capturou o Sonhador, não importava, pois o Sonhador acabou matando Horua.

Quando ficou rico, não importava, já que todo o dinheiro do mundo não conseguia fazê-lo feliz agora.

Todas as coisas boas eram insignificantes.

Todas as coisas ruins eram dolorosas e dominantes.

“Eu queria ter coragem de dizer a Sentença”, pensou Nick, enquanto olhava sem vida para o teto.

Vol. 5 Cap. 109 Troca de Papéis

As horas passaram, enquanto Nick permanecia imerso em pensamentos.

Em algum momento, seu estômago começou a doer, lembrando-o de que não comia há um bom tempo.

Mas isso parecia tão irrelevante.

Ele simplesmente não se importava.

Além disso, de certa forma, a dor da fome parecia merecida para Nick.

Ele estava consumido demais pelo arrependimento e pela culpa.

Sentir-se feliz, de qualquer forma, parecia uma injustiça com Horua.

Depois de tirar a felicidade e o futuro de Horua, Nick acreditava que não merecia ter os seus.

Era justo.

— Cara, você está péssimo.

Normalmente, Nick teria se sobressaltado ao ouvir uma voz surgindo repentinamente atrás dele, na cama.

Mas ele simplesmente não se importava, e rapidamente percebeu quem era pela voz.

Nick não respondeu.

Um momento depois, um rato entrou em seu campo de visão, olhando para ele com curiosidade.

— O que aconteceu com você? — perguntou o rato.

— Você já não sabe? — respondeu Nick, com uma voz apática e sem vida.

— Não, eu não sei — disse o Parasita. — Posso ter muitos olhos e ouvidos, mas é difícil verificar a Cidade Externa. Guardas e Extratores demais, sabe?

— Por que você está aqui? — perguntou Nick, sem emoção.

— Verificando como está meu Extrator favorito — respondeu o rato com um grande sorriso. — Normalmente, vejo você andando por aí de vez em quando, mas faz tempo que você não aparece.

— Por que você se importaria? — perguntou Nick.

— Você é meu importante parceiro de negócios — disse o rato, sorrindo enquanto esfregava as pequenas patas. — Sua saúde é importante para meus negócios.

Nick soltou um riso seco. — Você já tentou me convencer a me matar mais de uma vez.

— É, mas isso é passado — disse o rato, de forma despreocupada. — As coisas mudam, sabe?

Nick continuou olhando para o teto, sem responder.

— Cara, parece que a vida pegou você pelo pescoço, hein, Nick? — disse o rato, enquanto se apoiava no cotovelo de Nick.

Nick não se moveu.

— Uau — disse o rato, um pouco surpreso. — Você nem está bravo porque estou tocando em você. Isso é novo.

Em seguida, o rato pulou no peito de Nick e olhou para seus olhos vazios e desinteressados.

— Huh — murmurou o rato, após um tempo. — Pensar que você chegaria a esse ponto. Depois daquele incidente, dois anos atrás, achei que você nunca consideraria suicídio.

— As coisas mudam — disse Nick. — Você mesmo disse isso.

— E mudam mesmo — respondeu o rato, movendo-se ao redor de Nick, observando-o com curiosidade.

— Não consegue se decidir, hein? — perguntou o rato.

Nick assentiu fracamente, sem olhar para ele.

— Sabe, esses são meus clientes favoritos — disse o rato. — Tipo, nem preciso convencê-los. Eles só me deixam fazer o meu trabalho.

Em seguida, o rato começou a coçar o queixo com uma de suas garras.

— Mas, neste caso, as coisas são complicadas.

— Primeiro, você vale muito mais do que apenas seu cadáver. Você é um parceiro de negócios que pode me trazer dezenas, se não centenas, de cadáveres, sabe? Ter você morto agora seria um desperdício enorme.

— Além disso, você já não é mais um humano comum. Olha só.

De repente, o rato mordeu o braço de Nick e começou a puxar enquanto arranhava com as garras.

Nick sentiu como se alguém estivesse apenas beliscando-o.

— Não consigo atravessar — disse o rato, afastando-se. — Este corpo é só um rato. Posso matar um cara, mas não um Extrator.

— Claro, se eu arrancasse seus olhos e rastejasse até o crânio, eu conseguiria, mas você nunca deixaria. Até a pessoa mais deprimida e suicida enlouquece quando um rato tenta comer seus olhos. Confie em mim, já tentei.

— Quero dizer, você poderia tentar viajar até o meu corpo principal… — disse o rato, deixando a frase no ar.

— Nah, esquece. Você nunca sobreviveria à jornada — concluiu ele, com um gesto de descaso.

— Além disso, não quero que você morra. Ainda preciso de uns cadáveres, sabe? — disse o rato com um sorriso largo.

Mesmo não se importando muito com nada no momento, Nick ainda notou a ironia da situação.

— Você está tentando me convencer a continuar vivo — afirmou Nick.

— É, meio que sim — disse o rato, dando de ombros. — Por que não? Talvez você doe uns cadáveres depois, quando se sentir melhor?

— Um rato precisa sobreviver, sabe?

Nick quase sentiu como se aquilo não fosse real.

O Parasita.

Um Espectro poderoso.

Alguém que tentava convencer o máximo de humanos possível a deixá-lo consumi-los…

Estava tentando convencer Nick a não se matar.

Como as coisas haviam chegado a esse ponto?

— Então, o que está te incomodando? — perguntou o rato. — Aliás, onde está seu garotinho de pedra? Ele geralmente fica bem aqui.

Nick respirou fundo.

— Ah, entendi — disse o rato, vendo a reação de Nick. — Garotinho de pedra quebrou.

— Então, você quebrou uma estátua. Grande coisa. Faça outra — disse o rato.

Os olhos de Nick se estreitaram de raiva.

O rato imediatamente saltou para longe. — Eita, alguém está ficando nervoso.

— O nome dele era Horua! — gritou Nick, sentando-se de forma explosiva. — Ele era um humano de verdade, com um nome de verdade! Ele não é uma estátua, e não é só um garoto!

O rato piscou algumas vezes, surpreso. — Acho que isso foi só parcialmente direcionado a mim.

Nick bufou e olhou para o lado. — Não importa. Ele está morto agora, e eu o matei.

— E daí? — perguntou o rato.

Nick cerrou os punhos novamente. — Ele era um garoto inocente, e eu o matei! — disse entre dentes cerrados.

— O quê? Então, se você o tivesse matado sete anos depois, seria diferente? — perguntou o rato. — Morto é morto. Quem se importa?

Nick apenas olhou para frente, com as sobrancelhas franzidas, sem encarar o rato. — Você não entenderia. Você é um Espectro.

O rato coçou o lado da cabeça, pensativo.

— Acho que sim? — respondeu, incerto.

Vol. 5 Cap. 110 Terapia

— E daí? — continuou o Parasita. — A vida é vida. Quem se importa se você entende alguma coisa ou não? Você só continua vivendo e fazendo o que tem que fazer.

— Não é tão simples assim — respondeu Nick.

— Como não é tão simples? — perguntou o rato. — Todo mundo só come e bebe pra sobreviver, e trabalha pra comer e beber. Além disso, as pessoas meio que só querem transar ou ficar ricas.

— Mas, no fim, nada disso importa — acrescentou o rato. — Você morre de qualquer jeito.

— Tanto faz se você matou um milhão de pessoas ou salvou um milhão de pessoas. Quando você está morto, nada disso importa. No fim, você é só um cadáver.

— Não importa se você está sozinho ou rodeado pela família, você é só um cadáver.

— Um homem morto não ouve o choro da sua família nem as risadas dos seus inimigos.

Nick franziu a testa enquanto continuava olhando para frente.

De certo modo, o rato estava certo.

Nick não conseguia encontrar um contra-argumento.

— O mesmo vale para o tempo — acrescentou o rato. — Tanto faz se você viveu dez anos ou mil, daqui a um milhão de anos, ambos parecem igualmente pequenos e insignificantes.

— Oh, que tragédia, as criancinhas estão morrendo por aí — falou o rato em um tom exagerado. — Elas tinham vidas tão lindas e cheias de esperanças pela frente. Ah, não, que trágico!

O rato bufou. — Quem liga? Morte é morte. Quando bilhões de pessoas morrem, quem se importa com uma única criança?

— Quando milhões de anos se passam, quem se importa com uma única criança?

— Quando toda a vida deixa de existir, quem se importa com uma única criança?

— Então, por que você deveria? — perguntou o rato.

Nick apenas continuou olhando para frente.

A lógica do rato fazia sentido, mas parecia errada.

Sua ideologia era tão pura, básica e estéril que não podia vir de um humano.

“Embora, provavelmente também existam humanos que pensem assim”, pensou Nick.

Nick só conseguiu suspirar.

Ele não conseguia aceitar aquela ideologia.

— Isso parece uma visão sombria demais — disse Nick.

— Você é o cara que quer se matar — retrucou o rato com um bufar.

— Isso é diferente — respondeu Nick. — Eu tenho controle sobre a minha vida. Você está falando sobre acabar com a vida dos outros só porque a existência deles não importa no grande esquema das coisas.

— Eh, humano morto é humano morto — disse o rato com um gesto displicente. — Por que você complica tanto as coisas? Dois humanos mortos são mais do que um humano morto.

— E quanto à moral? — perguntou Nick.

— Não existe moral — respondeu o rato. — Eu posso tocar na moral? Eu posso ver a moral? Se a moral realmente existe, ela não tem poder sobre mim, e, nesse caso, por que eu me importaria com ela?

— Algo é moralmente errado? E daí? Eu faço mesmo assim. Nada vai mudar.

Nick refletiu sobre as palavras do rato.

Então, os Dregs vieram à sua mente.

Com essa mentalidade, a existência dos Resíduos realmente fazia sentido.

Era moralmente correto tirar vantagem das pessoas pobres dessa forma?

Impossível.

E, ainda assim, era exatamente o que acontecia.

“A moral só tem efeito sobre quem se importa com ela”, pensou Nick.

Isso fez o mundo parecer ainda mais desolado e cinzento para ele.

Tudo parecia tão podre.

Era como se o mundo tivesse sido criado por algum sádico.

Tudo que Nick conseguia enxergar era um lixo.

— Então, você se sente melhor? — perguntou o rato.

Nick saiu de seus pensamentos e olhou para o rato com as sobrancelhas franzidas. — Por que eu me sentiria melhor?

— Nós conversamos, não foi? — perguntou o rato. — As pessoas se sentem melhor quando falam sobre seus problemas.

Nick voltou a olhar para frente.

Ele não queria admitir, mas, por algum motivo, realmente se sentia um pouco melhor.

Em vez de simplesmente ficar deitado na cama, pensando constantemente em seus arrependimentos e culpa, ele estava, de fato, pensando sobre o mundo.

Além disso, Nick estava mais irritado e enojado do que deprimido naquele momento.

— Isso não muda nada — disse Nick.

— Por que não? — perguntou o rato. — Vocês, humanos, vivem se matando porque se sentem tristes. Se você não se sentir triste, não vai se matar.

Nick suspirou. — Mas a causa da dor ainda está lá. Além disso, eu me sinto mal por me sentir bem. Eu roubei a felicidade de Horua.

— Quem? — perguntou o rato.

— O garoto que estava aqui.

— Ah, o garoto estátua, entendi — disse o rato. — Voltamos a esse assunto, é? Achei que já tínhamos resolvido isso.

Nick fechou os olhos e respirou fundo para se acalmar. — Não resolvemos nada. Eu matei Horua. Eu matei uma criança inocente que confiava em mim.

— Você matou um cara — disse o rato. — Você matou vários caras. O que faz esse ser diferente?

— Ele era uma criança inocente — disse Nick com um pouco de agressividade.

— E daí? Já discutimos isso — retrucou o rato.

— É diferente — insistiu Nick.

— Humano morto é humano morto! — afirmou o rato com convicção.

Nick quis argumentar, mas se conteve.

— Você não vai entender. Você é um Espectro.

O rato coçou a lateral da cabeça com irritação. — Certo, então o garoto estátua é diferente de outros humanos mortos.

— Vamos presumir que essa afirmação é verdadeira — disse o rato com cuidado. — Vamos presumir que o garoto estátua é, de alguma forma, mais valioso do que um humano morto.

— Quanto mais valioso? Quantos humanos mortos precisamos para igualar um garoto estátua? — perguntou o rato.

Nick franziu a testa. — Não funciona assim.

O rato gemeu de irritação. — Você preferiria matar mil pessoas ou um garoto estátua?

— Se as mil pessoas forem assassinos e estupradores, eu mataria as mil pessoas — respondeu Nick.

Isso surpreendeu o rato um pouco. — E se não forem?

Nick franziu a testa enquanto olhava para baixo.

Mil desconhecidos ou Horua…

Nick pensou nos Dregs.

De certo modo, ele sentia que preferiria matar as mil pessoas, mas sua mente dizia que ele não conseguiria fazer isso.

Matar Horua por mil pessoas inocentes…

Quando o rato viu Nick pensando tão intensamente, teve apenas um pensamento.

“Caramba, o garoto estátua é tão valioso assim?”

No fim, Nick suspirou.

— Eu provavelmente mataria Horua, mas me sentiria horrível — disse Nick.

CLAP!

O rato bateu suas pequenas mãos. — Aí está!

— O quê? — perguntou Nick com irritação.

— Vá salvar mil pessoas — disse o rato. — Salve mil pessoas, e você terá pago sua dívida.

— Faz sentido, não faz?

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